Processo nº 363/2012 Data: 11.10.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Proporção de culpas.
Indemnização (Alimentos).
Redução.
SUMÁRIO
1. Constatando-se que o acidente dá-se quando o arguido, conduzindo 1 autocarro, pretende ultrapassar a vítima, que na altura conduzia uma bicicleta em local onde era proibida a circulação de tal meio de transporte, impõe-se concluir que há concorrência de culpas.
Todavia, ponderando todo o evento, e, essencialmente, no facto de ter sido o arguido que pretendeu ultrapassar a vítima, e, assim, devido à dimensão da viatura que conduzia, a vir a embater nesta, mostra-se adequado atribuir 10% de culpa pelo acidente à vítima e 90% ao arguido.
2. Provado estando que a vítima suportava o custo de vida das demandantes, sua esposa e mãe, motivos não há para se indeferir o pedido de “indemnização a título de alimentos”.
3. Atento que o montante da “indemnização” (a título de alimentos), corresponde ao total que as demandantes iriam receber em prestações mensais, por 7 anos, há que proceder a uma “redução”, pois uma coisa é receber, de uma só vez, o que se iria receber ao fim de anos.
O relator,
______________________
Processo nº 363/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Sob acusação pública e em audiência colectiva respondeu A, com os sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática de 1 crime de “homicídio por negligência” p. e p. pelo art. 134°, n.° 1 do C.P.M. conjugado com o art. 93°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de o arguido apresentar, no prazo de 10 dias, comprovativo da sua qualidade de “condutor profissional”.
Em relação ao pedido civil enxertado nos autos, julgou-o o Colectivo parcialmente procedente, condenando a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS LUEN FUNG HANG” a pagar aos (6) demandantes B, C, D, E, F, G, o total de MOP$1,377,389.60 e juros; (cfr., fls. 426-v a 427 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformados com o assim decidido, os demandantes vieram recorrer, tendo a demandada seguradora interposto recurso subordinado.
*
Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está provada a seguinte factualidade:
“1.
No dia 23 de Novembro de 2010, pelas 10h25, o arguido A conduziu um automóvel pesado (de matrícula ML-XX-XX) ao longo do viaduto da Estrada do XX, na direcção à Avenida do XX.
2.
Naquela altura, o tempo era bom e a iluminação do viaduto era suficiente, também eram normais o estado da via e a densidade do trânsito.
3.
Ao mesmo tempo, H estava a andar de bicicleta à frente esquerda do automóvel do arguido.
4.
Quando o arguido conduziu o supracitado automóvel perto do poste de iluminação n.° 010C02 no viaduto da Estrada do XX, acelerou o automóvel e pretendeu ultrapassar a referida bicicleta.
5.
Devido à grande dimensão do automóvel pesado conduzido pelo arguido e à estreiteza da via do viaduto, o arguido não manteve uma distância de segurança entre o seu automóvel e a bicicleta, deixando o automóvel embater na bicicleta acima referida, e causando o seu condutor a cair no chão junto com a bicicleta e ficar ferido.
6.
O supracitado embate resultou directa e necessariamente em hematoma subdural na zona frontal e temporal direita e no topo da zona temporal esquerda do cérebro de H, hemorragia na aracnóide, contusões nos lobos frontal e temporal do cérebro direito, fractura linear do osso parietal, contusões dos pulmões e em fim, o óbito de H por causa de grave traumatismo crânio-encefálico (vide o relatório de autópsia constante das fls. 55 a 57 dos autos).
7.
O supracitado embate resultou directa e necessariamente na desformação e raspança do lado direito do assento da bicicleta acima referida. (vide o relatório do exame da bicicleta nas fls. 25 dos autos)
8.
O arguido não conduziu de forma prudente, causando o acidente de viação em causa, bem como ferimentos ao corpo de outrem e a morte deste.
9.
O arguido agiu de forma voluntária e consciente ao praticar as supracitadas condutas, sabendo bem que tais condutas eram proibidas por lei.
***
Além disso, provou-se também os seguintes factos na audiência de julgamento:
De acordo com o CRC, o arguido A não é delinquente primário. No dia 12 de Novembro de 2010, foi condenado no processo penal sumário n.° CR3-10-0220-PSM do TJB, pela prática dum crime de condução em estado de embriaguez, na pena de prisão de 3 meses, substituída pela multa de MOP$100 por mês (sic.), em total MOP$9.000,00, conversível em 3 meses de prisão se não pagar a multa; foi também condenado na inibição de condução por 1 ano e 3 meses, suspensa a execução por 1 ano e 6 meses; o arguido já pagou a referida multa no dia 10 de Dezembro de 2010.
O arguido alegou que é condutor, aufere mensalmente MOP$12.000,00, tem como habilitações literárias o 3° ano da escola primária e tem a seu cargo a esposa.
(II) Factos provados no pedido civil:
Consideram-se também provados os seguintes factos constantes do pedido civil e das contestações:
1. As 1ª e 2ª autoras B e C são respectivamente a cônjuge e a mãe de H, e são residentes de Macau.
2. Os 3ª a 6° autores D, E, F e G são filhos de H, dos quais a 33 autora é residente da China e vive no Interior da China, e a 53 autora é residente de Macau mas trabalha em Taiwan.
3. Os 4° e 6° autores foram autorizados a residir em Macau respectivamente em 13 de Outubro e 17 de Outubro de 2010, e vivem com a vítima H no Bairro XX, XX Garden, XX° andar XX.
4. A 1ª ré Companhia de Seguros Luen Fung Hang, S.A.R.L. é a seguradora do automóvel pesado de matrícula ML-XX-XX, e a 2ª ré Agência de Viagens e Turismo Chiu Iat, Limitada é empresa formada em Macau e é empregadora do 3° réu A.
5. O Centro Hospitalar Conde de S. Januário procedeu no dia seguinte a H uma craniotomia para reduzir a pressão no cérebro, e após a operação, H ainda ficava num estado crítico e precisava de intubação endotraqueal e outros equipamentos médicos para sustentar a vida.
6. Por ser demasiado grave o ferimento, H morreu no dia 27 de Novembro de 2010 com 63 anos de idade.
7. O falecido H era um vendilhão de roupas no Mercado Municipal do Bairro XX, auferindo mensalmente cerca de MOP$12.000,00 a MOP$15.000,00.
Além disso, o falecido também fez trabalhos de decoração a tempo parcial.
8. O falecido comprou na forma de contitularidade no Interior da China as seguintes 4 propriedades (vide os documentos n.° 52 a n.° 55): - XX市XX二路XX號XX室, comprada no ano de 2000;
-XX市XX二路XX號XX室, comprada no ano de 2004;
-XX市XX新村西XX號XX室, comprada no ano de 2002;
-XX市XX區XX里XX號XX室, comprada no ano de 2007;
9. Além disso, o falecido também comprou na forma de contitularidade a propriedade situada no Bairro XX, XX Garden, XX° andar XX.
10. A 1ª autora é doméstica e não tem rendimentos, pelo que o falecido deu mensalmente dinheiro à 1ª autora a título de custo da vida.
11. A 2ª autora é a mãe do falecido e tem direito de exigir-lhe alimentos, além de fornecer à 2ª autora bens de primeira necessidade e comidas, o falecido nunca parou de pagar mensalmente à 2ª autora o custo da vida.
12. O falecido teve uma relação estreita com os familiares, deu-se bem com estes e teve uma profunda afectividade.
13. Quando os 3ª a 6° autores ainda viveram no Interior da China, o falecido e sua cônjuge voltaram com frequência ao Interior da China para visitar os autores e os seus netos.
14. Os 4° e 6° autores tinham planos de encontrar trabalhos o mais cedo possível para reduzir os encargos da vida do falecido, mas ocorreu o acidente de viação em causa apenas um mês depois de eles chegarem em Macau.
15. Após o acidente, a 1ª autora e os 4° e 6° autores dirigiram-se de imediato ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para visitar H, que já não podia falar na altura.
16. A 3ª autora que se encontrava no Interior da China e a 5ª autora que se encontrava em Taiwan também foram visitar H na tarde do mesmo dia, e só saíram de Macau depois do funeral deste.
17. H recebeu uma cirurgia no dia seguinte do acidente, e morreu 5 dias depois, ou seja no dia 27 de Novembro de 2010 .
Todos os autores ficavam angustiados ao saber da morte de H, especialmente as 1ª e 2ª autoras, que desmaiaram por várias vezes.
18. As despesas médicas e de funeral são respectivamente MOP$39.917,00 e MOP$81.820,00 (vide os documentos n.° 61 e n.° 66).
19. Na altura do acidente, foi instalado na entrada do viaduto da Estrada do Reservatório sinal de proibição do trânsito de bicicletas.
20. Decorreram cerca de 4 dias e 9 horas desde o acidente de viação até a morte de H, e quando este foi transportado ao Serviço de Urgência, estava no estado de coma profundo e os sinais vitais eram estáveis.
21. O automóvel pesado de matrícula ML-XX-XX conduzido pelo 3° réu A é propriedade da 2ª ré.
*
(II) Factos não provados:
Através da audiência de julgamento, consideram-se não provados os seguintes factos:
Quando o arguido conduziu o supracitado automóvel perto do poste de iluminação n.° 010C02 no viaduto da Estrada do XX, acelerou o automóvel ao lado direito da referida bicicleta.
***
Deram-se como não provados ou estranhos ao objecto da acção os factos não correspondentes aos factos provados no pedido de indemnização civil e nas contestações.
***
(III) Juízo dos factos
O arguido A alegou na audiência de julgamento que na altura do acidente, tocou a buzina por duas a três vezes para chamar a atenção da vítima, pensava que tinha espaço suficiente para ultrapassar a bicicleta da vítima, e estimou que o guiador da referida bicicleta tocou no seu automóvel pesado e causou o acidente. O arguido alegou que só tinha conhecimento do acidente quando foi notificado por outras pessoas perto do Hotel Casa Real; parou o automóvel e voltou ao local do acidente, verificando na altura o espasmo dos membros do lesado.
A testemunha presencial I alegou na audiência que na altura do acidente, a distância transversal entre o automóvel pesado conduzido pelo arguido e a bicicleta do falecido era muito pequena, e o automóvel pesado estava em condições de circular mais ao lado direito; a testemunha viu que o farol traseiro esquerdo do automóvel pesado tocou no guiador da bicicleta, causando a bicicleta e o seu condutor a girar por duas voltas no sentido oposto ao dos ponteiros do relógio e cair; antes do acidente, a bicicleta estava a descer uma encosta, e a testemunha alegou que estava a circular atrás do automóvel do arguido, estimando que o referido automóvel estava a circular à velocidade de 2ükm!h; e depois do acidente, descobriu que o lesado não tinha consciência e verificou lesões na testa do lesado.
Analisando as declarações prestadas pelo arguido A na audiência, os depoimentos das testemunhas e as provas documentais nos autos, incluindo o relatório de exame dos dois veículos envolvidos, o relatório médico, o relatório de autópsia e documentos comprovativos das despesas médicas, o Tribunal, de acordo com as regras de experiência de lógica, pode provar os factos acima referidos”; (cfr., fls. 418-v a 421).
Do direito
3. Do “recurso dos demandantes”.
No seu recurso, tecem os demandantes as seguintes conclusões:
“I. É demasiado elevada a fixação da proporção de culpa da vítima em 20%
I. Apesar de ser proibido o trânsito de bicicletas no respectivo viaduto, a vítima não violou intencionalmente as regras de trânsito ao entrar no viaduto.
II. Normalmente o falecido só usava a bicicleta dentro da Areia Preta, e no dia do acidente, andou de bicicleta no supracitado viaduto para buscar uniformes de “Marcha de Caridade para Um Milhão” na Associação de Conterrâneos.
III. O falecido tinha 63 anos de idade e não tinha elevadas habilitações literárias, não tinha suficiente conhecimento das regras de trânsito e era a primeira vez que passava pelo referido viaduto, pelo que quando o falecido chegou no viaduto, é possível que ele não prestou atenção ao sinal de proibição do trânsito de bicicletas ou não entendeu o sinal, e em consequência, entrou no viaduto por engano.
IV. O falecido não violou intencionalmente as regras de trânsito ao entrar no viaduto, pelo que é atenuada em certa medida a sua responsabilidade.
V. Mesmo que o falecido entrasse no viaduto sabendo bem da proibição de tal acto, o acidente em causa teria sido evitado sempre que o arguido tivesse uma atitude prudente na condução do automóvel.
VI. Através da audiência de julgamento, prova-se que quando o arguido chegou ao viaduto, a bicicleta do falecido circulava à sua frente esquerda, ou seja que o automóvel conduzido pelo arguido circulava atrás da bicicleta do falecido.
VII. Dada a estreiteza do viaduto e a grande dimensão do automóvel conduzido pelo arguido, este não devia efectuar manobra de ultrapassagem.
VIII. Quando o arguido decidiu ultrapassar a bicicleta do falecido, devia aproximar-se mais do lado direito e manter uma distância suficiente com a bicicleta ao seu lado esquerdo.
IX. E a testemunha presencial confirmou que o arguido estava em condições de efectuar a supracitada manobra.
X. Porém, o arguido não efectuou a supracitada manobra segura e ao contrário, procedeu à ultrapassagem com o automóvel muito próximo à bicicleta do falecido.
XI. Provou-se também na audiência que o arguido não é delinquente primário e foi condenado pela prática do crime de condução em estado de embriaguez na pena de prisão de 3 meses. Daí se pode constatar que o arguido sempre conduziu de forma imprudente e irresponsável.
XII. Por isso, mesmo que a vítima violasse primeiro as regras de trânsito, tal violação não é a principal causa do acidente em causa e não tem uma relação fundamental com o acidente.
XIII. O acidente de viação foi causado pela condução imprudente do arguido.
XIV. Com base nos supracitados factos, é mais razoável fixar a responsabilidade das partes respectivamente em 90% e 10 %.
II. O indeferimento do pedido de indemnização pela perda de pensão de alimentos das 1ª e 2ª recorrentes violou o art.° 488.°, n.° 3 do Código Civil
XV. In casu, já é provado que as 1ª e 2ª recorrentes dependem dos alimentos da vítima.
XVI. Nos termos do art.° 488.°, n.° 3 do Código Civil, “têm igualmente direito à indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.” Por isso, no caso da morte da vítima por causa do acidente de viação, as 1ª e 2ª recorrentes têm direito a solicitar ao arguido a indemnização pela perda de pensão de alimentos.
XVII. De facto, tem-se a mesma opinião nas decisões judiciais (tais como n.° 7/2004 e n.° 15/2011) do Tribunal de Última Instância.
XVIII. Por isso, o tribunal recorrido o pedido de indemnização pela perda de pensão de alimentos das 1ª e 2ª recorrentes.
III. É demasiado baixo o montante da indemnização pela perda do direito à vida de H
XIX. O tribunal recorrido fixou a indemnização pela perda do direito à vida do falecido em MOP$900.000,00, considerando principalmente a idade de 63 anos da vítima, a sua saúde e as condições de trabalho.
XX. In casu, prova-se que a vítima tinha boa saúde antes de falecer, era vendilhão de roupas e trabalhou cerca de25 dias por mês, auferindo mensalmente cerca de MOP$12.000,00 a MOP$15.000,00. Além disso, a vítima também fez trabalhos de decoração a tempo parcial.
XXI. A família da vítima tem uma boa situação económica e a relação entre os familiares é harmoniosa e estreita. Se não fosse o presente acidente, a vítima teria uma vida plena e maravilhosa.
XXII. Os recorrentes entendem que na fixação da indemnização pela perda do direito à vida, deve-se ter em consideração não só a idade da vítima, mas também a qualidade da sua vida.
XXIII. Ademais, actualmente os preços estão a subir e as moedas estão a desvalorizar-se, e 900.000,00 patacas já não podem ser consideradas adequadas para a indemnização pela perda do direito à vida.
XXIV. É razoável o montante de MOP$1.000.000,00 demandado pelos recorrentes.
IV. É demasiado baixo o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por H
XXV. Os recorrente entendem que é demasiado baixo o montante de MOP$50.000,00 da indemnização pelos danos não patrimoniais do falecido fixado pelo tribunal recorrido.
XXVI. A vítima entrou em coma profundo após o acidente.
XXVII. Mas atendendo ao embate grave sofrido pela vítima no acidente, e que tinha sujeito a cirurgia craniana e precisava de intubação endotraqueal para sustentar a vida, e decorreram 5 dias desde o acidente de viação até a morte da vítima, é irrazoável que o tribunal recorrido fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima em apenas MOP$50.000,00.
V. É demasiado baixo o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos 3ª a 6° demandantes
XXVIII. O tribunal recorrido fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos 3ª a 6° recorrentes em apenas MOP$100.000,00 para cada um. E os recorrentes não estão de acordo.
XXIX. Os factos provados constantes do acórdão podem reflectir plenamente a relação harmoniosa e os sentimentos profundos entre a vítima e os 3ª a 6° recorrentes.
XXX. Os 3ª a 6° recorrente tinham respeito e estima à vítima.
XXXI. De facto, os 4° e 6° recorrentes acabaram de ser autorizados a residir em Macau, e tinham planos de começar uma nova vida e retribuir o cuidado lhes prestado pela vítima quando estes ainda viveram no Interior da China.
XXXII. Porém, o acidente em causa levou a vida da vítima antes de os dois recorrentes poderem retribuir o cuidado, e podemos entender a angústia dos recorrentes.
XXXIII. Por isso, deve-se considerar razoável o montante de MOP$150.000,00 para cada um da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos 3ª a 6° recorrentes”; (cfr., fls. 566-v a 571-v).
Atento o assim afirmado, constata-se que colocam os demandantes ora recorrentes as questões seguintes:
- proporção de culpas;
- indemnização pela perda de alimentos (das 1ª e 2ª recorrentes);
- indemnização pelo direito à vida da vítima H;
- indemnização pelos danos não patrimoniais da mesma vítima;
- indemnização pelos danos não patrimoniais (dos 3°, 4°, 5° e 6° recorrentes).
Vejamos.
No que toca aos pedidos de indemnização civil, assim decidiu o Colectivo do T.J.B.:
“Em primeiro lugar, os 6 demandantes solicitaram a indemnização de MOP$39.917,00 como despesas médicas e MOP$81.820,00 como despesas de funeral, e de acordo com os factos provados, estas perdas devem ser reconhecidas.
Em segundo lugar, os 6 demandantes solicitaram a indemnização de MOP$1.008.000,00 a título de perda de rendimentos de trabalho causada pela violação do direito à vida de H.
Porém, o pressuposto dos rendimentos de trabalho é que a vítima é viva e poder obter interesses através de trabalho.
Infelizmente, no presente caso, a vítima morreu por causa do acidente de viação, pelo que a expectativa de rendimentos de trabalho da vítima no valor de MOP$1.008.000,00 não será realizada por causa da morte da vítima e da extinção de personalidade jurídica, e deve ser indeferido o pedido dos 6 demandantes.
Em terceiro lugar, os 6 demandantes B, C, D, E, F e G solicitaram a indemnização no valor de MOP$1.000.000,00 a título da perda do direito à vida de H.
Tendo em consideração que a vítima morreu com 63 anos de idade, e atendendo à sua saúde e às condições do trabalho, de acordo com o princípio de equidade previsto pelo art.º 489.º do Código Civil e as anteriores decisões judiciais de Macau, o Tribunal fixa a indemnização pela perda do direito à vida da vítima em MOP$900.000,00.
Em quarto lugar, 1ª demandante B e a 2ª demandante C solicitaram respectivamente indemnização de MOP$240.000,00 e MOP$60.000,00 a título de perda de pensão alimentícia, calculada à taxa de MOP$2.000,00 por mês e MOP$500 por mês, para o prazo de 10 anos.
Porém, a prestação de pensão de alimentos tem como pressuposto o direito à vida do autor da prestação, e no presente caso, a vítima já morreu por causa do acidente de viação, e o seu direito de personalidade de prestação de pensão de alimentos já é extinto, por isso, considerando que os actos do arguido só violaram os direitos de personalidade da vítima e não o direito de exigir alimentos das 1ª e 2ª demandantes, e de acordo com o art.º 477.º, n.º 1 do Código Civil, indefere-se este pedido das 1ª e 2ª demandantes.
Em quinto lugar, os 6 demandantes solicitaram a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima com o acidente e antes de falecer no valor de MOP$500.000,00.
Segundo os factos provados, o acidente de viação causou ferimentos graves ao cérebro da vítima H, e este recebeu uma cirurgia craniana e morreu 5 dias depois da referida cirurgia, mas considerando que quando a vítima foi transportado ao hospital, já estava no estado de coma profundo e perdeu a consciência, e atendendo à dor física e mental sofrida pela vítima num tempo muito curto na ocorrência do acidente, bem como à parte ferida da vítima e ao grau da dor física e mental sofrida, o Tribunal entende que, de acordo com o princípio de equidade previsto pelo art.º 489.º do Código Civil e as anteriores decisões judiciais de Macau, deve fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima H em MOP$50.000,00.
Em sexto lugar, a 1ª demandante B solicitou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por si própria no valor de MOP$250.000,00.
Tendo em atenção a relação conjugal entre a vítima e a demandante e a angústia sofrida pela demandante, deve-se reconhecer os referidos danos.
Em sétimo lugar, os 3ª a 6º demandantes solicitaram a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por eles no valor de MOP$600.000,00 (MOP$150.000,00 para cada um).
Tendo em consideração a angústia sofrida pelos 4 demandantes pela perda do pai, a idade da vítima e a relação harmoniosa entre os demandantes e a vítima, de acordo com as anteriores decisões judiciais de Macau e o art.º 489.º, n.º 3 do Código Civil, deve-se fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos para cada demandante em MOP$100.000,00, em total de MOP$400.000,00.
Por isso, o montante total da indemnização solicitada pelos 6 demandantes deve ser fixado em MOP$1.721.737,00, integrava as seguintes parcelas:
MOP$900.000,00 (indemnização pela perda do direito à vida da vítima) + MOP$50.000,00 (indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima) + MOP$39.917,00 (despesas médicas) + MOP$81.820,00 (despesas de funeral) + MOP$250.000,00 (indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela 1ª demandante) + MOP$400.000,00 (indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos 3º a 6º demandantes).
O 3º demandado, ou seja o arguido assume 80% da responsabilidade pelo acidente e a vítima assume 20%, pelo que os 6 demandantes podem obter a indemnização no valor de MOP$1.377.389,60, ou seja MOP$1.721.737,00 x 80% = MOP$1.377.389,60”; (cfr., fls. 546 a 549).
Aqui chegados, vejamos se tem os recorrentes razão.
–– Quanto à “proporção de culpas”, e como se viu, entendeu o Tribunal a quo que ao arguido cabia 80% de culpa, e, à vítima, os restantes 20%.
Entendem os ora recorrentes que à vítima apenas devia caber 10% de culpa, alegando, em síntese, que “apesar de ser proibido o trânsito de bicicletas no respectivo viaduto, a vítima não violou intencionalmente as regras de trânsito ao entrar no viaduto”, e que “o acidente de viação foi causado pela condução imprudente do arguido”; (cfr., concl. I e XIII).
Ora, atenta a matéria de facto dada como provada, constata-se que o acidente dá-se quando o arguido, conduzindo 1 autocarro, pretende ultrapassar a vítima, que na altura conduzia uma bicicleta, e, como provado também ficou, “devido à grande dimensão do automóvel pesado conduzido pelo arguido e à estreiteza da via do viaduto, o arguido não manteve uma distância de segurança entre o seu automóvel e a bicicleta, deixando o automóvel embater na bicicleta acima referida, e causando o seu condutor a cair no chão”.
Perante isto, e provado estando que a vítima circulava de bicicleta quando a tal estava proibida, (cfr., facto 19°), vejamos, consignando-se desde já que em matérias como a ora em questão, inevitável é uma certa dose de subjectivismo.
Pois bem, a circunstância de a “vítima não ter violado intencionalmente as regras de trânsito” e o facto de o “acidente ter sido causado pela condução imprudente do arguido” já foram, como é óbvio, devidamente ponderadas na decisão recorrida, daí a percentagem de 80% para o arguido e 20% para a vítima.
Todavia, ponderando todo o evento, e, essencialmente, no facto de ter sido o arguido que pretendeu ultrapassar a vítima, e, assim, devido à dimensão da viatura que conduzia, a vir a embater na vítima, afigura-se-nos de reconhecer razão aos ora recorrentes, sendo pois de reduzir a percentagem de culpa da vítima para 10%.
–– Quanto à “indemnização pela perda de alimentos”.
Aqui, decidiu o Tribunal a quo julgar improcedente o peticionado pelas 1ª e 2ª demandantes, esposa e mãe da vítima.
Estas demandantes pediam MOP$240.000,00 e MOP$60.000,00, respectivamente, fundamentando tal quantia em prestações mensais de MOP$2.000,00 e MOP$500.00 pelo período de 10 anos.
Ora, está provado que a vítima faleceu com 63 anos de idade, que auferia mensalmente cerca de MOP$12.000,00 ou MOP$15.000,00 e que suportava o custo de vida das ditas demandantes.
Assim, e atento o estatuído no art. 488°, n.° 3 do C.C.M. – onde se preceitua que “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural” – não nos parecendo as quantias mensais em questão excessivas, há que reconhecer que às ora recorrentes assiste o “direito reclamado”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 16.04.2004, Proc. n.° 7/2004).
Considerando porém a idade da vítima, cremos que adequado já não é o período de “10 anos”, tal como pretendido.
De facto, não se tratando de uma profissão com “aposentação obrigatória”, (aos 65 anos), afigura-se-nos que apenas seria de esperar, dentro das regras de experiência e normalidade, que a vítima trabalhasse até aos 70 anos, e, assim, apenas se pode contabilizar aquelas quantias por 7 anos, o que dá MOP$168.000,00 para a esposa, e MOP$42.000,00 para a mãe.
Havendo que ter em conta que o montante em causa corresponde ao total que iriam receber em prestações mensais por 7 anos, há que proceder a uma “redução”, pois uma coisa é receber, de uma só vez, o que se iria receber ao fim de anos; (cfr., v.g., o cit. Ac. do T.U.I.).
No caso, considera-se adequada uma redução de 10%, o que faz que as quantias em questão passam a ser de MOP$151.200,00 e MOP$37.800,00.
–– No que toca à “indemnização pelo direito à vida” pediam os demandantes MOP$1.000.000,00 e fixou o Tribunal a quo MOP$900.000,00, que, face à fundamentação exposta, não se mostra de censurar.
–– Quanto à “indemnização pelos danos morais da própria vítima”.
Pediam os demandantes o quantum de MOP$500.000,00, e fixou o Colectivo a quo o montante de MOP$50.000,00.
Face à matéria de facto provada, nomeadamente que “decorreram cerca de 4 dias e 9 horas desde o acidente de viação até a morte de H, e quando este foi transportado ao Serviço de Urgência, estava no estado de coma profundo e os sinais vitais eram estáveis”, considera-se mais adequado o quantum de MOP$100.000,00.
–– Por fim, no que toca aos danos não patrimoniais dos 3°, 4°, 5° e 6° demandantes, descendentes da vítima, peticionavam estes MOP$150.000,00 para cada um, e fixou o Colectivo a quo o quantum de MOP$100.000,00.
Atenta a factualidade provada, nomeadamente que o “falecido tinha uma relação estreita com os seus familiares e tinha uma profunda afectividade”, mostra-se adequado o montante peticionado de MOP$150.000,00 para cada um, perfazendo o total de MOP$600.000,00.
Nesta conformidade, e apreciadas que ficam as questões colocadas, passemos para o recurso subordinado da demandada seguradora.
4. Do “recurso subordinado” (da demandada seguradora).
No seu recurso subordinado, produz a demandada seguradora as seguintes conclusões:
“I) Em relação à proporção da culpa
1. A recorrente subordinada não está de acordo com a supracitada fixação da proporção da responsabilidade pelo acidente de viação, entendendo que a respectiva proporção não é razoável e violou os artigos 477.° e 564.° do Código Civil.
2. Na altura do acidente, a vítima andava de bicicleta ao longo do viaduto da Estrada do XX em direcção à Avenida do XX, mas foi proibido o trânsito de bicicletas neste viaduto e foi instalado o respectivo sinal na entrada do viaduto.
3. a lei estabeleceu normas proibitivas para o referido viaduto com o objectivo de proteger certos indivíduos, e também garantir a segurança da condução dos utentes comuns da via.
4. Os condutores de bicicletas e peões não vestem acessórios de protecção, e não usam os capacetes.
5. Ademais, é de mencionar que não foi proibido o trânsito de motociclos ou outros veículos motorizados no respectivo viaduto.
6. Assim, pode-se ver que foi proibido o trânsito de bicicletas e peões no referido viaduto por causa do seu próprio risco, e no caso de acidentes, será mais fácil o perigo de danos graves corporais a estes.
7. Desde que a vítima ignorou as regras de trânsito e colocou em perigo a sua própria vida, também tece responsabilidade intransmissível pelo acidente de viação em causa.
8. A vítima deve assumir o risco emergente do perigo causado por si próprio, e além disso, a sua culpa é a causa de agravamento dos danos.
9. É irrazoável a fixação em 80% da responsabilidade do arguido pelo acidente, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram.
II) Em relação à indemnização pela perda do direito à vida da vítima
10. A recorrente subordinada entende que o acórdão recorrido violou os artigos 556.° e 558.° do Código Civil, pedindo para alterar o montante da indemnização pela perda do direito à vida da vítima H para MOP$500.000,00. (vide o acórdão n.° 464/2008 do TSI)
III) Em relação à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima
11. O acórdão recorrido também violou os artigos 489.°, n.° 3 e 487.° do Código Civil, e mostra-se excessivo o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos”; (cfr., fls. 598-v a 600-v).
Pois bem, verifica-se do assim afirmado que suscita a seguradora ora recorrente as seguintes questões:
- proporção de culpas;
- indemnização pelo direito à vida; e
- indemnização pelos danos não patrimoniais dos demandantes.
Ora, face ao que se decidiu aquando da apreciação do recurso dos demandantes, (onde já se procedeu à apreciação destas questões), importa agora tão só decidir do quantum indemnizatório fixado à 1ª demandante, esposa da vítima, pelos seus danos não patrimoniais.
Fixou o Colectivo a quo o montante de MOP$250.000,00.
E, cremos que também aqui não merece o decidido reparo.
De facto, sendo a demandante em causa esposa da vítima, e provada a relação de grande afectividade, excessivo não é tal quantum pelos danos em questão.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso dos demandantes, negando-se provimento ao recurso da demandada seguradora.
Custas pelo recorrente e recorrido na proporção dos seus decaimentos.
Macau, aos 11 de Outubro de 2012
_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)
_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 363/2012 Pág. 32
Proc. 363/2012 Pág. 1