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Processo nº 703/2012 Data: 11.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crimes de “roubo” e “burla”.
Cúmulo jurídico.
Medida da pena.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.

O relator,

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Processo nº 703/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os restantes sinais dos autos, como autor da prática, em concurso real, de 4 crimes de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada, e 1 outro de “burla”, p e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 349 a 350 e 409 a 411 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, para em síntese, manifestar a sua discordância quanto à pena que lhe foi aplicada, alegando que o Tribunal “não considerou suficientemente as circunstâncias que lhe eram favoráveis”.
Considera que “devia ter sido condenado a uma pena de prisão efectiva de um ano e seis meses a dois anos por cada um dos quatro crimes de roubo p. e p. pelo n.° 1 do art.° 204.° do CP de Macau, a; e a uma pena de prisão de cinco meses pela prática um crime de burla p. e p. pelo n.° 1 do art.° 214.° do CP de Macau.
Em regime de concurso, fazia bom cumprimento dos princípios da legalidade, da equidade e da razoabilidade condenar o arguido a uma pena de prisão de 4 anos e 8 meses ao todo” ; (cfr., - concl. L e M – fls. 372 a 376).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela integral confirmação do decidido; (cfr., fls. 378 a 380-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, considerando também que nenhuma censura merece a decisão recorrida; (cfr., fls. 434 a 435).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“Desde Abril de 2011 que o arguido fez o seguinte em casinos de Macau:
1.º
Em 12 de Abril de 2011, pelas 8h10 de manhã, o arguido A foi atrás de a 1.ª lesada B, de 79 anos, que pretendia voltar a casa e entrou no EDF. XX, situado na Rua da XX, n.º XX.
2.º
Quando a lesada chegou ao 1.º andar depois de subir a escada, o arguido tirou violentamente das orelhas os brincos de ouro da arguida e logo a seguir a sua mala que estava nas mãos.
3.º
O arguido fugiu do local com os brincos e a mala depois de ter derrubado a 1.ª lesada.
4.º
Os brincos e a mala roubados valem, respectivamente, MOP 1500 e MOP 50. Dentro da mala estavam os seguintes objectos pertencentes à 1.ª lesada:
1) o BIR permanente de Macau n.º 5XXXXXX(9) da 1.ª lesada;
2) o BIR de Hong Kong da 1.ª lesada;
3) o salvo-conduto de ida e volta da China Interior de residentes da RAEHK e da RAEM da 1.ª lesada;
4) um par de óculos de cerca de MOP 500;
5) numerário no valor de HK$6000.
5.º
Em 13 de Novembro do mesmo ano, pelas 8h10 de manhã, o arguido seguiu a 2.ª lesada C de 63 anos até a intersecção das Travessa do XX quando segurou de repente de trás a cabeça da lesada, quebrando o colar de ouro da lesada e levou-o.
6.º
O colar roubado da 2.ª lesada, incluindo um pingente de jade tem o valor de MOP$5500.
7.º
No mesmo dia, o arguido foi à casa de penhores “D押” (3.ª lesada) localizada na Avenida da XX, n.º XX e empenhou o colar na qualidade de dono, em troco obteve MOP2500.
8.º
No dia 14 do mesmo mês, pelas 10h00 de manhã, o arguido seguiu a 4.ª lesada E de 62 anos que se encontrava a caminho de casa e entrou no EDF. XX na Calçada do XX.
9.º
Quando a lesada chegou ao 1.º andar depois de subir a escada, o arguido tirou violentamente do pescoço da arguida um colar de ouro com pingente de jade de cor verde e logo a seguir a sua mala que estava nas mãos.
10.º
Tendo a 4.ª lesada caído no chão, o arguido aproveitou para fugir do local com o colar e a mala.
11.º
O valor do colar roubado é estimado na ordem das MOP5000. Dentro da mala estimada no valor das MOP 150 estavam os seguintes objectos da 4.ª lesada:
1) o BIR permanente de Macau n.º 5XXXXXX(3) da 4.ª lesada;
2) o salvo-conduto de ida e volta da China Interior de residentes da RAEHK e da RAEM da 4.ª lesada;
3) Renminbi 450 yuans (valor aproximado) e MOP 700;
4) uma carteira de cor prata cujo valor é de cerca de MOP50;
5) um relógio de cor prata cujo valor é de cerca de MOP450;
6) um par de óculos de cor branca cujo valor é de cerca de MOP30.
12.º
Em 2 de Novembro de 2011, pelas 8h05 de manhã, o arguido seguiu a 5.ª lesada F de 82 anos até à porta do EDF. XX, na Rua da XX, n.º XX, eis senão quando arrebatou violentamente das orelhas da lesada um par de brincos de ouro de cerca de MOP 2000.
13.º
O arguido abandonou o local com os brincos da 5.ª lesada.
14.º
Pelas 12h45 do mesmo dia, o arguido foi interceptado por um agente da PSP em patrulha em frente à agência do Banco da China na Rua de XX devido ao seu ar suspeito. E ele reconheceu que estava à procura de idosos adequados para lhes roubar bens.
15.º
Após a obtenção de consentimento do arguido, o agente da polícia procedeu à revista ao arguido em função de lei, da qual resultou o descobrimento do par de brincos de ouro roubado da 5.ª lesada.
16.º
Seguidamente, de acordo com a informação dos cartões de depósito de bagagem do Hotel Grande Lisboa e do Hotel Grand Emperor, igualmente descobertos na revista, o agente foi aos hotéis em causa para buscar as bagagens do arguido. Estavam nas bagagens o BIRM e o salvo-conduto da 4.ª lesada, a cautela de penhor pelo depósito do artigo roubado da 2.ª lesada emitida pela casa de penhores “D押”, bem como outros objectos de origens obscuras que o arguido não sabia explicar.
17.º
O arguido arrancou por 4 vezes bens de idosos de fraco estado de saúde, fazendo uso de métodos violentos e agindo de forma ciente e consciente, de forma a apoderar-se ilegalmente dos bens.
18.º
O arguido empenhou várias vezes bens de outrem na qualidade de dono dos mesmos, fazendo partido dos erros de identificação cometido por outros e agindo de forma ciente e consciente, com vista a angariar interesses ilícitos.
19.º
O arguido sabe perfeitamente que o seu acto é proibido e punido por legislação.
***
Mais se provou durante a audiência:
Segundo o CRC, o arguido é primário em Macau.
O próprio arguido afirmou-se ser construtor civil, aufere mensalmente MOP 3000, concluiu o 6.º ano de escolaridade (escola primária). A cargo dele está a mãe”; (cfr., fls. 400 a 404).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática, em concurso real, de 4 crimes de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada, e 1 outro de “burla”, p e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão.

E, colocando apenas a questão da adequação das penas parcelares e única, pede a sua redução como atrás se deixou transcrito, alegando, em síntese, que confessou os factos, que é primário, e que reduzido é o prejuízo dos ofendidos.


Cremos porém que o recurso não merece provimento, apresentando-se mesmo manifestamente improcedente, e, assim, de rejeitar; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos.

–– Das “penas parcelares”.

A cada um dos (4) crimes de “roubo” pelo recorrente cometidos cabe a pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão; (art. 204° do C.P.M.).

Por sua vez, ao crime de “burla”, a de prisão até 3 anos ou multa; (art. 211° do C.P.M.).

Preceitua o art. 40° do mesmo Código quanto aos “fins das penas” que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, como repetidamente temos vindo a afirmar “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 31.05.2012, Proc. n° 391/2012).

No caso, é verdade que o ora recorrente confessou, em audiência, os factos pelos quais vinha acusado, que é primário, e que “elevado” não é o prejuízo dos ofendidos.


Porém, não se pode olvidar que foi interceptado em situação de quase flagrante delito pela P.S.P., que em sede de Inquérito, descobertos foram vários bens pelo mesmo roubados, e que não deixavam de, pelo menos, indiciar fortemente, a sua autoria pelos crimes em que foi condenado.

Quanto ao facto de ser “primário”, não sendo o mesmo residente da R.A.E.M., pouca relevância tem tal circunstância, o mesmo sucedendo com o valor do “prejuízo” dos ofendidos, pois que se outros fossem, outra seria a moldura penal aplicável. Aliás, não se pode também olvidar que ainda que para o recorrente seja o prejuízo dos ofendidos reduzido, para estes assim pode não ser.

Por sua vez, há que dizer que a conduta do ora recorrente é deveras censurável.

De facto, a matéria de facto provada, dá claramente a entender que o mesmo seleccionava as suas vítimas, escolhendo pessoas do sexo feminino e de idade avançada, (portanto em situação “fragilizada”), planeando, ao pormenor os seus actos, aguardando pela melhor oportunidade, optando por locais sem movimento, para, com “golpes violentos”, apoderar-se de bens das vítimas, alheando-se à situação em que as mesmas ficavam, não olhando a meios para atingir os seus fins, semeando o pânico e originando alarme social.

E, se a isto se aliar o facto de ser o recorrente um “turista” da R.A.E.M., sem esforço se conclui que se impõe “alguma dureza” nas penas a aplicar.

Com efeito, o dolo – directo – é muito intenso, não se pode olvidar que cometeu o recorrente 4 “roubos” da forma descrita sem arrepiar caminho, (não obstante o período de tempo em causa), sendo assim também muito intensa a ilicitude e fortes as necessidades de prevenção especial e geral.

Nesta conformidade, face às molduras penais em causa, e certo sendo que as penas em questão ainda estão próximas dos seus limites mínimos, não chegando aos seus meios, como pretender-se que sejam as mesmas penas (parcelares) objecto de redução.

–– Da “pena única”.

Quanto à “pena única”, atento o preceituado no art. 71° do C.P.M., e à moldura penal em causa, (3 anos a 12 anos e 7 meses de prisão), também evidente é que nenhuma censura merece a pena única de 6 anos.

Com efeito, e como já decidiu este T.S.I.: “na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 26.05.2011, Proc. n.° 314/2011).

No caso, e atenta a factualidade dada como provada, mostra-se de concluir ter o ora recorrente uma personalidade com tendência para a prática do crime, e, desta forma, atenta a referida moldura penal, excessiva não é assim a dita pena única de 6 anos de prisão, que (também) não chegando sequer ao meio daquela, até se mostra benevolente.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 11 de Outubro de 2012


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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 703/2012 Pág. 18

Proc. 703/2012 Pág. 1