Processo nº 231/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Dezembro de 2012
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
SUMÁRIO:
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
3- No que respeita ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o entendimento nesta matéria, tal como já sucedia no domínio do CPC anterior, é no sentido de que ao requerente basta a sua invocação, sem o ónus da sua demonstração, uma vez que tais requisitos se presumem.
Proc. Nº 231/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A (XX), do sexo masculino, nascido em XX de XX de XXXX, da etnia Han, residente na Av. XXX n.º XXX, Xº andar, apartamento X, Macau,
Veio, nos termos do art. 1199º do CPC, requerer
ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE DECISÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU, contra
B (XXX), que foi residente em GuangzhongXX n.º XX apartamento XXX (XXXXXX號XXX室).
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Por falta e citação pessoal, foi citado o MP, mas não foi deduzida contestação.
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Cumpre4 decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
1 - O autor e a ré contraíram casamento em Shangai no dia 15 de Abril de 1967.
2- Por sentença proferida em 17 de Outubro de 1997 pelo Tribunal Distrital de Shangai HongKou da República Popular da China foi decretado o divórcio entre ambos nos seguintes termos:
Tribunal do Povo do Distrito de Hong Kou de Xangai
Sentença Civil
(1997) Hongminchuzi n.º XXXX
Admitido por este Tribunal o processo de divórcio do autor A e a ré B, procedeu-se à audiência de julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, em que compareceram o representante constituído XXX do autor A e a ré B. Orajá se deu fim ao julgamento deste processo.
O autor A alegou que as partes já se encontraram separadas há muito tempo por causa da incompatibilidade dos caracteres pessoais, fazendo com que estejam rompidas as relações conjugais, e pediu o divórcio com a ré.
A ré B declarou consentir em divórcio.
Foi apurado que as partes contraíram casamento nesta cidade em 15 de Abril de 1967 e mantinham boas relações naquela altura. Deu à luz os dois filhos XX (XX) e XX (XX) respectivamente em 19XX e 19XX. O autor chegou a Macau em 1983 e a ré foi viver com este em Macau em 1993. Ora o autor intentou a acção e pediu divórcio com a ré. Na audiência de julgamento, chegaram a um acordo de conciliação, não existindo outro conflito.
Este Tribunal entende que são as relações que fundamentam um cônjuge. As partes já se encontraram separadas há muito tempo, fazendo com que estejam rompidas as relações conjugais, e respeita o disposto da lei o acordo de conciliação, ao qual se concede autorização. Nos termos do artigo 25º e 31º, decide:
1. Autoriza-se o divórcio do autor A e a ré B.
2. Os patrimónios do autor pertencem a este próprio e os da ré a ela própria.
3. Desde o trânsito em julgado, a ré reside no apartamento XXX arrendado, sito em GuangzhongXX n. º XX.
Fixam-se em RMB 50 as custas, ficando a cargo do autor.
Se não se conformar, pode-se apresentar a petição de recurso junto a este Tribunal e cópias correspondentes ao número das pessoas da parte contrária dentro de 15 dias contados da notificação da sentença para interpor recurso perante o Tribunal do Povo de Segunda Instância de Xangai.
Julgador: XXX (XXX)
Julgador Substituto: XXX (XX)
Julgador Substituto: XX (XX)
17 de Outubro de 1997
Tribunal do Povo do Distrito de Hong Kou de Xangai (selo)
Escrivão: XX (XX)
3 - Esta sentença já transitou em julgado.
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IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC, pois assim o determina o art. 1204º do mesmo Código (“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”).
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços de convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
No que respeita ao trânsito em julgado (mas também sobre competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório), o entendimento nesta matéria era, já no domínio do CPC anterior, no sentido de que ao requerente bastaria a sua invocação, sem o ónus da sua demonstração, uma vez que ele se presumia1.
E se assim se entendia, do mesmo modo se continua a entender sob a égide do actual regime legal2.
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal no sentido da não verificação desse e dos restantes requisitos, os quais assim se têm por verificados.
Portanto, somos a concluir que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei da República Popular da China e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais da RAEM, nos termos do art. 20º do Código Civil.
Também não vislumbramos que tivesse havido quebra das regras sobre litispendência e sobre o caso julgado ou que tivessem sido violados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, estão reunidos os requisitos para a procedência do pedido (art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital de Shangai HongKou da República Popular da China de 17 de Outubro de 1997, que decretou o divórcio entre A (XX) e B (XXX) nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 13 / 12 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275.
2 Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada; Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82; Ac. TSI, de 15/2/2000, CJ 2001, I, 170; Ac. TSI de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263; Ac. TSI, de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002; Ac. TSI de 12/05/2011, Proc. Nº 18/2011, entre outros.
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