Processo n.º 977/2009-A-S
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 24/Janeiro/2013
ASSUNTOS:
- Artigo 284º do CC
- Inoponibilidade de declaração de nulidade a terceiro adquirente de boa-fé versus caducidade
SUMÁRIO :
1. Não existe nem decorre do artigo 284º do CC, nem sequer por via do art. 291º do CC qualquer prazo de caducidade.
2. O artigo 284º do CC não faz extinguir qualquer direito à acção anulatória pela não propositura dentro de determinado prazo, antes a pressupõe, na medida em que fala exactamente na declaração de nulidade ou anulação do negócio; ora tal declaração pressupõe uma acção.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 977/2009 - A
(Recurso Civil e Laboral – Suprimento de omissão de pronuncia)
Data: 24/Janeiro/2013
RECORRENTES: Recursos Interlocutório e Final
A
B
RECORRIDOS:
C e mulher D
Herdeiros incertos da E
Herdeiros incertos dos F e G
Interessados Incertos
Ministério Público
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
O Venerando TUI decidiu, no âmbito dos presentes autos e no que concerne a invocada omissão de pronúncia diz mui doutamente o seguinte:
“2. Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia.
Os 1.os réus, ora recorrentes, entendem que o Acórdão recorrido omitiu pronúncia relativamente à não oponibilidade da declaração de nulidade das habilitações de herdeiros e à caducidade do direito de pedir a declaração de nulidade.
Os ora recorrentes na sua contestação não arguiram qualquer excepção atinente à não oponibilidade da declaração de nulidade das habilitações de herdeiros e à caducidade do direito de pedir a declaração de nulidade.
Na verdade, suscitaram duas excepções expressamente, a incompetência do Tribunal e a ilegitimidade dos réus, por ser caso de litisconsórcio necessário dos habilitados nas habilitações notariais de herdeiros, cuja declaração de nulidade era pedida na petição inicial, e os anteriores proprietários do imóvel. E apenas a propósito do mérito da causa referiram os réus na sua contestação que, tendo adquirido o imóvel a título oneroso e de boa fé, a nulidade das habilitações notariais nunca os poderia prejudicar, atento o disposto no artigo 291.º do Código Civil de 1966, que corresponde ao artigo 284.º do Código Civil vigente.
Os réus não suscitaram nunca a caducidade do direito de pedir a nulidade das habilitações notariais de herdeiros. Não obstante estarmos no campo dos direitos disponíveis, a sentença de 1.ª instância conheceu oficiosamente da caducidade e declarou-a, com a consequente absolvição dos pedidos atinentes.
Só os autores, únicos prejudicados com as decisões de 1.ª instância recorreram, tendo impugnado o julgamento da matéria de facto, a decisão de improcedência do pedido principal e a decisão sobre a caducidade da acção de nulidade, para além de impugnado o despacho que desatendeu reclamação contra a base instrutória.
A questão da inoponibilidade da aquisição do imóvel a título oneroso e de boa fé, respeita ao mérito da causa, pelo que não tinha que ser conhecida a partir do momento em que se anula o processado e, portanto, a sentença que conheceu do mérito da causa.
Não merece censura, nesta parte, o Acórdão recorrido.
Já a questão da caducidade da acção de nulidade, atinente ao pedido b) da petição, que levaria à improcedência dos pedidos c) e d) da mesma, levanta mais reservas.
Antes de mais, os pedidos b), c) e d) da petição não são pedidos subsidiários, como os designa a sentença de 1.ª instância. Por um lado, os autores não os designam como tais e, por outro lado, não referem que tais pedidos são deduzidos para o caso do pedido da alínea a) não proceder, que é o que caracteriza o pedido subsidiário, como é bem sabido.
É certo que, processualmente, pedidos secundários são coisa que não existe, mas tudo leva a crer que os autores deduziram cumulação de pedidos, tendo-se limitado, porventura desnecessariamente, a dizer que o pedido da alínea a) era mais importante para eles que os restantes.
Ora, se os pedidos das alíneas b), c) e d) fossem subsidiários, é evidente que o Acórdão recorrido deles não podia conhecer, não conhecendo do pedido principal.
Mas não sendo este o caso, nada obstava a que decisão da caducidade fosse apreciada, e antes se impunha, até porque ela efectivamente prejudicava a necessidade de aditamento à base instrutória dos artigos da petição (30.º a 38.º) atinentes ao pedido da alínea b) e, por arrastamento dos pedidos das alíneas c) e d), no caso de ser improcedente o recurso naquela parte.
Há, pois, omissão de pronúncia, que gera nulidade, nos termos dos artigos 633.º, n.º 1 e 571.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, não podendo este Tribunal conhecer da questão omitida, aliás, manifestamente simples, atento o disposto no n.º 2 do artigo 651.º do Código de Processo Civil.
Esta nulidade não implica qualquer revogação do Acórdão recorrido, que manterá a sua eficácia quanto à ampliação da base instrutória, no caso de o recurso quanto à caducidade proceder, e mesmo que improceda, quanto ao aditamento dos artigos 4.º, 7.º, 17.º e 19.º da petição inicial.
Não se conhecerá, portanto, das questões relativas à ampliação da base instrutória, que serão conhecidas depois de o TSI conhecer da questão omitida, para o que o processo deverá ser remetido a este TUI, mesmo que não seja interposto qualquer recurso da decisão a tomar quanto à caducidade.”
Foram colhidos os vistos legais.
Em obediência ao superiormente determinado somos a conhecer.
II - Enquadramento
Os AA. propuseram contra os RR acção ordinária em que pediam:
- o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um dado prédio X, por o terem adquirido por usucapião;
- a nulidade das habilitações de herdeiros, por instruídas e falsas declarações com base nas quais x foi registado;
- a nulidade da inscrição registral respectiva;
- cancelamento de subsequentes inscrições prediais.
Contestada a acção, entre outra impugnação e matéria exceptiva invocaram os RR. a inoponibilidade da declaração de nulidade de negócio respeitante a bens imóveis, plasmada no artigo 284º do CC em relação a terceiro adquirente, a título oneroso, de boa-fé, sobre a dita coisa.
Na 1º Instância foi julgada a acção improcedente por não se terem provados os factos integrantes da usucapião e adjuvantemente por o Mmo Juiz ter considerado que, além do mais se verificava a caducidade do direito alegado pelos AA “… porquanto a acção de nulidade foi interposta fora do prazo fixado por lei (vidé, a este respeito, artigo 291, n.º 2 do CCM)…”
Interpõem oportunamente recursos os AA., insurgindo-se contra a insuficiência da matéria de facto e não abarcamento da base instrutória de matéria por si alegada e manifestamente pertinente para a comprovação do seu direito e pretensão, mais invocando que o Tribunal não podia conhecer oficiosamente da caducidade do direito por não ter sido invocada pelos RR, para além do não apuramento dos requisitos conducentes à não oponibilidade da declaração da nulidade do negócio face ao disposto no artigo 284º do CC.
Nesta Instância, este TSI proferiu acórdão que julgou procedente o recurso, considerando válida a argumentação respeitante ao alargamento da base instrutória e relativamente à admissibilidade dos documentos que os AA. pretendiam juntar, revogando o decidido e anulando o julgamento e processado atinente a essa invalidação, não se tendo deixado de pronunciar no sentido de que as questões restantes que vinham colocadas se mostravam prejudicadas pela decisão aqui encontrada.
Desta feita recorrem os 1ºs RR que entendem, para além de outras questões, que o acórdão do TSI omitiu pronúncia relativamente à não oponibilidade da declaração de nulidade das habilitações de herdeiros e quanto à caducidade do direito de pedir a declaração de nulidade.
Tese esta, na parte respeitante à caducidade, que não deixou de ser acolhida pelo Colendo TUI, tal como flui do douto excerto da acórdão acima transcrito.
III - Cumpre apreciar.
1. Anota-se, como já referido, que a questão só não foi conhecida, por se ter considerado prejudicada.
Anota-se que se trata de uma excepção que não foi colocada pelas partes nos seus articulados; os RR. não suscitaram caducidade alguma e quem a introduziu foi o Mmo Juiz a quo que entendeu que o direito à acção de declaração de nulidade das ditas habilitações se mostrava caduco.
São os RR. que suscitam omissão de pronúncia sobre a caducidade, questão que nunca fora por eles colocada, questão que fora tão somente colocada em sede de recurso para esta Instância por banda dos AA., na exacta medida em que esse foi um dos argumentos usados na sentença que lhes denegou razão
2. Ora o que importa dizer sobre essa questão é muito simples e reconduz-se a três parágrafos.
Em primeiro lugar essa excepção de caducidade, tal como configurada pelo Mmo Juiz a quo não existe nem decorre do artigo 284º do CC, nem sequer por via do art. 291º do CC. O artigo 284º do CC não faz extinguir qualquer direito à acção anulatória pela não propositura dentro de determinado prazo, antes a pressupõe, na medida em que fala exactamente na declaração de nulidade ou anulação do negócio; ora tal declaração pressupõe uma acção. E o que o artigo diz é que se a acção de declaração de nulidade não for proposta e registada, nos casos em que haja registo de terceiro, como será o caso, no prazo de um ano, a contar do negócio, a declaração de nulidade não é oponível ao terceiro adquirente, a título oneroso e de boa-fé. Trata-se aqui de uma inoponibilidade e não de uma caducidade. O interessado pode ter todo o interesse na declaração da nulidade do negócio, independentemente da sua oponibilidade ao terceiro adquirente de boa-fé. Nomeadamente para efeitos indemnizatórios. Para além de que a caducidade de uma acção de declaração de nulidade é contraditória nos seus próprios termos e traduzir-se-ia na negação da própria nulidade que é invocável a todo o tempo. Nem sequer se pode retirar a natureza de caducidade do direito à acção referida no artigo 284º do CC e regime do seu exercício, tal como referenciado, a partir do n.º 2 do artigo 291º do CC, porquanto ali (284º), em lado algum se fala ou prevê algum direito que deva ser exercido dentro de certo prazo.
Depois, nunca poderia o Mmo Juiz a quo ter declarado a caducidade do direito - mesmo a entender-se, por mera hipótese abstracta que com isso teve em mente a inoponibilidade e já não a caducidade -, por inexistência ou falta de comprovação da totalidade dos respectivos pressupostos, ao momento da prolação da sentença, isto é, inexistindo matéria insuficiente para aquilatar de eventual usucapião, não poderia haver tal pronúncia, pois que a inoponibilidade de que a norma fala é da declaração de nulidade e não já a da declaração de usucapião, forma primeira e soberana de aquisição da propriedade.
Por último, não podia o Mmo Juiz a quo conhecer oficiosamente de tal excepção, a existir caducidade, por não deixar ela de se configurar como matéria não excluída da disponibilidade das partes - sendo por demais evidente que não emerge aqui um interesse que se não reconduza à mera disputa sobre a propriedade privada sobre determinada coisa - e, portanto, não podendo ser suprida de ofício, ex vi artigo 325º, n.º 2 e 296º do CC.
3. Em face do exposto não se deixará de julgar igualmente procedente o recurso nessa parte e acolher as razões expendidas quanto à impossibilidade de se julgar caduco o direito à acção de nulidade.
IV - DECISÃO
Razões por que a decisão proferida deve igualmente nessa parte ser revogada, revogação esta que não deixa de ser consumida pelo julgamento do processado em conformidade com o anteriormente decidido.
No mais se mantém o decidido.
Notifique e subam os autos ao Venerando TUI, oportunamente, conforme determinado.
Macau, 24 de Janeiro de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
977/2009/A 1/10