Processo nº 160/2011
Data do Acórdão: 08NOV2012
Assuntos:
Divórcio
Caducidade da acção
Alimentos
SUMÁRIO
1. O pedido reconvencional é uma acção autónoma intentada pelo réu contra o autor no âmbito de uma acção declarativa, ficando sujeito às regras e aos princípios reguladores da acção. Assim, se o direito ao divórcio por acção já estiver caducado pelo decurso de 3 anos sobre a ocorrência dos factos fundamento da acção, o mesmo deve suceder com o direito de deduzir pedido reconvencional com fundamento nos mesmos factos.
2. É de revogar a fixação dos alimentos numa quantia obviamente incapaz para eliminar a situação de carência do beneficiário e susceptível de tornar pior a situação de carência de quem se obriga a prestá-los.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 160/2011
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção especial de divórcio litigioso, registada sob o nº CV3-09-0036-CDL, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I – Relatório :
B (B), casado, reformado, residente em Macau, na Rua de ......, n.º …, …º andar “…”,
veio intentar a presente acção de
Divórcio Litigioso
contra
C (C), portadora do BIR n.º XXXXXXX(X), casada, residente em Macau ......街…號……廣場…樓…, com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 8.
Concluiu pedindo que seja a presente acção julgada procedente por provada e, em consequência, seja decretado o divórcio entre o Autor e a Ré, declarando-se este como única culpada, fixado o data de cessação da coabitação entre as partes e arbitrada ao Autor, a título de alimentos provisórios, quantia mensal não inferior a MOP$800,00.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 35 a 40 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor e seja decretado o divórcio entre as partes declarando-se o Autor como o único e exclusivo culpado, fixado a data de cessação da coabitação entre as partes e o Autor condenado a pagar à Ré, a título de alimentos definitivos, a quantia de MOP$350,00.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
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Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A. e R. casaram entre si em 31 de Maio de 1963 sem convenção antenupcial (alínea A) dos factos assentes).
- O A. nasceu em 1 de Agosto de 1938 (alínea B) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Consta da resposta ao quesito 27º (resposta ao quesito da 1º da base instrutória):
- Desde 2001, a Ré nunca voltou para casa, para junto do Autor (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Desde 2001, a Ré não mais almoçou ou jantou com o Autor (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Desde 2001, a Ré não telefonou ao Autor (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Desde 2001, a Ré não contribui para as despesas de água, luz, electricidade, telefone, e da casa de morada de família (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Desde 2001, a Ré não pagou nem ajudou a pagar a Contribuição Predial relativa à casa de morada de família (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- O Autor tem despesas medicamentosas e hospitalares próprias, e de vestuário e alimentação (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O Autor está reformado (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- O Autor recebe, cada mês, do Fundo de Segurança Social um subsídio de MOP1.700,00 e do Instituto de Acção Social um subsídio de MOP940,00 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- À data de 15 de Maio de 2008, a conta bancária do Autor tinha um saldo positivo de MOP1.290,48 (mil duzentas e noventa patacas e quarenta e oito cêntimos) (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- A Ré sofre de doença de ossos (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A R. necessita de se deslocar ao hospital e de comprar medicamentos (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- A Ré recebe, mensalmente, um subsídio de MOP1.700,00 (mil e setecentas patacas) do fundo de Segurança Social) (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Em 2000, o Autor insultou e bateu na Ré (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- Para evitar as agressões do Autor, a Ré fugiu para o quarto da filha (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- O Autor, zangado, não podendo entrar no quarto, pontapeou sucessivamente a porta do dito quarto (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- O Autor ameaçou a Ré e a filha de morte, manifestando a intenção de comprar uma espingarda na China, com o fim de matar as duas (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A Ré vivia com medo (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
- Pelo que a Ré decidiu sair da casa morada de família em 2001 (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
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III – Fundamentos:
Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
Na presente acção de divórcio litigioso, o Autor fundamenta o seu pedido no facto de a Ré ter abandonado a casa de morada de família desde em Julho de 1998; de estar, a partir desta altura até à presente data, separado da Ré; de a Ré ter deixado de contribuir para os encargos da vida familiar; e de a Ré viver com outro homem.
Contestando a acção, veio a Ré impugnar os factos alegados pelo Autor alegando que este mantinha relações sexuais extra conjugais com prostitutas, tinha o vício e dependência do jogo e tinha insultado, agredido e ameaçado matar a Ré facto que levou a que esta abandonasse o lar conjugal.
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Nos termos do artigo 1533o do CC, “Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.”
Conforme o artigo 1635o, nº 1, do CC, “Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade de vida em comum.” No entanto, “Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges.”
Além disso, dispõe o artigo 1637º, a), do CC, que a separação de facto por 2 anos consecutivos é também fundamento de divórcio litigioso.
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Violação do dever de respeito
Como vem referido na norma do artigo 1533º do CC acima transcrito, impende sobre os cônjuges o dever de respeito.
Conforme F. Brandão Ferreira Pinto, in Causas de Divórcio, Livraria Almedina, Coimbra, pg 52 e 53 “O respeito é, em si mesmo, um sentimento moral inspirado pela eminente dignidade da pessoa, reconhecida como um valor a salvaguardar e a promover. ... para a micro-sociedade que é a família, surge-nos o dever de respeito recíproco dos cônjuges de que expressamente se fala o artº 1672º do CC (a que corresponde o artigo 1533º do CC de Macau) , cuja infracção é susceptível de tipificar uma causa de divórcio.” Nesse âmbito, o dever de respeito consiste em não lesar a integridade física ou moral do outro cônjuge, “... os seus direito individuais, conjugais e familiares. É, no mais fundo, 《não lesar》 a plena comunhão de vida de que fala o artº 1577º (a que corresponde o artigo 1462º do CC de Macau) , ao definir o casamento.” – cfr. Eduardo dos Santos, in A Nova Lei do Divórcio, 2ª edição aumentada e refundida, Liber, pg 46.
Assente que “A comunhão de vida entre os cônjuges constitui, em síntese, o conteúdo da relação matrimonial” – cfr. Antunes Varela, in Direito de Família, 1º Volume, 4ª edição revista e actualizada, Livraria Petrony, Lda, pg 339 – a violação do dever de respeito traduz, no fundo, no minar dos alicerces em que funda a sociedade conjugal. Não se estranha, por conseguinte, que F. Brandão Ferreira Pinto, ob. cit., pg 55, considere o dever de respeito mútuo o mais importante dos deveres conjugais.
Dos factos provados não consta qualquer facto que indica a violação desse dever por parte da Ré. Antes, os factos provados demonstram que o Autor violou esse dever por ter insultado, agredido e ameaçado matar a Ré.
Pelo que, está verificada a violação do dever de respeito por parte do Autor.
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Violação do dever de fidelidade
As partes acusam mutuamente a manutenção de relações sexuais extra-conjugais violando o dever de fidelidade.
Porém, nada ficou provado acerca dessa violação.
Nestes termos, fica afastada a violação do dever de fidelidade.
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Violação do dever de coabitação
Imputa o Autor à Ré a violação do dever de coabitação por alegadamente esta ter abandonado o lar conjugal em Julho de 1998.
Feito o julgamento da matéria de facto, ficou assente que, de facto, a Ré abandonou o lar conjugal mas em 2001. Contudo, mais se provou que a Ré assim fez porque o Autor tinha ameaçado matá-la e a filha de ambos fazendo com que a Ré vivesse com medo. Além disso, provou-se que anteriormente o Autor tinha insultado e agredido a Ré e esta, para evitar as agressões, tinha fugido para o quarto da filha do casal.
Assim, julga-se justificado abandono do lar conjugal o que afasta a violação do dever de coabitação por parte da Ré sendo, antes, de imputar a separação do casal ao Autor.
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Violação dos deveres de assistência e de cooperação
Nos termos do artigo 1535º do CC, “O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerente à vida da família que fundaram.”
Por sua vez, dispõe o artigo 1536º, nº 1, do CC que “O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar.”
Provou-se que a Ré deixou de contribuir para as despesas da casa de morada de família e deixou de telefonar para o Autor desde 2001. Porém, como foi já referido acima, em 2001 a Ré deixou de viver com o Autor porque este ameaçou matá-la. Assim, não se pode imputar a violação dos deveres acima referidos à Ré porque foi por ser obrigada a sair de casa que a Ré deixou de pagar tais despesas e de telefonar ao Autor.
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Possibilidade de vida em comum
Conforme o regime legal estabelecido no artigo 1635º do CC, não basta uma qualquer violação dos deveres conjugais. É necessário que a violação seja de tal gravidade ou de tal forma reiterada que comprometa a possibilidade de vida em comum.
Conforme Antunes Varela, in ob. cit., pg 489 a 490, “Nem toda a infracção culposa dos deveres conjugais é capaz de provocar a extinção da relação matrimonial. Para tal torna-se necessária ainda a verificação de dois requisitos substanciais: a gravidade (ou reiteração) da falta e a sua essencialidade. Não basta qualquer falta (leve ou ligeira) de respeito ou cooperação, por exemplo, para justificar o divórcio. É preciso, atendendo de modo especial à mútua compreensão que deve existir nas relações entre os cônjuges, que se trate de uma falta grave – grave não só objectivamente (em face dos padrões médios de valoração da conduta dos cônjuges em geral), mas também subjectivamente (em face da sensibilidade moral do cônjuge ofendido e da actuação deste no processo causal da violação).”
“A gravidade da violação tem de medir-se pelos efeitos que provoca nas relações pessoais dos cônjuges. Se cria ou não entre eles uma cisão tão profunda que a subsistência do vínculo matrimonial não deva razoavelmente ser imposta ao cônjuge ofendido. Se atinge ou não seriamente as bases morais da sociedade conjugal por forma a deixar de exigível ao cônjuge ofendido a continuação do matrimónio.” – cfr. Eduardo do Santos, in ob. cit., pg 35 a 36
Em suma, “... a falta alegada compromete a possibilidade da vida em comum quando, por virtude dela, não seja de prever, como provável, a futura reconciliação dos cônjuges. Trata-se de um critério que já não olha tanto à gravidade da falta, considerada nu sua substância, como à gravidade da violação, no efeito ou resultado duradouro que ela produziu no relacionamento dos cônjuges. ... Numa palavra: a possibilidade de vida em comum dos cônjuges está comprometida, para o efeito do disposto no nº 1 do artigo 1779º (a que corresponde o artigo 1635º, nº 1, do CC de Macau), quando o cônjuge requerente, por causa dos factos invocados, a não quer continuar e não é provável que mude de atitude, e não seja razoavelmente exigível que um e outro a continuem.” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª edição revista e actualizada, pg 531.
Retomando os factos provados, constata-se que o Autor insultou e bateu na Ré e ameaçou matá-la. Foi na sequência disso que esta deixou a casa de morada de família, acompanhada da filha maior, para se refugiar num outra casa. Além disso, as partes já estão separadas há quase 9 anos. Ora, isso é o suficiente para não prever a reconciliação das partes sendo de considerar que a vida em comum se tornou insuportável.
Pelo que, está preenchido o requisito da impossibilidade de vida em comum.
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Culpa
Um outro requisito exigido pelo artº 1635º do CC é a culpa do(s) cônjuge(s) faltoso(s).
Tendo em conta os factos provados, julga-se que houve culpa exclusiva por parte do Autor, pois nada indica que o comportamento por este adoptado era involuntário ou que este não tinham consciência dos seus efeitos e que a Ré contribuiu para a ruptura com o Autor.
Nestes termos, é de enquadrar a violação dos deveres de assistência, de cooperação e de respeito como culposa sendo o Autor o único e exclusivo culpado.
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Separação de facto
Dos factos provados vê-se que as partes deixaram de viver juntos a partir de 2001, portanto, estão separados há mais de dois anos.
Nos termos do artº 1638, nº 1, do CC, “Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer”.
Ora, tendo o Autor e a Ré ambos formulado pedido de divórcio, vê-se que as partes têm o propósito de não restabelecer a comunhão de vida que cessara em 2001.
Assim, está também preenchido o requisito previsto para se decretar o divórcio com fundamento na separação de facto.
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Cessação da coabitação
Uma vez que resulta dos factos que as partes deixaram de viver juntos desde 2001 por culpa exclusiva do Autor, é de declarar que a coabitação das partes cessou em 2001.
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Alimentos provisórios
Ao abrigo do disposto no artº 957 do CPC, veio o Autor requerer que seja arbitrado-lhe a título de alimentos provisórios na quantia mensal não inferior a MOP$800,00, e a Ré também requer o Autor condenado a pagar à Ré a título de alimentos definitivos, a quantia de MOP$350,00.
Para o efeito, foi elaborado o relatório social.
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Para o efeito, consideram-se provados os seguintes factos:
O Autor e a Ré casaram-se em 31 de Maio de 1963.
Do casamento, nasceram três filhas, a filha mais velha faleceu em 1982 e as duas restantes filhas são maiores.
O Autor e a Ré separaram-se em 2001.
O Autor, tem 72 anos, é reformado, tem despesas medicamentosas e hospitalares próprias, e de vestuário e alimentação, vive sozinho numa fracção autónoma de que são proprietários o Autor, a Ré e a filha mais nova, recebe, cada mês, do Fundo de Segurança Social um subsídio de MOP$1.700,00 e do Instituto de Acção Social um subsídio de MOP$940,00,
A Ré, tem 72 anos, sofre de doença de ossos, necessita de se deslocar ao hospital e de comprar medicamentos, vive com a filha mais nova em casa de uma amiga que lhas facultam gratuitamente, recebe, mensalmente, um subsídio de MOP$1.700,00 do Fundo de Segurança Social e MOP$200,00 da filha mais nova.
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Nos termos do artº 1845 do Código Civil, “1. Os alimentos devem ser proporcionados ao meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los; 2. Na fixação dos alimentos deve atender-se, igualmente, à possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência”.
Feita uma comparação das receitas e dos encargos do Autor e da Ré, verifica-se que o Autor, além de receber MIOP$740,00 a mais por mês, não precisa de pagar qualquer renda pela casa onde vive enquanto que a Ré está a viver numa casa emprestada o que torna provável precisar de vir a pagar renda no futuro. Pelo que, tendo em conta a situação das partes, julga-se que ajustado obrigar o Réu a prestar alimentos à Ré os quais devem ser fixados no valor de MOP$350,00.
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IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga a acção improcedente e a reconvenção procedente, em consequência, decide:
1. Declarar dissolvido o casamento entre o Autor B e a Ré C, casamento este celebrado em 31 de Maio de 1963, sendo o Autor declarado o único e exclusivo culpado;
2. Declarar que a coabitação das partes cessou em 2001; e
3. Fixar os alimentos mensais a favor da Ré a pagar pelo Autor no valor total de MOP$350,00 por mês.
Custas pelo Autor.
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Fixam-se em MOP$3,000.00 (três mil patacas) a título de honorários para o patrono do Autor, a suportar pelo GPTUI (artigo 29o do DL no 41/94/M, de 1 de Agosto, em conjugação com o no 9 das Notas anexas à Tabela aprovada pela Portaria no 265/96/M, de 28 de Outubro).
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Notifique e Registe.
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據上論結,本法庭裁定訴訟理由不成立以及反訟理由成立,裁決如下:
1. 判原告B與被告C於1963年5月31日締結之婚姻關係解除,並宣告原告為唯一過錯人;
2. 宣告雙方於2001年已終止同居;
3. 判原告向被告每月支付澳門幣350.00元作為扶養費。
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訴訟費用由原告支付。
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原告之律師代理費訂為澳門幣叁仟圓正,由終審法院院長辦公室支付 (見8月1日《第41/94/M號法令》第29條及10月28日《第265/96/M號訓令》)。
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依法作出通知及登錄本判決。
Não se conformando com o decidido, veio o Autor recorrer da mesma concluindo que:
1. A douta decisão recorrida fundamentou-se num episódio único ocorrido no ido ano de 2000 (episódio esse a que se referem as respostas aos quesitos 22 a 27 da Base Instrutória), para decretar o divórcio entre o Autor e a Ré, com fundamento na violação dos deveres conjugais, considerando exclusivamente culpado o cônjuge Autor.
2. Nos termos conjugados do número 1 do artigo 1641.º e do número 1 do artigo 325.°, ambos do Código Civil, e do número 3 do artigo 412.° e do artigo 415.°, ambos do Código de Processo Civil, e ainda conforme a boa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, citada supra, o evento ocorrido no ano de 2000 não pode fundamentar o divórcio e a culpa do Autor, nos termos em que foram decididos na sentença recorrida, pois caducou o direito de acção relativamente àquele episódio do ano de 2000 (caducidade essa que aqui expressamente se invoca, para todos os devidos e legais efeitos).
3. Ademais, acresce ainda que aquele episódio, por si só, desgarrado de qualquer outra factualidade relevante (inexistente no rol de factos dados como provados pelo douto tribunal recorrido), não preenche os requisitos legais de reiteração ou gravidade estipulados no artigo 1635.° do Código Civil, nem permite julgar/ponderar a hipótese de compromisso da possibilidade de vida em comum do casal, sendo certo que não foi dada como provada, nestes autos, nenhuma factualidade referente ao grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges (cfr n.º 2 do citado artigo 1635.° do C.C.).
5. Á luz da alínea B) dos factos assentes, e das respostas aos quesitos 5 a 7, 12 a 14, 17 e 18 da Base Instrutória, e em atenção ao mandamento estipulado no artigo 1845.º do Código Civil (segundo o qual os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los), e ainda ao do número 3 do artigo 1857.º do mesmo diploma, e também atendendo à impenhorabilidade e intransmissibilidade das prestações da segurança social, determinadas no artigo 27.º da Lei n.o 4/2010 (Regime da Segurança Social), que aqui se invoca per se e por analogia, julgamos inadmissível impor ao Autor, pessoa de 72 anos, cuja única conta bancária tem um saldo médio de cerca de mil patacas, cujos únicos meios de sustento são dois parcos subsídios (que, pela sua natureza, se destinam a minorar a insuficiência económica de quem os recebe), que preste alimentos à Ré (ainda que esta pudesse eventualmente estar em condição económica pior que a do Autor).
6. O Autor e a Ré peticionaram, a título subsidiário, que fosse decretado o divórcio entre eles, com fundamento na causa objectiva da alínea a) do artigo 1637.º do Código Civil, pretensão essa que encontra fundamento na factualidade dada como provada nestes autos, da qual resulta claramente que o Autor e a Ré estão separados de facto desde 2001.
7. Atendendo à matéria dada como provada pelo douto tribunal recorrido, que, sumariamente, retrata um episódio único acontecido em 2000 entre o Autor e a Ré, e o abandono desta da casa de morada de família em/desde 2001, somos da opinião que não existe nos autos matéria de facto suficiente para alicerçar juízos de culpa das partes, ou, considerando-se que existem, que esses factos não suportam o juízo da sentença recorrida, de considerar o Autor único e exclusivo culpado pela dissolução do casamento, porquanto não valora as respostas aos quesitos 1 a 6 da Base Instrutória, respeitantes à Ré.
Termos em que se requer a V. Exas. que revoguem a decisão recorrida, por caducidade do direito de acção, no que respeita ao episódio considerado pelo douto tribunal recorrido como fundamento de violação dos deveres conjugais, episódio esse que, ademais, não preenche os requisitos legais do artigo 1635.° do Código Civil, pedindo-se igualmente a V. Exas. que revoguem a obrigação de prestação de alimentos que na sentença recorrida se impôs ao Autor, substituindo-se a final a decisão recorrida por outra, que simplesmente decrete o divórcio entre o Autor e a Ré, com fundamento na causa objectiva da alínea a) do artigo 1637.° do Código Civil, pretensão essa que em momento próprio foi formulada (a título subsidiário) pelo Autor e pela Ré, e que tem apoio bastante na factualidade dada como provada nestes autos. E que, à luz da matéria de facto considerada provada pelo douto tribunal recorrido, julguem V. Exas. inexistir nos autos matéria de facto suficiente para alicerçar juízos de culpa das partes, ou, considerando que existem, que decidam V. Exas. que esses factos não suportam o juízo de considerar o Autor único e exclusivo culpado pela dissolução do casamento, e distribuam essa culpa pelo Autor e pela Ré, na medida que considerem adequada.
Ao recurso respondeu a Ré pugnando pelo não provimento do recurso.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Tendo em conta o alegado e concluído na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem objecto da nossa apreciação:
1. Da caducidade do direito ao divórcio;
2. Dos Alimentos; e
3. Da declaração da culpa.
Apreciemos.
1. Da caducidade do direito ao divórcio;
Conforme se vê na fundamentação da sentença ora recorrida, foi com base na cessação da coabitação causada por culpa exclusiva do Autor, ora recorrente, que o Tribunal julgou procedente a reconvenção decretando o divórcio entre o Autor e a Ré e declarando o Autor o único e exclusivo culpado.
E a declaração do Autor como o único e exclusivo culpado apoiou-se na circunstância de ter o Autor insultado e agredido a Ré e ter chegado a ameaçar a matá-la fazendo com que a Ré abandonasse o lar conjugal por causa do medo que lhe provocou a ameaça.
Não pondo em causa a tal circunstância, o Autor ora recorrente entende que apenas a cessação da coabitação objectiva tem a virtualidade para justificar o decretamento do divórcio, mas os insultos, as agressões e a ameaça já não se podem servir de fundamento para o declarar o único e exclusivo culpado, dado que as tais circunstâncias já ocorreram há mais de 3 anos e em face do disposto no artº 1641º do CC, já caducou há muito o direito ao divórcio com base nessas circunstâncias.
Nos termos preceituados no artº 1641º/1 do CC, o direito ao divórcio caduca no prazo de 3 anos, a contar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu representante legal teve conhecimento do facto susceptível de fundamentar o pedido.
In casu, os factos de insultos, agressões e ameaça foram invocados pela Ré na reconvenção para fundamentar o pedido de divórcio e da declaração do Autor como o único e exclusivo culpado.
Como se sabe, o pedido reconvencional é uma acção autónoma intentada pelo réu contra o autor no âmbito de uma acção declarativa.
Trata-se de uma verdadeira acção, ficando portanto sujeita às regras e princípios reguladores de uma acção.
Se o direito ao divórcio por acção já estiver caducado pelo decurso de 3 anos sobre a ocorrência dos factos fundamento da acção, o mesmo deve suceder com o direito de deduzir pedido reconvencional com fundamento nos mesmos factos.
Ficou provado que os insultos, as agressões e as ameaças tiveram lugar antes do abandono da Ré do lar conjugal em 2001, é de concluir que há muito já caducou o direito ao divórcio com base naqueles factos e é consequentemente de revogar a sentença recorrida na parte que declarou o Autor o único e exclusivo culpado.
E o divórcio deve passar a ser decretado apenas com fundamento único na cessação objectiva da coabitação.
2. Dos Alimentos
A sentença fixou a cargo do Autor a quantia de MOP$350,00 por mês como alimentos a favor da Ré, uma vez que comparando o rendimento mensal de ambos, o Autor recebe MOP$740,00 a mais por mês do que a Ré.
Para o Autor ora recorrente, o Tribunal não deve obrigar o Autor a prestar a favor da Ré qualquer quantia a título de alimentos pois ante o quadro fáctico dado por provado sobre a situação do Autor, isto é, pessoa de 72 anos de idade, cuja única conta bancária tem um saldo médio de cerca de mil patacas, cujos únicos meios de sustento são dois parcos subsídios que pela sua natureza, se destinam a minorar a insuficiência económica de que os recebe.
A propósito da medida dos alimentos, reza o artº 1845º do CC que:
1. Os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos deve atender-se, igualmente, à possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência.
Ora, ficou provado o seguinte em relação à situação económica de ambas as partes:
- O Autor tem despesas medicamentosas e hospitalares próprias, e de vestuário e alimentação (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O Autor está reformado (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- O Autor recebe, cada mês, do Fundo de Segurança Social um subsídio de MOP1.700,00 e do Instituto de Acção Social um subsídio de MOP940,00 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- À data de 15 de Maio de 2008, a conta bancária do Autor tinha um saldo positivo de MOP1.290,48 (mil duzentas e noventa patacas e quarenta e oito cêntimos) (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- A Ré sofre de doença de ossos (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A R. necessita de se deslocar ao hospital e de comprar medicamentos (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- A Ré recebe, mensalmente, um subsídio de MOP1.700,00 (mil e setecentas patacas) do fundo de Segurança Social) (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
Perante o quadro fáctico assim delineado, cremos que podemos concluir que ambas as partes se encontram em situação da carência.
É verdade que o Autor recebe MOP$750,00 a mais por mês do que a Ré, o certo é que a soma de ambos os subsídios, no valor de MOP$2.640,00 por mês, que recebe nem sequer se apresenta suficiente para a sua própria sobrevivência.
A Ré, por sua vez, recebe apenas um único subsídio no valor de MOP$1.700,00 por mês e uma quantia de MOP$200,00 da filha mais nova.
Tendo em conta o nível da vida hoje em dia em Macau, a quantia dos alimentos no valor mensal de MOP$350,00, fixada a favor da Ré é-nos obviamente incapaz para eliminar a situação de carência da Ré, antes pelo contrário susceptível de tornar pior a situação de carência do Autor que se obriga a prestá-lo.
O que nos leva a crer que a situação de carência de ambas as partes não se resolve por via de fixação judicial dos alimentos a cargo daquela que recebe mais, mas sim deve sobre os ombros da acção social e da segurança social da RAEM recair o dever de suprir a carência de que ambas as partes se encontram a sofrer.
Pelo que, não é de manter a fixação dos alimentos a cargo do Autor.
3. Da declaração de culpa
Face ao decidido na questão da caducidade do direito ao divórcio, deve ser consequentemente eliminada a sentença na parte que declarou o Autor o único e exclusivo culpado.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso interposto pelo Autor B, revogando a sentença recorrida na parte que declarou o Autor o único e exclusivo culpado e que fixou os alimentos a cargo do Autor e mantendo a restante parte da sentença recorrida.
A título de honorários a favor do Ilustre Mandatário nomeado do Autor, fixa-se em MOP$2.500,00, a suportar pelo GPTUI.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.
RAEM, 08NOV2012
Lai Kin Hong
(Relator)
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)