Proc. nº 870/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Janeiro de 2013
Descritores:
-Contribuição Predial Urbana
-Impugnação administrativa
-Efeito devolutivo
-Liquidação adicional
SUMÁRIO:
I - O art. 2º, nº3, da Lei nº 12/2003, de 11/08 (diploma que altera o Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos) mostra-se inaplicável à impugnação administrativa deduzida no âmbito do Regulamento da Contribuição Predial Urbana aprovado pela Lei nº 19/78/M, de 12/08, se este diploma especial, sobre o assunto, apresenta normas específicas com diferente estatuição.
II - Se a Administração informa, ainda erradamente, que de determinado acto cabe reclamação ou recurso hierárquico necessários, nem por isso tais formas de impugnação se devem ter por necessárias à obtenção de um acto definitivo, se a lei expressamente disser que tais actos são definitivos e que as referidas formas de impugnação administrativa apenas têm efeito meramente devolutivo (portanto, não suspensivo).
III - A “liquidação adicional” é complemento da “liquidação primária”. Efectuada aquela, com base em novos elementos de que a Administração tenha tomado conhecimento posteriormente à primária, dela será notificado o contribuinte para proceder ao respectivo pagamento.
Proc. nº 870/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
B, com os demais sinais dos autos, deduziu no T.A. oposição à execução fiscal que contra si foi instaurada para cobrança coerciva de contribuição predial urbana no valor total de Mop$1.095,253,00, referente ao prédio urbano que identificou na respectiva petição inicial.
Nesse articulado suscitou a inexequibilidade dos títulos executivos baseada em dois fundamentos: 1º - O efeito suspensivo resultante da reclamação graciosa que oportunamente deduziu; 2º - A falta de notificação dos actos de liquidação adicional.
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O Tribunal Administrativo, porém, por sentença de 29/06/2012, julgou improcedente a oposição.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, tendo o recorrente formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A Sentença recorrida padece de errada interpretação e aplicação da lei fiscal, no que respeita às vias de impugnação dos actos referidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 e aos efeitos da alteração operada por essa lei nesta matéria, derrogando as regras do Capitulo VIII do RCPU.
2. A apresentação de reclamação e de recurso hierárquico necessário, ao abrigo dos nºs 2 e 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, suspende os efeitos do acto impugnado.
3. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, os actos de liquidação da CPU eram susceptíveis de recurso contencioso imediato, de acordo com o artigo 121.º do RCPU.
4. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, a reclamação para o chefe da Repartição de Finanças de Macau e o recurso hierárquico facultativo, tinham efeito meramente devolutivo e não interrompiam o prazo do recurso contencioso.
5. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, esta regra era comum a todos os Regulamentos Fiscais, com excepção do procedimento especial de impugnação da matéria colectável cuja competência se encontra atribuída às Comissões de Revisão.
6. Da Lei n.º 12/2003 resulta que os actos discriminados no n.º 1 do artigo 2.º não são contenciosamente recorríveis, passando a estar sujeitos a impugnação administrativa necessária (reclamação e recurso hierárquico necessário).
7. Estas regras são complementadas com os artigos 150.º, n.º 1 e 157.º, n.º1 do CPA, sob pena de antinomia insanável entre o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 e os artigos 116.º, 117.º, 120.º, 121.º e 124.º n.º 2, todos do RCPU.
8. A suspensão da eficácia dos actos de liquidação adicional foi expressamente afirmada pelo recorrente na reclamação administrativa que apresentou, sem que a administração fiscal emitisse pronúncia em sentido inverso.
9. A Sentença recorrida padece de errada interpretação e aplicação da lei fiscal, no que respeita à notificação da liquidação adicional a que se reporta o artigo 97.º do RCPU.
10. A notificação da liquidação adicional tem de obedecer ao preceituado no artigo 70.º do CPA.
11. A administração fiscal carece de fundamento legal para remeter um simples aviso para pagamento da colecta resultante de uma liquidação adicional.
12. O acto de liquidação adicional não é alheio à fixação do rendimento colectável dos prédios urbanos, sendo subsequente a uma alteração do rendimento colectável da iniciativa da administração fiscal, estando sujeita à aplicação da regra do n.º 3 do artigo 24.º do RCPU.
13. O relaxe de quantias resultantes de liquidação adicional de CPU sem a notificação desse acto ao contribuinte traduz uma execução jurídica e material de acto ineficaz.
14. A fixação do rendimento nos prazos normais é apurada de acordo com os valores constantes da matriz à data do último encerramento, sabendo o contribuinte antecipadamente qual o montante do rendimento colectável sobre o qual vai incidir a liquidação.
15. Quando a fixação do rendimento ocorre nos prazos normais o contribuinte acompanha todo o procedimento de fixação do rendimento colectável.
16. Quando a fixação do rendimento é feita fora do período normal do lançamento da CPU, independentemente do motivo que conduziu à fixação tardia desse rendimento, esse acto tem de ser notificado ao contribuinte.
17. Quando a fixação do rendimento é feita fora do período normal do lançamento da CPU o contribuinte não dispõe de nenhum elemento que lhe permita tomar conhecimento do rendimento sobre o qual vai incidir a taxa respectiva.
18. Quando a fixação do rendimento é feita fora do período normal do lançamento da CPU o contribuinte só toma conhecimento desse facto se lhe for dado conhecimento pela administração fiscal, mediante notificação.
19. As liquidações adicionais que sustentam os títulos executivos resultam da fixação de um rendimento colectável diverso do anteriormente apurado.
20. As liquidações adicionais que sustentam os títulos executivos são actos administrativos que condicionam o valor do imposto a pagar pelo contribuinte, produzindo efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e sujeitos a notificação nos termos do n.º 3 do artigo 24.º do RCPU, conjugado com os artigos 68.º e 70.º do CPA.
21. A Decisão recorrida admite a prolação de um acto de liquidação adicional sem que esse acto seja notificado de acordo com a regra do artigo 24.º do RCPU, consubstanciando uma errada interpretação e aplicação dessa norma e do 97.º do RCPU.
22. O artigo 97.º do RCPU impõe à administração fiscal a notificação do contribuinte, comunicação que tem de obedecer ao artigo 68.º do CPA, porque a liquidação adicional agrava a sua situação patrimonial, devendo conter os elementos previstos no artigo 70.º daquele Código.
23. O aviso para pagamento não permite ao contribuinte saber quem é o autor do acto, qual a data dessa decisão, qual a matéria colectável fixada pela Administração Fiscal e quais os critérios ou elementos que conduziram a esse apuramento.
24. O recorrente não foi notificado do acto de liquidação adicional, tendo a administração fiscal procedido à execução jurídica e material de acto ineficaz quando determinou o relaxe dessas quantias.
25. Os títulos executivos são inexequíveis porque padecem da falta de um requisito substancial, i.e., a exigibilidade da dívida.
Nestes termos, deve a Sentença do Tribunal Administrativo de 29 de Junho de 2012 ser revogada, tudo com as legais consequências”.
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, concluindo as suas alegações da seguinte maneira:
“A. O n.º 1 do artigo 97.º do RCPU estabelece que “Na liquidação adicional … e em todos os demais casos em que a contribuição predial seja liquidada fora dos prazos usuais, o contribuinte será notificado através de aviso sob registo postal, até ao dia 10 de mês seguinte ao da ocorrência, para no prazo de 20 dias pagar o correspondente imposto.”
B. O recorrente pretende valer-se do n.º 3 do artigo 24.º do RCPU cuja notificação é prevista para as situações em que não obstante os rendimentos sejam apurados após 28 de Fevereiro (do respectivo ano de cobrança) ainda assim é possível a cobrança da contribuição dentro do período determinado e consequentemente, o procedimento tributário completo no ano económico em causa.
C. Apenas no ano de 2011 teve a Administração Fiscal conhecimento da existência de um contrato de arrendamento do prédio de que o recorrente é proprietário.
D. Foi o recorrente notificado ao abrigo do n.º 1 do artigo 97.º do RCPU sendo que às notificações ou avisos fiscais é aplicável o D.L. n.º 16/84/M, de 24 de Março.
E. Decorrido o prazo de cobrança voluntária e sem ter sido efectuado o pagamento da contribuição predial liquidada mais os juros de mora e 3% de dívidas a dívida torna-se coercivamente exigível pelo que, inexiste inexequibilidade do título.
F. O recorrente apresentou reclamação da liquidação adicional nos termos do artigo 116.º do RCPU e do previsto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003.
G. Aquela reclamação não tem efeito suspensivo por ser a própria lei especial (RCPU) a vedar o efeito suspensivo e prever o efeito devolutivo da reclamação.
H. E conforme a Decisão ora recorrida “O artigo 120º do RCPU prevalece sobre o 150º do CPA por duas razões. Primeiro, o CPA, sendo diploma aprovado por um Decreto-Lei, hierarquicamente inferior a Lei (...) não pode derrogar o 120º do RCPU que vem aprovado por uma Lei. Segundo, ao abrigo da máxima legal de que lexis specialis derogat legi generali, não é de aplicar a norma geral do artigo 150º do CPA ao caso presente que é tratado especialmente no artigo 120º do RCPU.”
Face ao exposto, requer-se a V. Exa. se digne considerar totalmente improcedente o recurso ora deduzido pela executada mantendo-se a sentença recorrida e devendo a presente execução fiscal seguir os seus ulteriores termos até final”.
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O digno Magistrado do MP, acolhendo embora o sentido da sentença no que se refere aos efeitos da reclamação graciosa, pronunciou-se favoravelmente à procedência do recurso no que concerne à falta de notificação e à consequente ineficácia do acto por essa razão.
Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1) Em Agosto de 2011, o oponente recepcionou 4 notificações para pagamento da contribuição predial urbana por referência ao prédio urbano sito em Macau, na Avenida do ......, n.º …, …, …, Edifício ...... Garden, inscrito na matriz sob o n.º 71262-RC-BRC, referente aos anos económicos de 2007 a 2010 (fls. 35 a 38 dos autos).
2) Em 19/09/2011, o oponente apresentou reclamação dirigida à Directora dos Serviços de Finanças, de acordo com a faculdade prevista no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 (fls. 19 a 27 dos autos).
3) Em 05/12/2011, a DSF passou a certidão de relaxe n.º 2011-03-901145, no valor de MOP$266.509,00, que se incide sobre a contribuição predial urbana acima referida, referente ao ano 2007 (fls. 2 do processo n.º 2511-03-901145-00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4) Ao mesmo dia, a DSF passou a certidão de relaxe n.º 2011-03-901161, no valor de MOP$290.737,00, que se incide sobre a contribuição predial urbana acima referida, referente ao ano 2008 (fls. 2 do processo n.º 2011-03-901161-00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5) Ao mesmo dia, a DSF passou a certidão de relaxe n.º 2011-03-901194, no valor de MOP$333.859,00, que se incide sobre a contribuição predial urbana acima referida, referente ao ano 2009 (fls. 2 do processo n.º 1011-03-901194-00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6) Ao mesmo dia, a DSF passou a certidão de relaxe n.º 2011-03-901254, no valor de MOP$204.148,00, que se incide sobre a contribuição predial urbana acima referida, referente ao ano 2010 (fls. 2 do processo n.º 2011-03-901254-00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7) Em 19/02/2012, a DSF citou pessoalmente o oponente para pagar a quantia exequenda no valor total de MOP$1.095.253,00, que se incide sobre a contribuição predial urbana dos anos de 2007 a 2010 (fls. 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8) Em 28/02/2012, o oponente deduziu a presente oposição à execução fiscal.
Acrescenta-se, por haver elementos dos autos que o revelem, ainda mais o seguinte:
- Após a notificação aludida em a) supra, em 19/09/2011 o recorrente apresentou reclamação junto da Directora dos Serviços de Finanças, ao abrigo do art. 116º, nº2, do Regulamento da Contribuição Predial Urbana aprovado pela Lei nº 19/78/M, conjugado com o art. 2º da Lei nº 12/2003 (fls. 19).
- Sobre esta reclamação recaiu despacho de indeferimento da Directora dos Serviços de Finanças, que ao recorrente foi comunicado através do ofício nº 70/NCP/DISR/RFM/2012, de 20/02/2012 (fls. 31-33).
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III- O Direito
1 – Do efeito suspensivo da reclamação
As certidões de relaxe emitidas decorrem de uma alegada falta de pagamento, no período de cobrança voluntária, da Contribuição Predial Urbana relativa a um determinado prédio urbano referente aos anos económicos de 2007 a 2010.
E versando a contribuição em causa sobre prédio urbano não arrendado, o recorrente fora inicialmente tributado sobre o valor locativo (ver arts. 25º e 26º do RCPU: Regulamento da Contribuição Predial Urbana, aprovado pela Lei nº 19/78/M, de 12/08).
No entanto, a Administração Fiscal tomou posteriormente conhecimento (no ano de 2011) de que a dita fracção havia sido dada de arrendamento para comércio a “Joalharia e Relojoaria XX” mediante as rendas de HK$ 138.000,00 (entre 1/02/2007 e 31/01/2009) e de HK$ 160.000,00 (de 1/02/2009 a 31/01/2012).
E por assim ser, a Administração Fiscal, nos termos do art. 90º do RCPU1 procedeu a liquidação adicional tendo por base o contrato de arrendamento, de cuja cópia o arrendatário fez entrega juntamente com a declaração de rendimento M/1, para efeito de Imposto Complementar de Rendimento.
O recorrente considera, em primeiro lugar, que os títulos executivos não dispõem da necessária exequibilidade para servirem de base à execução. E isto por, desde logo, ter apresentado reclamação graciosa com efeito suspensivo, e de cuja decisão deduzira recurso hierárquico necessário.
Para o ora recorrente, a dedução da referida reclamação ao abrigo do art. 2º da Lei nº 12/2003, de 11/08 (diploma que altera o Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos) teria por consequência suspender os efeitos do acto ao abrigo do art. 150º do CPA, já que “os actos a que se reportam as notificações para pagamento voluntário daquela contribuição não eram susceptíveis de impugnação contenciosa imediata, atenta a regra do nº2, do art. 2º da Lei nº 12/2003” (sic).
Vejamos o que dispõe o artigo em apreço.
Artigo 2.º
Competências em matéria fiscal
1. As competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontram atribuídas ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.
2. O director dos Serviços de Finanças é a entidade competente para apreciar das reclamações de actos administrativos praticados no âmbito das competências referidas no número anterior, com excepção das que se refiram à impugnação da fixação da matéria colectável quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão, caso em que a competência se mantém nessas Comissões.
3. Da decisão do director dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
Colhe-se directamente da transcrição acima efectuada que o nº2 do art. 12º da Lei nº 12/2003 não dá a menor cobertura à tese do recorrente. Efectivamente, naquele normativo não é dito que dos actos de liquidação cabe reclamação para o autor do acto.
E por outro lado, todo o artigo está subjugado ao âmbito definido no nº1, onde se cometem ao Director dos Serviços de Finanças aquelas que até então eram as “competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades…”. Nada mais do que isso; apenas as competências referentes a penalidades! Por conseguinte, sem norma extensiva, não pode ser extrapolado para quaisquer outros poderes funcionais aquilo que o preceito restringiu a determinada esfera de acção. E porque nos parece que desta baliza não podemos sair, assim também as consequências se revelam logo mais do que evidentes:
a) O Director dos Serviços de Finanças só é competente para apreciar as reclamações de decisões tomadas no âmbito da competência exercida para aplicação das referidas penalidades (nº2);
b) A decisão do Director do Serviço de Finanças, de que o nº3 diz caber recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo, só pode ser aquela que recaia sobre o campo da actividade definida no nº1.
Ora, manifestamente nada disto se assemelha ao caso em apreço, pois não se trata aqui de nenhuma penalidade imposta ao recorrente, mas sim e apenas de uma liquidação adicional de contribuição predial urbana.
Por este singelo quadro legal se vê que o recorrente não se pode valer daquele dispositivo para sustentar a sua posição, sendo necessário indagar no diploma apropriado ao caso (O RCPU) se alguma disposição lhe presta outro mais conveniente socorro.
E numa rápida busca, no capítulo VIII, dedicado às “Reclamações e Recursos”, imediatamente sem esforço nos deparamos com três ou quatro disposições com pertinência suficiente para dar resposta ao anseio do recorrente, mesmo que contra a sua tese.
Uma delas consta do art. 115º, que afirma que “Todo aquele que se considere lesado por decisões ou actos praticados pelos funcionários das Repartições de Finanças, no exercício das funções que lhes são cometidas por este regulamento, pode solicitar, em reclamação graciosa, a modificação ou a revogação de tais decisões ou actos”.
Outra decorre do art. 116º, segundo o qual, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento ou da notificação da decisão ou acto (nº2), o interessado pode apresentar “… reclamação graciosa …para o chefe da respectiva Repartição de Finanças, por meio de petição em papel selado, com a assinatura do reclamante notarialmente reconhecida” (nº1).
Uma terceira (art. 117º, nº1; ver sobre a designação da entidade competente nº4, do Anexo IV à Lei de Reunificação ou Lei nº 1/1999) esclarece-nos que da decisão da reclamação cabe recurso para o Chefe do Executivo.
A quarta consta do art. 120º, que apresenta o seguinte texto:
Artigo 120.º
(Efeitos da reclamação ou do recurso)
A reclamação graciosa, o recurso hierárquico, a reclamação das matrizes e a impugnação da fixação do rendimento colectável, têm efeito meramente devolutivo.
Estes são os normativos com aplicação directa a esta situação, não sendo necessário, nem possível, apelar a outro qualquer diploma, até pela especificidade da sua incidência tributária. E deles se pode apreender facilmente que da decisão tomada em sede de “reclamação graciosa” caberia “recurso hierárquico”, ambas impugnações administrativas com efeitos meramente devolutivos.
Sendo assim, nenhum apelo se mostra necessário ao CPA. Estamos em presença de um diploma especial que, não só afasta a aplicação do 2º da Lei nº 12/2003, como prevalece sobre o CPA e o regime nele estabelecido a propósito dos efeitos das impugnações administrativas. Ou seja, nenhum daqueles meios de impugnação administrativa de que o recorrente se serviu confere efeito suspensivo à decisão impugnada, a qual, por isso mesmo, podia ser dada imediatamente à execução.
Logo, o art. 2º, nº3, da Lei nº 12/2003, de 11/08 mostra-se inaplicável à impugnação administrativa deduzida no âmbito do Regulamento da Contribuição Predial Urbana aprovado pela Lei nº 19/78/M, de 12/08, se este diploma especial, sobre o assunto, apresenta normas específicas com diferente estatuição.
E nem releva, sequer, a circunstância de a notificação efectuada ao recorrente da decisão tomada sobre a reclamação ter feito menção de que dela cabia recurso hierárquico necessário nos termos do nº3, do art. 2º da Lei nº 12/2003, de 11 de Agosto. Trata-se de uma informação errada que não pode alterar o regime peremptório em matéria de impugnação dos actos administrativos em matéria fiscal2. Se a Administração informa, erradamente, que de determinado acto cabe reclamação ou recurso hierárquico necessários, nem por isso tais formas de impugnação se devem ter por necessárias à obtenção de um acto definitivo, se a lei expressamente disser que tais actos já são definitivos e que as referidas formas de impugnação administrativa apenas têm efeito meramente devolutivo (portanto, não suspensivo).
Acresce até dizer que, noutro ponto dessa mesma notificação, foi expressamente transmitido ao interessado o conhecimento de que o recurso hierárquico a apresentar seria também fundado na al. a), do art. 6º da Lei nº 15/96/M, de 12/08 (que procede à clarificação de alguns aspectos em matéria fiscal”). Ora, este diploma começa no art. 1º, al. a), por dizer que “ São equiparados a actos administrativos definitivos e executórios, para efeitos de impugnação administrativa nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais, quaisquer actos ou vias de facto praticados pela Administração em matéria fiscal que tenham por efeito (…) manifestar uma decisão sobre quaisquer pretensões formuladas pelos contribuintes” (bold nosso). Ou seja, quaisquer decisões tomadas pela Administração Fiscal sobre pretensões dos contribuintes são equiparadas a actos definitivos e executórios para efeito de impugnação administrativa. E é, aliás, na mesma linha que o art. 5º do mesmo diploma se nos revela ao consignar que “Salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos para o Governador, nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais”. Portanto, se nem sequer o recurso hierárquico interposto tinha natureza necessária, exposta fica a fraqueza da argumentação do recorrente em demonstrar a invocada falta de exequibilidade.
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2- Da inexequibilidade
O recorrente esforça-se, por outro lado, por convencer o tribunal da “inexequibilidade dos títulos executivos” com base na “falta de notificação dos actos de liquidação adicional”, o que para si constituiria violação do art. 24º, nº3 do Regulamento da Contribuição Predial Urbana.
Este artigo dispõe o seguinte:
Artigo 24.º
(Fixação do rendimento colectável)
1. A fixação do rendimento colectável é da competência do chefe da Repartição ou Delegação de Finanças do Conselho em que se situem os prédios.
2. O apuramento do rendimento colectável de prédios, total ou parcialmente arrendados, deve ficar concluído até 28 de Fevereiro.
3. Os rendimentos colectáveis que, por qualquer motivo, não sejam apurados até 28 de Fevereiro, devem ser notificados ao contribuinte no prazo de 5 dias a contar da sua fixação, através de aviso sob registo postal.
Ora bem. Em vez de batalhar contra a falta de notificação da liquidação, o que o recorrente pretende discutir é a falta de notificação da fixação do rendimento colectável. Mas, se assim é, foge-lhe a razão.
Na verdade, o rendimento colectável fora fixado oportunamente nos termos dos arts. 83º e sgs. do RCPU, na sequência do que o recorrente efectuou o pagamento das contribuições respeitantes aos anos de 2007 a 2010. O que ao recorrente foi notificado foi o resultado de uma liquidação adicional (“fixação de rendimento” e “liquidação” são coisas distintas) em virtude do tardio conhecimento por parte da Administração (por omissão do próprio recorrente, que da locação não fez participação às Finanças) de que a fracção tinha sido dada de arrendamento.
Pergunta-se então: teria a Administração que efectuar alguma outra notificação em função do “novo” rendimento colectável? Foi violado o nº3, do art. 24º do RCPU?
Em nossa opinião, o art. 24º, nº3 que o recorrente convoca não tem aplicação ao seu caso. Na verdade, todo o preceito parte da ideia de que ainda se está no âmbito de um procedimento de liquidação, diríamos “normal”, assente na declaração do contribuinte, e que como se sabe é plurifaseado, sendo uma das fases, precisamente, a da fixação do rendimento colectável. Ora, o que o art. 24º prevê é, precisamente, a fase da determinação desse rendimento colectável, o qual, se em princípio deve estar apurado até 28/02 de cada ano (nº2), por outro qualquer motivo pode vir a ser “apurado” posteriormente, devendo então ser notificado ao contribuinte no prazo de 5 dias a contar da data da sua fixação (nº3). Portanto, o que este nº3 traz de novo não é a necessidade de notificação; o que ele ilumina é o prazo dentro do qual a notificação deve ser feita.
O art. 24º trata, pois, da “fixação do rendimento colectável”, isto é, da fase em que se efectua o cálculo do rendimento sobre o qual haverá de incidir o imposto a pagar. Isso, porém, já havia sido feito inicialmente neste caso concreto. Portanto, mostra-se inócuo o apelo a este dispositivo legal para dar cobertura à tese do recorrente.
A liquidação adicional continua a ter por objecto os rendimentos do mesmo período a que se reporta a liquidação primária, que assim mesmo não é revogada, nem substituída, mas simplesmente desta é complemento3. É esse, aliás, o fundamento da liquidação adicional: “A Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei”4.
Assim, não se tornava necessário proceder a nova fixação do rendimento colectável, nem consequentemente à sua notificação, mas simplesmente apurar o valor do imposto (acto de liquidação) face a estes novos elementos obtidos a partir do seu conhecimento oficioso5.
Esse apuramento foi feito e dele o recorrente foi notificado (fls. 35 a 38 dos autos), a fim de proceder ao pagamento no prazo de 20 dias, sob pena de relaxe. Tal é o que emana dos autos e o que o próprio recorrente confessa. O recorrente só não procedeu ao pagamento, por ter apresentado reclamação e recurso hierárquico em reacção à dita liquidação adicional (fls. 19 a 27), que como vimos não podiam ter o efeito suspensivo que o recorrente pensou que tivessem.
Pelo que acaba de ser dito, tendo a Administração acatado correctamente o preceituado no art. 97º do RCPU - que, sem necessidade de socorro do CPA, manda apenas notificar o contribuinte para pagar o correspondente imposto derivado da liquidação adicional - também o argumento lançado pelo recorrente a propósito da inexequibilidade tem que claudicar. E por ser assim, andou bem o tribunal “a quo” em decidir pela improcedência da oposição.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando e mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 24 / 01 / 2013
Presente José Cândido de Pinho Vítor Manuel Carvalho Coelho (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Choi Mou Pan (Segundo Juiz-Adjunto)
1 O teor do artigo é o seguinte:
Artigo 90.º
(Erros ou omissões)
1. Verificando-se que na liquidação houve omissões ou que se cometeram erros de facto ou de direito, de que resultaram prejuízos para a Região Administrativa Especial de Macau ou para o contribuinte, a Repartição de Finanças de Macau deve repará-los mediante liquidação adicional ou anulação das respectivas importâncias.
2. Não se procede a qualquer anulação, restituição ou liquidação, ainda que adicional, quando o seu quantitativo for inferior a 50 patacas.
2 Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, I, ed. 2011, pag. 361 e 362
3 Jorge de Sousa, ob. cit., pag. 509.
4 Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pag.127.
5 Em Portugal, a necessidade de notificação para efeito do exercício geral do direito de participação em audição, está previsto no art. 60º da Lei Geral Tributária. Assim está definido também, por exemplo, no art. 66º e 68º do CIRS e no art. 38º do CPPT.
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