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Processo n.º 533/2011 Data do acórdão: 2012-7-26 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– crime de condução durante o período de inibição
– cassação da carta de condução
– suspensão da execução da cassação da carta
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
Embora esteja provado que o arguido é motorista de profissão, não se pode, ante os dois antecedentes criminais dele, um pelo crime de fuga à responsabilidade, e outro pelo crime de condução em estado de embriaguez, formar realmente qualquer juízo de prognose favorável à pretendida suspensão, nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, da execução da sua sanção de cassação da carta de condução por que vem condenado nesta vez pelo tribunal a quo, pela perpetração do crime de condução durante o período de interdição de condução.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 533/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, arguido já melhor identificado no Processo Comum Singular n.º CR1-11-0052-PCS do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), da sentença proferida a fls. 70 a 74 desse processo, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de condução durante o período de inibição de condução, p. e p. pelo art.o 92.o, n.o 1, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), em conjugação com o art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal (CP), na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, bem como na cassação da carta de condução.
Para o feito, alegou e peticionou, na sua essência, o seguinte na sua motivação de recurso (apresentada a fls. 80 a 86 dos presentes autos correspondentes):
– como ele próprio tem nível não elevado de habilitações literárias (pois só tem o primeiro ano do ensino secundário elementar), não conhecia o Direito de Macau, nem tinha suficiente conhecimento do teor da sentença do anterior Processo Sumário n.o CR2-09-0206-PSM que o tinha condenado nomeadamente na inibição de condução pelo período de um ano, com entrega de documento de habilitação de condução ao Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública antes do dia 17 de Julho de 2009 no caso de essa decisão transitar em julgado, ele pensou erroneamente que a inibição de condução só começaria a partir da entrega de documentação, e considerou, pois, que antes do dia 17 de Julho de 2009, ainda poderia conduzir, pelo que conforme a sua capacidade de discernimento, ele próprio não se apercebeu de que desde o dia 10 de Julho de 2009, já não podia voltar a conduzir, e foi por isso que praticou o acto de desobediência qualificada no dia 13 de Julho de 2009; assim sendo, a sentença ora recorrida desconsiderou as circunstâncias do caso que integrassem o disposto no n.o 2 do art.o 16.o do CP, ao não ter atenuado especialmente a pena;
– por outro lado, ao decidir pela execução imediata da sanção de cassação da carta de condução, o Tribunal recorrido não considerou a situação concreta do arguido, nem expôs os motivos da não suspensão da execução dessa sanção, contradizendo, aliás, essa decisão de não suspensão com os factos provados respeitantes à profissão de motorista do arguido e às suas condições familiares e económicas, bem como com a sua já confissão dos factos; merece, pois, ele a suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, mesmo que com imposição de alguma condição, por exemplo, relativa à prestação de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 89 a 90v dos autos).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 99 a 100v dos autos), pugnando pelo provimento parcial do recurso, com determinação da suspensão, por um período não inferior a um ano e seis meses, da execução da sanção de cassação da carta de condução, sob condição de pagamento de três mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau, destinada a reparar o mal causado pelo acto delinquente, sendo certo que o arguido, durante o período de suspensão, só poderá conduzir veículos da sua companhia dentro do horário do trabalho e apenas para execução das tarefas incumbidas pela entidade patronal.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. O Tribunal a quo descreveu como provados os seguintes factos nas páginas 2 e 3 do texto da sua sentença (ora a fls. 70v a 71 dos autos):
– em 29 de Junho de 2009, o arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base em três meses de prisão, e na inibição de condução por um ano, devido à condução em estado de embriaguez;
– e o conteúdo dessa sentença foi de imediato notificado ao arguido;
– a referida sentença produziu efeitos, como decisão transitada em julgado, em 10 de Julho do mesmo ano;
– em 13 de Julho de 2009, às 17:00 horas, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro n.o ML-XX-XX na Avenida de XX, e como não usou o cinto de segurança, foi interceptado e multado pelo guarda n.o 144071 do Corpo de Polícia de Segurança Pública;
– o arguido, de modo consciente, conduziu voluntariamente veículo automóvel em via pública durante o período de interdição de condução de automóveis;
– o arguido sabia claramente que a sua conduta era proibida por lei e sujeita à punição legal;
– o arguido é motorista de agência comercial, auferindo cerca de oito mil patacas por mês;
– o arguido é casado, e precisa de sustentar os pais e um filho menor;
– o arguido tem por habilitações literárias o primeiro ano do ensino secundário elementar no Interior da China;
– o arguido confessou os factos por que vinha acusado;
– de acordo com o certificado de registo criminal, o arguido não é delinquente primário;
– o arguido, devido ao cometimento de um crime de fuga à responsabilidade p. e p. pelo art.o 89.o da LTR, foi condenado em 6 de Março de 2009 no Processo n.o CR3-06-0582-PCS (então n.o PCI-054-06-2) em 45 dias de multa, ao montante diário de cem patacas, ou seja, no total de quatro mil e quinhentas patacas, convertível em 30 dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, bem como na suspensão da validade da carta de condução por três meses, tendo essa multa e as custas do processo sido pagas em 16 de Setembro de 2009;
– o arguido, devido ao cometimento de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR, foi condenado em 29 de Junho de 2009 no Processo n.o CR2-09-0206-PSM na pena de três meses de prisão, substituída por multa ao montante diário de cem patacas, ou seja, por nove mil patacas de multa ao total, e teria que cumprir a prisão se não pagasse a multa, bem como ficou proibido de conduzir por um ano, e uma vez transitada em julgado a sentença, teria que entregar, em 17 de Julho de 2009, o documento de habilitação de condução ao Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública, sob pena de verificação do crime de desobediência, tendo a multa e as custas do processo já sido pagas em 15 de Julho de 2009.
2. Ao decidir pela não suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução do arguido, o Tribunal a quo afirmou que não há motivo atendível para a suspensão da execução da sanção (cfr. o segundo parágrafo da página 6 do texto da sentença ora recorrida, a fl. 72v dos autos).
3. Consta da acta de audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal a quo que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos (cfr. em especial, o teor de fl. 68v dos autos).
4. A sentença de 29 de Junho de 2009 do Processo Sumário n.o CR2-09-0206-PSM, referida na matéria de facto dada por provada na sentença ora recorrida, foi proferida em chinês, da qual consta que como pena acessória, o arguido tem que ser proibido de conduzir pelo período de um ano, para o que e caso a sentença transite em julgado, o arguido terá que entregar, antes do dia 17 de Julho de 2009 (inclusive), a carta de condução ou documento de habilitação de condução ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, sob pena de incorrer no crime de desobediência (cfr. o teor de fl. 27v dos autos).
5. E conforme a acta da audiência de julgamento desse processo, o arguido já ficou notificado da respectiva sentença e declarou estar claramente ciente do conteúdo da mesma, e ficou notificado também de que podia interpor recurso para o TSI no prazo de dez dias (cfr. o teor de fl. 28 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido começou por apontar, no recurso, que tinha erro sobre a ilicitude do facto de condução automóvel por que vinha condenado nesta vez.
Entretanto, tendo em conta que foi dado expressamente por provado no texto da sentença ora sob impugnação que o arguido, de modo consciente, conduziu voluntariamente veículo automóvel em via pública durante o período de interdição de condução de automóveis, e que ele sabia claramente que a sua conduta era proibida por lei e sujeita à punição legal, ao que acresce a circunstância de, conforme a acta da audência de julgamento então realizada perante o Tribunal a quo, ele já confessou integralmente e sem reservas os factos, é totalmente descabida a tese ora invocada, no recurso, de existência de erro censurável sobre a ilicitude do facto de condução automóvel no dia 13 de Julho de 2009, sendo certo que segundo a acta da audiência do anterior Processo penal seu n.o CR2-09-0206-PSM, ele ficou notificado da respectiva sentença da qual constava que ele tinha que ser proibido de conduzir pelo período de um ano, para o que e se a sentença transitasse em julgado, o arguido teria que entregar, antes do dia (e não apenas no dia) 17 de Julho de 2009 (inclusive), a carta de condução ou documento de habilitação de condução ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Quanto à problemática de suspensão ou não da sanção de cassação da carta de condução, o Tribunal a quo já explicou que como não há motivo atendível, não suspende a execução dessa sanção, pelo que improcede o vício de falta de fundamentação dessa decisão, ora arguido pelo recorrente.
E no tocante ao cerne da questão, como se sabe, o art.o 109.o, n.o 1, da LTR reza que o tribunal pode suspender a execução nomeadamente da sanção de cassação da carta de condução por um período de seis meses a dois anos, quando existirem motivos atendíveis.
No caso dos autos, embora esteja provado que o arguido é motorista de profissão, realiza o presente Tribunal ad quem que ante os dois antecedentes criminais do arguido ligados à condução (isto é, a condenação dele, em 6 de Março de 2009, pela prática de um crime de fuga à responsabilidade, e a condenação, em 29 de Junho de 2009, pelo cometimento de um crime de condução em estado de embriaguez), não se pode formar realmente qualquer juízo de prognose favorável à pretendida suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução por que vinha condenado nesta vez pela perpetração, em 13 de Julho de 2009, de um crime de condução durante o período de interdição de condução.
Tem, pois, razão o Tribunal a quo, não contradizendo a sua decisão de não suspensão da sanção de cassação da carta de condução com os factos provados.
Em suma, há que naufragar o recurso do arguido in totum.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça e mil e trezentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 26 de Julho de 2012.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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