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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 19 de Abril de 2013, condenou o 2.º arguido A, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso, de:
- Um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
   - Um crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
  - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 262.º, n.º 3, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
  - Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 30 de Maio de 2013, rejeitou o recurso interposto pelo arguido.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
  - O recorrente entende que existiu erro notório na apreciação da prova, que resultou na nulidade prevista pelo art.º 360.º, al. b) do CPPM.
  - O Recorrente A ainda indicou o conflito evidente entre os factos provados e o relatório pericial, entendendo que no relatório de exame laboratorial não se referiu que as 80 palhinhas apreendidas padeceram dos vestígios de “Metanfetamina”, e que com excepção das drogas, os outros objectos apreendidos foram artigos de uso doméstico, pelo que não se podia provar que tais objectos eram utensílios ou equipamentos para consumir, dividir e embalar as drogas.
  - Ocorre o erro notório na apreciação da prova quando em face duma decisão, qualquer pessoa comum possa notar de imediato que a decisão do tribunal se revela incompatível com os factos tidos como provados ou não provados, ou que se violam as regras de experiência ou as legis artis.
  - Segundo os factos provados, “as 80 palhinhas padeceram dos vestígios de “Metanfetamina”, substância abrangida pela tabela II-B”, anexa à mesma Lei, porém, nas fls. 52 a 54, 68 a 74 e 214 a 217 do relatório de exame constante dos autos, não se indica que as 80 palhinhas apreendidas padecem dos vestígios de “Metanfetamina” (TOX-L0860 refere-se a 2 palhinhas em vez de 80 palhinhas). Existe conflito evidente entre os factos provados acima referidos e o relatório pericial.
  - Em segundo lugar, a báscula electrónica e os sacos de plástico não padecem dos vestígios de droga, razão pela qual não se pode reconhecer, sem apoio de qualquer prova, que “a báscula electrónica e os sacos de plástico transparentes foram os instrumentos de divisão e embalagem de droga utilizados pelo Recorrente A”.
  - Além do supracitado vício, no respeitante ao crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” p. p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 de 9 de Setembro, por existir obviamente erro e vício na apreciação da prova acima referida, resulta-se na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
  - Ademais, o Recorrente também entende que conforme as fls. 27 e 28 dos autos do processo n.º CR1-13-0021-PCC-A, não foi encontrada na posse do Recorrente a chave à porta do apartamento objecto da busca, e na audiência de julgamento, não se mencionou que o Recorrente morou com a pessoa que deteve a chave apreendida, e nas fls. 36 dos autos prova-se que o suspeito “B” apareceu no apartamento envolvido, e durante a investigação, não foi inquirido o proprietário deste apartamento. Por isso, o Recorrente entende que não se pode provar que as drogas apreendidas foram adquiridas por ele junto do indivíduo de identidade desconhecida e escondidas no seu domicílio.
  - Por isso, o Recorrente A entende que o acórdão recorrido incorre no vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão previsto pelo art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.
  - Em fim, afigura-se ao Recorrente que de acordo com o art.º 40.º, n.º 1 do CPM, a aplicação de penas não só visa a reintegração do agente na sociedade, mas também a protecção de bens jurídicos. Nos termos do art.º 65º, n.º 1 do CPM: “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.”
  - Uma circunstância que milite a favor do Recorrente é ser delinquente primário.
  - Se o tribunal considerar provada a prática dos supracitados crimes pelo Recorrente A, este entende que deve ser condenado pela prática em autoria material e na forma consumada dum crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 6 anos.
  A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso, acrescentado que não deve conhecer-se das questões atinentes aos crimes de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009 e de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 262.º, n.º 3, do Código Penal, por irrecorribilidade para o TUI.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
Em 28 de Fevereiro de 2010, o arguido C foi expulso de Macau para o Interior da China por se encontrar em situação de imigração ilegal, e interdito de entrar em Macau por um período de 4 anos, a contar a partir de 1 de Março de 2010 até 28 de Fevereiro de 2014. O arguido C assinou na ordem de expulsão, confirmando que sabia bem do seu teor e as consequências da violação da ordem. (vide a ordem de expulsão constante das fls. 40 dos autos)
Num certo dia de Janeiro de 2012, o arguido C entrou de novo em Macau de forma clandestina.
A partir de Abril de 2012, o arguido C alugou um quarto sito na [Endereço (1)], e adquiriu droga junto do suspeito “D” e do arguido A para efeitos de tráfico.
Em 14 de Maio de 2012, pelas 21h30, os guardas do CPSP receberam uma participação de que alguém presenciou perto da [Endereço (1)] a transacção de droga efectuada entre os arguidos C e E, pelo que interceptaram estes dois arguidos para revista.
Os guardas do CPSP encontraram no bolso traseiro direito das calças do arguido C 4 pacotes de pó branco e 1 pacote de cristal transparente; e no bolso direito das calças do arguido E 2 pacotes de pó branco.
A seguir, com o consentimento do arguido C, os guardas do CPSP levaram-no ao seu quarto sito na [Endereço (1)] para realizar a busca, encontrando no quarto 14 pacotes de cristal transparente, 15 pacotes de pó branco, 1 báscula electrónica preta, 30 sacos de plástico transparentes, 30 sacos de plástico transparentes de dimensão 50x70MM, 30 sacos de plástico transparentes de dimensão 70x90MM, 1 acendedor, 30 palhinhas, 1 rolo de papel de alumínio e 1 garrafa de plástico transformada com tubos contendo líquido transparente.
Submetidos a exame laboratorial, os 4 pacotes de pó branco encontrados na posse do arguido C, com o peso líquido de 5,295 gramas, revelaram tratar-se de “Ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C anexa à Lei n.º 17/2009 (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Ketamina” contida foi de 81,60% num peso de 4,321 gramas); o pacote de cristal transparente, com o peso líquido de 0,458 gramas, revelou tratar-se de “Metanfetamina”, substância abrangida pela tabela II-B anexa à mesma lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Metanfetamina” contida foi de 79,37% num peso de 0,364 gramas); os dois pacotes de pó branco encontrados na posse do arguido E, com o peso líquido de 2,538 gramas, revelaram tratar-se de “Ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C anexa à referida lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Ketamina” contida foi de 81,57% num peso de 2,070 gramas); os 14 pacotes de cristal transparente encontrados no quarto do arguido C, com o peso líquido de 28,455 gramas, revelaram tratar-se de “Ketamina” e “Metanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B, anexa à mesma Lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Metanfetamina” contida foi de 78,16% num peso de 22,240 gramas); os 15 pacotes de pó branco encontrados, com o peso líquido de 149,573 gramas, revelaram tratar-se de “Ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C, anexa à mesma Lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Ketamina” contida foi de 85,24% num peso de 127,496 gramas); a garrafa de plástico, transformada, com tubos, padeceu dos vestígios de “Anfetamina”, “Metanfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B, e o líquido na referida garrafa continha “Anfetamina”, “Metanfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B, anexa à mesma Lei.
As drogas encontradas na posse e no quarto do arguido C foram adquiridas por este junto do suspeito “D” e do arguido A, para serem vendidas a outrem e obter vantagem pecuniária.
As drogas encontradas na posse do arguido E foram compradas junto do arguido C a preço de HKD$1.000,00 para o consumo pessoal.
A báscula electrónica e os sacos de plástico transparentes acima referidos foram os instrumentos de divisão e embalagem de droga utilizados pelo arguido C, e o acendedor, os papéis de alumínio e a garrafa transformada com tubos foram os instrumentos utilizados pelo arguido para o consumo de droga.
Ao mesmo dia, os guardas do CPSP encontraram na posse e no quarto do arguido C 4 telemóveis, e HKD$1.000,00 e MOP$460 em numerário.
Os supracitados 4 telemóveis foram os instrumentos de comunicação utilizados pelo arguido C para o tráfico de droga, e o dinheiro foi a remuneração do tráfico de droga dele.
Em 6 de Junho de 2012, pelas 20h30, os guardas do CPSP, segundo as informações fornecidas pelo arguido C, efectuaram na Rua de Pequim a vigilância do arguido A, e interceptaram este arguido que corria apressadamente no Edf. I Hoi.
Com o consentimento do arguido A, os guardas do CPSP efectuaram-lhe a revista, encontrando dois telemóveis, e no saco a tiracolo preto uma faca com lâmina de 8cm de comprimento, susceptível de ser usada como arma de agressão física, e o arguido A não podia justificar a sua posse. Mais tarde, os guardas dirigiram-se ao seu domicílio (sito na [Endereço (2)]) para investigação, encontrando no toucador e no roupeiro do quarto do arguido A os seguintes objectos: 1 garrafa transformada com 2 palhinhas contendo líquido transparente; 1 garrafa transformada com 1 palhinha contendo líquido transparente; 1 caixa metálica prateada; 1 saco de plástico contendo 2 palhinhas, nas quais foram escondidos 23 comprimidos vermelhos; 1 báscula electrónica; 1 acendedor; 2 rolos de papel de alumínio; 80 palhinhas; 1 faca de melancia; 1 caixa de papel azul contendo 50 grandes sacos de plástico transparentes, 1 saco de plástico médio transparente e 14 pequenos sacos de plástico transparentes; 5 pacotes de cristal transparente, embrulhados num saco de plástico transparente; 1 caixa de ferro prateada; 2 pacotes de cristal transparente; 1 lata verde contendo líquido amarelo, e 1 planta preta.
Submetidos a exame laboratorial, os vestígios nas garrafas e palhinhas e o líquido acima referidos contiveram “Metanfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009; os supracitados comprimidos vermelhos, com o peso líquido de 2,143 gramas, revelaram tratar-se de “Metanfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B, anexa à mesma Lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Metanfetamina” contida foi de 17,69% num peso de 0,379 gramas); as 80 palhinhas padeceram dos vestígios de “Metanfetamina”, substância abrangida pela tabela II-B; os 5 pacotes de cristal branco, com o peso líquido de 8,265 gramas, revelaram tratar-se de “N,N-dimetanfetamina” e “Metanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B, anexa à mesma Lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Metanfetamina” contida foi de 70,34% num peso de 5,814 gramas); os 2 pacotes de cristal branco, com o peso líquido de 63,014 gramas, revelaram tratar-se de “Metanfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela tabela II-B, anexa à mesma Lei (a análise quantitativa mostrou que a percentagem de “Metanfetamina” contida foi de 75,89% num peso de 47,821 gramas); o líquido amarelo conservado na lata verde, com o volume de 26ML, revelou tratar-se de “Efedrina”, substância abrangida pela tabela V anexa à mesma lei.
As supracitadas drogas foram adquiridas pelo arguido A junto do indivíduo de identidade desconhecida e escondidas no seu domicílio, para serem vendidas a outrem em Macau e obter vantagem pecuniária, e este tinha fornecido drogas ao arguido C para vender.
A báscula electrónica e os sacos de plástico transparentes foram os instrumentos de divisão e embalagem de droga utilizados pelo arguido A.
As garrafas e palhinhas, o acendedor e os papéis de alumínio acima referidos foram os instrumentos e equipamentos utilizados pelo arguido A para o consumo de droga.
O arguido A deteve a supracitada faca para usar como arma.
Os supracitados telemóveis foram os instrumentos de comunicação utilizados pelo arguido A para o tráfico de droga.
Os arguidos C, A e E conheciam bem a natureza e as características das supracitadas drogas.
Os três arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
Os três arguidos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Mais se provou:
Durante a audiência de julgamento, o 3º arguido confessou integralmente e sem reservas a prática de todos os factos lhe imputados.
O 1º arguido dedicou-se à indústria de jogos de fortuna e azar e sofreu de perdas, tem como habilitações académicas o ensino secundário e tem a seu cargo os pais e um filho.
O 2º arguido é comerciante, aufere mensalmente cerca de MOP$100.000,00, tem como habilitações académicas o ensino secundário geral e tem a seu cargo os pais e uma filha.
O 3º arguido é agente imobiliário, aufere mensalmente MOP$13.000,00, tem como habilitações académicas o ensino secundário complementar, e não tem ninguém a seu cargo.
De acordo com o CRC, o 2º arguido é delinquente primário.
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No processo comum singular n.º CR3-10-0436-PCS, o 1º arguido C foi condenado em 21 de Fevereiro de 2011, pela prática dum crime de reentrada ilegal, p. p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, na pena de prisão de 3 meses, com suspensão da execução por um período de 1 ano. A respectiva pena foi declarada extinta em 20 de Abril de 2012.
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No processo comum colectivo n.º CR3-08-0281-PCC, o 3º arguido E foi condenado em 11 de Março de 2010, pela prática dum crime de aquisição ou detenção ilícita de drogas para consumo pessoal, p. p. pelo art.º 23.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, 1 crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem, p. p. pelo art.º 12.º e 1 crime de consumo em lugares públicos ou de reunião, p. p. pelo art.º 17.º, n.º 2 do mesmo Decreto-Lei, e 1 crime de detenção indevida de arma branca, p. p. pelo art.º 262.º, n.º 3 do CPM, na pena de prisão de 1 ano e 10 meses e na multa de MOP$30.000,00, multa essa conversível em 198 dias de prisão se não pagar a multa nem a substituir por trabalho. A execução da referida pena de prisão foi suspensa por um período de 3 anos e 6 meses, durante o qual o arguido teve de cumprir as seguintes disposições: não frequentar os meios e estabelecimentos relacionados com crimes, continuar a trabalhar ou estudar, apresentar-se no departamento de reinserção social em cada 6 meses e submeter-se ao regime de prova fixado pelo departamento de reinserção social. O arguido pagou a supracitada multa em 23 de Março de 2012.
No processo comum singular n.º CR1-08-0568-PCS, o 3º arguido E foi condenado em 23 de Abril de 2010, pela prática dum crime de aquisição ou detenção ilícita de drogas para consumo pessoal, p. p. pelo art.º 23.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de prisão de 1 mês e 15 dias, com suspensão da execução da pena por um período de 1 ano e 3 meses acompanhada de regime de prova, ou seja ser acompanhado pelo departamento de reinserção social, cumprir o plano de readaptação social e submeter-se a tratamento de toxicodependência. A respectiva pena de prisão foi declarada extinta em 23 de Setembro de 2011.
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Factos não provados:
Nada a assinalar.
  
III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a apreciar são as atinentes aos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, bem como às questões de direito que se referem à medida da pena.

2. Inadmissibilidade do recurso
  O recorrente suscita questões relativamente aos crimes de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009 e de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 262.º, n.º 3, do Código Penal.
  Relativamente a tais crimes não cabe recurso para o TUI, nos termos do artigo 390.º, n.º 1, alínea g) do Código de Processo Penal, pelo que não se conhece das mesmas.
  
  3. Erro notório na apreciação da prova
Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
  Relativamente a esta alegação, o recorrente pretende que o vício consiste em o relatório pericial de exame do material apreendido não coincide com os factos provados, na parte em que se considera que as 80 palhinhas continham vestígios de Metanfetamina, o que não consta do exame. Segundo alega, nos factos provados, “as 80 palhinhas padeceram dos vestígios de “Metanfetamina”, substância abrangida pela tabela II-B”, porém, nas fls. 52 a 54, 68 a 74 e 214 a 217 do relatório de exame constante dos autos, não se indica que as 80 palhinhas apreendidas padecem dos vestígios de “Metanfetamina” (TOX-L0860 refere-se a 2 palhinhas em vez de 80 palhinhas).
  Tem o recorrente razão.
  A afirmação mencionada consta da acusação do MP, que o Tribunal acriticamente aceitou. Mas do exame não consta aquilo que o Tribunal diz que dele consta. Há erro notório na apreciação da prova, mas irrelevante no contexto da decisão, porque tendo sido apreendido produto estupefaciente ao recorrente (63,014 gramas de “Metanfetamina”, com peso líquido de 47,821 gramas) não é o facto de em 80 palhinhas não haver resíduos de estupefaciente que adianta alguma coisa quanto ao resultado final da sua condenação como autor de um crime de tráfico de estupefacientes. Na verdade, a existência dos vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal só conduz ao reenvio se não for possível decidir da causa1 (artigo 418.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). No caso, é possível decidir porque o vício é irrelevante.
  Alega, ainda, o recorrente que a báscula electrónica e os sacos de plástico não padecem dos vestígios de droga, razão pela qual não se pode reconhecer, sem apoio de qualquer prova, que “a báscula electrónica e os sacos de plástico transparentes foram os instrumentos de divisão e embalagem de droga utilizados pelo Recorrente A”.
  Mas não é assim. Ainda que tais instrumentos não tenham vestígios de droga, nada obsta a que o Tribunal valorize outros meios de prova, para considerar provado facto, atento o princípio da livre apreciação das provas.
  Improcede o vício suscitado.
  
4. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Objecto do processo.
Nos acórdãos de 20 de Março de 2002, no Processo n.º 3/2002, de 9 de Outubro de 2002, no Processo n.º 10/2002, de 24 de Novembro de 2010, no Processo n.º 52/2010, entre muitos, este Tribunal entendeu que ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, “quando a matéria de facto provada, se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.” E que, portanto “não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente a factos não constantes da acusação ou da pronúncia, nem suscitados pela defesa, e de que não resultou fundada suspeita da sua verificação do decurso da audiência, nos termos do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal”.
Nesta sede, o recorrente alega que, por existir o erro notório na apreciação da prova, isso resulta na insuficiência da matéria de facto provada.
Mas não é assim. Os vícios correspondem a realidades diversas e só uma preocupação por esgotar o catálogo dos vícios constante do artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, justifica tal alegação.
Alega ainda que não se pode provar que as drogas apreendidas foram por ele adquiridas a indivíduo de identidade desconhecida e escondidas no seu domicílio.
Bom. Esta é a tese do recorrente, a que o Tribunal não deu acolhimento e não integra o vício mencionado nem o de erro notório na apreciação da prova.

  5. Medida da pena.
Vem ainda a questão da medida da pena.
Relativamente à pretensão de redução das penas entre os seus limites mínimo e máximo, tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
Atendendo a que a penalidade varia entre 3 e 15 anos de prisão, que a favor do recorrente não milita qualquer circunstância atenuante, para além de não ter sido condenado judicialmente em Macau e as demais circunstâncias provadas, não se afigura desproporcionada a pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
O recorrente, por outro lado, não alegou qualquer violação de vinculação legal na matéria.
Improcede a questão suscitada.
O recurso é, assim, manifestamente improcedente, impondo-se a sua rejeição.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC, indo, ainda condenado no pagamento de MOP$2.000,00 a título de rejeição do recurso.
Fixam-se MOP$4000 (quatro mil patacas) de honorários ao ilustre Defensor oficioso.
Macau, 6 de Novembro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 Sobre esta questão, cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal À Luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 5.ª edição, 2011, p. 1172.
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Processo n.º 51/2013