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Processo nº 809/2012 Data: 13.12.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Despacho de acusação.
Notificação.
Dilação.
Prazo.
Justo impedimento.



SUMÁRIO

1. No domínio dos “prazos processuais” o C.P.P.M. não só acolheu a preocupação da “celeridade”, como adoptou o elemento “autonomia”, (em relação ao processo civil).

2. A dilação prevista no art. 199° do C.P.C.M. não é aplicável em sede do processo penal.

3. É de 10 dias o prazo para se requerer a abertura da instrução em caso de acusação – art. 269°, n.° 2 do C.P.P.M. e art. 6°, n.° 1 e 2 do D.L. n.° 55/99/M, (que aprovou o C.P.C.M.).

4. O art. 97°, n.° 2 do C.P.P.M., ao prever o instituto do “justo impedimento”, consagrou uma “válvula de segurança”, para situações que, comprovadamente merecessem um “tratamento diferenciado”.

5. Se por motivos comprovados e justos, ao arguido não seja possível o exercício do seu direito no prazo legalmente concedido, cabe-lhe alegar e provar tal motivo, invocando justo impedimento.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 809/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho do Mmo Juiz de Instrução Criminal que indeferiu requerimento seu a pedir a concessão de prazo para requerer a abertura de instrução.

*

Motivou para, a final, apresentar o seguinte quadro conclusivo:

“1 - O ora Recorrente, recebeu em 29.06.2012, no seu domicílio em Hong Kong, a notificação da Acusação Pública proferida pelo Digno Ministério Público, constante nos presentes autos e quando requereu em 5 de Julho, junto do Ministério Público, a consulta dos autos para preparar o seu Requerimento de Abertura de Instrução foi surpreendido com o facto de ter sido informado que o processo teria já sido distribuído para o Tribunal Judicial de Base e tomado o número de processo CR3-12-0252-PCC.
2 - Compulsados os autos junto do Tribunal Judicial de Base verificou-se que em 8 de Junho de 2012, foi remetida a Acusação para a residência do arguido em Hong Kong, através de correio registado e que por despacho do Digno MP de 27 de Junho de 2012 o processo foi eivado para o TJB para distribuição para Julgamento (Cfr. Fls. 89 dos autos).
3 - Consagra o artigo 94° do Código de Processo Penal que "Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei processual Civil."e o artigo 193°, do Código de Processo Civil, no seu número 1 que "quando o Réu resida no exterior de Macau, observa-se o estipulado nas convenções internacionais aplicáveis em Macau e nos acordos no domínio da cooperação judiciária." sendo que o número 2, estipula que: "Na falta de estipulação a citação é feita pelo correio, em carta registada com aviso de recepção" e ainda o número 4 que "A citação considera - se feita no dia em que o aviso de recepção foi assinado, se este o mencionar."
4- Por sua vez, o artigo 199 do Código de Processo Civil, na alínea b) que: " acresce ao prazo de defesa do citando uma dilação de 30 dias quando o Réu tenha sido citado para a causa fora de Macau (…)".e no caso em apreço a carta foi enviada ao arguido, ora Recorrente, registada, mas sem aviso de recepção.
5 - Tal como referido, verificou o Recorrente que em 27 de Junho de 2012, sem que tenham sido cumpridos quaisquer dos prazos acima referidos, foi o processo remetido para o Tribunal Judicial de Base, ou seja, para a fase de julgamento.
6 - Prescreve o número 7 do artigo 100° do Código de Processo Penal que a "As notificações do arguido, assistente e parte civil podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado; ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, arquivamento, despacho de pronúncia ou não pronuncia, designação de dia para audiência e sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial. "Ou seja, a notificação terá que ser feita na pessoa do arguido e a única forma que o Ministério Público teria para comprovar o recebimento da Acusação por parte do arguido seria através do Aviso de Recepção a enviar com a carta registada. Facto que não aconteceu in casu tendo existido violação da lei. Uma vez que não fruam respeitados pelo Digno MP os prazos de defesa e dilação fixados na lei, já que o Recorrente residia em Hong Kong.
7 - O Recorrente pediu a nulidade do despacho que determinou o envio do processo para distribuição junto do Tribunal Judicial de Base, porquanto, não foi dada ao arguido a oportunidade de este, após notificação da Acusação, a qual se realizou em Hong Kong a 29 de Junho deste ano, ter exercido o direito de requerer Abertura de Instrução, direito fundamental que está consagrado no Código de Processo Penal, a fim de se dar cumprimento ao prazo para o arguido poder exercer o seu direito legalmente consagrado de requerer a Abertura de Instrução.
8 - E em face dos factos despendidos, em 25 de Julho de 2012 a Meritíssima Juiz do 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base deu sem efeito o despacho de fls. 92 e remeteu os autos ao Ministério Público ( Cfr. Fls. 108 dos autos).
9 - O Ministério Público pronunciou-se considerando em súmula que a dilação prevista no Código de Processo Civil não se aplica subsidiariamente às regras do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Juízo de Instrução Criminal para decisão.
10 - E da mesma opinião partilhou a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal no despacho ora em crise, citando Jurisprudência portuguesa quando se referem à não aplicação ao processo Penal das regras da dilação, pelo que a abertura de instrução teria que ser requerida no prazo improrrogável de cinco dias ( prazo antigo - hoje o prazo é de dez dias -) sobre a notificação da acusação , ainda que o arguido resida em comarca diversa daquela onde corre o processo" ( parêntesis e negrito da nossa responsabilidade) .
11 - Ora comarca não tem o mesmo sentido que jurisdição ( RAEM ) e o caso de Macau é diferente do de Portugal, pois enquanto que em Portugal os Serviços postais são únicos - num único país - os correios de Macau e de Hong Kong são diferentes entre si, sendo do conhecimento público que uma carta expedida de Macau registada ou não, leva a chegar a Hong Kong mais de 30 dias, por isso até poderá ser aceitável que a dilação não seja aplicável entre comarcas em Portugal, mas entre Macau e outra região exterior não é de todo razoável, dado o longo tempo de entrega.
12 - Considerou a Meritíssima Juiz que mesmo a considerar que o arguido tenha sido notificado no dia 29 de Junho e que tenha sido tido em conta a dilação dos 30 dias, como o arguido não tinha apresentado Requerimento de Abertura de Instrução e como tal teria precludido o referido prazo, contudo o Recorrente, e é com todo o respeito que o faz, não pode concordar com tal argumento, pois aquilo que se extrai do despacho recorrido é que : primeiro ou a Meritíssima Juiz não concorda com a aplicação da dilação prevista no Código de Processo Civil, e ponto final, ou concorda com a aplicação do prazo de dilação de 30 dias e vem considerar que o arguido, ora Recorrente, como não apresentou em tempo a Abertura de Instrução, a mesma não pode ser aceite.
13 - O Recorrente interroga-se o que sucederia se, tivesse dado entrada do Requerimento de Abertura de Instrução no prazo de dilação dos 30 dias, tal como advogado pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal afirma. Seria o mesmo aceite ou rejeitado à luz da não aceitação da aplicação do prazo dilatório?
14 - Mas o Recorrente não sabe também onde deveria dar entrada do Requerimento de Abertura de Instrução, já que a Meritíssima juiz considera que o Recorrente deveria ter dado entrada, ainda assim, do requerimento. Seria então no 3° Juízo do Tribunal Judicial de Base? Ou junto dos Serviços do Ministério Público?
15 - E tendo em conta a primeira questão colocada em crise pelo Recorrente, ou seja, a não aceitação da dilação de 30 dias prevista no Código de Processo Civil, para os residentes fora de Macau, considera o Recorrente que apesar de existir Jurisprudência Portuguesa a consignar que o prazo dilatório não é aplicável ao prazo para Abertura de Instrução, também existe Jurisprudência que advoga a aplicação de tal prazo, isto apesar de saberem da existência de Jurisprudência Obrigatória (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/08/1995 www.dgsi.pt).E advogam tal posição argumentando valores fundamentais tais como os fixados no artigo 100° n° 7 do CPPM de Macau, ou seja, a notificação pessoal do arguido.
16 - A abertura de Instrução é especialmente citada nesse artigo, e como tal a notificação pessoal deve ser confirmada, não teve o Digno Ministério Público o cuidado necessário em termos de notificação pessoal do arguido, limitando-se a expedir uma carta sem se preocupar em saber se a mesma foi ou não recebida pelo arguido.
17 - Ainda mais porque junto aos autos além da residência constam dois números de telefone do ora Recorrente, contacto que podia e deveria ter sido feito (sendo até usual em Macau), tal como aconteceu com o chamamento ao JIC do Recorrente para receber o despacho de fls. 116 e 117 e esta dualidade de tratamentos dos actos processuais é incompreensível, tanto mais que para a notificação que facultava o direito fundamental de requerer foi precisamente a que os serviços tomaram menos cuidado, não contactando o arguido.
18 - Jurisprudência Portuguesa quanto à Acusação considera que a notificação ao arguido da acusação deduzida que incumbe ao MP, tem natureza pessoal e por esse motivo, se se não conseguir proceder pessoalmente a ela, o processo não poderá prosseguir e deverá aguardar sob a responsabilidade dos serviços do MP a possibilidade da sua efectivação, sem haver lugar à determinação da notificação edital pelo juiz do processo (Ac. da RL de 16 Outubro CJ, XV, tomo 4, 179), destarte, considera o Recorrente in casu deveria ter sido aplicado o prazo dilatório de 30 dias.
19 - Dois dias antes de decorrido o prazo de abertura da instrução (com ou sem dilação), o Digno Magistrado do Ministério Público encerrou a referida fase processual e despachou o processo para a fase de julgamento e com a referida decisão, o digno Magistrado não se limitou a proferir uma decisão administrativa ou de mero expediente mas sim deu por finda encerrada ou concluída uma fase processual penal.
20 - E como é sabido, na fase de julgamento, ou seja, na fase processual em que o processo sub judice foi relegado, não pode o arguido apresentar um requerimento para a abertura de instrução.
21 - A acusação é notificada ao arguido. E aqui, entre a decisão de submeter o arguido a julgamento - que é a acusação - e o julgamento propriamente dito, pode surgir uma fase intermédia, que é uma fase facultativa - a instrução. A instrução é presidida, é levada a cabo e é da competência do Juiz de Instrução Criminal. Vem prevista nos arts. 286° segs. CPP e tem como finalidade comprovar ou não a acusação. Com a decisão precipitada de fls. 89, o processo saiu, pois da fase de inquérito e passou, de imediato, para a fase de julgamento! ! !
22 - Tal significa que a digna Magistrada do Ministério Público deixou de ter jurisdição a partir da data do despacho de 27 de Junho de 2012; e Consequentemente, deixou de poder tomar conhecimento de qualquer acto processual, entre os quais, do requerimento de abertura de instrução. Não obstante em tempo, ou seja, antes de decorrido o referido prazo de 10 dias a partir do efectivo recebimento, o arguido invocou a manifesta irregularidade, ou seja, que os autos haviam sido remetidos sem que fosse assegurado ao arguido o direito de requerer a abertura de instrução.
23 - Mas fê-lo ainda com ordem probatória, ou seja, que fosse obtida prova da recepção da notificação na referida data, ou seja, em 29 de Junho de 2012 e foi então que o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal emitiu a decisão ora em crise, tendo-se sentido o Recorrente revoltado com a forma como o Tribunal de Instrução Criminal cartou na secretaria os seus direitos.
24 - Ou seja, é reconhecido ao Arguido razão e que o mesmo poderia exercer o seu direito, pois esse é o único entendimento que pode resultar do despacho de fls. 108 dos autos proferido pelo juiz de julgamento, mas, esse mesmo direito que foi judicialmente reconhecido é de novo retirado pelo Meritíssimo juiz a quo.
25 - E ainda mais, não pode ser olvidado que o que propõe a decisão recorrida é que o Recorrente apresentasse um acto impossível, ou seja, que o Recorrente dirigisse ao Juiz de julgamento um requerimento de abertura de instrução, ou pior ainda, que dirigisse o mesmo a uma entidade (o ministério Público) que havia perdido, por sua própria decisão, a jurisdição e poder sobre o processo, será caso para dizer, que o arguido, ora Recorrente, é preso por ter cão e preso por não ter ... e sem o Recorrente que quer exercer os seus direitos, que diligenciou em tempo nesse sentido, ficou frustrado no exercício dos mesmos”.
Pede, que se “considere como indevidamente realizada a notificação da Acusação ao arguido, violando assim o artigo 100°, n°7 do Código de Processo Penal, estando o mesmo despacho inquinado com o vício previsto no artigo 400°, n°1 do mesmo diploma, devendo ser dado prazo ao arguido, ora Recorrente, para apresentar o seu requerimento de abertura de inscrição”; (cfr., fls. 128 a 152 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 155 a156).

*

Admitido o recurso e remetido os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Aparentemente, conforme, aliás, é sustentado pelo Exmo Colega junto do tribunal "a quo ", pretenderia o recorrente, através da impugnação do despacho sob análise, ver escrutinadas 2 questões : a da forma de notificação da acusação formulada pelo MP e a do consequente prazo para requerimento da instrução.
Só que, se bem se atentar, no despacho em crise foi entendido que, mesmo a dar-se como estabelecido o momento da notificação do recorrente a 29/6/12 (pelo próprio reconhecido), à data do despacho - 10/9/12 - já se encontraria esgotado o prazo para aquele efeito, à luz do preceituado no art° 269°, CPP, não havendo haver lugar a dilação.
Donde, poder concluir-se que, independentemente da forma de notificação da acusação, mostrando-se operada a mesma na data reconhecida pelo próprio recorrente, a única questão a delucidar no domínio do presente recurso será a da aplicação, ou não, ao caso da dilação almejada pelo visado, por aplicação integrada dos art°s 94°, CPP e 193° e 199°, CPC.
Cremos, a tal propósito, não merecer reparo o decidido, afigurando-se-nos que, atenta a disciplina autónoma do processo penal, não lhe serão aplicáveis as regras e prazos da dilação, pelo que a abertura da instrução terá que ser requerida no prazo improrrogável estabelecido no já citado art° 269°, CPP, não se vendo que com isso se afronte o direito fundamental de defesa do recorrente, a partir do momento do reconhecimento, pelo próprio, da data precisa da sua notificação, sendo certo que, de todo o modo, ao que se divisa, o mesmo não chegou, sequer, a formular requerimento para aquele efeito.
Donde, entendemos não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 177 a 178).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. O presente recurso tem como objecto o despacho pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido e que tem o seguinte teor:

“O arguido B (B) declarou ao processo penal n.° CR3-12-0252-PCS (vide as fls, 97 a 106 dos autos), através do seu mandatário judicial, no dia 9 de Julho de 2012, que ele só recebeu pessoalmente a notificação da acusação emitida (em 8 de Junho de 2012) pelo Ministério Público aos 29 de Junho de 2012 em Hong Kong e posteriormente constatou que o processo já tinha sido remetido do Ministério Publico ao Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base para aguardar o julgamento. Além disso, invocou o disposto do art.° 94.° do Código de Processo Penal e remeteu-se aos art.°s n.° 193.° e 199.° do Código de Processo Civil, pondo em causa o facto de o Ministério Público não o ter notificado da acusação por carta registada com aviso de recepção e por consequência, considerando que não se conseguiria apurar a data de recepção da notificação dele. Alegou ainda que ao pretender requerer a instrução, ele devia merecer o prazo dilatório de 30 dias estabelecido no art." 199.0 do Código de Processo Civil, tal se levou a concluir que o Juiz titular do referido processo penal deveria revogar o respectivo despacho da abertura de instrução (vide a fls. 92 dos autos) e devolver o processo ao Serviço de Acção Penal do Ministério Público de modo que faça este respeitar o prazo legal referido e se permita ao arguido requerer a instrução nos termos da lei.
Aos 25 de Julho de 2012, face ao requerimento referido, o Juiz titular do processo penal supracitado determinou (vide a fls. 108) revogar o respectivo despacho da abertura de instrução (vide a fls. 92 dos autos) e ordenou devolver o processo ao Ministério Público.
Aos 31 de Julho de 2012, recebendo o respectivo processo o Serviço de Acção Penal do Ministério Público, o delegado de procurador pronunciou-se no dia 6 de Setembro de 2012 pela oposição em termos dos pedidos do arguido (vide as fls. 113 e 113v.) e defendeu que deveria remeter o processo ao Juízo Criminal para calendarizara julgamento. Portanto, remeteu-o ao Juízo de Instrução Criminal a fim de decidir a referida questão controvertida.
Aos 7 de Setembro de 2012, o Juiz de turno de Instrução Criminal proferiu despacho, em que ordenou a distribuição do processo de forma a proceder à instrução.
Após a distribuição, este Juízo é responsável pelo julgamento deste processo. Antes de mais, cumpre mencionar que o arguido, até ao momento, ainda não faz qualquer declaração do requerimento de instrução, o que pretende impugnar consiste na questão de recepção da notificação da acusação, pondo em causa o facto de não ter sido notificado da acusação por carta registada com aviso de recepção e por consequência, considerando que não se conseguiria apurar a data de recepção da notificação dele. Face a isso, este Juízo entende que ao abrigo do art.° 100.° n.° 1 alínea b) do Código de Processo Penal, não deixa de ser impossível concluir que se notifica o arguido da acusação necessariamente através de carta registada com aviso de recepção. Em termos do apuramento da data de recepção, o arguido próprio já a declarou no respectivo requerimento e constituirá uma outra questão se existe prova ou não.
Cabe indicar que não incorre em inadequação o método de presumir, em geral, o prazo do requerimento de instrução, explicado no parecer do delegado de procurador e aplicável aos indivíduos do exterior, o qual só se pode ser excluído se o arguido apresentar a contraprova.
Por outro lado, conforme as alegações do arguido, declarou que recebeu a notificação da acusação no dia 29 de Junho de 2012, altura em que estava no exterior de Macau, pelo que se pode aplicar por remissão a dilação prevista no Código de Processo Civil e, desde modo, até ao momento, ainda está dentro do prazo do requerimento de instrução.
O arguido entende que se pode merecer o prazo dilatório de 30 dias estabelecido no art.° 199.° do Código de Processo Civil através de invocar o disposto do art.° 94.° do Código de Processo Penal e se remeter aos art.°s n.° 193.° e 199.° do Código de Processo Civil. Relativamente a esta opinião, salvo o devido respeito, não a acompanha este Juízo, visto que, é de apontar, se dispõe explicitamente que aplicam-se à contagem dos prazos processuais as disposições da lei processual civil, ou seja, a contagem ininterrupta. De facto, de acordo com a doutrina relacionada de processo penal, bem como a jurisprudência de Portugal, entendem que não se aplicam aos processos penais as disposições relativas à dilação do Código de Processo Civil. Podemos tomar como referência os dois acórdãos entre os outros: um deles é o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/4/1995 (vide a Jurisprudência, XX, t. II, p. 238), em que se argumentou: "A disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação. Tal conclusão não afronta o direito fundamental da defesa do arguido notificado", e o outro é o acórdão do Tribunal da Relação da Évora de 10/11/1992 (vide a Jurisprudência, XVII, t. V, p. 280), em que se afirmou: "não são aplicáveis ao processo penal as regras e prazos da dilação, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo improrrogável de cinco dias sobre a notificação da acusação, ainda que o arguido resida em, comarca diversa daquele por onde corre o processo" e "A disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo, peremptório, de cinco dias, previsto no n.° 1 do artigo 287.° do Código de Processo Penal". Pelo que o arguido deste caso deve apresentar o requerimento de instrução dentro do prazo peremptório, ou seja, em 10 dias contados a partir da recepção da notificação ao abrigo do art.° 269.° do Código de Processo Penal. Conforme as suas declarações, recebeu a notificação da acusação no dia de 29 de Junho de 2012, mesmo se presumindo ser verdadeiro sem que este apresente qualquer prova, foi ele próprio que não contou bem o prazo legal peremptório para requerer a instrução, portanto, já foi expirado o prazo e, de resto, o arguido nunca apresentou o requerimento.
Face ao exposto e tendo em consideração a opinião do delegado de procurador, este Juízo decide remeter o processo ao Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base para marcar o julgamento”.

Quid iuris?

Cremos que a razão está com o Mmo Juiz autor do despacho recorrido.

Vejamos.

A questão a dilucidar consiste em saber se o prazo previsto para o requerimento de abertura da instrução – em caso de acusação, 10 dias – acresce ou não a dilação fixada no C.P.C.M..

Pois bem, resulta dos autos que o arguido, ora recorrente, foi notificado da acusação contra si deduzida por carta registada datada de 08.06.2012, (cfr., fls. 82-v), e que em 27.06.2012, foi o processo remetido ao T.J.B. para julgamento; (cfr., fls. 90).

Em 10.07.2012, requereu a concessão de prazo para requerer a abertura da instrução, invocando o art. 199°, al. b) do C.P.C.M., onde se prescreve que a dilação é: “de 30 dias, quando o réu tenha sido citado para a causa fora de Macau, ou a citação tenha sido edital”.

Perante o indeferimento do assim requerido, traz a este T.S.I. o presente recurso.

Importa, assim saber e decidir se a “dilação” a que se refere o invocado art. 199°, al. b) do C.P.C.M. é aplicável em sede do processo penal.

A tanto se passa.

Desde já, consigna-se que nenhuma censura se mostra de fazer ao “modo” utilizado para se efectuar a notificação ao ora Recorrente.

Com efeito, a dita notificação, independentemente do demais – e diversamente do que sucedia no âmbito do anterior C.P.P. de 1929; (cfr., v.g., Ac. do então T.S.J. de 20.11.1996, Proc. n.° 565 in “Jurisprudência”, Tomo II, pág. 935 e segs) – foi efectuada por “carta registada” e em harmonia com o estatuído no art. 100°, n.° 1, al. b) (“via postal”) e n.° 7 (“pessoal”, por se tratar de notificação de uma acusação) do C.P.P.M..

Dito isto, continuemos.

Nos termos do art. 269° do C.P.P.M.:

“1. Se o procedimento não depender de acusação particular e tiver sido deduzida acusação, a abertura da instrução apenas pode ser requerida:

a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público tiver deduzido acusação; ou

b) Pelo assistente, ou por quem no acto se constitua assistente, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação e importem uma alteração substancial desta.

2. Se o procedimento depender de acusação particular, a abertura da instrução apenas pode ser requerida pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o assistente tiver deduzido acusação.

3. O requerimento previsto nos números anteriores deve ser apresentado no prazo de 5 dias a contar da notificação da:

a) Acusação do Ministério Público, no caso do n.º 1;

b) Acusação do assistente, no caso do n.º 2”.

Atento o estatuído no art. 6°, n.° 1 e 2, do D.L. n.° 55/99/M que aprovou o C.P.C.M., o prazo de 5 dias previsto no n.° 3 do transcrito art. 269° (do C.P.P.M.) – para o requerimento de abertura de instrução em caso de acusação – é, como se referiu, de 10 dias.

E, em conformidade com o preceituado no art. 97° do mesmo C.P.P.M.:

“1. A pessoa em benefício da qual um prazo for estabelecido pode renunciar ao seu decurso, mediante requerimento endereçado à autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a qual o despacha em 24 horas.

2. Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.

3. O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de 3 dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.

4. A autoridade que defira a prática de acto fora do prazo procede, na medida do possível, à renovação dos actos aos quais o interessado teria o direito de assistir”.

Tendo presente o disposto no n.° 2 deste comando legal, tem se entendido que em processo penal não é admissível a prática do acto processual depois de expirado o prazo legal mediante o pagamento de multa a que se refere o art. 95°, n.° 4 do C.P.C.M., pois que tal expediente, (de “prorrogação do prazo”), não foi acolhido pelo legislador penal, não só em homenagem ao interesse da celeridade processual que foi sua intenção prosseguir, mas também face à redacção do preceito que utiliza o advérbio “só”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. de 27.09.2012, Proc. n.° 621/2012, onde se consignou expressamente que “em processo penal não é aplicável o mecanismo do art. 95°, n.° 4 do C.P.C.”).

Note-se que a “celeridade processual” constituiu um dos “motivos” da Lei n.° 17/96/M – Lei da “Autorização Legislativa para a aprovação do Código de Processo Penal” vigente; (cfr., art. 2°, al. a)).

Dir-se-á porém, que, a “celeridade processual” não deve sacrificar, (de forma irrazoável), as “garantias de defesa do arguido”.

Como “princípio”, é (absolutamente) verdade que assim é.

Todavia, há que atentar na “situação concreta em questão”, não se podendo olvidar que a celeridade processual é também reclamada pela consideração dos interesses do próprio arguido, atentos os perigos de estigmatização e adulteração irreversível da “identidade do arguido”.

E, se foi efectivamente esta – a “celeridade processual” a real vontade do legislador ao adoptar certa e determinada solução processual, então, e independentemente do demais, ao interprete, apenas cabe respeitá-la.

Por nós, esta a situação quanto à questão aqui em análise.

Na verdade, importa não olvidar que em sede do anterior C.P.P. de 1929 prescrevia o art. 83°, §7, que, (em processo penal), “as notificações devem efectuar-se como as citações em processo civil…”, o que não sucede com a actual lei processual penal.

Nesta conformidade, sendo um dos “motivos” do (novo) C.P.P.M., a “celeridade processual”, e nele regulando-se a matéria do “tempo dos actos processuais” da forma como regulada está, apenas (“só”) se permitindo a sua prática fora do prazo em caso de (comprovado) “justo impedimento”, razões não existem para se considerar que aceitável é a “dilação” existente em processo civil, (e que ao tempo da aprovação do vigente C.P.P.M.), já existia, (cfr., art. 145°, n.° 5 do C.P.C. anterior), e que, atento ao estatuído no art. 8° do C.C.M., (cabe presumir que) era do conhecimento do legislador.

De facto, no domínio dos “prazos processuais”, (e não só), o C.P.P.M. não só acolheu, (como se deixou explicitado) a preocupação da “celeridade”, como adoptou o elemento “autonomia”, (em relação ao processo civil).

Com efeito, prescreve o art. 4° que:

“Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

E, face à redacção do art. 97° do mesmo Código, evidente é tal “autonomia”.

De facto, o “justo impedimento” já estava regulado no processo civil, (cfr., art. 145°, n.° 4 do anterior C.P.C.) e, mesmo assim, entendeu-se regulá-lo (expressamente) no C.P.P.M. de forma a o tornar, nomeadamente, nesta parte, autónomo em relação àquele.

Neste sentido, (v.f., v.g.), Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal II”, p. 37 e em rodapé:
«A jurisprudência encontra-se dividida sobre a aplicação das regras do processo civil sobre dilação para a prática de actos processuais por arguidos residentes em comarca diversa daquela por onde corre o processo (artigo 180.° do Código de Processo Civil). […] Parece-nos não haver lugar a dilação, pois não pode considerar-se existir lacuna na previsão da lei processual penal.»;
Também, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 6.a ed., nota 4 ao artigo 104.°, pp. 212-2123, considera que, «A autonomia, que se procurou estabelecer até onde foi possível, do processo penal em relação ao processo civil, conjugada com o texto do n.° 1, onde se alude tão-só à contagem de prazos, e não já à sua natureza, significa que em processo penal não há prazos dilatórios. Não existe, pois qualquer dilação para o início da contagem de prazos em processo penal, os quais, salvo disposição em contrário, começam a correr a partir da notificação. Sucede até que, residindo o arguido fora da comarca onde o processo corre, deve indicar pessoa que, residindo nessa comarca, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas. Este normativo, constante do artigo 196.°, n.° 3, contém implícita a ideia de que não já prazos dilatórios e não faria sentido com a coexistência desses prazos. Acresce que a rigidez deste sistema se encontra temperada no Código pelos dispositivos dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 107.°, mais favoráveis que os correspondentes do Código de Processo Civil, precisamente para de algum modo compensar a inexistência de prazos dilatórios», e, igualmente,
Consta Pimenta, in “Código de Processo Penal Anotado”, 2.a ed., nota 3 ao artigo 104.°, p.p. 333-334, afirmando que, «Em processo penal, mesmo respeitante à parte do pedido civil, não existem prazos dilatórios.
Quanto à natureza, ou são ordenatórios ou de caducidade, isto é, peremptórios [cfr. artigos 98.°, n.°2, e 112.°, n.° 3, alínea a]].
Isso resulta claro do disposto no n.° 1 do presente artigo, o qual remete para as regras do processo civil apenas quanto à contagem (e não à natureza do prazo).”

Aliás, neste sentido, sobre questão idêntica e por unanimidade, decidiu também o Ac. (de fixação de jurisprudência) do S.T.J. de 12.06.1995, in D.R. IS-A, de 10.01.1996, pág. 44 e segs., consignando-se que “a disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo, peremptório, de cinco dias, previsto no n.°1 do artigo 287.° do Código de Processo Penal”, (aqui citado como mera referência).

Ora, até pela “identidade dos regimes”, mostra-se-nos pois de acolher o sentido do que se deixou consignado, até porque razões não há para se dizer que sem a pretendida dilação, injustificadamente comprimido fica o “direito de defesa” do ora requerente.

É que o art. 97°, n.° 2 do C.P.P.M., ao prever o instituto do “justo impedimento”, consagrou uma “válvula de segurança”, para situações que, comprovadamente merecessem um “tratamento diferenciado”.

Com efeito, se por motivos comprovados e justos, ao arguido não seja possível o exercício do seu direito no prazo legalmente concedido, cabe-lhe alegar e provar tal motivo, invocando pois o justo impedimento.

Não sendo o que sucedeu, não se vê possibilidade de se acolher a pretensão apresentada.

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Note-se porém, (e a título de mera referência), que, a “solução” a que se fez referência e se deixou exposta, foi objecto de alteração, no âmbito do processo penal português.

Com efeito, com a Lei n.° 59/98, voltou-se, (por assim dizer), à situação inicial, ou seja, à aplicação das disposições da Lei de Processo Civil; (cfr., o art. 107°, n.° 5 e o Ac. do S.T.J. de 20.03.2002, Proc. n.° 230/02, in C.J. Ac. de S.T.J., Ano X, T. II, pág. 157 a 158).

Não sendo o que sucedeu com o C.P.P.M., e em conformidade com tudo o que se tentou deixar exposto, há que julgar improcedente o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expendidos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa que se fixa em 4 UCs.

Macau, aos 13 de Dezembro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa


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