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Processo n.º 216/2012
(Recurso Laboral)

Data: 11/Outubro/2012

RECORRENTE :
Recurso Principal
- A

Recursos Interlocutório
- A

RECORRIDAS :
- S.T.D.M.
- S.J.M. (Chamada)
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
Vêm interpostos dois recursos pela A A:
A - Um recurso interlocutório relativo à não admissão de uma dada prova que pretendia produzir e se traduzia numa ordem à ré para que apresentasse duas actas do CA relacionadas com a constituição de uma sociedade subsidiária para se candidatar a uma concessão de jogo e uma a outra relativa a todo o apoio a dar à SJM na exploração do jogo e uma acta de uma Assembleia Geral da STDM em que esta deliberara constituir uma sociedade para que concorresse à concessão do jogo;
   B - Recurso da sentença final em que impugna a validade da declaração remissiva dos alegados créditos laborais.
Em relação ao primeiro daqueles recursos, damos aqui por reproduzido o teor das suas alegações de recurso, conforme fls 816 v. a 821 v..
    NESSES TERMOS, entende, deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se o despacho ora recorrido por outro que ordene a realização das diligências probatórias requeridas, se razão diversa a tal não obstar, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, com as legais consequências.
    Sobre o recurso da sentença, alega em síntese:
    A. A verdade que o processo procura atingir não é apenas a “verdade” da Base Instrutória, mas a verdade da relação material controvertida, a única que consente a justa composição do litígio imposta pelos referidos artigos 6.°, n.º 3 e n.º 442.°, n.º 1 do CPCM.
    B. Os poderes cognitivos do juiz não estão limitados pela Base Instrutória, mas ~ apenas pela matéria de facto alegada pelas partes, dentro do funcionamento dos ónus de alegação que sobre cada uma impendem, sem prejuízo do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 5.° do CP CM e n.º 1 do art. 41.° do CPT.
    C. A selecção dos factos assentes e a base instrutória são meros instrumentos de trabalho, destinados a facilitar a instrução, discussão e julgamento da causa, que não criam nem tiram direitos, designadamente o direito à prova dos fundamentos da acção.
    D. Se, segundo o art. 6.°, n.º 3 do CPCM, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos outros de que também deva conhecer, não faz sentido que indefira uma diligência probatória destinada à prova de um facto alegado pela parte, com o fundamento de que tal facto não consta da Base Instrutória.
    E. É o que decorre dos artigos 5.°, n.º 2 e 3, 6.°, n.º 3, 433.°, 434.°, 436.° e 562.°, n.º 2, do CPCM, afigurando-se incontroverso que as partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (lícitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos.
    F. Por isso, o disposto no art. 539.°, n.º 1 do CPCM diz expressamente que A testemunha é interrogada sobre os factos que tenham sido articulados ou impugnados pela parte que a ofereceu, e não apenas sobre os factos quesitados na base instrutória.
    G. Ora, no caso "sub judice" a diligência a que se referem as alíneas i, ii e iii do ponto 1 do requerimento probatório de 11/07/2011 não é, nem impertinente, porque respeita ao objecto da causa, nem dilatória, porque não retarda a normal marcha do processo a ponto de afectar o direito de obter uma decisão em prazo razoável, nem desnecessária, por respeitar a factos controvertidos e necessitados de prova susceptíveis de contribuir para a decisão da causa.
    H. Daí que o disposto no artigo 513.° do antigo Código de Processo Civil que circunscrevia o objecto da prova à matéria do questionário não tenha transitado para o novo Código de Processo Civil de Macau, o qual já não exige, como antes sucedia, que as diligências destinadas à produção de prova só possam recair sobre os factos constantes do questionário.
    I. O requerido nas alíneas i, ii e iii do ponto 1 do requerimento probatório da A. destina-se à prova do alegado nos artigos 21.° e 22.° da Resposta à Contestação de 2ª Ré (que foi expressamente impugnado nos artigos 260.°, 269.° da Contestação da 1.ª Ré) e do quesito 8.° da Base Instrutória.
    J. Assim, a produção da prova requerida concorre para estabelecer a verdade do facto fato principal a que respeita o quesito 13.° da Base Instrutória e, por conseguinte, releva para a apreciação da questão da invalidade do acto ou negócio a que se refere a alínea M) dos Factos Assentes por demonstrar que a sociedade (SJM) - que a STDM constituiu para se candidatar à concessão da licença de jogo - não dispunha de autonomia funcional em relação à STDM, sendo instrumental à prossecução da sua estratégia para o negócio do jogo.
    K. O objecto da prova requerida nas alíneas i, ii e iii do ponto 1 do requerimento probatório da A. consiste em factos nos quais o Tribunal pode fundar a sua decisão nos termos do art. 5° do CPCM, pelo que a sua realização se inscreve no direito à prova dos fundamentos da acção que assiste à A.
    L. Logo, no caso "sub judice, uma vez que a produção dos documentos indicados nas alíneas i, ii e iii do ponto 1 do requerimento probatório é susceptível de concorrer para a prova/contraprova dos factos de que é lícito ao Juiz conhecer com vista à boa decisão da causa, o pedido de produção desses documentos é pertinente e necessário, pelo que nada impunha ou justificava o seu indeferimento.
    M. A decisão recorrida, violou, assim, nesta parte, o disposto nos art. 5.°, 6.°, n.º 1 e 3 e 442.°, n.º 1 do CPCM e, em consequência "o direito à prova relevante" que assiste à A., ora Recorrente.
    N. A fundamentação da decisão recorrida tem subjacente uma concepção de "objecto de prova admissível" mais restritiva do que aquela que decorre da lei, dado que, como flui dos artigos 335.°, n.º 1, do Código Civil, 5.°, n.º 1, 2 e 3, 6.°, n.º 3, 434.°, 436.°, 539.°, n.º 1 e 562.°, n.º 2, do CPCM, o objecto da prova não se esgota na matéria contida na Base Instrutória.
    O. Neste contexto, nada obstava a que fossem deferidas as diligências de prova requeridas pela A., uma vez que respeitam à matéria da causa e visam demonstrar factos de que o Tribunal pode e deve conhecer para fundar a sua decisão (art. 5.°, 6.°, n.º 3 e 562.°, n.º 3, in fine, todos do CPCM), sendo prematuro, nesta fase processual, qualquer juízo antecipado sobre a sua maior ou menor relevância para a justa composição dos interesses em litígio.
    NESTES TERMOS, diz, deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se o despacho ora recorrido por outro que ordene a realização das diligências probatórias requeridas, se razão diversa a tal não obstar, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, com as legais consequências.
    No essencial as recorridas, que não alegaram no recurso interlocutório, em relação ao recurso final, defendem o acerto do decidido.
Foram colhidos os vistos legais.
    II - FACTOS
    Vem provada a factualidade seguinte:
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    Após realizado o debate e audiência de julgamento, são os factos abaixo indicados considerados provados pelo Tribunal (dado que os articulados apresentados pelas partes foram redigidos em português, a fim de evitar uma eventual diferença em tradução, cabe ao signatário citar os factos conforme os originais):
    Desde 1962, a 1ª Ré (STDM) foi titular de um Contrato de Concessão para a Exploração, em regime de exclusividade, de jogos de fortuna ou azar na zona de turismo de Macau. (A)
    Por Despacho do Chefe do Executivo n.º 76/2002, de 27 de Março, foi adjudicada uma concessão de exploração do sector do jogo à 2ª Ré (SJM), que se encontra titulada pelo “Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na RAEM”, publicado no BO-RAEM n.º 14, II Série, Suplemento de 3 de Abril de 2002. (B)
    A Autora manteve uma relação contratual com a Ré STDM no período temporal compreendido entre 1 de Janeiro de 1984 e 22 de Julho de 2002. (C)
    Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré STDM. (D)
    Até 1998, a Autora trabalhava em ciclos contínuos de três dias:
    No primeiro dia, a Autora começava às 14h00 e interrompia às 18h00.
    Depois, recomeçava às 22h00 e acabava às 2h00.
    No segundo dia, a Autora começava às 10h00 e interrompia às 14h00.
    Depois, recomeçava às 18h00 e acabava às 22h00.
    No terceiro dia, a Autora começava às 06h00 e interrompia às 10h00.
    Depois, recomeçava às 02h00 e acabava às 06h00.
    O ciclo renovava-se de três em três dias. (E)
    A partir de 1998, a Autora passou a trabalhar em ciclos contínuos de 9 dias:
    No primeiro, segundo e terceiro dias, a Autora começava às 07h00 e acabava às 15h00.
    No quatro, quinto e sexto dias, a Autora começava às 23h00 e acabava às 07h00.
    No sétimo, oitavo e nono dias, a Autora começava às 15h00 e acabava às 23h00.
    O ciclo renovava-se de nove em nove dias. (F)
    O rendimento da Autora desdobrava-se em duas partes, uma parte fixa, e outra parte variável. (G)
    A primeira calculada com base no valor da remuneração fixa diária. (H)
    E a segundo determinada em função do montante das “gorjetas” oferecidas pelos clientes. (I)
    As “gorjetas” não se destinavam, em exclusivo, aos trabalhadores que lidavam directamente com os clientes de casinos. (J)
    A Autora não podia ficar com quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes do casino. (K)
    Sobre os rendimentos incidiu imposto profissional nos termos que constou da certidão de rendimentos de fls. 177 e 356, de cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (L)
    A 29 de Setembro de 2003 a Autora emitiu a declaração constante de fls. 488, de cujo teor se passa a transcrever:
    
    Declaração
    Eu, A,
    titular do BIR n.º 5/XXXXXX/8, recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$ 30.614,14 da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a todos os dias de licença (descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade) e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
    Mais declaro e entendo que, recebido o valor recebido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.
    (A Declarante): (ass.) A.
    BIR n.º: 5/XXXXXX/8,
    Data: 29-9-2003
    
    Concordo e aceito tal declaração
    (ass.) - (Vide o original).
    2003.09.29
    (carimbo) - STDM * Departamento do Pessoal. (M)
    
    A Autora recebeu junto da então Direcção de Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), que deu origem ao processo n.º 1476/2002, a quantia de MOP$ 15.307,07. (N)
    A Autora nunca beneficiou de qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios. (O)
    Desde o início da relação de trabalho entre o Autora e a 1ª Ré (STDM) até ao seu termo, por imposição da 1ª Ré (STDM), a Autora trabalhou todos os dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios. (1º)
    Desde o início da relação de trabalho entre a Autora e a 1ª Ré (STDM) até ao seu termo, a A. trabalhava como croupier. (2º)
    O rendimento fixo diário é de MOP$ 4,10 por dia desde o início da relação laboral até 30 de Junho de 1989; de MOP$ 10,00 por dia desde 01 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995; e desde 01 de Maio de 1995 até ao fim da relação laboral de MOP$ 15,00 por dia. (3º)
    A partir do dia 24 de Julho de 2002, a Autora iniciou a sua prestação de trabalho para a 2ª Ré (SJM). (4º)
    Sem prejuízo da resposta dada ao quesito 1.º, a Autora gozou 26 dias de descanso no ano de 2000, 10 dias de descanso no ano de 2001, 13 dias de descanso no ano de 2002. (15º)
    Durante a relação de trabalho, a Autora teve duas filhas, que nasceu em 04/08/1985 e 04/11/1992. (21º)
    A A. foi informada pela Ré de que, mesmo por ocasião do parto, não tinha direito a gozar qualquer período de dispensa do trabalho sem perda de remuneração. (22º)
    Foi também informada pela A. que teria de pedir dia de “no pay leave”, ou seja, de dispensa do trabalho com perda de remuneração, para poder ir às consultas pré-natais e depois, para poder ser internada no hospital, onde o seu filho nasceu. (23º)
    Desde o início da relação laboral até 2002, a Autora auferia o rendimento média diário correspondente aos seguintes valores:
    a) Ano de 1984 = MOP$ 322,54
    b) Ano de 1985 = MOP$ 221,41
    c) Ano de 1986 = MOP$ 326,29
    d) Ano de 1987 = MOP$ 362,29
    e) Ano de 1988 = MOP$ 382,87
    f) Ano de 1989 = MOP$ 449,22
    g) Ano de 1990 = MOP$ 507,07
    h) Ano de 1991 = MOP$ 478,00
    i) Ano de 1992 = MOP$ 280,26
    j) Ano de 1993 = MOP$ 479,04
    k) Ano de 1994 = MOP$ 554,38
    l) Ano de 1995 = MOP$ 574,32
    m) Ano de 1996 = MOP$ 505,72
    n) Ano de 1997 = MOP$ 568,67
    o) Ano de 1998 = MOP$ 499,68
    p) Ano de 1999 = MOP$ 458,76
    q) Ano de 2000 = MOP$ 453,75
    r) Ano de 2001 = MOP$ 482,65
    s) Ano de 2002 = MOP$ 498,71 (24º)”

    III - FUNDAMENTOS
    
    A - Sobre o recurso interlocutório
    1. Não tem razão o recorrente, porquanto, como bem refere a Mma Juíza recorrida, a matéria a que se pretendia produzir prova, não se afigura útil ou de interesse para o thema decidendum.
    
    No fundo, o que a recorrente pretende é abalar a validade da declaração do trabalhador e procurar convencer que a SJM e a STDM são uma mesma empresa e que o trabalhador em causa mais não fez do que continuar a mesma relação jurídico-laboral.
    
    Esta é questão que já tem sido muito abordada nos nossos Tribunais e como adiante se verá tem-se concluído em sentido diverso do pretendido.
    
    Mas também é verdade, como já noutros casos se tem afirmado, que cada caso é um caso e a parte em cada processo tem o direito de fazer valer as provas que convençam da sua posição e dos interesses legitimamente defendidos numa dada acção em concreto.
    
    Isto para se dizer que, se por um lado é a parte que deve fazer uma primeira avaliação da relevância das provas a apresentar, também o Tribunal não se deve eximir a uma análise da pretensão da parte e não admitir provas que se tenham por destituídas.
    
    Admitamos assim que se permitia aquela prova - e nem sequer se questiona aqui a validade da substituição do Tribunal à parte na produção da prova - e se tinha como provada a alegada matéria de facto independentemente de tal facto não integrar matéria quesitada, perguntamo-nos, e daí? Esse facto por si só nada vale e do conjunto das provas bem se pode retirar que se trata de sociedades diferentes, devendo a validade da declaração negocial contida no documento de fls 488 ser aferida em função de outros factores.
    
    Não se vislumbra que haja uma relação causal entre a referida deliberação e o pretenso temor reverencial ou outro que abale a vontade da declarante.
    
    Para além de que se trata de um facto que, a ter relevância autónoma, devia ter sido quesitado e da sua concreta não inserção se devia ter reclamado, o que não ocorreu.
    
    Aliás, a constituição da SJM e o respectivo objecto social não deixam de poder ser comprovados documentalmente, não fazendo sentido que se exija tal comprovação à demandada por via da acta, já que a demandante não estaria impedida de comprovar tal facto, se o continuasse a reputar de essencial.
    
    Acresce que o entendimento do Mmo Juiz se mostra escudado na previsão do artigo 455º, n.º 2 do CPC, aí se dizendo que só deve ser ordenada a notificação de documentos em poder da parte contrária se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa.
    
    Donde, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, somos a julgar improcedente o presente recurso.
    
    B - Sobre o recurso final
    
    1. Quanto à primeira questão, a relativa à inserção de determinada matéria no questionário, quais sejam os da natureza da cessão da posição contratual entre a SJM e a STDM com consequências na viciação da vontade da trabalhadora ao assinar a declaração de fls 488, bem como a factualidade demonstrativa do temor e constrangimento viciantes da vontade negocial do trabalhador não tem razão o recorrente.
    Desde logo há que considerar que os referidos factos, em parte, são do conhecimento público e constam do BO, pelo que desnecessária se tornava a sua quesitação.
    
    Noutra parte são factos instrumentais que não deixam de se poder incluir em sede de apuramento da factualidade pertinente ao questionário e por isso a parte não estaria impedida de produzir as pertinentes provas a ela respeitante.
    
    Tudo acaba por se prender com a pretensão da A., ora recorrente, em ver considerados provados determinados quesitos, questão que será adiante analisada.
    
    No entanto, não se deixa de realçar, uma vez mais, que todos esses quesitos, por si só, ou conjugadamente, não se mostram decisivos para uma das plausíveis situações de direito, pelo que, podendo estar abrangidos ou instrumentalizar o conteúdo de matéria quesitada e essa, sim, decisiva, não deixam de se poder considerar prescindíveis na elaboração do questionário.
    
    E isto é tanto mais evidente quando as partes são prolixas nos seus articulados, espraiando-se por centenas e centenas de artigos, o que implica um grande esforço de concentração no que seja essencial e nas sínteses que se pedem ao julgador.
    
    2. Perde-se o recorrente com uma análise detalhada de alguns documentos e do que disseram algumas das testemunhas para tentar comprovar o desacerto da decisão da matéria de facto.
    
    Nomeadamente em relação aos quesitos 4º, 6º, 7º e 8º, 9º e 10º, 11º, 12º, 14º da Base Instrutória.
    
    Como se disse, alguns dos factos alegados, ainda que instrumentais, por si só, não são decisivos, donde, mesmo a terem-se dado como provados não implicariam uma resposta diferente aos aludidos quesitos.
    O Mmo Juiz explicou bem da sua razão de ciência e de não ciência e não podemos ignorar que os excertos transcritos não deixam de ser parcelares e não se mostram determinantes no sentido de infirmar a convicção firmada.
    
    Importa ter presente que por vezes se trata de meras convicções dos depoentes.
    
    Trata-se de um facto, - referimo-nos ao facto nuclear relativo ao condicionamento da vontade do declarante - do foro íntimo e, porventura integrante de matéria probanda, de mais difícil apreensão, não se mostrando ser decisiva qualquer prova das elencadas pelo recorrente no sentido de infirmar a convicção do julgador, não se evidenciando qualquer erro no julgamento de facto que foi efectuado.
    
    3. Muito sumariamente não se deixa de responder concretamente às apontadas insuficiências invalidantes do julgamento de facto produzido.
Quesitos 4º, 6º e 7º - Os elementos em que a recorrente se baseia para pretender uma resposta a tais quesitos não são decisivos de forma a infirmar uma resposta muito clara por banda do Tribunal que se pronunciou por uma localização temporal do início da prestação na SJM.

Quesito 8º - Como está bem de ver, mesmo que a SJM continuasse a explorar os mesmos casinos, tal não implica exactamente a transferência de todos os elementos produtivos. Então não é verdade qua a STDM continuou a operar ainda que noutros domínios?
E mesmo que se admitisse a transferência do seu complexo jurídico-económico necessário para a exploração dos casinos, tal não significa que a esse complexo não fosse acrescentado algo mais por banda da SJM.

Quesito 9º e 10º - Os elementos probatórios em que a recorrente se estriba para pretender uma resposta positiva a estes quesitos – que só assinou porquanto lhe foi dito que perderia o emprego – são necessariamente parcelares e não são bastantes para comprovar um facto do foro interior que só da globalidade dos factos se pode extrair.

Argumento que é igualmente válido quanto aos quesitos 11º, 12º e 14º.
Que a 1ª Ré sabia qual a posição unânime do TSI quanto à natureza jurídica das gorjetas quando da proposta de assinatura da referida declaração.
    Aqui está um bom exemplo da pertinácia inconsistente do recorrente no sentido de procurar abalar a convicção da autonomia e liberdade negocial das partes.
    Desde logo dos acórdãos não resulta aí uma prova sobre a unanimidade das posições, não resultando deles as posições de todos os juízes.
    Depois, o facto de ter perdido essas acções tal não significa que estivesse inteirada sobre a questão jurídica das gorjetas, matéria técnico jurídica reservada aos seus mandatários.
    O que terá ficado a saber, ao perder tais acções, é que àqueles trabalhadores teve que pagar determinadas indemnizações.
    Importa ainda reter que uma coisa, eventualmente de instrumental relevância, é o patrão saber que as gorjetas integram o montante do salário e outra, a quesitada, é o estar inteirado sobre a natureza jurídica das gorjetas.
    
    Esta última indagação tem de se ter, de todo, irrelevante.

A realidade demonstrada pelo documento assinado pela trabalhadora não pode ser desmentida pela evidência do conteúdo da declaração por si assinada, donde não se vê que haja razão para pôr em crise a resposta explicativa e de rigor usada pelo Tribunal a quo.
    
E a proveniência e transferência de dinheiro, mão de obra e outros factores produtivos, da STDM para a SJM, como já tem sido afirmado por este Tribunal, não implica necessariamente que quem continuava a pagar os salários fosse a STDM e que esta pudesse ser considerada o patrão da trabalhadora em causa.
    
    Assim falecem as razões da recorrente quanto a esta impugnação.

    4. Ainda quanto a pretensos fundamentos da viciação da vontade do trabalhador.
    Só terá assinado a declaração porque incorreu em erro sobre a base do negócio, quiçá, por desconhecer as consequências da emissão de tal declaração.
    Francamente, então a sua adesão a um determinado resultado está somente dependente da manutenção do trabalho ou de eventual erro sobre os montantes em jogo? Se assinou pela primeira razão será difícil compreender essa posição, pois que os valores compensatórios equilibrariam aquele prejuízo, para mais facilmente neutralizado com a facilidade de obtenção de emprego que consabidamente se vivia à época; se pelo desconhecimento dos valores em jogo - o que não vem claramente referido – então não deixa aqui de haver uma contradição, ficando-se sem saber se foi determinada pelo medo ou pelo erro. Para além de que não seria difícil pedir conselho sobre o que pensava ter direito, como aliás flui da petição que apresentou em juízo.
     Não se deixa de reconhecer que, em tese, tal é humanamente legítimo, mas já será eticamente de difícil aceitação. O trabalhador não é um incapaz e tem todos os meios e discernimento em termos de autonomia para se poder determinar.
    Tanto assim que soube procurar patrocínio a fim de obter uma leitura diferente daquela que os Serviços de Trabalho e Emprego tiveram, observando-se até não estar desacompanhado nessa mesma análise e interpretação jurídica.
    Para além de que os depoimentos apresentados não deixam de ser sectoriais, por quem se apresenta com um interesse paralelo ao A. e contrariados pela prova globalmente considerada.
    
    
    4. Desenvolvendo ainda os pontos pretensamente controvertidos em termos de matéria de facto.
    
    Quanto ao temor reverencial e manutenção de patronato.
    Desde logo, é indesmentível a diferenciação jurídica e de substracto entre a SJM e a STDM e a extinção do objecto social da STDM relativamente à exploração do jogo face à abertura das novas concessões.
    A autora pretende comprovar uma relação de domínio da ré STM sobre a chamada SJM utilizando conceitos jurídicos de natureza comercial que não têm correspondência com a base factual.
    Importa não esquecer que se mostra possível a assunção e transmissão da dívida sem que tal signifique a tomada da gestão ou do domínio do negócio.
    Todos os elementos e documentos concretamente enumerados pelo A. nas suas alegações de recurso não são, por si só, definitivos no sentido de uma resposta positiva ao quesitos pertinentes para demonstrar a viciação da vontade da trabalhadora em causa, não passa a explicação para a constituição de uma nova sociedade apenas por uma posição predominante do capital social, mas também por um facto muito concreto que bem pode passar por uma política efectiva de gestão e conjecturalmente de autonomia concorrencial que não se pode retirar taxativamente dos elementos elencados.
    
    Não se vê razão, pois, ainda aqui, para se abalar a convicção a que o Tribunal chegou, não se mostrando ela desmentida pelos elementos ora aludidos e oportunamente carreados para os autos.
    É certo que, atomisticamente considerados, os pretendidos elementos podiam inculcar no sentido proposto pelo recorrente; só que se trata de elementos parcelares e que não se mostram decisivos.
    Por todas estas razões e análise da documentação junta aos autos não se conclui no sentido da nulidade da sentença por pretensamente se desatender a elementos reveladores de uma outra realidade que não a fixada na sentença.
    
    5. Pelas mesmas razões já apontadas afasta-se a possibilidade de configuração de um erro-vício, de um erro sobre a base do negócio ou, sequer sobre a possibilidade de se estar perante um negócio usurário, não se comprovando uma afectação da vontade livre e consciente do declarante que tinha todos os meios para se inteirar das consequências da assinatura de tal declaração e sempre tinha a opção de não aceitar tal indemnização compensatória, face ao termo do contrato com a STDM.
    
    A falta de pronúncia expressa por parte do Tribunal a quo sobre tais vícios negociais ancora-se na decorrência do enquadramento jurídico da matéria de facto, pelo que, na improcedência de tal argumentação, não se mostra relevante acrescentar algo mais ao que se vem afirmando.
    
    6. Assim se entra na análise da eficácia da declaração de remissão dos créditos, afastados que foram os argumentos que iam no sentido da sua invalidade por viciação da vontade declarativa subjacente à sua emissão.
     E no essencial para reafirmar a Jurisprudência que de certa forma, não obstante as doutas posições em contrário, se vem adoptando neste TSI.
    
     Tal análise passa pela análise das seguintes questões:
    - Da aplicação do Código Civil em detrimento do DL 24/89/M de 3/Abril
    - Da natureza, validade e alcance da declaração e da disponibilidade ou indisponibilidade dos direitos
    - Do princípio do favor laboratoris
    - Da validade da declaração
    - Vício da vontade
    
    7. O Mma Juiz a quo julgou procedente e provada a excepção peremptória do pagamento e renúncia expressa do A. ao pagamento de quaisquer outras quantias por parte da Ré, considerando assim que ele renunciou ou abdicou dos créditos decorrentes do referido contrato a que eventualmente ainda tivesse direito.
    Insurge-se o recorrente, que peticionou na acção o pagamento das compensações devidas pelo pretenso não gozo de determinados descansos (semanal, anual e feriados, etc.), durante os anos em que trabalhou para a Ré STDM, pela aplicação do artigo 854º do CC, tomada como remissão dos créditos a declaração acima referida, segundo a qual o trabalhador, aquando da cessação da relação laboral assinou uma declaração dizendo receber as quantias a que se considerava com direito, mais dizendo que considerava não subsistir qualquer outro direito decorrente da relação laboral que então findava.
    E por considerar que a situação não integra qualquer lacuna, já que regulada pelos artigos 1º e 33º, entre outros, do RJRL (DL24/89/M, de 3/4), não seria aplicável o regime geral que, no fundo, permite a disponibilidade dos créditos do trabalhador.
    8. Antes de esmiuçar esta questão, importa caracterizar a natureza e alcance da declaração que o trabalhador assinou, para assim se ver se ela está ou não regulada no RJRL. Só se se concluir que se trata de uma renúncia de direitos indisponíveis abrangida por aquele regime se poderá afirmar a inaplicabilidade do regime geral consagrado na lei civil.
    Analisando a transcrita declaração, os seus termos, em chinês e em português, são claros e o sentido que um declaratário normal - e face ao disposto no artigo 228º do CC, é esse o sentido que há que relevar - dali se retira que o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral subsistente até então, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida.
    Em linguagem simples, deu quitação da dívida.
    9. Mas vem agora demandar outros montantes, quantitativamente muito maiores, numa desconformidade que desde logo impressiona, em relação àqueles que aceitou receber. E impressiona, porque em face de tais montantes, se não se considerava pago, face ao prejuízo que se afigurava, não devia ter assinado essa declaração.
    Dir-se-á que não tinha consciência do montante dos créditos ou que fora induzidos em erro; mas essa é uma outra questão que devia ter sido comprovada, não se deixando de adiantar que tal como agora ocorreu não havia razões para se aconselhar sobre o alcance dos créditos a que efectivamente teria direito.
    10. Pretende o recorrente que se tratou de uma renúncia de direitos indisponíveis.
    E para tanto invoca a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador, a natureza proteccionista daquele diploma em relação a tais direitos, a necessidade de protecção da parte mais fraca, a posição dominante da concessionária empregadora, a menor margem de liberdade do trabalhador.
    Não tem razão o recorrente.
    Não obstante ser verdade o que diz quanto à enunciação daqueles princípios, a protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
    É verdade que, desde logo, o RJRL, no seu art. 1°, pugnando pela "observância dos condicionalismos mínimos" nele estabelecidos, prevê que
    “O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
     E no art. 33º do R.J.R.T.
    ”O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
    Daqui decorre que nenhum desses artigos contempla ex professo a situação em apreço. Antes respeitam a situações diferentes, nomeadamente o artigo 33º o que prevê é a impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
    Tais preceitos dispõem sobre a regulação do exercício de uma relação laboral ainda em aberto, compreendendo-se que por essa via, ao trabalhador sejam garantidos aqueles mínimos que o legislador reputa como as condições mínimas de exercício humano, digno e justo do trabalho a favor de outrem.
    Tais cautelas já não são válidas quando finda essa relação, como acontece no caso presente.
    E também não são válidas quando já não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
    Não deixaria de ser abusivo e contrário à autonomia da vontade e liberdade pessoal, próprias do direito privado, que alguém, incluindo o trabalhador, não pudesse ser livre quanto ao destino a dar ao dinheiro recebido, ainda que a título de compensações recebidas por créditos laborais.
    A não se entender desta forma, pese embora a aberração do argumento, ter-se-ia de obrigar o trabalhador a aceitar o dinheiro e, mais, importaria seguir o destino que ele lhe daria.
    11. Diferentes são as coisas quando o trabalhador está em exercício de funções e a sociedade exige que as condições de trabalho sejam humanas e dignificantes, não se permitindo salários ou condições concretas de exercício vexatórias e achincalhantes, materializando a garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar. Essa tem de ser a inspiração do intérprete relativamente ao princípio favor laboratoris, mas que não pode ir ao ponto de converter o trabalhador num incapaz de querer, entender e de se poder e dever determinar.
    Nem aquele princípio, consagrado no artigo 5º do mesmo supra citado Regime nos seguintes termos “1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis. 2. O presente diploma nunca poderá ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho sejam mais favoráveis do que as consagradas no presente diploma.” , poderá ter o alcance que se pretende, de limitar a capacidade negocial do trabalhador de forma tão extensa.
    O princípio do tratamento mais favorável "...assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciem expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais. O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas"1
    Noutra perspectiva2, considera-se que tratamento mais favorável ao trabalhador deve ser entendido em termos actualistas, como o conjunto dos valores que o Direito do Trabalho, de modo adaptado, particularmente defende e entre os quais, naturalmente, avulta a protecção necessária ao trabalhador subordinado. Quando haja um conflito hierárquico entre fontes do Direito do Trabalho, aplicam-se as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador, sejam elas quais forem; tal não se verificará quando a norma superior tenha uma pretensão de aplicação efectiva, afastando a inferior.
    Donde decorre que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador não é erigido para sufragar toda e qualquer interpretação que permita o alargamento de uma tutela proteccionista injustificada, tendo antes na sua génese a exclusão de um regime, entre dois ou mais aplicáveis, que lhe seja menos favorável.
    12. Nesta conformidade falece eventual invocação do artigo 6º do RJRL ”São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”, tendo-se como condições de trabalho, nos termos do art. 2º, al. d) todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado.
    Isto porque, como se disse, já não se trata de conduta e actuação no local de trabalho e exercício de funções.
    Tal é a situação dos autos, em que se mostra cessada a relação laboral e assim se tem entendido em termos de Jurisprudência comparada.3
    13. Quanto à natureza e validade da declaração.
    Afastando-se, como se viu, a aplicabilidade do RJRL em relação à proibição de tal estipulação, importa atentar na natureza que assume a declaração emitida pelo trabalhador aquando da cessação da relação laboral.
    Em termos gerais, a remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. Pode-se entender que a referida declaração não configura um contrato de remissão, pois que tal implicaria uma identificação e reconhecimento de créditos de que prescindiria.
    Mas, o certo é que tal documento contém, pelo menos, uma declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação.
A remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte4, revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 854º, n.º 1, do C.C.: "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."

14. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.5
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido6
    Pode dizer-se, num certo sentido que, hoje, na remissão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.

15. Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
Como diz Leal Amado7., uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
    Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data.
    16. Poder-se-á ainda dizer que a extinção da relação laboral acordada, tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento ao Autor do que foi por ele solicitado. Daí que ele passasse a ser titular de um outro direito; tal como já se assinalou, o crédito peticionado é o crédito à indemnização devida pelo incumprimento das obrigações que decorreram para a entidade patronal de lhe garantir os aludidos repousos enquanto para ele trabalhou.
    Esta perspectiva afigura-se particularmente relevante.
    É que não se trata da disponibilidade de direitos, mas sim da compensação pela sua não satisfação.
Pelo contrato havido e comprovado, no âmbito do qual foi emitida aquela declaração, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devida ao Autor e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento de que o A. deu total quitação, sendo legítima a transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré nos termos do artigo 1172º do CC, não abrangida já por qualquer indisponibilidade.

    17. Somos assim, face à caracterização jurídica do acordo celebrado, em considerar que a alegação sobre a vaguidade da declaração de reconhecimento de cumprimento e extinção de toda e qualquer prestação que fosse porventura devida não colhe, face à sua admissibilidade.
    Para além de que não se deixaram de concretizar a que título ocorreu o acerto final, quais as compensações a que se procedia, dando-se quitação de todas e eventuais prestações não abrangidas por aquele recebimento.
    18. Sobre a eventual situação de inferioridade e dependência ao assinar o recibo, por ausência de vontade negocial, por não ter tomado uma opção livre e consciente, uma escolha livre no tocante à assinatura da referida declaração, estaríamos perante uma situação de erro-vício previsto no artigo 240º do CC, face à indução da conduta pela entidade pública tutelar e viciação da vontade, por temor, vista a continuação numa sociedade subsidiária da primeira empregadora.
    Ou, noutra perspectiva numa situação de coacção moral ou de negócio usurário contemplados nos artigos 240º e 275º do CC. Ou, na configuração da recorrente numa situação enquadrável nos artigos 273º a 312º, 313º a 327º ou 328º a 323º.
    Trata-se de matéria não comprovada, como, aliás, já acima se disse.
    19. Como por tudo quanto se vem dizendo não há elementos que possam fundamentar um enquadramento em termos de tal declaração ter sido assinada com base em erro sobre a base do negócio ou em qualquer outro erro ou afectação de uma vontade negocial livre e esclarecida.
    20. Valem aqui, em suma, para além do que vem dito, as razões aduzidas na douta sentença recorrida.
    Não se deixa de referir que a interpretação acima delineada, não obstante algumas divergências, não tem deixado de ser acolhida nos Tribunais de Macau, conforme parte da Jurisprudência do TSI e a Jurisprudência do TUI.8
    Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, sendo de manter a douta decisão proferida.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, acima identificados, confirmando as decisões recorridas.
    Custas pela recorrente em ambos os recursos.
               Macau, 11 de Outubro de 2012,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 118.
2 - Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, pág. 219.
3 - Acs. STJ de 20/11/03, proc. 01S4270, de 12/12/01, proc. 01S2271, de 9/10/02, proc. 3661/02
4 - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pag. 203
5 - A. Varela - Ob. cit., pág. 204
6 - Professor Vaz Serra, BMJ 43, 57.

7 - A Protecção do Salário, pag. 225, eparata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
8 - Acs do TU I46/07, de 27/2/08; 14/08, de 11/6/08; 17/08, de 11/6/08; TSI, proc. 294/07, de 19/7, entre muitos outros
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216/2012 1/32