Proc. nº 645/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Dezembro de 2012
Descritores:
-Prestação ilegal de alojamento
-Erro sobre os pressupostos de facto
SUMÁRIO:
I - Do art. 10º da Lei nº 3/2010, de 2/08, o nº 1 prevê a punição do “prestador do alojamento” ou da “pessoa que controla o prédio ou a fracção”; o nº2 pune o “angariador”; os nºs 3 e 4 dirigem-se às pessoas neles previstas que não colaborem nos termos ali estabelecidos.
II - O arrendatário, tal como o proprietário, se provados os respectivos factos, fica sujeito à previsão do nº 1.
III - Geralmente, o vício do erro sobre os pressupostos deve ser alegado e provado por quem o invoca.
Proc. nº 645/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, recorreu junto do TA do despacho do Ex.mo Director dos Serviços de Turismo de 31/08/2011, que lhe aplicou a multa de Mop$ 200.000,00 por alegada prestação ilegal de alojamento.
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Por sentença do TA de 19/04/2012 foi decidido “rejeitar o recurso contencioso por (…) improcedentes todos os fundamentos do recorrente”.
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É contra essa decisão que ora jurisdicionalmente recorre A, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“1. O recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou improcedente o recurso contencioso por si interposto nem os fundamentos neles invocados.
2. O recorrente entende que a sentença recorrida enferma do vício de erro na comprovação dos factos e do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
3. Quanto ao erro na comprovação dos factos, o recorrente não é o proprietário da referida fracção nem é o verdadeiro locatário da mesma nem tem o poder para controlar e gerir concretamente a referida fracção, mesmo não é aquela mulher que deu de arrendamento a fracção às cinco testemunhas, pelo que, o recorrente não é o verdadeiro infractor.
4. Ao investigar os aludidos factos, a entidade recorrida não apurou quem é o verdadeiro locatário da referida fracção, nomeadamente quem pagou as rendas, se o proprietário recebeu mensalmente as rendas e como é que o proprietário contactou com o locatário ora o recorrente.
5. Quanto a tais questões, devia a Direcção dos Serviços de Turismo fazer investigação, mas, de facto, a Direcção dos Serviços de Turismo não apurou a verdade dos factos.
6. Ou, na realidade, não há factos provados que podem comprovar que o recorrente é o locatário ou o porta-voz que controlou e geriu a referida fracção e recebeu as respectivas rendas.
7. Pelo que, o recorrente não praticou qualquer acto ilícito no presente processo, mesmo pode-se dizer que o recorrente é um dos ofendidos.
8. Por outro lado, o recorrente entende que os factos provados na sentença recorrida não são suficientes para suportar tal sentença.
9. Nomeadamente não se provou que o recorrente praticou o facto de angariar as cinco testemunhas para o respectivo alojamento nem se provou que o recorrente praticou a infracção acusada.
10. Pelo que, a sentença recorrida enferma do vício insanável, devendo ser revogada.
11. Nestes termos, deve o recurso ser julgado procedente, e em consequência, deve ser declarada nula a sentença recorrida.
Pelos acima expostos, solicita ao Tribunal de Segunda Instância que revogue a sentença recorrida e absolva o recorrente da matéria acusada”.
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Em alegações de resposta ao recurso, a entidade recorrida da seguinte concluiu da seguinte maneira as suas alegações:
“I. A DST não vislumbra no acto praticado qualquer dos vícios invocados pelo Recorrente;
II. No tocante aos factos apurados e dados como provados resulta que o recorrente era o arrendatário da fracção à data da prática dos factos;
III. A posse da fracção dá ao arrendatário o controle da mesma e, nesse sentido, quem controla uma fracção onde se presta alojamento ilegal pode ser punido pelo n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, mesmo que prestação se deva a inércia ou omissão;
IV. A situação fáctica, fixada pelo tribunal a quo, é subsumível à norma constante do corpo do artigo 2.º da Lei n.º 3/2010, pelo que não existiu erro nos pressupostos de facto nem violação de lei.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Ex.as. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, JUSTIÇA!”
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O digno magistrado do MP opinou no sentido do improvimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1 - “Em 4 de Novembro de 2010, o pessoal do grupo de trabalho de inspecção da Direcção dos Serviços de Turismo realizou, em conjunto com outras entidades públicas, uma acção de vistoria de combate à actividade de prestação ilegal de alojamento à fracção autónoma situada no xxxx, na qual foram encontrados cinco indivíduos não residentes de Macau que detinham documentos de viagem: B, C, D, E e F, entre os quais, um se encontrava em Macau em situação de excesso de permanência. No local, o pessoal da Direcção de Serviços de Turismo elaborou autos de declaração dos referidos cinco indivíduos, tirou fotografias no local e elaborou o croqui sobre as instalações da fracção. Os referidos cinco indivíduos alojaram na referida fracção através da recomendação de diversas pessoas, entre os quais, B, C e D declararam ter alugado o quarto da referida fracção ou a cama instalada na sala de estar pela renda diária de HKD$50,00 a HKD$200,00. Nos quatros, sala de estar e cozinha da referida fracção foram instaladas camas ou colchões e na porta da fracção afixou-se uma nota de advertência: “Não abra a porta a ninguém”. No mesmo dia, a Direcção dos Serviços de Turismo elaborou o auto de notícia n.º 85/DI-AI/2010, no qual concluiu haver fortes indícios de que a referida fracção prestou ilegalmente alojamento ao público, violando o artigo 2.º da Lei n.º 3/2010 (vide fls. 25 a 56 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2 - No mesmo dia, o Director dos Serviços de Turismo proferiu o seguinte despacho no aludido auto de notícia: Concordo. Proceda-se em conformidade (vide fls. 56 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
3 - O proprietário da aludida fracção é G.
4 - A fracção de habitação situada no xxxx não possui licença de exploração de qualquer espécie emitida pela Direcção dos Serviços do Turismo.
5 - No mesmo dia, o Director dos Serviços de Turismo emitiu o mandado de notificação n.º 92/AI/2010, notificando o proprietário da referida fracção G de que ao abrigo do artigo 9.º n.º 1 alínea 1) e nºs 2 e 3 da Lei n.º 3/2010, foi a aludida fracção selada desde 4 de Novembro de 2010, pelo período de 6 meses por suspeitar de violar artigo 2.º da Lei n.º 3/2010 e que podia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo legalmente fixado (vide fls. 64 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6 - Em 22 de Novembro de 2010, o proprietário da referida fracção, G, apresentou à Direcção dos Serviços de Turismo a declaração escrita e as provas documentais, incluindo os registos da conta bancária para comprovar o seu rendimento de renda (desde Abril até Outubro de 2010), referindo que ele deu de arrendamento a referida fracção ao recorrente A através da Agência Imobiliária H em 18 de Agosto de 2009, pelo prazo de 1 ano, com a renda mensal de HKD5.800,00 e no termo do prazo do referido contrato de arrendamento, o locatário manifestou-lhe o desejo de prolongar o referido contrato até Dezembro de 2010, mas, ambas as partes não celebraram qualquer contrato escrito quanto à renovação do referido contrato (vide fls. 95 a 103 do Apenso).
7 - Em 27 de Abril de 2011, o recorrente prestou declaração junto do pessoal da Direcção dos Serviços de Turismo, declarando conhecer uma mulher no casino no ano de 2009, e posteriormente, esta pediu-lhe que emprestasse o seu documento de identidade para arrendar uma fracção, com o qual podia o recorrente receber MOP$200,00 como honorário, pelo que, o recorrente dirigiu-se a uma agência imobiliária em conjunto com a referida mulher para celebrar o contrato de arrendamento da referida fracção, e depois disso, ele nunca mais a viu nem conseguiu contactá-la nem lembrar a designação da referida agência imobiliária (vide fls. 177 e verso do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8 - Em 17 de Maio de 2011, a Directora dos Serviços de Turismo Substituta proferiu um despacho que concordou com o conteúdo da Informação n.º 226/DI/2011 e decidiu, conforme os factos mencionados no auto de notícia n.º 85/DI-AI/2010, deduzir acusação contra o recorrente e proceder à notificação ao recorrente por carta registada sem aviso de recepção (vide fls. 182 a 185 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9 - Em 18 de Maio de 2011, a Direcção dos Serviços de Turismo emitiu o mandado de notificação n.º 200/AI/2011 ao recorrente através da carta registada, notificando-o da apresentação da defesa e das provas quanto à suspeita da prestação ilegal de alojamento no prazo de 10 dias a partir da recepção da notificação (vide fls. 186 a 187 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10 - O referido mandado de notificação foi posteriormente devolvido por ninguém o ter levantado (fls. 190 a 193 do Apenso).
11 - Em 27 de Julho de 2011, funcionário da Direcção dos Serviços de Turismo notificou pessoalmente o recorrente do conteúdo do mandado de notificação n.º 200/AI/2011 (vide fls. 204 e verso do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12 - No mesmo dia, o recorrente apresentou a defesa ao Director dos Serviços de Turismo, alegando que a falta de dinheiro por causa do vício do jogo e a cobiça para obter pequenos benefícios levaram a que ele emprestasse o seu bilhete de identidade a uma amiga não identificada que conheceu no casino para celebrar o contrato, e na altura, esta disse-lhe que a fracção fosse para a sua própria habitação. O recorrente também alegou que a nova lei foi publicada em Agosto do ano passado, sendo a multa de $200.000,00, mas, o contrato foi assinado nos dois anos passados e o caso ocorreu em Abril do ano passado, por isso, ele não se conformou com tal multa (vide fls. 201 a 202 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13 - Em 31 de Agosto de 2011, o Director dos Serviços de Turismo proferiu um despacho na Informação n.º 417/DI/2011 que concordou com o conteúdo da referida Informação e decidiu aplicar ao recorrente a multa de MOP$200.000,00 nos termos do artigo 10.º n.º 1 da Lei n.º 3/2010 por ter utilizado a referida fracção para prestação ilegal de alojamento (vide fls. 211 a 215 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14 - Em 7 de Setembro de 2011, a Direcção dos Serviços de Turismo emitiu o mandado de notificação n.º 385/AI/2011 ao recorrente através da carta registada, notificou-o da decisão sancionatória acima referida e ordenou a cessação imediata da prestação ilegal de alojamento na fracção autónoma em causa, bem como notificou o recorrente do pagamento da multa junto da Direcção dos Serviços de Turismo no prazo de 10 dias contados a partir da recepção da notificação; mais ainda notificou o recorrente de que podia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo legalmente fixado (vide fls. 216 a 218 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15 - Em 19 de Setembro de 2011, o recorrente pediu apoio judiciário junto deste Tribunal (vide fls. 2 e verso do Processo n.º 596/11-AJ deste Tribunal).
16 - Em 9 de Dezembro de 2011, o mandatário judicial nomeado do recorrente interpôs recurso contencioso para este Tribunal.
17 - Nos termos dos elementos constantes dos autos e do apenso, não foram provados os seguintes factos:
18 - O recorrente só emprestou o seu documento de identidade a uma mulher não identificada para celebrar, na qualidade de locatário, o contrato de arrendamento da referida fracção.
19 - O recorrente angariou os cinco indivíduos não residentes da RAEM que foram encontrados na referida fracção à data da ocorrência, com vista ao seu alojamento; ou directamente prestou-lhes alojamento”.
20 - Em 4 de Novembro de 2010 ou antes, o recorrente já restituiu a referida fracção ao proprietário.
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III- O Direito
1 - O caso dos autos
G, proprietário da fracção identificada nos autos, casado com I, deu-a em 18 de Agosto de 2009 de arrendamento a A, pelo prazo de um ano, mediante a renda mensal de HK$ 5.800, contrato que, a pedido do recorrente, verbalmente viria a ser renovado até Dezembro de 2010.
Numa acção de investigação levada a cabo pela Direcção dos Serviços de Turismo em 4/11/2010, foi detectado que no interior da fracção se encontravam cinco indivíduos não residentes de Macau, titulares de documento de viagem, um dos quais já com excesso de permanência na RAEM. Tais indivíduos pernoitavam no quarto, na sala de estar e na cozinha da fracção em colchões ali instalados para o efeito, pagando valores diários entre HK$ 50,00 e HK$ 200,00.
Face a isso, o digno recorrido decidiu aplicar ao recorrente a multa de Mop$ 200,000,00, nos termos do art. 10º, nº1, da Lei nº 3/2010 por utilização da fracção para prestação ilegal de alojamento sem o devido licenciamento.
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2 – Da nulidade da sentença
O recorrente invoca a nulidade da sentença imputando-lhe “vício de erro na comprovação dos factos”. Esta invocação, porém, é manifestamente infundada.
Na verdade, se o recorrente entende que o tribunal errou no apuramento dos factos, então a questão nunca poderia ter a roupagem que o recorrente lhe veste. Porquê? Porque tal imputação nunca poderia constituir nenhum factor de nulidade de sentença (cfr. art. 571º do CPC), mas sim e somente um erro de julgamento da matéria de facto.
Em boa verdade, o que o recorrente pretenderá é suscitar o vício do erro sobre os pressupostos de facto, mas sobre isso mais adiante nos pronunciaremos.
Assim, e sem mais escusadas delongas, improcede para já a invocada nulidade.
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3 – Do mérito da sentença
3.1 - O Tribunal Administrativo, no estudo que do caso fez, considerou que o nº1 do art. 10º citado, aplicável aos “agentes que controlam por qualquer forma prédio ou fracção autónoma para a prestação ilegal de alojamento”, também teria por previsão aqueles que, como o recorrente, detêm sobre a coisa um direito de gozo temporário. Isto é, não seriam apenas os proprietários que poderiam ser os destinatários da norma, mas também, os “usufrutuários”, os “moradores usuários” e, tal como era a situação em apreço, os “arrendatários”.
O que o recorrente fez no presente recurso foi uma coisa só: tentar demonstrar o erro sobre os pressupostos de facto. Na verdade, ele apenas se diz mero arrendatário da fracção a pedido de uma pessoa do sexo feminino, não identificada, a qual teria procedido à prestação de serviço de prestação ilegal de alojamento a terceiros. Seria um arrendamento formal, digamos assim, em que o recorrente nada teria que ver com a situação detectada, por não ter sido ele quem forneceu o alojamento aos indivíduos encontrados no interior da fracção, por sobre ela nenhum controle deter. A verdadeira arrendatária seria a tal pessoa, o que se comprovaria com o facto de não só não ter as chaves da dita fracção, como também nunca ter pago as rendas ao proprietário ou nunca ter recebido quaisquer importâncias em dinheiro dos tais cinco indivíduos. Ou seja, ele, recorrente, nenhum poder de controlo sobre a coisa deteria, pelo que não podia ser responsabilizado pelo alojamento que os Serviços de Turismo descobriram. Isso, em sua óptica, significara um “erro na comprovação dos factos”.
Ora, acontece que os autos não demonstram a tese defendida pelo recorrente.
Deve começar-se por fazer notar que o que importa é o momento em que se detectaram os factos que levaram à aplicação ao recorrente/arrendatário de uma multa. E essa situação foi verificada em 4/11/2010, numa ocasião em que o contrato ainda se mantinha de pé, pois o seu termo só se verificaria em Dezembro de 2010.
Em segundo lugar, e no que respeita à verdadeira qualidade de arrendatário - que o recorrente pretende querer afastar, para se eximir da responsabilidade pela situação detectada de alojamento ilegal – cumprir-lhe-ia demonstrar nos autos a versão factual que trouxe aos autos. Ou seja, que ele não era o arrendatário da fracção e que por isso mesmo não podia assumir a culpa de um facto ilícito cometido por outrem.
Ora, tem sido abundantemente referido que, geralmente, o erro sobre os pressupostos deve ser alegado e provado por quem invoca o vício1. Como diz Vieira de Andrade, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo se agressiva (…); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando estejam verificados esses pressupostos.» (A Justiça Administrativa (Lições) ”, 2ª edição, a págs. 268-271., pag. 268/269).
Ora, os elementos do procedimento administrativo apontam em direcção oposta à do recorrente. Nesse sentido, parece-nos haver correspondência entre os pressupostos da previsão normativa e a dispositividade do acto e os pressupostos de facto em que ele se baseou.
Por outro lado, o recorrente não trouxe aos autos de recurso contencioso nenhum dado com força suficiente para negar a aparência que emerge dos elementos do procedimento administrativo, onde, como se disse, já ele não tinha podido demonstrar que o arrendamento não foi por si celebrado, mas por uma pessoa que lhe pedira o documento de identificação para em seu nome celebrar o contrato. Aliás, o recorrente nem sequer ofereceu prova no recurso contencioso, nomeadamente testemunhal, para infirmar os pressupostos factuais em que o acto se fundou.
A versão por si trazida pode até estar bem tecida e ser verosímil, mas não se provou ser verdadeira, como devia. De resto, se ficou provado que pouco tempo antes do termo do contrato o recorrente manifestou ao senhorio o desejo de prolongar o prazo de duração do contrato, tal contraria a ideia de que o contrato fora celebrado a favor de “mulher desconhecida” a quem disse ter entregado o seu documento de identificação para tomar de arrendamento a fracção. Aliás, num brevíssimo parêntesis, não se nos afigura lógica, nem coerente, a tese de ter entregado a outrem o seu documento para a celebração do contrato, se é o próprio recorrente que figura no contrato como arrendatário (ver fls. 18).
Portanto, nada a este TSI resta senão aceitar os factos tal como eles foram apurados no procedimento administrativo.
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3.2 – Depois o recorrente suscita aquilo a que chama “Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. Em sua opinião, o facto de ter assinado com o proprietário da fracção um contrato de arrendamento não é suficiente para provar que ele violou o art. 10º, nºs 1, 2, 3 e 4, da Lei nº 3/2010.
Tanto quanto nos podemos aperceber desta alegação, julgamos que o recorrente está a tentar chamar a atenção para o vício de erro sobre os pressupostos de facto. Ou seja, o acto administrativo estaria viciado, porque os factos reais – lembremos que ele nega ter angariado pessoas para o alojamento – não cabem na previsão daqueles normativos.
O artigo reza assim:
Artigo 10.º
Infracções administrativas
1. Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas.
2. Quem angariar pessoa com vista ao seu alojamento em prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 20000 a 100 000 patacas.
3. Quem violar, sem justa causa, o disposto no n.º 3 do artigo 4.º é punido com multa de 20 000 a 100 000 patacas.
4. Quem violar, sem justa causa, o disposto na alínea 2) do n.º 2 do artigo 4.º é punido com multa de 3 000 a 20 000 patacas.
5. Caso o infractor referido no número anterior seja ocupante, a multa aplicada é de 3000 patacas e segue a tramitação especial prevista no Capítulo IV.
6. Se a infracção administrativa prevista no n.º 1 envolver várias fracções autónomas a cada fracção corresponde a prática de uma infracção sancionada autonomamente.
Por seu turno, o art. 2º, sobre a definição do conceito de “Prestação ilegal de alojamento” dispõe da seguinte maneira:
Artigo 2.º
Prestação ilegal de alojamento
Para efeitos da aplicação da presente lei, é prestação ilegal de alojamento, a actividade de prestação de alojamento ao público, sem possuir a licença para exploração de estabelecimentos hoteleiros, em prédio ou fracção autónoma não destinado a fins de actividade hoteleira e similar, cujo ocupante é não residente da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), ao qual não foi concedida autorização especial de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não residente, salvo verificando-se uma das seguintes situações:
1) A pessoa que presta alojamento tem uma relação estável de arrendamento com o ocupante e, antes da investigação da actividade referida, entregou a declaração de contribuição predial relativa a esta relação de arrendamento, junto da Direcção dos Serviços de Finanças;
2) A pessoa que presta alojamento e o ocupante já se conheciam bem, antes do alojamento, por terem entre si uma relação familiar, profissional, de estudo ou outra relação pessoal, e por causa dessa relação é prestado ao ocupante alojamento gratuito.
Ora, a partir da observação dos factos provados, é possível concluir que naquela fracção habitacional se praticava a actividade de prestação de alojamento ao público sem que para tanto houvesse a respectiva licença. A situação cai, portanto, sob a alçada do art. 2º da Lei.
Quem pode ser responsabilizado por isso? O art. 10º dá a resposta. O nº1 prevê a punição do “prestador do alojamento” ou a “pessoa que controla o prédio ou a fracção”; o nº2 pune o “angariador”; os nºs 3 e 4 dirigem-se às pessoas neles previstas que não colaborem nos termos ali estabelecidos.
No caso do recorrente, na qualidade de arrendatário da fracção, ele foi punido pelo nº1, enquanto prestador do alojamento ou como pessoa que detinha poder de controlo sobre a fracção sem que tivesse impedido a sua utilização com esse fim para o público em geral. E acertadamente.
Na verdade, este sancionamento honra a previsão normativa e respeita sua fattispecie, na medida em que é condizente com os factos apurados, os quais o recorrente não foi capaz de desmentir.
Portanto, não concordamos que a matéria de facto apurada seja insuficiente para a subsunção à previsão do preceito.
Face ao que vem de ser dito, e sem mais, naufraga a tese defendida no presente recurso jurisdicional.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Honorários ao patrono oficioso: Mop$ 2500,00 (art. 29º do DL nº 41/94/M, de 1/08 e nº6 da Tabela anexa à Portaria nº 265/96/M, de 28/10).
TSI, 06 / 12 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
Estive presente
Mai Man Ieng
1 Ac. do TSI, 23/10/2003, Proc. nº 86/2002; Na jurisprudência comparada, em Portugal, v.g., Acs. STA de 20/02/86, in AD nº 303/364; 8/10/1992, in Rec. nº 28 975; STA de 3/11/1992, Rec. Nº 30 658; 20/03/2003, Proc. nº 01280/02, entre outros.
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