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Proc. nº 626/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Novembro de 2012
Descritores:
-Art. 3º do Regulamento Administrativo nº 25/2009
-Art. 86º do CPA
-Arrendamento de Habitação Social
-Interpretação da lei


SUMÁRIO:

I- A violação do dever de averiguação plasmado no art. 86º do CPA pode em certos casos conduzir à invalidação da decisão administrativa.

II- Se a Administração tiver feito uma errada interpretação da norma, por não colher dela o verdadeiro espírito legislativo, a vontade do legislador, a “mens legistoris”, produz uma decisão errada, violando a lei.

III- O arrendamento de habitação social, ao abrigo do disposto no art. 3º, nºs 1 e 4, al. 1), do Regulamento Administrativo, depende do requisito-base de cariz subjectivo ou pessoal previsto na primeira disposição (“situação económica desfavorecida”) e do requisito objectivo negativo estabelecido no nº4, al. 1), do mesmo artigo (não ser ou ter sido proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura).

IV- Tendo o requerente ao arrendamento sido proprietário de uma fracção dentro daquele período de três anos, mesmo que tivesse celebrado um contrato-promessa de venda, com tradição da coisa e recebimento do respectivo preço, muito antes do início desse prazo, nem por isso pode deixar de estar abrangido pela previsão da referida alínea 1), do nº 4 citado, se apenas celebrou a escritura já dentro desse período.

Proc. nº 626/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, casado, titular do BIRM nº xxxxxxx(1), com residência em Macau, XX, nº XX, XX, “XX” (bolcoXX), XXº andar “XX”, interpôs no TA recurso contencioso da decisão proferida pelo Vice-Presidente do Instituto de Habitação (IH) de 28/07/2010, que lhe indeferiu a reclamação apresentada contra a sua exclusão da lista de candidatos a habitação social.
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Da sentença proferida na 1ª instância que “rejeitou” o recurso, veio o impetrante apresentar recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1) O recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo contra a decisão proferida, em 28 de Julho de 2010, pela vice-presidente do Instituto de Habitação (IH), que indeferiu a sua reclamação, apresentada por ter sido excluído da lista de candidatos a habitação social, requerendo que seja anulada a decisão recorrida por esta ter violado o dever de investigação dos factos e o princípio da verdade. O recurso contencioso foi rejeitado pelo Tribunal Administrativo.
2) Porquanto, em 23 de Junho de 2010, o IR descobriu, através do sistema de informática da Direcção dos Serviços de Finanças, que o recorrente possuiu com outrem a referida fracção autónoma do XXº andar - XX do “Edifício XX” entre 1 de Dezembro de 1989 e 20 de Agosto de 2008, por isso, o presidente do IR decidiu a exclusão do recorrente da lista de candidatos a habitação social.
3) O artº 3º, nº 4, al. 1) do Regulamento Administrativo nº 25/2009 estabelece restrição à candidatura de habitação social - não pode ser ou ter sido proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio...
4) O artº 1229º do CC dispõe: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”
5) Conforme a matéria de facto provado, foi provado que em 12 de Abril de 1990, com o consentimento do recorrente e de B, C transmitiu a posição contratual a D, este pagou ao recorrente e B o restante valor da fracção autónoma e morava nela até ao dia em que desocupou a fracção para a alugar a alguém.
6) De facto, salvo falta de requisitos legais entre os indivíduos supra referidos, a vontade de compra e venda já foi realizada e D já se tornou titular da direito dispositivo daquela fracção autónoma.
7) O recorrente já não gozou de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da fracção em causa desde 20 de Abril de 1990, ou pelo menos, o recorrente já perdeu a posse do imóvel.
8) Portanto, analisada a situação objectiva acima mencionada, quando é limitado o poder de disposição no direito de propriedade, o recorrente perda a qualidade de proprietário da fracção autónoma.
9) Na sentença proferida, o Tribunal a quo entendeu que o legislador tem intenção de dar prioridade aos agregados familiares ou indivíduos que se encontram em situação económica desfavorecida por mais tempo, por isso estabeleceu o requisito de não poder ser proprietário de qualquer fracção autónoma no período de três anos.
10) Caso prive o recorrente do direito ao pedido de habitação social quando este se encontra em situação desfavorecida de não conseguir cancelar o registo da fracção autónoma e de não poder dispor do imóvel,
11) Constitui violação do princípio da verdade e do espírito legislativo do Regulamento Administrativo nº 25/2009 (artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC).
12) Uma vez que o recorrente está em dificuldade económica, não tendo capacidade para constituir mandatário judicial para intervir no recurso contencioso, assim foi autorizado, no processo 471/IO-AJ, o seu pedido de assistência judiciária para o recurso contencioso interposto.
Por tudo o exposto, o recorrente solicita aos MMºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância que anulem o acto administrativo praticado pelo presidente do Instituto de Habitação contra o recorrente (exclusão da candidatura).
Mais solicita que seja autorizado o seu pedido de dispensa, total ou parcial, do pagamento de preparos, custas processuais e demais encargos (impostos, emolumentos e taxas relativos aos articulados, requerimentos, certidões e quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais e de registo, para fins de apoio judiciários), nos termos do artº 24º do DL nº 41/94/M, de 1 de Agosto)”.
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A digna entidade recorrida respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“A - A sentença recorrida não merece qualquer reparo ou juízo de censura, sendo que perante os factos dados como provados - não contestados pelo Recorrente -, e perante o quadro legal aplicável, outra alternativa não restava à Entidade Recorrida senão excluir o nome do Recorrente da candidatura à atribuição de habitação social, razão pela qual bem andou o Tribunal Administrativo em manter o acto administrativo de exclusão da candidatura do Recorrente.
B - Dúvidas não existem que o Recorrente foi proprietário da fracção autónoma B4 do prédio XX, de 1 de Dezembro de 1989 a 20 de Agosto de 2008, sendo que apresentou a sua candidatura à atribuição de habitação social em 3 de Dezembro de 2009, ou seja, passado apenas 1 ano e 4 meses.
C - O artigo 3.º, n.º 4, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 define um pressuposto ou requisito objectivo, ou seja, a fim de assegurar o cumprimento da mencionada norma legal, cabe ao Instituto de Habitação verificar, apenas, se o recorrente é ou não proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no referido período.
D - Sendo totalmente irrelevante saber se o mesmo, no caso de ser proprietário de qualquer imóvel, já o prometeu vender a terceiro ou não ou se tem ou teve os poderes de gozo e fruição sobre o imóvel, terreno ou fracção.
E - Aliás, a verificação em concreto desses requisitos - uso e fruição do imóvel, terreno ou fracção - poria a Entidade Recorrida numa situação de total inexigibilidade de realização de prova, abrindo portas para as situações de maior discricionariedade e de abuso por parte dos Requerentes a habitação social.
F - Acresce que, a partir de Agosto de 2004, encontrando-se já registada na Conservatória do Registo Predial a constituição da propriedade horizontal do prédio, nada havia que obstasse à celebração das escrituras públicas de todas as fracções autónomas do mesmo, incluindo, necessariamente, a fracção autónoma designada por “B4”.
G - Tal como admite o Recorrente, a partir de Outubro de 2004, o mesmo celebrou várias escrituras públicas de compra e venda através das quais transmitiu fracções do mesmo prédio a terceiros.
H - Ora, o prazo para a entrega do boletim de candidatura terminou em 28 de Dezembro de 2009, razão pela qual, para que o Recorrente reunisse as condições de candidatura, bastava-lhe ter outorgado a escritura de compra e venda antes de 28 de Dezembro de 2006.
I - Só por negligência do Recorrente é que o mesmo não outorgou a escritura pública de compra e venda para transmissão da propriedade da fracção autónoma designada por “B4” no período entre Agosto de 2004 a Dezembro de 2006.
J - O requisito previsto no artigo 3.º, nº 4, al. 1) do Regulamento Administrativo nº 25/2009 só pode ser dispensado quando os indivíduos ou agregados familiares “se encontrem em situação de perigo social, físico ou moral, ou quando se mostre urgente o realojamento, em casos de calamidade.” (alínea 1 do artigo 8.º do referido diploma).
K - Ora, o Recorrente não alegou quaisquer factos ou circunstâncias que indiciassem que se encontrasse na situação prevista no referido normativo, sendo patente que, no caso, não se verificam quaisquer situações de perigo social, físico ou moral ou de realojamento urgente em casos de calamidade.
L - Por outro lado, o Recorrente não negou que era proprietário da fracção autónoma em causa antes de 20 de Agosto de 2008, data da outorga da respectiva escritura pública de compra e venda. No entanto, no nº 5, parte 8, do boletim de candidatura consta expressamente a declaração de que o candidato não é ou tem sido “proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura”.
M - Caso o Recorrente entendesse que, apesar de ser proprietário do imóvel, o facto de não ser detentor ou possuidor do mesmo era suficiente para que fosse considerado preenchido o requisito mencionado, deveria, então, tê-lo declarado no boletim de candidatura apresentado em 3 de Dezembro de 2009, juntando as respectivas provas.
N - A conduta do Recorrente, essa sim, viola os princípios da boa fé e da colaboração previstos nos artigos 8.º e 9.º do CPA.
O - Por último, os requisitos para a concessão do beneficio de apoio judiciário não têm nada a ver com os pressupostos para a atribuição de habitação social. Trata-se de atribuição de benefícios inconfundíveis, regulados por diplomas legais distintos e, em qualquer caso, insusceptíveis de sobreposição, nos termos que parece querer insinuar o Recorrente.
P - A sentença recorrida não procedeu à violação de qualquer norma jurídica, interpretou correctamente a alínea 1 do n.º 4 do art. 3.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009: (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social), bem como o disposto na alínea 2 do n.º 1 do artigo 6 do “Regulamento de Candidatura para a Atribuição de Habitação Social”, aprovado através do despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, não tendo existido qualquer violação do artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) por parte da Entidade Recorrida.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
Decidindo assim farão Vossas Excelências JUSTIÇA!”
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do improvimento do recurso.
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Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade (a numeração é nossa):
1- “Em 3 de Fevereiro de 1988, o recorrente adquiriu, em conjunto com B, o direito de utilização da propriedade descrita sob o nº 1685 e efectuaram o respectivo registo predial. Posteriormente, construíram, em regime de propriedade horizontal, um prédio denominado “Edifício XX”, no qual sita fracção autónoma do XXº andar - XX (vd. fls. 18 a 29 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2 - Em 11 de Janeiro de 1990, o recorrente e B celebraram com C um contrato de promessa de compra e venda sobre a fracção autónoma acima mencionada, em que prometeram vender a fracção à última pelo preço de MOP172.010,00. Em 12 de Abril de 1990, com o consentimento do recorrente e de B, C transmitiu a posição contratual a D, este pagou ao recorrente e B o restante valor da fracção autónoma e morava nela até ao dia em que desocupou a fracção para a alugar a alguém (vd. fls. 36 a 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
3 - Em 20 de Agosto de 2008, o recorrente (através de B que foi o seu procurador) e B celebraram com D a escritura de compra e venda do referido imóvel e efectuaram o respectivo registo predial (vd. fls. 18 a 29 e 60 a 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4 - Em 3 de Dezembro de 2009, o recorrente entregou ao IH o boletim de candidatura de habitação social e os dados pessoais, cujo número de pedido é 31200904167 (vd. fls. 3 a 7 do anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5 - Em 23 de Junho de 2010, o IH descobriu, através do sistema de informática da Direcção dos Serviços de Finanças, que o recorrente possuiu com outrem a referida fracção autónoma do XXº andar - XX do “Edifício XX” entre 1 de Dezembro de 1989 e 20 de Agosto de 2008, por isso, o presidente do IH decidiu a exclusão do recorrente da lista de candidatos a habitação social (vd. fls. 16 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6 - Em 16 de Julho de 2010, o recorrente apresentou reclamação contra tal decisão ao IH (vd. fls. 29 do anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e tradução a fls. 13 vº dos autos).
7 - Em 28 de Julho de 2010, a vice-presidente do IH concordou com o teor da Infª nº 0901/DAHP/DAH/2010 que relatou que o recorrente era o proprietário de uma fracção autónoma na RAEM, a qual foi transferida em 20 de Agosto de 2008, assim, não preencheu o requisito previsto no artº 3º, nº 4, al. (1) do Regulamento Administrativo nº 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social) por não perfazer um período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura. Pelo exposto, foi mantida a decisão recorrida conforme o artº 6º, nº 1, al. (2) do Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009 (Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social) (vd. fls. 31 a 33 do anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8 - Em 30 de Julho de 2010, o recorrente foi notificado da decisão da reclamação através do Oficio nº 1 007270021/DAH do IH, através do qual o mesmo foi também notificado de que podia recorrer contenciosamente da decisão para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias, contado da data da notificação, ao abrigo do artº 25º do CPAC (vd. fls. 34 a 35 do anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9 - Em 5 de Agosto de 2010, o recorrente recebeu a notificação (vd. fls. 35 do anexo).
10 - Em 11 de Agosto de 2010, o recorrente pediu a este Tribunal apoio judiciário.
11 - Em 4 de Maio de 2011, o mandatário judicial do recorrente interpôs recurso contencioso junto deste Tribunal por meio de fax”.
Acrescentamos os seguintes elementos de facto, por resultarem do processo:
12- A reclamação a que se refere o facto nº 6 tem o seguinte teor (tradução a fls. 13 vº dos autos):
Reclamação
Eu, A, titular do Boletim de Inscrição para Concurso de Habitação Social n.º 31200904167. Por ter comprado o direito de propriedade do terreno n.º 83º, 85º e 87º, sitos na Rua do XX, foram vendidos todas as fracções e lojas antes de 1989. No entanto, os procedimentos de registo predial foram constituídos pelo advogado, Dr. Pau Fai Lon(鮑輝倫). Contudo, os dados e documentos da Câmara Municipal e da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes foram perdidos no escritório de advocacia. Todo isso põe em causa ao procedimento do registo predial.
Ainda não conseguiu tratar do tal assunto com os apoios do deputado E e do advogado. Por fim, através do apoio do Magistrado, Sr. Dr. Vong Vai Wa, do Tribunal, todos os pequenos proprietários completaram os procedimentos de registo predial além da(s) uma ou duas fracções. Portanto, eu não sei porque eles não o fizerem, o facto é que eu já não tenho qualquer direito de propriedade das fracções no terreno n.º 83º, 85º e 87º.
Declaro que as declarações e indicações são verdadeiras e assumo as responsabilidades emergentes da declaração e indicação acima mencionadas.
E mais, eu já tinha ido às Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça e Direcção dos Serviços de Finanças em 15/7/2010, e fui contado que eu já não tinha qualquer imóvel. Sendo assim, acho que eu devia ser aceitado na lista da atribuição de habitação social de ano 2009”
13- A informação nº 0901/DAHP/DAH/2010 a que se refere o facto nº 7 tem o seguinte teor:
Assunto: Candidatura da atribuição de Habitação Social - Recalmação Informação N.º : 0901/DAHP/DAH/2010
Data: 23/7/2010
Ser ou ter sido proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo em 2009 para entrega do boletim de candidatura. Apresentadas reclamações ao presidente do Instituto de Habitação pelas seguintes 4 famílias:
1. Boletim n.º 31200904167 (A)
(É uma repetição igual à reclamação)
Recebida a sua reclamação em 16/7/2010, o candidato salientou que tinha comprado o direito de propriedade dos terrenos n.º 83º, 85º e 87º sitos na Rua do XX. Depois da reconstrução, foram vendidos todas as fracções e lojas antes de 1989. No entanto, os dados e documentos da Câmara Municipal e da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes foram perdidos no escritório de advocacia. Todo isso põe em causa ao procedimento do registo predial.
Através do apoio do deputado E e do advogado, ainda não consegue tratar do tal assunto. Por fim, através do apoio do Magistrado Vong Vai Wa do Tribunal, todos os pequenos proprietários completaram os procedimentos de registo predial além da uma ou duas fracções. Portanto, o requerente não soube porque eles não o fazerem, o facto é que o requerente já não tem qualquer direito de propriedade das fracções no terreno n.º 83º, 85º e 87º Pede que o requerente seja aceitado na lista da atribuição de habitação social de ano 2009.
Depois da pesquisa nos dados constantes do sistema informático que é ligado ao da Direcção dos Serviços de Finança, aprova-se que o represente da família A possuía uma fracção autónoma na RAEM, a fracção supracitada foi transmitida em 20/8/2008, não basta o período de três nos antes do termo do prazo em 2009 para entrega do boletim de candidatura.
2. Boletim n.º 31200906627…
3. Boletim n.º 31200901901…
4. Boletim n.º 31200904452…
Tendo em conta os requisitos das 4 famílias supracitados não preencheram nos termos da 1) do n.º 4 do artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social), promovo que se mantém as decisões de exclusão.
À consideração superior!
Ajuda técnica,
(Ass.)Cheong Ian
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III- O Direito
Da sentença que “rejeitou” 1, o recurso contencioso vem interposto o presente recurso jurisdicional por o recorrente não aceitar que não tivesse direito a uma casa de habitação social para arrendamento.
Mas, para melhor compreensão da situação concernente à fracção em causa, revisitemos o essencial da matéria de facto:
i) O recorrente foi, com B, comproprietário de uma fracção habitacional (XXº andar –“XX”, no edifício XX”), na Rua do XX, nº XX).
ii) Estes comproprietários em 11/01/1990 prometeram vender a fracção a C.
iii) Este promitente-comprador, posteriormente (12/04/1990), e com o acordo do recorrente e do co-titular, cedeu a sua posição contratual a D.
iv) D nessa altura pagou ao recorrente e ao comproprietário o valor restante da fracção ainda em dívida, após o que passou a morar nela até ao dia em que a deu de arrendamento a outrem.
v) Em 20/08/2008 o recorrente e B, comproprietário, celebraram com D a escritura definitiva de compra e venda, efectuando o respectivo registo predial.
Resulta deste molho de factos que o recorrente, enquanto titular de um direito real sobre a coisa, se manteve nessa situação jurídica até 20/08/2008. Ou seja, era co-proprietário da fracção, mas não exercia sobre ela actos de posse (ver art. 1175º do Código Civil)2. Quem a habitava era o promitente-comprador e, posteriormente, um terceiro a quem aquele a dera de arrendamento.
O que sucedeu a seguir foi isto:
Em 3/12/2009 o recorrente candidatou-se a uma casa de habitação social junto do Instituto de Habitação (IH). Mas, por o IH ter apurado, através dos serviços de informática da Direcção dos Serviços de Finanças, que desde 1/12/1989 até 20/08/2008 o requerente tinha sido proprietário da referida fracção, excluiu-o da correspondente lista de candidato com o fundamento no art. 3º, nº4, alínea 1), do Regulamento Administrativo nº 25/2009. Da respectiva decisão, reclamou o interessado, na sequência do que o Vice-Presidente do IH proferiu o despacho aqui contenciosamente impugnado.
Pergunta-se agora: Viola a decisão administrativa o “princípio da verdade” e “do espírito legislativo do Regulamento Administrativo nº 25/2009 (art. 21º, nº1, al. d), do CPAC)”, tal como ipsis verbis (ver conclusão 11ª das alegações) se expressa o recorrente no recurso jurisdicional?
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Apreciemos, então.
O recorrente invoca o atropelo a dois “princípios” para, imediatamente a seguir, integrar os correspondentes vícios na “violação de lei” a que respeita a previsão do art. 21º, nº1, al. d), do CPAC.
No que concerne ao primeiro - “princípio da verdade” -, ao que supomos, pretenderá o recorrente insistir na tónica de que o autor do acto impugnado não teria procedido à investigação que se imporia após a reclamação por si apresentada a respeito dos erros do sistema informático dos Serviços das Finanças.
O que estaria em causa neste fundamento seria algo que poderia ter que ver com a desconsideração de um elemento fornecido pelo recorrente na sua reclamação. Tinha este fundamento a ver com a circunstância por si alegada referente ao procedimento registral, segundo a qual o registo só não teria sido efectuado mais cedo por os documentos necessários terem sido perdidos no escritório do seu advogado.
Pois bem. Segundo podemos depreender desta alegação, o que o recorrente parece manifestar é uma desconformidade entre a realidade e os pressupostos de facto levados em conta no acto. Para si, deveria ter a Administração investigado se o registo tardio haveria de ter alguma causa. Se estivermos certos sobre o alcance da alegação, e tanto quanto se colhe da referida reclamação, se essa investigação tivesse sido realizada haveria de ficar comprovado que ele não tinha os poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre a fracção.
Ora bem. A questão posta desta maneira reconduzir-se-ia ao não cumprimento do dever de averiguação de todos os factos convenientes para a justa e rápida decisão do procedimento (art. 86º do CPA).
Contudo, sobre este ponto, cumpre-nos adiantar que a violação do dever ali plasmado, com assento no princípio do inquisitório estabelecido no art. 59º do CPA, pode, em certos casos, é certo, levar à invalidação da decisão final (M. Esteves de Oliveira e outros, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag.420).
Entendemos, porém, que tal não ocorre quando os elementos dos autos são suficientes à decisão. Nesse caso, embora sem prejuízo da sindicância judicial acerca da eventual (des)necessidade do exercício desse dever, o tribunal desvalorizará o invocado “deficit instrutório”.
Isto é, o tribunal indagará se a falta da investigação administrativa, a propósito de algum dado, teria algum reflexo negativo sobre o conteúdo da decisão do procedimento. E se concluir por uma resposta afirmativa, então haverá de extrair o respectivo efeito invalidante, na medida em que o acto administrativo produzido não tomou em consideração todos os dados de facto. Mas se, diferentemente, entender que a falta daquela actividade instrutória se mostra inoperante, na medida em que em nada iria alterar a solução do procedimento, então a sentença do tribunal não pode ter a mesma dispositividade anulatória. Estaremos, em tal hipótese, em situação similar à ocorrida quando o órgão administrativo não procede a qualquer diligência procedimental (nomeadamente, audiência de interessados), mas cuja omissão em nada interfere com a validade do acto final, se for de concluir que ele não poderia ter outro conteúdo, face à vinculação do administrador à lei ou à solução que a Administração a si mesma impusera (auto-vinculação).
Essa parece-nos ser a situação do caso.
Com efeito, o que releva não é saber se o registo sobre a fracção foi ou não efectuado com atraso e a quem a eventual dilação se fica a dever. O registo não tem qualquer efeito constitutivo, como se sabe, e, em vez disso, apenas se destina a dar publicidade à situação jurídica dos prédios (art. 1º CRP) e, quando definitivo, a estabelecer mera presunção de que o direito existe e pertence ao titular (art. 7º do CRP). Ora, o que para a Administração importava era apurar se o recorrente tinha sido proprietário da fracção até três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura, face ao disposto no art. 3º, nº 4, al. (1) do Regulamento Administrativo nº 25/2009. E uma vez que concluiu por uma resposta negativa, nada já mais era necessário investigar.
Portanto, assentemos nisto: qualquer contingência a respeito do registo não tinha qualquer efeito sobre a titularidade do direito de propriedade sobre a fracção. O que vale por dizer que o vício, tal como configurado, é improcedente.
Porém, isso não significa que a Administração tenha acertado ao considerar a titularidade do direito de propriedade na esfera do recorrente até ao momento em que celebrou a escritura de venda em 20/08/2008. Esse é o tema que o recorrente também aborda no segundo fundamento invocado para a anulação do acto, para cujo conhecimento avançaremos já de seguida.
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Para o recorrente, a entidade recorrida teria violado o princípio do espírito legislativo.
Ora, não existe propriamente um “princípio do espírito legislativo”. O que há é um conjunto de regras de hermenêutica que servem de auxílio ao julgador quando interpreta a norma. E nessa tarefa de interpretação, por vezes, o intérprete é obrigado a tentar descobrir, o “espírito” do legislador, a “mens legistoris”, o pensamento e a vontade do autor da norma, embora esta vontade deva ter na letra um mínimo de correspondência verbal, mesmo que imperfeitamente expresso. Isto é, o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos trabalhos preparatórios da lei (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, I, 4ª ed., pag. 58). Por isso é que, quando não existir essa mínima correspondência verbal, o nº3 do art. 8º, nº3 do CCM dispõe que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Ora, para o recorrente, a Administração teria feito uma errada interpretação da norma em que se baseou, por não colher dela o seu verdadeiro “espírito” legislativo. Essa ofensa teria radicado na circunstância de a entidade decisora não ter tido em conta a situação material concreta (segundo a qual o recorrente, apesar de proprietário, não teria qualquer domínio sobre a coisa).
Vejamos, então, o que nos informa a disposição legal em causa:
Artigo 3.º
Requisitos para arrendamento de habitação
1. Podem candidatar-se ao arrendamento de habitações sociais referidas no artigo anterior, os agregados familiares ou indivíduos residentes na RAEM e em situação económica desfavorecida.
2. A candidatura tem de ser sempre apresentada por um elemento do agregado familiar que reúna cumulativamente os seguintes requisitos:
1) Tenha idade mínima de 18 anos;
2) Resida na RAEM no mínimo há 7 anos;
3) Seja portador do bilhete de identidade de residente permanente da RAEM.
3. Com excepção dos cônjuges não residentes na RAEM, os cônjuges dos elementos do agregado familiar devem constar do mesmo boletim de candidatura.
4. Nenhum elemento do agregado familiar e seu cônjuge, em situação desfavorecida, pode:
1) Ser ou ter sido proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura;
2) Ser proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, desde o termo do prazo para entrega do boletim de candidatura até à data de assinatura do contrato de arrendamento com o IH;
3) Ser elemento que figure no boletim de candidatura de outro agregado familiar, ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação construída em regime de contratos de desenvolvimento para a habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril;
4) Ser elemento que figure no boletim de candidatura de outro agregado familiar, ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria);
5) Ser elemento de agregado familiar ao qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, rescindido contrato de arrendamento nos termos do artigo 19.º;
6) Ser elemento de agregado familiar contra o qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, emitido mandado de despejo nos termos do artigo 42.º, do n.º 3 do artigo 44.º ou do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 69/88/M, de 8 de Agosto;
7) Ser elemento de agregado familiar ao qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, cancelada anterior candidatura por prestação de declarações falsas ou inexactas ou uso de qualquer meio fraudulento para arrendamento de habitação, nos termos fixados por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.
5. O presidente do IH, a título excepcional, desde que devidamente justificado, pode autorizar a candidatura à habitação social a elemento que tenha deixado de fazer parte de agregado familiar ao qual tenha sido autorizada a bonificação, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria), ou a aquisição de habitação, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril.
6. Os indivíduos que se candidatem à atribuição de habitações sociais devem reunir as condições equivalentes exigidas para os elementos do agregado familiar residente na RAEM (itálico nosso).
A candidatura ao arrendamento económico de habitações sociais (fogos da Administração) previsto na disposição legal transcrita deriva da verificação de um requisito-base de cariz subjectivo ou pessoal: o requerente e elementos do agregado devem encontrar-se em situação económica desfavorecida (nº1). Esta “situação económica desfavorecida” funciona aqui como conceito jurídico indeterminado, cujo preenchimento casuístico há-de ser feito pela Administração perante o acervo de elementos instrutórios e de prova que o requerente tem que fornecer-lhe (ver art. 7º do Regulamento nº 25/2009 e art. 4º, nºs 1 e 2 do Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009). Deverá a Administração interpretar o conceito e densificá-lo caso a caso perante a situação concreta devidamente documentada.
Compreende-se que o legislador tenha tido essa preocupação de fixar este parâmetro condicionante, na medida em que, e tal como igualmente já deriva do art. 2º, nºs 1 e 33, a habitação social deve ser atribuída a residentes de fracos recursos materiais e económicos e que, por isso mesmo, estejam impedidos de acederem, quer ao mercado de arrendamento, quer ao mercado imobiliário de compra e venda. Aliás, se analisarmos as restantes disposições do mesmo artigo, logo alcançaremos que não pode ser contemplado ninguém que tenha sido incluído em agregado familiar ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação construída em regime de contratos de desenvolvimento para a habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril (nº3), ou a aquisição de habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria) (nº4). Ou seja, a aquisição ao abrigo de tais facilidades e benefícios sociais nessas referidas condições constitui factor de exclusão do elemento que se candidate ao abrigo do programa de habitação social para arrendamento. O que mostra, mais uma vez, que em presença deve estar sempre um candidato que não tenha possibilidade de obter uma casa por uma dessas vias (nem que seja por intermédio do seu agregado), nem em relação ao qual se considere não reunir os requisitos materiais que o coloquem na previsão do nº4.
Portanto, para algum “elemento de agregado familiar e seu cônjuge” se candidatar a um arrendamento social, além de se encontrar “em situação desfavorecida”, nos termos do art. 3º, nº1 cit. (requisito positivo), deve não ser ou não ter sido “proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura”, nos termos do art. 3º, nº4, al.1) (requisito negativo). Estes dois requisitos são de verificação cumulativa.
Se se verificar a situação prevista na alínea 1), do nº4, do art. 3º, então o interessado deixa de poder candidatar-se, por não ser “elegível”4.
Ora, este nº4 é bem elucidativo da intenção do autor do Regulamento. No fundo, ele não representa senão o reforço da ideia já emanada no nº1, do art. 3º, exemplificando as situações que o Chefe do Executivo não quis que ficassem abrangidas pelo direito à habitação social. A simples titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma ou a propriedade ou concessão de terreno do domínio privado da RAEM nos moldes regulamentarmente estabelecidos (nº4, alíneas 1 e 2)) é eleita pelo articulista como factor objectivo impeditivo da própria candidatura, quiçá por ter admitido que nessas circunstâncias acresceria uma hipótese que fortalecia, precisamente, o elemento subjectivo contido na parte final do nº4. Isto tanto é assim, de acordo com o nosso entendimento, que ainda que o requerente consiga convencer a Administração da sua “ situação desfavorecida” ele jamais poderá ser contemplado com o arrendamento social na situação objectiva prevista na alínea 1) ou 2).
Em certa medida, até podemos compreender a teleologia da norma. Efectivamente, se alguém foi proprietário de fracção até 3 anos antes do termo do prazo da entrega do boletim de candidatura, fica subentendido que o produto da venda impede essa pessoa de ser considerada em “situação desfavorecida”, atendendo ao valor elevado a que normalmente são feitas as transacções imobiliárias. Neste sentido, a venda contradiz aparentemente a situação desfavorecida anteriormente referida5.
Pode o pressuposto da norma não ter correspondência real? Pode. Imagine-se que o interessado tinha adquirido a fracção um ano antes da venda com dinheiro emprestado, vindo a revendê-la por razões de insuportabilidade dos custos do financiamento bancário, por exemplo. Esta revenda pode ter sido feita ao mesmo preço e, em teoria, até se admite (numa hipótese pouco verosímil na época que atravessamos) que possa vir a ser vendida a preço inferior ao da compra. Neste caso, dificilmente será possível admitir que o “lucro” ou as mais-valias da venda impeçam a sua qualificação como pessoa em situação desfavorecida. No entanto, isso não pesou como circunstância atendível para o “legislador”, uma vez que este não deixou aberta a porta a nenhuma prova em contrário. Isto é, para ele é obstáculo inultrapassável o facto objectivo de o interessado ou algum elemento do agregado ser ou ter sido proprietário de fracção no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura.
O que acaba de dizer-se encaminha-nos para a solução. Em nossa opinião, o que releva não é já uma situação de facto demonstrativa de actos de posse sobre a coisa, isto é, uma realidade que torne claro que o titular do direito já não usava a coisa ou que já dela não dispunha livremente, como parece ser a tese do recorrente. Quer dizer, o que é determinante não é a circunstância de o recorrente não dispor da coisa desde o momento em que celebrou o contrato-promessa com a respectiva tradição e recebimento do preço. Embora percebamos a fundamentação do recorrente, não podemos, no entanto, concordar consigo. Na verdade, o “legislador” fixou o requisito objectivo da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa. Isto é, condicionou a solução à situação jurídica e não à situação de facto.
E que o articulista estava atento à titularidade do direito de propriedade sobre a coisa, prova-o até mesmo a circunstância de ele próprio não se ter esquecido dos casos em que o requerente, em vez de proprietário, tenha sido promitente-comprador no mesmo período. Ora, por que motivo incluiu a situação do “promitente-comprador” e omitiu a do promitente-vendedor? A resposta é fácil de dar: porque não havia necessidade disso. Realmente, esse caso está coberto pela hipótese anterior: é que nessa circunstância, o promitente-vendedor é o “proprietário”. Ou seja, nesse período de três anos, o promitente-vendedor que não tenha celebrado a escritura definitiva de compra e venda permanece na qualidade de proprietário, mesmo que sobre a coisa deixe de ter a possibilidade de praticar actos de gozo e fruição devido à sua tradição e de ter inclusive recebido o preço total acordado.
Não estamos seguros de que o “legislador” tenha sido totalmente justo com tal circunstância impeditiva. Mas, por outro lado, nada nos leva a concluir que o legislador não quis realmente estabelecê-la exactamente nos termos em que a pensou (art. 8º, do CC).
E assim, independentemente da tradição da coisa em 11/01/1990, não podemos sufragar a tese do recorrente, até porque os efeitos negativos resultantes do facto de a escritura não ter sido celebrada antes de 20/08/2008 não podem recair senão unicamente sobre o próprio promitente-vendedor e nunca sobre a Administração. Isto é, a Administração não pode deixar de se valer da previsão normativa para afastar o recorrente da candidatura ao arrendamento social, se para a situação concreta ela em nada tiver contribuído. Os atrasos, a eventual negligência do promitente-vendedor em promover a celebração da escritura, ou outras quaisquer causas que terão conduzido ao retardamento da escritura não podem senão responsabilizar o recorrente ou quem com ele entrou em relação, mas não a Administração, à situação totalmente estranha.
*
A solução acabada de expor – ainda que aparentemente formal, se se disser que desatende a situação material concreta - tem a vantagem de evitar situações fraudulentas. É preciso não esquecer que o contrato-promessa, mesmo com tradição da coisa, pode nunca passar disso. Isto é, pode o contrato prometido nunca vir a realizar-se se a intenção dos contraentes for a de iludir a lei e colocar o promitente-vendedor numa situação que se subsumisse à previsão da norma com vista, precisamente, a obter a habitação económica (seria, então, um falso contrato-promessa).
Além disso, mesmo pondo de parte tais situações de desvio à lei, também é bom lembrar que o contrato-promessa, geneticamente puro e bem-intencionado, pode acabar por ser incumprido por qualquer dos promitentes, o que implica que a fracção, mesmo tendo havido tradição, volte à posse do promitente vendedor.
Ora, a estas duas situações também a norma pretende responder.
Razões, todas elas, portanto, para não se sufragar a tese do recurso.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
Negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que fixo em 5 UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Honorários ao patrono oficioso, Dr. Ho Chon Hou: Mop$2.500 (art. 29º do DL nº 41/94/M, de 1/08 e nº6, da Tabela Anexa à Portaria nº 265/96/M, de 28/10).
TSI, 22 / 11 / 2012

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José Cândido de Pinho Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Tanto quanto nos é dado ver, o termo “rejeição” terá sido utilizado por mero lapso. Na verdade, a sentença recorrida conheceu de mérito e, por entender que os vícios invocados não eram procedentes, negou ao recorrente a pretendida anulação.
2 Ac. TSI, de 27/02/2003, Proc. nº 246/2002 e de 13/03/2003, Proc. nº 247/2002.
3 O art. 2º tem a seguinte redacção:
Conceitos
Para os efeitos previstos no presente regulamento administrativo entende-se por:
1) Habitação social — os fogos de propriedade da Administração, incluindo os referidos no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41/87/M, de 22 de Junho, e que se destinem a arrendamento em particular por agregados familiares residentes na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM e em situação económica desfavorecida;
2) Agregado familiar — o conjunto de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e estejam ligadas por laços de casamento, união de facto, parentesco, afinidade e adopção;
3) Agregado familiar em situação económica desfavorecida — o agregado familiar residente na RAEM cujo total do rendimento mensal e do património líquido não ultrapasse os limites estabelecidos por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.

4 A excepção a esta conclusão avista-se na alínea 1), do art. 8º do mesmo Regulamento: “Excepcionalmente, precedendo autorização do presidente do IH, podem ser atribuídas habitações com dispensa de qualquer dos requisitos de candidatura, a:1) Indivíduos ou agregados familiares que se encontrem em situação de perigo social, físico ou moral, ou quando se mostre urgente o realojamento, em casos de calamidade”. Todavia, esta situação de “excepção” não foi invocada.

5 E também se compreende que este raciocínio se estenda aos casos em que alguém tenha prometido comprar uma fracção imobiliária dentro do mesmo período, pois as razões subjacentes serão as mesmas.
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