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Processo nº 16/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 31 de Janeiro de 2013

ASSUNTO:
- Suspensão das deliberações sociais.
- Artigo 247º, nº1 do C.Com.
- Quorum deliberativo

SUMÁRIO :
- O nº 1 do artº 247º do C. Com. não tem o carácter imperativo, podendo ser afastado pelos estatutos da sociedade.
- Apesar de os estatutos da Sociedade requerida não prever expressamente uma maioria qualificada de 75% para aprovar deliberação de propor a acção de responsabilidade contra administrador, tal maioria qualificada resultava “da filosofia interna dos estatutos” e da vontade das partes ao estipular no nº 2 do artº 18º dos Estatutos que as deliberações relativas à nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais só se consideram aprovadas se reunirem votos favoráveis correspondentes a pelos menos três quartas partes do capital social.
- Assim sendo, e uma vez que a deliberação em causa conduz, como consequência ex lege imediata (nº 2 do artº 247º do C. Com.), à destituição dos administradores visados, a sua aprovação deveria obedecer a mesma regra de maioria.
- É de suspender a eficácia das deliberações sociais que violam o quórum deliberativo estatutário e cuja execução pode causar prejuízos relevantes à sócia requerente da providência cautelar.
O Relator,



















Processo nº 16/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 31 de Janeiro de 2013
Recorrente: A Grupo de Entretenimento Limitida (Requerente)
Recorrida: Sociedade de Investimento Imobiliário B, S.A.R.L. (Requerida)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por petição de 10/11/2009, A Grupo de Entretenimento Limitada requereu a suspensão de todas as deliberações sociais da Sociedade de Investimento Imobiliário B SARL, tomadas na assembleia geral de 05/11/2009.
Por sentença de 08/06/2012, julgou-se parcialmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência, determinou-se a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da Requerida, em 05/11/2009, de ratificar o processado em processos judiciais ou outros em que a Requerida seja parte e de nomear representante especial da Requerida para executar tal deliberação.
Dessa decisão vem recorrer a Requerente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. A convocatória, na parte relativa ao ponto a) da ordem de trabalhos, viola ao disposto no art. 222°/1-d) do CCom por "menção especificada", uma vez que não contém referência indicativa de quais os factos que fundamentam a proposta de acção de responsabilidade, sendo a convocatória si nula, nos termos do art. 287°, do CC, e a deliberação respectiva anulável, nos termos do art. 229°/1-a), do CCom.
B. A deliberação de accionar os administradores, com a consequente destituição dos mesmos, aprovada por maioria inferior a 75% do capital social, é inexistente, por violação do art. 225°, nº 1, do CCom., ou, assim não se entendendo, é nula nos termos do art. 228° do CCom..
C. Resulta da interpretação dos estatutos da Requerida, particularmente do artigo 18°, que a maioria necessária para aprovar deliberação de accionar os administradores, com a consequente destituição, é de 75% do capital social.
D. O art. 247º, nº 1, do CCom não constitui uma norma imperativa.
E. O art. 247° tem de ser interpretado em vista dos arts. 225°, nº 1, e 453°, nº 1, do CCom, devendo aquele ceder perante estes.
F. A deliberação a que o art. 247° (nºs 1 e 2) se refere tem dois efeitos jurídicos devendo ser interpretada valorando ambos os efeitos (e não só um deles), tendo particularmente em atenção o disposto no art. 248°.
G. No sentido preconizado supra, pronunciaram-se o TJB e o TSI, o que releva, não só em vista do disposto no art. 7°, nº 3, do Cód. Civil, como por incidir sobre deliberações muito similares, da mesma sociedade, em acção com as mesmas partes.
H. A não se entender que a deliberação em causa viola a maioria estatutária, a mesma padeceria de qualquer modo de fraude à lei, pois o fim único e último visado com a aprovação da deliberação era a destituição dos administradores.
I. Ainda que a intenção da sócia que aprovou a deliberação em causa pode ter genuinamente visado os dois efeitos jurídicos de intentar acção de responsabilidade e de destituir os administradores, e não visar somente a sua destituição, haveria de qualquer modo fraude à lei relativamente à finalidade "destituir administradores" (mesmo que não houvesse fraude à lei relativamente à finalidade "accionar administradores").
J. A deliberação que designou um representante especial da sociedade nos termos constantes do ponto b) da ordem de trabalhos, para efeitos da acção de responsabilidade a intentar contra os administradores da Requerida é inexistente ou, assim não se entendendo, nula, por violar a maioria estatutária de 75% do capital social, violando o disposto no art. 225°/1 do CCom..
K. Ficou provado o dano, o qual resulta da própria violação estatutária não necessitando, pois, de ser provado (de acordo com a jurisprudência dominante).
*
A Requerida respondeu à motivação do recurso da Requerente, nos termos constantes a fls. 1369 a 1393 dos autos, a saber:
“....
   I. ÂMBITO DO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE
   O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais requerido pela Recorrente diz respeito às deliberações tomadas na Assembleia Geral da ora Recorrida, em 5 de Novembro de 2009.
   Nos termos da convocatória da Assembleia Geral em causa, publicada no dia 14 de Outubro de 2009 nos jornais Ou Mun e Tribuna de Macau, a ordem de trabalhos era a seguinte:
a) Acção de responsabilidade a intentar pela Sociedade contra os administradores do Conselho de Administração, Srs. C e C, com as legais consequências;
b) Nomeação de representante especial da Sociedade para o exercício do direito à indemnização contra os administradores referidos no ponto anterior;
c) Ratificação do processado em processos judiciais ou outros em que a Sociedade seja parte;
d) Nomeação de representante especial da Sociedade para a execução das deliberações tomadas ao abrigo do ponto anterior;
e) Outros assuntos do interesse da Sociedade.
   Realizada a reunião, foram aprovadas as propostas apresentadas relativamente aos pontos a) a d) da ordem de trabalhos, com os votos favoráveis de 68% do capital social.
   O Tribunal a quo decidiu suspender a eficácia das deliberações identificadas em c) e d), tendo entendido não haver motivos para suspender as deliberações tomadas em a) e b).
   A Recorrente não se conformou com a Decisão recorrida "na parte em que decidiu não suspender parte das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Requerida B SA de 5 de Novembro de 2009", pelo que interpôs o presente recurso, com fundamentos que a Recorrida não pode concordar, como abaixo se verá.
   II. DA ALEGADA FALTA DE MENÇÕES ESPECIFICADAS NA CONVOCATÓRIA
   Entende a Recorrente que a convocatória "não obedece ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 222.º do Ccom, uma vez que não contém referência indicativa de quais os factos que fundamentam a proposta de acção de responsabilidade (ponto a) da ordem de trabalhos)", restringindo, assim, este alegado vício apenas ao ponto a) da ordem de trabalhos.
   No entanto, afigura-se à Recorrida que, como decidiu o Tribunal a quo, a convocatória preenche os requisitos legais, pois contém menção especificada do assunto a tratar na alínea a). Como bem salienta a Sentença recorrida: "menção especificada é a indicação individualizadas do assunto. (...) A convocatória em apreciação esclarece bem os convocados relativamente à espécie dos assuntos para cuja deliberação são chamados. (...) A partir da identificação dos assuntos em espécie já o demais a eles relativo não é do âmbito da convocatória. Será do âmbito do direito à informação."
   Para além disso, seria até constrangedor que uma convocatória publicada em dois jornais de Macau e, como tal acessível ao público em geral, descrevesse pormenorizadamente os assuntos internos da Sociedade e os motivos concretos pelos quais esta pretende intentar uma acção de responsabilidade contra os seus administradores, ali identificados.
   Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a Recorrida que não assiste qualquer razão à Recorrente quando alega vício de forma da convocatória em causa, devendo assim, improceder o argumento por ela defendido para a suspensão da deliberação em causa.
   III. DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO DIREITO À INFORMAÇÃO
   Entendeu a Recorrente que o "Tribunal não considerou provados os factos necessários à verificação dos vícios alegados, pelo que não estão reunidas as condições processuais para sustentar o recurso relativamente a esta questão".
   Ora, não tendo a Recorrente posto em causa a matéria de facto provada no presente recurso e face à posição tomada e acima descrita, transitou, assim, em julgado a decisão sobre a não violação do direito à informação, tal como exposta no último parágrafo da fls. 224v. até fls. 226 da Sentença recorrida, não devendo ser objecto de análise pelo Tribunal ad quem.
   Ainda que assim não se entenda, a Recorrente faz sua a fundamentação da Sentença constante de fls. 224v. a 226, que aqui se dá por reproduzida, pugnando, deste modo, pela sua manutenção.
   IV. DA DELIBERAÇÃO TOMADA SEM A ALEGADA MAIORIA DE VOTOS EXIGÍVEL
   Entendeu a Decisão a quo que, não obstante os Estatutos da Recorrida nada disporem quanto ao quorum necessário à deliberação de intentar acções contra os administradores, "os estatutos da requerida exigem a maioria de 75% para aprovação da deliberação de intentar acções de indemnização contra os administradores."
   Mas, continua, depois, dizendo, a final, sobre este argumento, que "Conclui-se assim que também não procede este fundamento de suspensão, porquanto a estatuição implícita do art. 18º dos estatutos, exigindo uma maioria de 75% para a tomada da deliberação em apreço, contende com norma legal de carácter imperativo, razão por que não pode concluir-se que tal deliberação foi tomada contra os estatutos e que, por isso, está ferida de inexistência jurídica por não ter obtido a maioria necessária à aprovação".
   Quanto a esta questão, entende a Recorrente que o artigo 247.° do Código Comercial (CCom) tem que ser lida em conjunto com o artigo 225.° do mesmo Código e que aquela norma tem dois efeitos jurídicos, sendo o mais relevante para o caso, o de operar a destituição (automática) dos administradores.
   Quanto a este ponto, alega ainda a Recorrente que a norma do 247.° CCom deverá ser ainda lida em conjunção com o artigo 248.° do mesmo diploma, pois que, ambos são meios tendentes a autorizar a acção de responsabilidade contra os administradores, quer pela Sociedade, no 1.º caso, quer por sócios que representem 10% do capital social, no 2.° caso.
   Ora, entende a Recorrida que, salvo melhor entendimento, os argumentos invocados pela Recorrente distorcem totalmente a realidade que o legislador, ao aprovar os referidos preceitos legais, visou acautelar.
   Antes de mais, lê-se no n.º 1 do artigo 225.º do CCom, que: "Em nenhum caso se considera tomada uma deliberação que não tenha sido aprovada pelo número de votos exigido na lei ou nos estatutos". Ora, tal não implica a supletividade da maioria exigida no artigo 247.º desse Código, como alega a Recorrente.
   Antes pelo contrário, confirma a sua imperatividade, pois que aquele artigo determina, antes de mais, que a validade das deliberações depende do número de votos exigidos por lei. Como é evidente, serão apenas válidas as deliberações aprovadas com o número de votos estabelecidos nos Estatutos quando tal número não colida com a maioria (simples ou qualificada) exigida por lei.
   Logo, tal artigo limita-se a permitir que os Estatutos determinem o número de votos necessários à tomada de deliberações que, por lei, não tenham já a maioria (simples ou qualificada) determinada. Isso não significa, obviamente, que essas normas estatutárias prevaleçam sempre sobre o número de votos exigido por determinação legal. O mesmo se diga quanto ao n.º 1 do artigo 453.° do CCom.
   É doutrina pacífica que os Estatutos de qualquer sociedade comercial regulam o seu funcionamento, apenas no âmbito das áreas em que a lei é supletiva. Quando regulem matérias de carácter imperativo legal, tais cláusulas serão consideradas inexistentes se contrárias à lei - o que se verifica com o artigo 18.°, n.º 2 dos Estatutos da ora Recorrida, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
   Do exposto, resulta que a interpretação que a Recorrente faz do artigo 225.° do CCom é, salvo melhor entendimento, incorrecta e dela não se podem retirar as conclusões que a mesma pretende extrair, pois que, se assim fosse, qualquer deliberação tomada de acordo com as maiorias exigidas pelos Estatutos seria válida, sendo as normas de natureza imperativa susceptíveis de ser afastadas por disposições estatutárias - o que, como sabemos, não corresponde à verdade.
   Também é distorcida e moldada a afirmação de que o artigo 247.° do CCom tem de ser visto e analisado tendo em conta o seu segundo efeito jurídico, ou seja, a destituição dos membros da administração.
   O artigo 247.º regula a acção de responsabilidade a propor pela sociedade contra os titulares dos seus órgãos sociais e não o regime da destituição de administradores, como faz crer a Recorrente.
   O alegado efeito secundário da destituição automática dos titulares contra quem se deliberou intentar acção de responsabilidade é apenas uma consequência lógica e necessária de tal deliberação: se cabe à administração representar a sociedade em juízo, caberia então aos administradores visados intentar uma acção de responsabilidade contra si próprios...
   Para além disso, não faria sentido manter administradores em funções, quando a maioria (simples) dos sócios deliberou que os mesmos são responsáveis para com a sociedade. Tal convivência (entre sócios e administradores) não só parece impraticável, como também indesejável do ponto de vista patrimonial, pois que se permitiria a manutenção em funções (e consequentemente, o risco de ocorrência de novos prejuízos) de pessoas cuja responsabilização por danos se pretende efectivar.
   Daí que a lei faça operar, automaticamente, a sua destituição e a nomeação, se necessário, de um representante para o exercício do direito à indemnização.
   Deste modo, é também muito distorcida a afirmação da Recorrente de que a unidade e coerência normativa do sistema implica que haja uma correspondência entre a disposição relativa à destituição de administradores e uma disposição que tem como consequência necessária a destituição de administradores.
   Uma coisa é a livre vontade dos sócios de determinada sociedade quanto às maiorias necessárias para livremente nomear e destituir os titulares de órgãos sociais, como consta no artigo 18.º, n.º 2 dos Estatutos.
   Outra realidade é o regime de responsabilização dos titulares de órgãos sociais pela sua actuação danosa e o direito da sociedade em ser ressarcida pelos danos causados pela actuação ilícita desses titulares, cuja efectivação não pode, nem é, deixada exclusivamente à autonomia dos sócios.
   A unidade normativa do sistema não implica, assim, a correspondência entre esses dois regimes - de simples e livre preenchimento de cargos de órgãos sociais e de responsabilização dos titulares por danos causados no âmbito da sua actuação ilícita -, pois que os interesses e direitos em jogo são completamente diferentes e, como tal, merecem tutela jurídica diversa.
   Por último, é também falacioso o argumento da Recorrente de que o artigo 247.° tem que ser interpretado tendo em vista o segundo efeito (o da destituição automática dos administradores visados), dado que o primeiro efeito jurídico (autorizar a acção de responsabilidade) pode ser também alcançado por via do artigo 248.° do CCom, sem provocar a destituição dos administradores.
   Diz o artigo 248.º que: A acção de responsabilidade a favor da sociedade pode ser proposta por sócio ou sócios de responsabilidade ilimitada ou que detenham uma participação no capital não inferior a 10%" e continua dizendo:
   "se [e apenas se] a sociedade não tiver já intentado a respectiva acção".
   Isto quer dizer que a legitimidade que se confere ao sócio ou sócios de responsabilidade ilimitada ou que detenham uma participação no capital não inferior a 10% para intentar acções contra administradores é subsidiária, pois pressupõe necessariamente que a sociedade, primeira e principal interessada na acção, se tenha pronunciado anteriormente sobre essa possibilidade e que não o tenha feito.
   Tal acção, denominada na doutrina por acção social uti singuli, tem natureza excepcional e subsidiária, não sendo, assim, a regra nem a solução em alternativa à deliberação para intentar acções de responsabilidade contra titulares de órgãos sociais, com a consequente destituição automática dos administradores, como defende a Recorrente.
   Quando aponta para o artigo 248.º como o caminho alternativo, a Recorrente faz dele a regra e não a excepção, para conseguir, ela própria, fugir a um resultado que a lei impõe automaticamente.
   Diz ABÍLIO NETO que: "São três os tipos de acções de indemnização legalmente previstos como garantia da responsabilidade dos administradores para com a sociedade: a) A acção social da sociedade, também conhecida por acção social («uti universi»), que é proposta pela sociedade, depende de deliberação prévia dos sócios, tomada por simples maioria em assembleia geral (...); b) A acção social proposta pelos sócios, conhecida por acção social «uti singuli», que é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser instaurada quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia não ter deliberado nesse sentido, (...)", em anotação ao artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais de Portugal, in Código Comercial, Código das Sociedades Comerciais, Legislação Complementar, Anotados, 15.º Edição, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, Lisboa, pág. 561.
   Face ao exposto, é incorrecta a interpretação conjugada dos artigos 247.° e 248.° do CCom feita pela Recorrente, no sentido de que, permitindo o segundo preceito o mesmo resultado que o primeiro preceito, este não teria, assim, natureza imperativa.
   Aliás, a aplicação do artigo 248.º, não só é excepcional e subsidiária, como levanta questões processuais e práticas de difícil resolução. Se assistisse razão à Recorrente, a alternativa dada significaria sempre que os sócios teriam que intentar uma acção contra administradores, na qual a sociedade teria que ser chamada e representada em juízo, em última análise, por mandatário constituído pelos próprios administradores visados... Tal representaria também uma limitação ao seu direito de ser ressarcida.
   Entende a Recorrida que, salvo o devido respeito, a Recorrente não logrou oferecer qualquer argumento jurídico que contrariasse a fundamentação da Sentença recorrida que concluiu que a norma inserta no artigo 247.° tem natureza imperativa, sendo inexistente qualquer norma estatutária que exija maioria qualificada para a tomada da deliberação de propor acção de responsabilidade de administrador.
   Pelo que, aderindo, na íntegra, aos fundamentos expostos na Decisão a quo, defende-se a imperatividade da maioria simples imposta no n.º 1 do artigo 247.º do CCom, desde logo, pelo seu elemento literal.
   Como bem diz a Decisão recorrida: "O elemento literal não exclui o carácter imperativo da norma e não atribui expressamente carácter supletivo, com seria o caso de referir "na ausência de disposição estatutária em contrário...", como ocorre no art. 344, n.° 1, ou "sem prejuízo de disposição diversa dos estatutos", como ocorre nos arts. 352º, n.° 2, 381°, n.° 1 (...). Assim, o elemento literal da interpretação aponta para o carácter imperativo, uma vez que as normas jurídicas são comandos, são critérios de decisão e, por isso, nada dizendo, são, em princípio insusceptíveis de ser afastadas por vontade dos destinatários".
   Também o elemento sistemático confirma a natureza imperativa de tal norma, já que tal preceito se encontra na parte geral do Código Comercial, logo aplica-se a todo o tipo de sociedades, não havendo nas normas supletivas quanto ao quórum deliberativo para os vários tipos de sociedades qualquer referência à deliberação sobre acções de responsabilidade. Adere-se, dando aqui por reproduzidos, os argumentos invocados a fls. 230 da Decisão recorrida.
   Igualmente o elemento teleológico determina a imperatividade da maioria simples para a deliberação sobre a acção de responsabilidade dos titulares de órgãos sociais.
   Como bem salienta o Tribunal a quo: "quis-se proteger a proibição de exclusão ou limitação da responsabilidade dos administradores. Não basta proibir a cláusula exclusão ou limitação da responsabilidade (art. 246.º, n.º 1), nem restringir a renúncia e a transacção sobre a responsabilidade (n.º 3). É necessário impedir que os efeitos opostos se atingissem através de estatuição sobre o quórum deliberativo inatingível. Crê-se ser essa a mens legis. De outra forma, não se compreenderia que essa menção fosse feita com redacção diferente das demais normas referidas sobre quórum deliberativo".
   Com efeito, se nos termos do artigo 246.º do CCom, é nula a cláusula que exclua ou limite a responsabilidade dos administradores, por maioria de razão terá de ser nula a cláusula que limite a efectivação dessa responsabilidade. De outro modo, estar-se-la a dificultar e a limitar a propositura de uma acção de responsabilidade pela sociedade, com vista ao ressarcimento de danos causados por actuação ilícita de membros da sua administração e, consequentemente, a limitar-se de forma indirecta a responsabilidade dos administradores visados com a deliberação a tomar.
   Para além disso, a solução do artigo 248.º não aponta para a supletividade do artigo 247.°, pois não é alternativa viável, devendo apenas ser o caminho subsidiário e remoto, na medida em que levanta questões práticas e processuais que, como acima ficou dito, poderiam por em causa o direito da sociedade a ser ressarcida.
   A faculdade conferida no referido artigo 248.°, só faz sentido quando a proposta apresentada à Assembleia Geral não reúna a maioria (simples) dos votos dos sócios ou, tendo a Assembleia Geral deliberado propor a acção de responsabilidade, mesma não seja intentada em tempo útil.
   Mais, assumir que o artigo 18.º, n.º 2 se aplicaria a esta situação - e que, em consequência, a deliberação de propor acção de responsabilidade contra administrador só se considera tomada se reunir os votos de 75% do capital social seria aceitar que fosse acordada à partida uma limitação ao direito de indemnização por parte da Sociedade. Tal limitação antecipada teria que ser nula à luz dos princípios gerais de direito, mas também quando analisada à luz do n.º 3 do artigo 246.º que estabelece normas concretas para renúncia ou transacção sobre o direito à indemnização.
   A relevância da deliberação de propor a acção de responsabilidade de administradores e o carácter imperativo da maioria simples estabelecida no n.º 1 do artigo 246.° do CCom em defesa dos interesses e direitos inalienáveis da sociedade, confirma-se ainda pelo disposto no n.º 2 do artigo 220.º do mesmo Código, que determina que "a assembleia geral ordinária pode deliberar sobre a propositura de acções de responsabilidade contra administradores e sobre a destituição daqueles que a assembleia geral considere responsáveis, mesmo quando esta matéria não conste da ordem de trabalhos".
   Face ao exposto, alinha-se com a fundamentação da Sentença recorrida ao defender que a norma do n.º 1 do artigo 247.º do CCom tem natureza imperativa, pelo que os Estatutos não podem, nesta matéria, exigir maiorias qualificadas, sob pena de tais cláusulas serem inexistentes, como é o caso do artigo 18.°, n.º 2 dos Estatutos.
   Ainda quanto a esta questão, não se nega a jurisprudência deste Tribunal constante do Acórdão proferido no processo n.º 332/2009, de 13 de Outubro de 2011. No entanto, é opinião modesta da Recorrida que o entendimento ali defendido teve a sua razão de ser em circunstâncias que ora não se verificam.
   Com efeito, na Assembleia Geral ali em causa, foi deliberado (i) intentar acção de responsabilidade contra administradores da sociedade, e (ii) nomear outros administradores em substituição dos administradores visados na deliberação anterior - o que não aconteceu no caso em apreço.
   Lê-se, no Acórdão em causa que: "O propósito desta deliberação resulta claro em face da sua redacção, devendo ser enquadrado com o segundo ponto da ordem dos trabalhos, onde se fala na nomeação de novos administradores. Ora, tal só seria viável com a destituição dos antigos, ou seja, daqueles que eram visados com as acções do ponto primeiro,",
   Assim, no processo n.º 332/2009 decidiu-se que a deliberação em causa tinha em vista apenas a destituição dos administradores e não a sua responsabilização, razão pela qual entendeu esse Venerando Tribunal que a mesma violava o artigo 18.°, n.º 2 dos Estatutos.
   Acontece que, no caso ora em apreço, não só não foi nomeado qualquer outro administrador para substituir os visados, como ficou também demonstrado que a Recorrida tinha fundamentos para intentar tal acção.
   Isto porque, não só foram apresentadas queixas-crime e acções cíveis contra os membros do Conselho de Administração da ora Recorrida (ver artigo 72.° e 90.° dos factos dados como provados na Sentença recorrida), como consta dos autos de procedimento cautelar uma cópia da acusação proferida pelo Ministério Público contra alguns dos administradores da Recorrida, junta aos autos no dia 14 de Dezembro de 2010 e que diz respeito a factos pelos quais a ora Recorrida quis e quer responsabilizar os administradores em causa, nomeadamente, pelos danos que a deliberação tomada na reunião do Conselho de Administrarão da Recorrida de 4 de Maio de 2009 (tal como consta dos artigos 81.º e 82.° dos factos provados na Decisão recorrida) poderá ter para a vida da Sociedade.
   Conclui-se, neste ponto, como a Sentença recorrida, pugnando-se pela manutenção da mesma, com base no facto de o artigo 18.°, n.º 2 dos Estatutos violar a maioria simples exigida no artigo 247.º do CCom para a deliberação sobre a instauração de acções de responsabilidade de administradores, sendo, nos termos deste artigo, a deliberação objecto destes autos válida, porque tomada com a maioria legalmente exigida.
   V. DA ALEGADA FRAUDE À LEI
   Como bem decidiu o Tribunal a quo na Sentença recorrida, não há qualquer fraude à lei da deliberação tomada quanto à acção de responsabilidade dos administradores em causa.
   Antes de mais, há que contextualizar os factos que a Recorrente aponta como essenciais para concluir pela alegada fraude à lei.
   A Recorrente alega que no artigo 19.º da Decisão recorrida ficou provado que "Esta Composição do Conselho de Administração foi criteriosamente ponderada e decidida, ficando a A Hotel, como accionista maioritária, com dois terços dos votos na Assembleia Geral, e a Requerente, como accionista minoritária, com dois terços dos votos no Conselho de Administração".
   No entanto, esquece que também ficou provado que:
   a) "A designação dos actuais membros da administração foi feita na sequência de um contrato mediante o qual a requerente [aqui Recorrente], seus sócios ou entidades com ela relacionadas se tinham obrigado a adquirir 99,727% do capital social da requerida [aqui Recorrida]" - artigo 68.º da matéria de facto provada;
   b) "Razão pela qual, apontou dois administradores e as deliberações mais relevantes da vida da sociedade tinham que merecer a sua concordância" - artigo 69.º da matéria de facto provada;
   c) "A aquisição das acções pela requerente não se veio a concretizar' - artigo 70.º da matéria de facto provada;
   d) "Ficando apenas com 31,727% das acções da Requerida" - artigo 71.º da matéria de facto provada, remetendo-se ainda para os artigos 74.º a 78.º da matéria de facto provada.
   Logo, não é verdade que as partes tenham acordado que a accionista maioritária ficasse representada no Conselho de Administração apenas por um terço dos seus membros e, em consequência, apenas por um terço dos respectivos votos - tal composição resultou, sim, de um negócio que não se chegou a concretizar e por via do qual a Recorrente passaria a sócia maioritária (só assim se justificando que tivesse dois terços dos votos do Conselho de Administração).
   A Recorrente também se esqueceu de mencionar, entre outros, que ficou provado que "C foi administrador da requerente e, continua a ser o representante dos seus interesses na administração da requerida", e que "Os dois administradores [nomeados pela ora Recorrente] não merecem a confiança do sócio com mais de dois terços do capital social e existe um patente e insanável conflito entre eles e a requerida" - artigos 65.º e 89.º da matéria de facto provada.
   Quanto a esta questão, repete-se que o artigo 247.º do CCom não tem duas finalidades, mas sim uma única, a de responsabilizar os administradores por danos causados à sociedade, que arrasta lógica e consequentemente, por mera operação da lei, a destituição dos visados.
   O fim visado com a deliberação tomada era, e é, o de responsabilizar administra ores por actuações que até já foram alvo de acusação pelo Ministério Público em processo crime.
   A Recorrida lançou mão de um meio legítimo para defender os seus direitos e fê-lo exactamente com esse intuito e não com qualquer outro não permitido por lei ou pelos seus Estatutos.
   Por se concordar na íntegra com a Decisão recorrida, dão-se aqui por reproduzidos os argumentos constantes de fls. 230v. a 234, salientando as seguintes passagens:
   "Dos factos provados não se pode concluir que a A Desenvolvimento Hoteleiro, Limitada, que votou favoravelmente a deliberação em análise, estivesse convicta que nenhum fundamento existe para responsabilizar os administradores por danos causados à requerida, nem que a sua intenção clara e firme de destituição dos administradores visados, seja a sua exclusiva e única intenção."
   "O domínio, a possibilidade de impor a vontade jurídica a outrem, é comum no mundo jurídico e pode ser arrogância ou prepotência no mundo moral. O juízo jurídico de censura, a ilicitude, não é o juízo moral de censura. O desejo das sócias principais da requerida de a dominarem e de se excluírem mutuamente do domínio, designadamente através do afastamento das pessoas que defendem interesses opostos, não merece, por si só, a censura jurídica que é a ilicitude. Já que a ilicitude não decorre de tais fins mediatos, basta que também não decorra dos meios que se sigam. E sendo seguro que a deliberação em apreço visa aqueles fins (de onde não decorre ilicitude), através do afastamento dos administradores C e C, a ilicitude também não decorre dos meios "utilizados"."
   Também assim improcede o argumento da fraude à lei, pugnando-se, mais uma vez, pela manutenção da Decisão recorrida.
   VI. DA AMPLIAÇÃO DO RECURSO
   Precavendo, desde já, a eventualidade de proceder o recurso da Recorrente, o que não se espera, pretende a Recorrida ampliar o âmbito deste, nos termos do n.º 1 do artigo 590.º do CPC, o que faz nos seguintes termos e fundamentos:
   Da alegada maioria de 75% exigida pelos Estatutos para aprovação da deliberação de intentar acções de indemnização contra administradores
   Como ficou dito, o Tribunal a quo decidiu não suspender a deliberação social de intentar acções de responsabilidade por entender que a deliberação é válida por ter sido tomada por uma percentagem de votos superior à maioria simples prevista no artigo 247.º do CCom. No entanto, antes desta decisão, a verdade é que também entendeu que, apesar de não haver cláusula expressa, de devia concluir que os Estatutos da Recorrida exigem maioria de 75% do capital social para aprovação da deliberação de intentar acções de indemnização contra os administradores e que só não se aplicam ao caso porque o artigo 247.° é imperativo.
   Salvo o respeito devido, a Recorrida não concorda com tal interpretação, afigurandose-lhe que, ainda que esse Venerando Tribunal venha decidir que a norma inserta no artigo 247.º do CCom não tem natureza imperativa, o que não se espera, o n.º 2 do artigo 18.º dos Estatutos não se aplica, ainda assim, às deliberações para responsabilização de administradores.
   Ora, como bem consta da Decisão recorrida, dos factos provados resulta que os estatutos não contêm cláusula expressa sobre a matéria e que os mesmos exigem a maioria qualificada de 75% do capital social para a destituição dos membros do conselho de administração."
   Diz ainda que "A única via de saber se os estatutos da requerida "estatuem" a necessidade da maioria qualificada de 75% do capital social para aprovar a deliberação de accionar os administradores é a interpretação de tais estatutos, enquanto negócio jurídico".
   Continua a Sentença recorrida, dizendo que "Da "filosofia" interna dos estatutos parece resultar que qualquer alteração orgânica voluntária deve ter o voto favorável de 75% do capital social".
   Apesar de concordar com tal afirmação, entende a Recorrida que a mesma não se aplica à responsabilização de administradores, no sentido em que a "filosofia" por trás da deliberação de accionar administradores é muito diversa da mera deliberação alteração orgânica voluntária de titulares de órgãos sociais.
   Nomeação, destituição e exoneração de titulares de órgãos sociais é muito diferente da responsabilização de administradores e demanda judicial para ressarcimento de danos sofridos.
   Nesta, o objecto da deliberação é a acção de responsabilidade contra administradores, operando a destituição automática dos administradores visados por via legal - o n.º 2 do citado art. 247.º.
   Nas deliberações a que se refere o n.º 2 do artigo 18.º dos Estatutos, o objecto é "a nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais", pelo que é a vontade dos accionistas (e não a lei), que determina a alteração orgânica da sociedade.
   Pelo que, concluindo, sempre se dirá que o n.º 2 do artigo 18.º dos Estatutos apenas se aplica à alteração orgânica voluntária dos titulares dos órgãos sociais, e não à responsabilização dos mesmos e ressarcimento de danos sofridos pela Sociedade.
   A destituição dos administradores visados por via da deliberação de intentar acção de responsabilidade por mero efeito da lei é uma consequência necessária e lógica da vontade da sociedade de accionar judicialmente os seus administradores.
   Do que se expôs resulta que o n.º 2 da cláusula 18.º dos Estatutos da Recorrida l se aplica, pela sua literalidade e pela sua natureza, às deliberações de intentar acções de responsabilidade contra os seus administradores.
   Logo, ainda que se entenda que o artigo 247.° do CCom não é imperativo, este aplicar-se-ia sempre supletivamente, na medida em que os Estatutos não regulam a matéria em causa.
   Mais, havendo regra supletiva na lei, não haveria que aplicar cláusulas dos próprios Estatutos por analogia.
   Doutro passo,
   As maiorias acordadas entre os sócios na aprovação dos Estatutos das sociedade quanto à composição dos órgãos sociais e a possibilidade de essa questão ficar na autonomia das partes tem a ver com os interesses em jogo. Na lógica das regras acordadas para a composição dos órgãos sociais está o equilíbrio (ou desequilíbrio) dos poderes de cada um dos sócios para "controlar" tais órgãos.
   Muito diverso é o direito da própria sociedade de accionar e ser indemnizada por actuação ilícita dos titulares dos seus órgãos sociais, direito esse que pertence, antes de mais, à sociedade, que sofreu danos com a actuação ilícita dos seus administradores, e não a cada um dos seus sócios.
   A razão de ser do artigo 247.º do CCom é a protecção dos interesses da sociedade e não o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre os sócios na composição dos órgãos da sociedade.
   Ao aprovar os Estatutos, os accionistas da Recorrida não regularam expressamente a deliberação sobre acções de responsabilidade contra os administradores nos Estatutos.
   Também entende a Recorrida que não foi a vontade hipotética dos sócios, a quando da negociação das regras da nomeação e destituição de administradores constantes dos Estatutos, de limitar o direito da sociedade de accionar esses titulares e de ser indemnizada por danos causados pela actuação ilícita dos mesmos, pelo que os ditames da boa fé obrigariam, ainda assim, a aplicar a norma supletiva do CCom e não o artigo 18.º, n.º 2 dos Estatutos, como equaciona a Sentença recorrida na nota de rodapé n.º 13 (fls. 228).
   Sendo que, ainda que os Estatutos da Recorrida contivessem normas relativas à responsabilidade dos titulares dos órgãos sociais, sempre teriam que obedecer às regras imperativas relativas à maioria necessária para aprovação da deliberação de propor a competente acção, bem como às regras de não exclusão ou limitação da responsabilidade dos mesmos (cfr. n.º 1 do art. 247.º, n.º 1 do art. 246.° e n.º 2 do art. 250.º do Ccom).
   Pelo exposto, também por esta razão entende a Recorrida não assistir razão ao Tribunal a quo neste fundamento, pelo que deverá, no caso de procedência do recurso, esse Venerando Tribunal, ainda assim, aplicar subsidiariamente o artigo 247.º do CCom e não o artigo 18.º, n.º 2 dos Estatutos, mantendo, com outros fundamentos, a decisão de não suspender as deliberações melhor identificadas em a) e b) da ordem de trabalhos da convocatória da Assembleia Geral da Recorrida de 5 de Novembro de 2009.
   Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, mantida a douta Decisão recorrida, ou ainda que assim não se entenda, deve ser admitida a ampliação subsidiária do recurso, decidindo-se pela aplicação subsidiária do artigo 247.° do CCom e pela consequente validade das deliberações objecto dos presentes autos, assim se fazendo a devida e habitual...”.
*
A Assistente da Requerida, A Desenvolvimento Hoteleiro, Limitada, também respondeu à motivação do recurso da Requerente, concluíndo pela forma seguinte:
I. Não assiste qualquer razão à Recorrente em nenhum dos fundamentos que aduz ao recurso a que ora se responde.
II. Em relação à alegada falta de menções específicas relativamente o ponto a) da ordem de trabalhos como a própria Recorrente sustenta, citando boa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, e, bem assim tendo em consideração decisões que vêm sendo tomadas por este Tribunal de Segunda Instância, conforme supra melhor exposto nestas alegações, resulta das mesmas e, de resto, da própria lei, nomeadamente do art.º 222.°, n.º 1, alínea d), do CCom, que a convocatória apenas tem de mencionar especificadamente os assuntos a submeter aos sócios, não cabendo na mesma a reprodução da deliberação. nem de todos os elementos necessários à formação do sentido de voto, até porque cabe aos sócios, através dos meios que a lei lhes concede, obter esses elementos.
III. Assim, tendo sido especificado na convocatória em crise que se iria deliberar sobre acções de responsabilidade a intentar pela sociedade contra os administradores Srs. C e D, é perfeitamente claro, para todos os destinatários da mesma, qual o assunto que vai ser discutido e deliberado.
IV. Não cabe na convocatória - destinada a ser publicada em jornais de Macau - a especificação dos motivos ou fundamentos dessas acções a interpor, até para a protecção da sociedade e dos próprios administradores.
V. Pela convocatória, o convocado tem de saber os assuntos concretos para os quais é chamado a deliberar, e isso, conforme deu conta e bem, o Tribunal a quo, na sentença ora recorrida, a convocatória em crise permite saber, sem necessidade de conter os actos danosos que fundam a responsabilidade dos referidos administradores.
VI. Assim, pelo exposto, nada há a apontar à sentença recorrida quanto a esta questão relativa ao ponto a) da ordem de trabalhos, uma vez que não há qualquer violação ao disposto no art.º 222.°, n.º 1, alinea d), do CCom, não padecendo assim a deliberação em causa de qualquer irregularidade, devendo, em consequência, improcederem os vicias arguidos pela Recorrente, por falta de fundamentação.
VII. Quanto deliberação relativa ao ponto a) da ordem de trabalhos, a aqui Assistente não ignora o facto de o Tribunal a quo ter, na fundamentação da decisão que levou a não suspender esta deliberação, ter considerado que da filosofia interna dos estatutos da Recorrida, designadamente do disposto no seu art.º 18.°, n.º 2, parecer resultar que qualquer alteração na sua orgânica voluntária deva ter o voto favorável de 75% do seu capital social, para daí concluir que esses mesmos estatutos exigem tal maioria reforçada para aprovar a deliberação de intentar acções de responsabilidade contra administradores.
VIII. Ora, quanto à primeira conclusão chegada pelo Tribunal a quo, se bem que em nada afecte a decisão final sobre a deliberação em causa, sendo até irrelevante, não pode, porém, a Assistente deixar de manifestar o seu desacordo com tal interpretação do Tribunal a quo, na medida em que não se encontra previsto nos estatutos da Requerida, nem resulta do seu espírito, que as partes pretenderam estabelecer uma maioria para as deliberações de intentar acções contra os seus administradores.
IX. Trata-se de uma lacuna involuntária, ou voluntária uma vez que tal situação se encontra regulada na lei, no art.º 247.º do CCom.
X. E, ainda que a norma fosse supletiva, não havia qualquer razão para que não fosse aplicada pois, nos termos do art.º 231.°, n.º 2, do Código Civil, apenas em casos excepcionais a norma supletiva poderá ceder perante a vontade hipotética, quando seja essa a solução imposta pelos ditames da boa fé, o que manifestamente não é o caso.
XI. O certo é que a deliberação tomada quanto ao ponto a) da ordem de trabalhos não incidiu sobre a destituição dos dois referidos administradores, sendo esta, nos termos do art.º 247.°, n.º 2, do CCom, apenas e só uma consequência ipso iure da deliberação de intentar acções contra os administradores prevista no nº 1 do mesmo artigo, presumindo a lei, iure et de iure, que os administradores que a maioria dos sócios considera terem lesado a sociedade não têm condições para continuar a dirigir a mesma.
XII. O disposto no art.º 18.°, n.º 2, dos estatutos da Recorrida não pode ter a virtualidade de impor, de forma indirecta, uma maioria qualificada de 75% dos votos para validamente ser possível deliberar intentar esse tipo de acções de responsabilidade pois imposição não consta sequer do texto estatutário desse artigo, nem tampouco resulta da própria lei.
XIII. De uma leitura simples do art.º 247.°, n.º 1 do CCom se percebe ser o mesmo claro a dispor que aquilo que aí está em causa é, única e simplesmente, uma deliberação para intentar acções de responsabilidade contra administradores a qual se basta com votos favoravelmente tomados por uma maioria simples de sócios.
XIV. Porém, mesmo que assim não tenha entendido o Tribunal a quo na sentença recorrida, o certo é que, não existem quaisquer dúvidas de que a norma constante do art.º 247.°, n.º 1, do CCom tem, evidentemente, uma natureza imperativa, na medida em que este artigo não ressalva a possibilidade de os estatutos disporem de outra forma, como acontece sempre que a lei entende atribuir ao sócios a liberdade de disporem de forma diferente da que se encontra consagrada na lei.
XV. Daí resulta que, dispondo claramente este artigo que a deliberação sobre acção de responsabilidade a propor pela sociedade é tomada por maioria simples, não pode o mesmo ser afastado pelo disposto no art.° 18.°, n.º 2, dos estatutos da Recorrida, mesmo na interpretação que dele faz o Tribunal a quo.
XVI. Quando o Código Comercial, ao fixar um determinado quorum deliberativo pretende deixar aos sócios a liberdade de disporem de forma diferente nos estatutos, refere-o expressamente, como acontece, por exemplo, nos casos dos art.vs 382.°, 389.°, n.º 2, 453.º, n.º 1 (contrariamente ao que sustenta a Recorrente nas suas alegações) e 3, todos do CCom.
XVII. No caso do art.º 247.°, n.º 1, do CCom, a lei comercial não faz qualquer ressalva pelo que deve entender-se que se trata de uma norma imperativa, a qual, naturalmente, afasta a aplicação do disposto no art.º 18.°, n.º 2, dos estatutos da Recorrida.
XVIII. É esta a unidade e coerência normativa do sistema, e não outra, como defende, erradamente, a Recorrente, e que tem obviamente uma finalidade bem definida, conforme se pode extrair, e bem, da sentença ora recorrida, conforme acima melhor se transcreveu, em sede de alegações.
XIX. De resto, em termos de direito comparado, a imperatividade da maioria simples para a deliberação de acções de responsabilidade contra os administradores não parece suscitar qualquer dúvida na doutrina portuguesa, cuja legislação também consagra a mesma regra (vide art.º 75.°, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais de Portugal).
XX. Como a Recorrida já havia referido, em sede de oposição à providência cautelar que correu termos com o nº CV3-08-0061-CAO-A, e pese embora já ter transitado essa decisão judicial, a verdade é que, para além de ter sido proferida num âmbito meramente cautelar, a simples leitura dessa sentença do Tribunal Judicial de Base, posteriormente confirmada por este Tribunal no acórdão no acórdão no. 332/2009, datado de 13/10/2011, salvo sempre o devido respeito, demonstra a falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito.
XXI. Com efeito, com todo o respeito, as decisões em causa, Iimitaramse a presumir intenções e a fazer juízos de valor relativamente a uma das partes, com base nas alegações da outra, olvidando toda a matéria provada.
XXII. Em ambas as decisões, jamais se analisou ou se explicou, com argumentos lógicos, como faz a sentença ora recorrida, porque é que uma interpretação elou integração dos estatutos deve ou não levar à conclusão de que as deliberações de intentar acções contra administradores estão sujeitas a uma maioria especial e, em caso afirmativo, se tal maioria especial pode ou não ser estabelecida pelos estatutos.
XXIII. Quanto à possibilidade dos sócios poderem, eles próprios, propor a acção de responsabilidade, tal nem sempre é praticável na medida em que a sociedade tem de ser sempre chamada ao processo, como decorre do art.º 248.°, n.º 2, do CCom, pelo que, sendo a sociedade chamada representada pelos seus administradores (precisamente aqueles que são visados), estes, obviamente, privilegiariam em primeiro lugar os seus interesses e não os da sociedade, comprometendo, evidentemente, o resultado dessa acção.
XXIV. Por outro lado, como é unanime, a acção dos sócios é subrogatória, isto é, é interposta pelos sócios, no exercício de um direito da sociedade.
XXV. Assim, sendo acção a intentar pela sociedade um meio previsto na lei e um direito próprio da sociedade, não se vê qual a razão da sociedade ou da maioria dos sócios recorrerem a outros meios que comportam maiores riscos e cuja eficácia seja mais duvidosa.
XXVI. Assim, e atento tudo o exposto quanto a este ponto, concluí-se que a deliberação em causa não padece de qualquer vício que conduza à sua nulidade e muito menos à sua inexistência, conforme erradamente sustenta a Recorrente, razão pela qual deverá a mesma manter-se nos precisos termos em que foi tomada na assembleia geral da Recorrida, conforme decorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
XXVII. No que diz respeito à alegada fraude à lei, ainda no que concerne à matéria constante do supra mencionado ponto a) da ordem de trabalhos, a Recorrente, nas conclusões do seu recurso, não retira nenhuma conclusão da pretensa fraude à lei que Invoca, nao indicando sequer quais a normas jurídicas que entende terem sido violadas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, conforme o impõe o art.º 598.° do epe, pelo que, nos termos do disposto no. 4, deste artigo do epe, deve a Recorrente ser notificada para especificar as mesmas nas suas conclusões, sob pena de não se poder conhecer do seu recurso, quanto a essa parte.
XXVIII. De qualquer forma, e sem prejuízo do supra exposto, em relação este ponto,como refere, e bem, a sentença ora recorrida, fraude à lei consiste na prossecução de um fim (resultado) proibido (ilícito) através de um meio permitido mas estabelecido para alcançar fins imediatos diferentes, operando, portanto, este instituto, apenas em face de fins ou resultados e não em face de simples proibição de meios determinados.
XXIX. Ora, como resulta claramente da matéria dada como provada, nada existe que possa sustentar a tese de que a Assistente não teria razões, mais do que suficientes, para votar favoravelmente que a Recorrida accionasse judicialmente os administradores em questão.
XXX. A deliberação tomada quanto ao ponto a) da ordem de trabalhos não incidiu sobre a destituição dos dois referidos administradores, sendo esta, nos termos do art.º 247.°, n.º 2, do eeom, apenas, e só, uma consequência ipso iure da deliberação de intentar acções contra os estes prevista no no. 1 do mesmo artigo.
XXXI. E sendo uma consequência ipso iure da lei, a destituição desses administradores como é evidente não poderá consubstanciar qualquer fraude à mesma lei se o resultado é aquele que a própria lei impõe, de forma imperativa, como acima melhor se expôs.
XXXII. Acresce que, mesmo tendo sido provados, entre outros, os factos constantes dos art.ºs 44.° e 45.° da fundamentação de facto da sentença em crise, nem assim dos mesmos se poderá extrair pela existência de qualquer fraude à lei com a deliberação aprovada.
XXXIII. Como se refere novamente, e bem, na sentença ora recorrida, visando a fraude à lei o objecto do negócio e não o fim mediato do mesmo ou a sua motivação remota, ocorre fraude à lei, apenas e só, em face do fim imediato proibido.
XXXIV. Ora, no caso dos autos, o objecto da deliberação em análise - intentar acções de deliberação contra dois administradores, a qual provoca, com a sua aprovação, a destituição dos mesmos, por força da lei - não é um resultado proibido, nem o meio escolhido - voto favorável de uma sócia que representa 68% do capital social no sentido de accionar dois dos administradores da Recorrida - revela qualquer ilicitude, tanto mais que nada se provou quanto a este aspecto.
XXXV. Termos em que, novamente, se concluí pela improcedência do alegado pela Recorrente quanto à pretensa existência de fraude à lei pela aprovação da deliberação referente ao ponto a) da ordem de trabalhos da assembleia geral em análise, devendo, em consequência, manter-se a mesma nos precisos termos em que foi tomada, conforme decorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual não merece nenhum reparo.
XXXVI. Quanto à matéria relativa ao ponto b) da ordem de trabalhos em análise, como resulta claramente da art.º 247.°, n.º 2 do CCom, esta norma não exige qualquer maioria qualificada para a nomeação do representante especial a quem incumbirá intentar a acção de responsabilidade aprovada no ponto a) da mesma assembleia.
XXXVII. As regras que impõem maiorias qualificadas, como regras excepcionais que são e que impedem o livre funcionamento da sociedade, devem limitar-se às hipóteses que elas próprias prevêem, i. e., não devem ser objecto de aplicação analógica.
XXXVIII. Foi este o sentido do decidido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida a qual não merece qualquer reparo, novamente.
XXXIX. Como está bem de ver, por tudo o exposto, sendo válidas todas as deliberações em análise neste recurso e acima melhor expostas, é óbvio que não está preenchido, desde logo, o primeiro requisito essencial para a decretação de uma providência que é a probabilidade séria da existência do direito - fummus boni iuris - conforme estipula o art.º 332.°, n.º 1, do CPC,
XL. Pelo que, como resulta da própria sentença recorrida, quase nem valeria a pena ponderar a hipótese de perículum in mora, i.e., dos danos que para a Recorrente possam resultar da execução das deliberações tomadas e que a providência intentada visa evitar, nos termos do art.º 232.°, n.º 3, do CCom e dos art.ºs 326.°, n.º 1, e 332.°, n.º 1, ambos do CPC.
XLI. De qualquer forma, sempre se dirá que da execução das deliberações em crise neste recurso nenhum dano resulta ou poderá resultar para a Recorrente ou mesmo para a Recorrida.
XLII. Prova evidente do referido é o facto de a Recorrente não ter conseguido provar um único dano relevante resultante da execução das deliberações tomadas.
XLIII. Com efeito, e como acima melhor se expôs, se as deliberações em análise neste recurso foram tomadas no cumprimento de lei comercial imperativa, é óbvio que não que podem ter sido tomadas contra qualquer quorum estatutário existente da Recorrida, de onde resulta que jamais poderão existir quaisquer danos com a execução das deliberações aprovadas.
XLIV. Na apreciação dos danos, não basta uma mera conjectura ou probabilidade, sendo necessário que se faça a sua prova ou pelo menos, da probabilidade muito séria da sua verificação, como resulta da lei e tem sido constantemente afirmado por vasta jurisprudência aplicável, conforme se cita em sede de alegações supra, a título meramente exemplificativo.
XLV. Deste modo, por tudo o exposto, se conclui, sem necessidade de mais argumentos, pela inexistência de quaisquer danos resultantes da execução das deliberações aprovadas na assembleia da Recorrida que justifiquem a sua suspensão cautelar, razão pela qual deverá improceder o pedido da Recorrente quanto esta matéria, conforme decorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
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A Requerente respondeu ao pedido ampliação do recurso da Requerida pela forma seguinte:
“...A Grupo de Entretenimento, Lda., Recorrente nos autos, vem, ao abrigo do disposto no art. 613°, nº 5, do CPC, responder à ampliação do recurso feita, nos termos do art. 590° do CPC, pela Recorrida B, o que faz com os fundamentos seguintes:
   Está essencialmente em causa, no presente recurso, o facto de a Recorrente entender, como entendeu o TSI no Acórdão de 13/10/2011, Proc. 332/2009, que, se os estatutos exigirem uma maioria qualificada de 75% do capital social para aprovação de deliberação de destituição de administradores, a destituição provocada por deliberação tomada ao abrigo do art. 247° do Cód. Comercial deverá estar sujeita a aprovação por igual maioria.
   A questão sobre a qual incide a ampliação do recurso é distinta, podendo funcionar, ou não, como pressuposto da decisão a tomar sobre a questão abordada no parágrafo anterior: a Recorrida contesta a interpretação dos estatutos feita pelo tribunal a quo, nos termos da qual a cláusula do Artigo 18°, sobre deliberações de destituição de administradores, deverá ser tida também como regulando deliberações sociais que tenham como efeito necessário a destituição de administradores.
   A recorrida usa dois argumentos (fls. 22 a 24 e 24 e ss. das suas contra-alegações).
   1. Quanto ao primeiro argumento, a Recorrida pretende fazer crer que o que está em questão, para efeitos de imputação de vontades, na norma revelada pelo art. 247º é a acção de responsabilidade, mas já não a destituição de administradores. A primeira, entende a Recorrida, é manifestação da vontade dos sócios, a segunda é consequência automática da primeira e não imputável à vontade expressa na votação da deliberação.
   Esta tentativa de cisão da vontada em duas partes é não só legalmente errada, como psicologicamente infundada. A vontade das pessoas afere-se pelas consequências daquilo que aprovam. Até ao nível da interpretação de preceitos legais, há muito que a boa doutrina notou que a interpretação da estatuição da norma releva para a interpretação do alcance da previsão respectiva.
   A posição da Recorrida é pobremente literal e infundadamente formalista. Defende a tese de que só é imputável à vontade de uma pessoa o que constar expressamente do acto aprovado e não também aquilo que é consequência necessária e conhecida do acto aprovado. Não é evidentemente assim.
   O regime jurídico aplicável às deliberações que tenham como consequência necessária (e conhecida) a destituição dos administradores deve ser o mesmo que o que regula as deliberações que a tenham como consequência directa ou explicitada a sua destituição. Não existe diferença normativa de relevo entre uma e outra, e em lado algum na ordem jurídica se encontra um tratamento diferenciado dado às consequências directas do dado às consequências necessárias.
   A vontade forma-se em função das consequências do acto sob aprovação. A formação da vontade é um acto complexo, racionalizado, e são dela parte constitutiva as consequência conhecidas da decisão que está sob aprovação. Quando os sócios votam favoravelmente a deliberação de responsabilizar administradores votam favoravelmente a implementação das duas consequências jurídicas da norma: a acção de responsabilidade e a destituição dos administradores. Uma não pode ser considerada sem a outra, porque ambas constituem conjuntamente a estatuição da norma.
   Tal já resulta das regras de responsabilidade: as pessoas são responsabilizadas pelas consequências conhecidas dos actos que praticam, e não somente pelas consequências que expressamente disseram desejar do seu acto.
   Não se pode pretender que se quis dar um tiro no coração, mas não matar, que se quis despedir um trabalhador, mas não deixar de lhe pagar salário, que se quis autorizar somente a contratação de homens, mas não proibir a contratação de mulheres, etc..
   A ideia de que os sócios votam com um olho aberto para a primeira consequência, e outro olho fechado para a segunda consequência, só existe num imaginário de ingenuidade, que a lei, a realidade e o Acórdão do TS1 revelam não ter mérito.
   É ingenuamente falso que uma coisa foi querida e outra não, que uma é expressão da vontade e outra é mera consequência automática daquela, que esta última consequência - apesar de prevista na lei como a primeira, de ser conhecida das sócias e ter sido ponderada e discutida na assembleia geral - não faz parte do acto de vontade imputável à sócia: quanto a uma consequência, a sócia funcionaria como um agente dotado de capacidade informada de decisão, quanto à outra, como uma espécie de autómato que seria objecto ou até vítima daquilo que aprova. De facto, uma norma é o conjunta da previsão e estatuição, e quando esta tiver duas componentes, é o resultado da previsão e das duas componentes da estatuição. O que a Recorrida sugere não tem mérito.
   A interpretação dos estatutos está aqui em consonância com a interpretação da lei feita pela Recorrente (e no Acórdão do TSI): a não ser assim, o art. 18° dos estatutos seria letra morta e os sócios, a quem é exigida maioria estatutária qualificada, usariam a via do art. 247° para obterem o efeito jurídico que deveriam, mas não poderiam, obter por via do art. 225°, nº 1.
   Tratar-se-ia de uma fraude à lei institucionalizada pela própria lei. Como referiu o TSI (a fls. 39), em Acórdão aplicável ao caso em apreço (e que a Recorrida tentou timidamente afastar), tal "traduzir-se-ia num non sense", sobre o que "não podemos ser ingénuos".
   Lê-se no Acórdão (fls. 42) que "Por se tratar de um acto ou deliberações que implicam a destituição de administradores, não se pode deixar de atender à maioria exigida no artigo 18°, nº 2, dos Estatutos, sob pena da própria decisão escapar à sujeição da vontade societãria" (jurisprudência que, contrariamente ao referido nas contra-alegações, não é dependente da eleição de novos administradores).
   2. O segundo argumento da Recorrida é sobre o equilíbrio e o interesse societários. Revela um erro de natureza similiar ao anterior, de novo fruto de uma visão formalista e artificial dos interesses e da formação e imputação da vontade.
   Entende a Recorrida que, relativamente à deliberação que determina a destituição de administradores, a vontade é imputável aos sócios que a aprovam, relativamente à deliberação que aprova acção de responsabilizar de administradores, de onde resulta também a sua destituição, a vontade já é imputável, não aos sócios que a aprovaram, mas à sociedade de que são sócias.
   As deliberações sociais são aprovadas pelas sócias e são, nesse sentido, do interesse das sócias que as aprovaram: são todas elas deliberações da sociedade, e todas a expressão da vontade e no interesse das sócias que as aprovaram. Não há aqui como distinguir entre umas deliberações e outras, nem como imputar uns interesses aos sócios e outros não.
   Se os sócios têm interesse - como reconhece a Recorrida - nas deliberações que têm como consequência directa a destituição dos administradores, também têm interesse nas deliberações que têm como consequência necessária a sua destituição.
   Aqui, como relativamente ao argumento anterior da Recorrida, não existe diferença com qualquer relevo valorativo entre uma consequência directa e uma consequência necessária (e conhecida). Já isso resulta, em matéria de dolo: o dolo directo e o dolo necessário recebem o mesmo tratamento legal em todas as situações (diferentemente do dolo eventual, para o qual existem excepções). Também aqui a Recorrida erra.
   3. A via correcta de interpretação dos estatutos é, como fez o Tribunal a quo, por recurso às regras de interpretação dos negócios jurídicos, tendo particularmente em atenção o facto de se tratar de um contrato de vigência duradoura e que institui um novo centro organizado de direitos e deveres, contendo as regras de relacionamento das sócias e das vias de prosecução conjunta dos seus interesses, bem como regras de relevo para terceiros que negociarem com a sociedade e não participaram na elaboração e aprovação dos estatutos. Isto aponta para a interpretação objectivista já prevista no art. 228º do Código Civil.
   Como resulta da Sentença, se as partes quiseram estabelecer um equilíbrio em termos tais que só com a concordância de ambas as sócias (75% do capital social) podem ser aprovadas deliberações que tenham como consequência directa a destituição dos administradores, é relativamente incontestado que se tivessem deliberado sobre a questão em apreço, teriam estabelecido que só com a concordância de ambas as sócias (75% do capital social) poderiam ser aprovadas deliberações que tivessem como consequência necessária a destituição dos administradores. Não há como querer uma, sem querer a outra, pois ambas partilham a mesma consequência.
   Tal decorre, como a Sentença eslcarece, não só da vontade hipotética das partes resultante da vontade manifestada, como dos estatutos tomados no seu conjunto: a coerência interna dos estatutos enquanto unidade normativa, apela manifestamente para que seja gado o meu tratamento normativo às deliberações que tenham como consequência necessária a destituição dos administradores dado às deliberações que a tenham como consequência directa ou explicitada no texto da deliberação.
   A lógica, como notou ao TSI, é em grande medida de motivação prática e na verdade simples: se se impusesse maioria qualificada para destituir administradores por deliberação directa, mas se permitisse destituí-los por maioria simples por uma via alternativa, a primeira regra seria letra morta, inoperante, pois os sócios usariam a segunda das vias disponíveis: fechavam a porta, para deixar entrar livremente pela janela.
   Permitir estas manobras para contomar normas estatutárias e legais desrespeitaria a vontade última das partes contratantes e descredibilizaria o sistema juridico.
   4. Por fim, uma nota sobre o alegado a fls. 20 das alegações da Recorrida. Alega esta que foi proferida acusação crime contra os administradores pelos factos constantes da deliberação de 5-Novembro-2009, objecto dos autos. Tal é manifestamente falso. Como resulta da acta da AG, a acção de responsabilidade assenta numa deliberação do Conselho de Administração de Maio de 2010, que nem sequer é mencionada no processo crime e lhe é muito posterior. De resto, o fundamento da deliberação denota a total falta de fundamento da pretensão de accionar os administradores.
   Diremos duas coisas a este propósito. Uma é que a acusação, que não deveria ter sido mencionada aqui por razões evidentes, foi proferida dando como provados factos que em vários processos os tribunais da RAEM deram repetidamente como não provados, e que deu como não provados factos que os Tribunais da RAEM deram como provados. A acusação foi proferida sem ouvir dois dos quatro arguidos, que só foram constituídos arguidos na própria acusação, e que não tiverem oportunidade de se pronunciar no processo, contrariamente ao que sucedeu nos processo judiciais.
   A segunda é que o processo civil é um processo adversarial, contraditório, e que se espera das partes e dos seus representantes uma parcialidade justificada pelas pessoas cujos interesses representam. Mas há limites éticos. Um dos limites é faltar de forma patente à verdade. No caso, tratou-se de uma mentira lamentável, desnecessária, visando enganar o Tribunal e que envergonha quem lê. Envergonha ver usada uma mentira nunca antes esgrimida nos autos, em fase de recurso, numa peça processual que não admitiria resposta.
   Face ao exposto, deve improceder o pedido ínsito à ampliação do recurso da Recorrido, mantendo-se, nesta parte a Sentença do Tribunal a quo. Quanto ao mais, deve ser revogada a Sentença e substituída por Acordão que reflicta o alegado nas alegações da Recorrente e no Acórdão do TSI de 13/10/2011...”.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Ficou assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. A Requerida é uma sociedade comercial sob a forma de sociedade anónima sediada em Macau.
2. No dia 05 de Novembro de 2009 realizou-se na respectiva sede social uma assembleia geral da Requerida.
3. Nessa assembleia foram tomadas deliberações.
4. A Requerente é uma sociedade comercial sob a forma de sociedade por quotas, também sediada em Macau, e é accionista da Requerida, na qual detém 174,500 acções no valor nominal de MOP$17,450,000.00, correspondente a 31,727% do capital social.
5. Em 14 de Outubro de 2009 foi publicado nos jornais Ou Mun e Jornal Tribuna de Macau a convocatória para a referida assembleia geral extraordinária da Requerida, com a seguinte ordem de trabalhos.
"a) Acção de responsabilidade a intentar pela Sociedade contra os administradores do Conselho de Administração, Srs. C e C, com as legais consequências;
b) Nomeação de representante especial da Sociedade para o exercício do direito à indemnização contra os Administradores referidos no ponto anterior;
c) Ratificação do processado em processos judiciais ou outros em que a Sociedade seja parte;
d) Nomeação de representante especial da Sociedade para a execução das deliberações tomadas ao abrigo do ponto anterior;
e) Outros assuntos do interesse da Sociedade."
6. A assembleia geral deliberou instaurar a acção de responsabilidade contra os dois administradores mencionados na convocatória, deliberou ratificar todos os actos praticados por determinados advogados, que identifica, em todos os processos judiciais em que a Requerida seja parte e se encontre representada por aqueles advogados e deliberou constituir os procuradores a que alude a convocatória.
7. O ponto a) da ordem de trabalhos não contém "menção de quais os actos, nomeadamente deliberações do Conselho de Administração, que fundamentam a proposta de acção de responsabilidade.
8. O ponto c) da ordem de trabalhos não contém menção de quais os "processos judiciais ou outros" em causa, nem de quais as intervenções a ratificar.
9. Há cerca de uma dezena de acções em que a Requerida é parte
10. A ordem de trabalhos da assembleia não contém a indicação dos documentos que se encontravam na sede social para consulta dos sócios.
11. É também accionista da Requerida a sociedade A Desenvolvimento Hoteleiro, Lda, com 68% do capital social, a qual esteve presente na assembleia.
12. E são ainda accionistas da Requerida os Srs. E e F, titulares, respectivamente, de 0,145% e 0,127% do capital social, os quais, porém, têm desde há anos paradeiro desconhecido.
13. Na assembleia da Requerida foi deliberada a instauração pela Sociedade de uma acção de responsabilidade contra os administradores do Conselho de Administração, Srs. C e D.
14. Nos termos do art. 18°/2, dos Estatutos da Requerida, a destituição de membros do conselho de administração tem de ser aprovada por uma maioria qualificada de três quartos do capital social.
15. A deliberação de instaurar acção de responsabilidade contra os administradores foi aprovada apenas com os votos da sócia A Hotel.
16. A Requerida tem três administradores, que são os Srs. C, D e G.
17. Administradores que constituem dois grupos, pois os dois primeiros foram indicados pela Requerente e o último foi indicado pela sócia A Hotel.
18. Esta composição do Conselho de Administração foi criteriosamente ponderada e decidida, ficando a A Hotel, como accionista maioritária, com dois terços dos votos na Assembleia Geral, e a Requerente, como accionista minoritária, com dois terços dos votos do Conselho de Administração.
19. Já havia sido convocada uma assembleia Geral da Requerida que se realizou em 01/09/2008, tendo também como ponto da ordem de trabalhos a instauração de uma acção de responsabilidade civil contra os administradores.
20. Sendo que os titulares do Conselho de Administração eram então os mesmos três que são hoje, entre os quais os Srs. C e D.
21. A proposta recebeu então votos favoráveis da A Hotel e votos contra da Requerente.
22. Na falta de Presidente da Mesa, foi declarada aprovada a deliberação.
23. A Sentença de 17 de Dezembro de 2008 do Tribunal Judicial de Base, no âmbito do Proc. Cautelar nº CV3-08-006l-CAO-A, suspendeu a deliberação.
24. A Requerida instaurou a acção de indemnização contra os administradores.
25. O fundamento da acção é os administradores terem autorizado a constituição de uma hipoteca em 04-Março-2008 para garantia de um mútuo destinado a financiar a construção de um empreendimento no terreno concessionado da titularidade da Requerida.
26. Da vez anterior deliberou accionar os três administradores da Requerida.
27. Desta vez, decidiu-se accionar apenas os administradores que são afectos à Requerente e, deixar em exercício o único afecto à sócia A Hotel.
28. Na deliberação de l-Setembro-2008 o fundamento foi a constituição de uma hipoteca que já havia sido distratada e cancelada no registo e na deliberação de 05/11/2009 foi alegado como fundamento:
i. ilegalidade de convocatória de uma reunião do Conselho de Administração,
ii. a deliberação ali tomada de revogação do mandato dos advogados que têm escritório onde o Sr. H, sócio administrador da A Hotel, presta serviço.
iii. a manifestação de não ratificação de actos praticados, por aqueles advogados.
iv. o facto de entenderem que a actuação destes advogados não é benéfica para os interesses da sociedade e,
v. o facto de um membro do Conselho de Administração ter revelado que a negação de factos provados documentalmente dificulta uma eventual resolução amigável do litígio.
29. A Requerida deliberou ratificar intervenções processuais feitas por mandatários judiciais constituídos pelo Conselho de Administração que o Tribunal suspendeu em l7-Dezembro-2008.
30. As deliberações sociais em apreço não identificam todas as acções nas quais serão praticados os actos de ratificação, nem enuncia os interesses a proteger.
31. E quando as identifica não diz quais são os actos que devem ser ratificados.
32. Nem na assembleia geral foram discutidas razões a favor ou contra a ratificação.
33. Foi deliberado ratificar o anterior processado, entre outros, na acção que corre termos no 2° Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base, com o nº CV2-08-0067-CAO.
34. Nessa acção é autora a A Hotel e é ré a Requerida.
35. Nessa acção a Requerida apresentou uma contestação onde confessou expressamente parte dos factos alegados.
36. A deliberação de ratificação do processado naquela acção foi tomada exclusivamente com os votos favoráveis da A Hotel.
37. A votação foi aprovada com 3740 votos a favor da sócia A Hotel e 1745 votos contra da Requerente.
38. Na sequência das deliberações relativas aos pontos a) e c) da ordem de trabalhos, foi aprovado designar representante especial da sociedade o Sr. I, nos termos constantes dos pontos b) e d) da ordem de trabalhos.
39. A eleição de administradores da sociedade está sujeita à regra estatutária de 75% dos votos favoráveis, prevista no artigo 18°/2.
40. A Requerente e a A Hotel tomaram-se sócias da Requerida em 06-Junho-2006.
41. E foi nesse mesmo dia que foram designados para o Conselho de Administração composto pelos três actuais administradores, Srs. C, D e G os dois primeiros pela primeira vez e o terceiro reconduzido.
42. A A Hotel detém dois terços dos votos na Assembleia Geral, e a Requerente dois terços dos votos do Conselho de Administração.
43. Foi estipulado no artigo 18° dos Estatutos da Requerida que as deliberações "nas Assembleias Gerais que tenham por objecto deliberar sobre a nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais (..) só se consideram aprovadas se reunirem os votos favoráveis correspondentes a pelo menos três quartas partes do capital social".
44. A Assistente pretende tornar administrador único o administrador G, a si afecto seu sócio e administrador.
45. A Assistente pretende também afastar a Requerente das decisões relativas ao destino da Requerida.
46. Encontram-se em curso diversas acções judiciais pendentes em que a Requerida é parte, seja autora seja ré.
47. Acções, algumas das quais foram instauradas depois da referida Assembleia Geral de 01-Setembro-2008 que tomou as deliberações suspensas judicialmente.
48. Nessas acções foi suscitada a questão ou foi mesmo já decidido que os membros do Conselho de Administração então eleitos apenas com os votos da A Hotel não representam a Requerida, pelo que se verifica nas mesmas quanto a esta o vício de irregularidade de representação, no âmbito dos pressupostos da capacidade judiciária e do patrocínio judiciários.
49. Numa dessas acções, a nº CV2-08-0067-CAO, é peticionada a declaração de nulidade de uma deliberação social de 06-Junho-2006, portanto dois anos antes, com o mesmo propósito de procurar afastar o Conselho de Administração da Requerida actualmente em exercício e fazer repristinar um anterior afecto a si.
50. E verifica-se em tal acção, por um lado, que a A Hotel é representada pelo Sr. H, que presidiu à Assembleia Geral de 01-Setembro-2008 da Requerida e que exerce funções no escritório de advogados que tem representado esta última.
51. E que a Requerida, representada por advogados do mesmo escritório onde exerce funções o Sr. H, apresentou uma contestação onde confessou expressamente parte dos factos alegados.
52. A A Hotel intentou uma acção contra a Requerida na qual esta, representada pelos advogados do escritório onde o Sr. H exerce funções, confessou parte das alegações de facto contra si feitas.
53. O Sr. G, sempre representou interesses coincidentes com os do Sr. H.
54. A nomeação de procurador especial da sociedade para executar as deliberações terão entre muitos outros efeitos, o de este ratificar intervenções processuais da Requerida confessando factos que lhe são desfavoráveis.
55. E esta actuação seria concretizada a muito breve prazo, seguramente antes de a Requerente poder recorrer com êxito a uma acção comum que componha definitivamente os interesses em conflito.
56. A acta da assembleia geral onde foram tomadas as deliberações aqui impugnadas foi enviada, logo no dia 6 de Novembro, por correio, à requerente, ao Sr. C e ao Sr. D administrador da requerida.
57. A acta foi inclusivamente enviada pela Ilustre Advogada Luísa Bragança - que assistiu o presidente e a secretária na sua elaboração - ao Ilustre advogado signatário do requerimento inicial, enquanto mandatário da requente, por protocolo, também logo no dia 6 de Novembro.
58. A Requerente sabe quais os processos em que a Requerida é parte.
59. Só quando começou a reunião é que a Requerente solicitou os processos judiciais, textos de propostas e currículo de pessoas propostas ou a propor para representante especial da sociedade.
60. Jamais foi dirigido qualquer pedido de informação ou de elementos à sociedade, verbal ou por escrito, com uma antecedência mínima.
61. No momento da reunião e a pedido da requerente e do seu mandatário, foram-lhe disponibilizados os processos nos quais a Requerida é parte.
62. Também a deliberação do Conselho de Administração, com base na qual foi proposta a deliberação da assembleia geral de intentar acções judicias, foi entregue à Requerente.
63. A Requerente estava na posse dessa deliberação pois a mesma foi tomada pelo Sr. C, numa alegada reunião que apenas ele esteve presente, mas alegadamente também representava o Sr. D.
64. Que é administrador da Requerente,
65. C foi administrador da Requerente e, continua a ser o representante dos seus interesses na administração da Requerida.
66. Antes da reunião não foi solicitado verbalmente ou por escrito qualquer elemento e aqueles que foram solicitados na reunião e que estavam disponíveis foram fornecidos.
67. Os estatutos nada dispõe quanto à deliberação de intentar acções contra os seus administradores.
68. A designação dos actuais membros da administração foi feita na sequência de um contrato mediante o qual a Requerente, seus sócios ou entidades com ela relacionadas se tinham obrigado a adquirir 99,727% do capital social da Requerida.
69. Razão pela qual, apontou dois administradores e as deliberações mais relevantes da vida da sociedade tinham que merecer a sua concordância.
70. A aquisição das acções pela Requerente não se veio a concretizar.
71. Ficando apenas com 31,727% das acções da Requerida.
72. Foram apresentadas queixas crime e acções cíveis contra os membros do conselho de administração da Requerida.
73. Através de um procedimento cautelar, a requerente logrou, em primeira instância, conseguir a suspensão da deliberação de interpor acções judiciais contra os mesmos, levando assim à sua recondução.
74. Havia um contrato mediante o qual o grupo a que pertence a requerente e, inicialmente, também a sócia A Desenvolvimento Hoteleiro, adquiriria 99,727% das acções da Requerida.
75. As adquirentes destas acções seriam a requerida A Entretenimento e a A Desenvolvimento Hoteleiro Limitada (A Hotel), ambas representadas pelo Sr. D.
76. Na sequência desse negócio de aquisição das acções, no dia 6 de Junho de 2006, os Srs. C e D passaram a fazer parte da administração da Requerida, conjuntamente com o Sr. G.
77. Os promitentes vendedores continuaram a ter um representante na administração, através da pessoa do Sr. G.
78. Porém, o negócio da aquisição de 99,727% das acções da Requerida não se concretizou.
79. Na sequência, a A Hotel, detentora de 68% das acções da Requerida passou para as mãos dos vendedores,
80. tendo a Requerente, detentora de 31,727% do capital social da Requerida, ficado nas mãos dos compradores.
81. Em reunião do conselho de administração da requerida, alegadamente realizada em 4 de Maio de 2009, o então administrador da Requerida C, por si e em representação de D deliberou:
- Designar-se a si próprio presidente do Conselho de Administração afastando o anterior;
- Designar uma nova secretária para a Sociedade afastando a anterior;
- Permitir futuras reuniões do Conselho de Administração através de vídeo conferência ou meio análogo;
- Não ratificar procurações forenses conferidas a advogados designados pelos administradores da sociedade eleitos na assembleia geral de 1 de Setembro de 2008;
- Revogar procurações forenses conferidas a advogados designados pelos administradores da sociedade eleitos na assembleia geral de 1 de Setembro de 2008;
- Atribuir-se a si próprio poderes forenses para representar a sociedade em juízo em acções pendentes ou futuras, incluindo o poder de constituir mandatário judicial;
- Autorizar-se a si próprio para representar a Sociedade na execução de qualquer das deliberações aprovadas na alegada reunião do Conselho.
82. Essa revogação das procurações anteriormente constituídas e a auto nomeação do Sr. C, para sozinho representar a Requerida em juízo acontecem num momento em que correm várias acções judiciais entre a Requerente e a requerida, entre a Requerida e os administradores C e D, entre a requerida e a Bridge Capital.
83. A Requerida é presentemente parte nos seguintes processos, entre outros, que directamente ou indirectamente, envolvem também os administradores em causa e a referida sociedade Bridge Capital:
- CV1-08-0081-CAO, intentada pela Requerida contra os seus então administradores, C e D;
- CV3-08-0079-CAO, intentada pela Requerida contra a já referida Bridge Capital, para anulação de um alegado empréstimo;
- CV3-08-0061-CAO, intentada pela Requerente para a suspensão da anterior deliberação social da requerida tomada em 1 de Setembro de 2008, de intentar acções cíveis e criminais contra os administradores em causa;
- CV3-08-0055-CEO com os respectivos apensos, acção executiva intentada pela Bridge Capital mediante a qual esta sociedade pretende cobrar da Requerida um alegado empréstimo feito à mesma.
84. Na acção n° CV3-08-0061-CAO e procedimento cautelar a ela apensa n° CV3-08-0061-CAO-A, está em causa a validade da deliberação de intentar acções contra os administradores - entre os quais C.
85. A Requerida não mantém actividade relativamente aos seus objectivos principais que é o desenvolvimento de um terreno.
86. Não há unanimidade entre os administradores quanto à representação da Requerida em juízo.
87. Segundo os estatutos, a sociedade tem de ter três administradores e não se vincula só com a assinatura de um administrador.
88. Quanto às acções pendentes, o que a Requerente pretende, é que sejam os seus dois administradores ou colaboradores a defender a sociedade aqui Requerida nos processos que interpôs contra esta, situação com que não concorda G.
89. Os dois administradores não merecem a confiança do sócio com mais de dois terços do capital social e existe um patente e insanável conflito entre eles e a Requerida.
90. A actuação dos administradores já provocou processos crimes contra os mesmos e que presentemente correm os seus trâmites normais.
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III – Fundamentação
As deliberações cuja suspensão de eficácia foi indeferida pelo Tribunal a quo têm o seguinte teor:
a) intentar a acção de responsabilidade contra os administradores do Conselho de Administração, Srs. C e D, com as legais consequências; e
b) Nomear o representante especial da Sociedade para o exercício do direito à indemnização contra os dois administradores em causa.
Na óptica da Requerente, ora recorrente, estas duas deliberações devem ser suspensas, por padecerem das seguintes ilegalidades:
- Da convocatória da assembleia não constam as menções especificadas, violando assim o disposto da al. d) do nº 1 do artº 222º do C. Com.; e
- Foram tomadas sem maioria de votos exigível nos termos estatutários.
E, a título subsidiário, entendeu que as mesmas foram tomadas à fraude da lei, no sentido de que não visam realmente intentar a acção de responsabilidade contra os administradores do Conselho de Administração, Srs. C e D, com o fim de obter uma indemnização, mas sim com vista à destituição do cargo de administrador dos mesmos, operada ex lege ao abrigo do nº 2 do artº 247º do C. Com. nos termos do qual a deliberação de propor a dita acção implica desde logo a destituição dos administradores visados, pretensão real essa que nunca se conseguiria através de uma deliberação directa porquanto os estatutos exigem uma maioria qualificada de 75%, a qual nunca seria possível alcançar sem o voto favorável da Requerente, ora recorrente.
Quid iuris?
I. Da falta de menção especificada na convocatória:
O Tribunal a quo entendeu que não se verificava esta alegada ilegalidade, pelas seguintes razões:
   “…
   Dispõe o art. 222º, nº 1, al. d) do Código Comercial que “o aviso convocatório deve, no mínimo, conter a ordem de trabalhos da reunião, com menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios”.
   Provou-se que “em 14 de Outubro de 2009 foi publicado nos jornais Ou Mun e Jornal Tribuna de Macau a convocatória para a referida assembleia geral extraordinária da Requerida, com a seguinte ordem de trabalhos.
    “a) Acção de responsabilidade a intentar pela Sociedade contra os administradores do Conselho de Administração, Srs. C e D, com as legais consequências;
   b) Nomeação de representante especial da Sociedade para o exercício do direito à indemnização contra os Administradores referidos no ponto anterior;
   c) Ratificação do processado em processos judiciais ou outros em que a Sociedade seja parte;
   d) Nomeação de representante especial da Sociedade para a execução das deliberações tomadas ao abrigo do ponto anterior;
   e) Outros assuntos do interesse da Sociedade.”
   Pode concluir-se que houve contrariedade à lei porque não foram especificados na convocatória os assuntos a submeter a deliberação? A resposta deve ser negativa. Menção especificada é indicação individualizada dos assuntos. É o oposto de menção genérica. Seria o caso se constasse na convocatória, por exemplo: assuntos relacionados com os administradores e com os processos. Mas o que se diz é que na ordem de trabalhos está incluída a acção de responsabilidade a intentar contra dois administradores identificados e a ratificação do processado em processos em que a requerida seja parte. A exigência de menção especificada visa que a convocatória cumpra a sua função de fazer saber ao convocado, com clareza, qual o assunto para que é chamado a deliberar, de modo que este não venha a ser surpreendido na reunião com os assuntos que ali venham a ser submetidos a deliberação, se nela estiver presente, ou com os assuntos que nela foram deliberados, em caso de ausência. Parece poder afirmar-se que a convocatória em apreciação esclarece bem os convocados relativamente à espécie dos assuntos para cuja deliberação são chamados. De facto, de modo nenhum podem dizer que foram surpreendidos com os assuntos que na reunião foram submetidos a deliberação. A partir da identificação dos assuntos em espécie já o demais a eles relativo não é do âmbito da convocatória. Será do âmbito do direito à informação. Nomeadamente não respeita à convocatória a justificação da necessidade de deliberação sobre o assunto especificado, nem os pormenores que não sejam relativos à espécie do assunto a deliberar. Pela convocatória, o convocado tem de saber os assuntos concretos para os quais é chamado. E isso a convocatória permite saber, sem necessidade de conter os actos danosos que fundam a responsabilidade dos administradores nem a identificação numérica dos processos a serem objecto de ratificação do processado. Designadamente, afigura-se que identificar o assunto relativo à ratificação do processado se basta com a referência aos processos em que a requerida é parte. O convocado já não será surpreendido quanto à espécie do assunto. As suas demais dúvidas não pode esperar esclarecê-las na convocatória porque não é essa a sua função.
   Não procede, pois, este fundamento.”
Trata-se duma decisão correcta que aponta para uma boa solução da questão, com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Assim, é de julgar improcedente este argumento de recurso.
II. Da violação da maioria de votos exigida:
A sentença recorrida entendeu que, apesar de os estatutos da Sociedade requerida não prever expressamente uma maioria qualificada de 75% para aprovar deliberação de propor a acção de responsabilidade contra administrador, tal maioria qualificada resultava “da filosofia interna dos estatutos” e da vontade das partes ao estipular no nº 2 do artº 18º dos Estatutos que as deliberações relativas à nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais só se consideram aprovadas se reunirem votos favoráveis correspondentes a pelos menos três quartas partes do capital social. Assim sendo, e uma vez que a deliberação em causa conduz, como consequência ex lege imediata (nº 2 do artº 247º do C. Com.), à destituição dos administradores visados, a sua aprovação deveria, em princípio, obedecer a mesma regra de maioria.
No entanto, face ao disposto nº 1 do artº 247º do C. Com., nos termos do qual apenas se exige uma maioria simples para a formação da deliberação de propor a acção de responsabilidade contra administrador e considerando a natureza imperativa do mesmo, que prevalece sobre a estatuição pactual, o Tribunal a quo indeferiu a pretensão de suspensão da Requerente.
A Requerente, ora recorrente, concorda com a primeira posição do Tribunal a quo, mas já discorda da segunda.
No seu entender, o nº 1 do artº 247º do C. Com. não é uma norma imperativa, mas sim supletiva, daí que houve erro na aplicação de Direito nesta parte.
A Requerida, defende que o nº 1 do artº 247º tem a natureza imperativa, e, caso se assim não entenda, o mesmo aplicar-se-ia supletivamente, na medida em que os Estatutos da Sociedade não regulam a matéria em causa, ou seja, a deliberação de propor acção contra administrador não está abrangida no âmbito do nº 2 do artº 18º dos Estatutos.
Para ela, uma coisa é á destituição do cargo de administrador, que se difere com a propositura da acção de responsabilidade contra o mesmo; são duas vontades distintas, não obstante a segunda implicar a destituição ex lege dos administradores visados.
São duas questões essenciais a resolver, a saber:
a) o nº 1 do artº 247º do C. Com. é ou não uma norma imperativa?; e
b) na hipótese negativa quanto à primeira questão, a deliberação de propor a acção de responsabilidade contra os administradores visados está sujeita à maioria qualificada prevista no nº 2 do artº 18º do Estatutos? ou, pelo contrário, os Estatutos são omissos desta matéria, pelo que deve aplicar-se supletivamente o nº 1 do artº 247º do C. Com., tal como é pretendido pela Requerida no seu pedido da ampliação do recurso?
Começamos pela análise da primeira questão.
Dispõe o nº 1 do artº 247º do C. Com. que “A acção de responsabilidade a propor pela sociedade depende de deliberação dos sócios tomada por maioria simples, e deve ser proposta no prazo de três meses a contar da data em que a deliberação tiver sido tomada”.
Na letra da lei, o legislador não consagrou, contrariamente o que tenha feito nalgumas normas do mesmo Código quando sobre o quórum deliberativo, qualquer excepção no sentido de salvaguardar outra maioria resultante dos Estatutos sociais.
Assim, num primeiro momento, parece que a sentença recorrida tenha razão no sentido de que o legislador pretenda estabelecer uma maioria própria para este tipo de deliberação, afastando a hipótese de outras maiorias, a fim de facilitar a respectiva aprovação para “proteger a proibição de exclusão ou limitação da responsabilidade dos administradores” (cfr. fls. 1230 dos autos, 2º parágrafo do texto da sentença recorrida).
Contudo, não nos se afigura ser esta a interpretação correcta da norma.
Em primeiro lugar, o legislador também prevê o mesmo tipo de acção a interpor por sócio que detém uma participação no capital não inferior a 10%, se a sociedade não tiver agido para o efeito – artº 248º, nº 1 do C. Com..
Neste caso, a sociedade é chamada a intervir na respectiva acção – nº 2 do mesmo preceito legal.
Ambas as acções visam tutelar os interesses da sociedade, a única diferença reside no facto de que a segunda é proposta por sócio com provocação da intervenção da sociedade no processo e sem a implicação ex lege da destituição do administrador visado.
Se o sócio que detém uma participação no capital não inferior a 10% pode intentar o mesmo tipo de acção ainda que a assembleia geral não tenha aprovado uma deliberação neste sentido, provocando posteriormente a intervenção da sociedade, decai então o argumento da sentença recorrida.
Por outro lado, não obstante da norma em causa não constar qualquer salvaguarda de outra maioria, isto não significa que o legislador queria afastar outras maiorias, impondo desta forma a maioria simples para o tipo de deliberação em causa.
Por exemplo, o nº 4 do artº 467º do C. Com. prevê que as deliberações do conselho de administração de sociedade anónima são tomadas por maioria dos votos dos administradores presentes ou representados.
Esta norma, como resulta do próprio texto, também não consagra qualquer reserva para outras maiorias.
Quer este Tribunal1, quer o TUI2, já tenham decidido de modo unânime que o preceito legal em referência não tem a natureza imperativa, podendo ser afastado pelos estatutos da sociedade.
O TUI, ao confirmar o acórdão deste Tribunal, fixou a seguinte jurisprudência:
   “… a doutrina do Código das Sociedades Comerciais português divide-se quanto a saber se a norma relativa ao quorum deliberativo do conselho de administração é imperativa ou se pode ser afastada pelos estatutos.
   A autora invoca no sentido imperativo da norma JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES3, dizendo que este discute o assunto em abstracto. Não é exacto. O autor discute a questão em concreto, mas numa matéria completamente diversa da que nos ocupa. Ele trata dos princípios da unanimidade e maioritário, mas apenas nas deliberações dos sócios, isto é, na assembleia geral e nunca nas deliberações do conselho de administração.
   ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA4, entende que a regra é imperativa, com o único argumento de que “a imposição de maiorias qualificadas ou unanimidade para certas deliberações em órgãos executivos poderia determinar a sua paralisação com prejuízo para a sociedade”.
   PAULO OLAVO CUNHA5 defende a regra da imperatividade com um argumento semelhante ao anterior e com fundamento na interpretação literal, embora admitindo derrogações ao princípio, desde que as mesmas não conduzam a situações de impasse na gestão.
   PEDRO MAIA6 aceita que o argumento literal pode adaptar-se tanto à tese que sustenta a imperatividade legal como à tese que defende o seu carácter supletivo. Mas defende a regra da imperatividade com os inconvenientes do funcionamento conjunto por unanimidade.
   Pois bem entendemos que os preceitos dos nºs 3 e 4 do artigo 467.º do Código Comercial - dispondo que as deliberações do conselho são válidas com a presença da maioria dos administradores presentes ou representados e que as deliberações só são válidas se tomadas pela maioria dos administradores presentes ou representados – não são imperativos, podendo ser afastados pelos estatutos da sociedade.
   Como explica a voz particularmente autorizada de RAÚL VENTURA7, referindo-se ao preceito correspondente ao artigo 467.º, n.º 4, do Código Comercial de Macau, “O art. 410.º, n.º 7, não ressalva as estipulações contratuais que exijam para todas ou algumas deliberações, maioria qualificada, ao contrário do que faz, para as deliberações de sócios em assembleia geral, o art. 386.º, n.º 1. A favor do carácter imperativo do disposto no n.º 7, pode argumentar-se com a facilidade de gestão da sociedade, que a exigência de maioria qualificada pode entravar; a analogia com as deliberações dos sócios seria afastada pela diferença entre um órgão – a assembleia – que só esporadicamente reúne e delibera sobre alguns assuntos, e um órgão de competência permanente e geral. No sentido contrário, dir-se-á, antes de mais, que a norma do art.º 410.º, n.º 7, se aplica para fazer calcular a maioria pelo número de administradores votantes, em vez do número estatutário, e que, portanto, não intenta proibir a maioria qualificada. Invocar-se-á ainda a vantagem de, pela qualificação da maioria, dar eficácia, embora negativa, aos votos de administradores eleitos por minorias de accionistas através de regras especiais de eleição. A segunda ordem de argumentos impressiona-me mais fortemente, e uma vez que a derrogação só poderia ser efectuada pelo contrato de sociedade, parece que deve ser deixada aos accionistas a ponderação entre a facilidade de tomada de deliberações e a ressalva de eventuais interesses dalgum grupo deles”.
   No mesmo sentido se pronunciou LUÍS BRITO CORREIA8.
   A favor do carácter supletivo da norma do artigo 467.º, n.º 4, do Código Comercial, impressiona-nos sobretudo o facto de que “os accionistas hão-de saber se lhes convém ou não o funcionamento por unanimidade e que é a eles que cabe ponderar as suas vantagens e inconvenientes da fixação desse quórum deliberativo ao conselho de administração”9
   Por outro lado, pode haver interesse estatutário em proteger determinadas minorias de sócios e, por conseguinte, os votos dos administradores que representam tais minorias.
   Daqui resulta que as deliberações do conselho de administração da ré atinentes à representação da sociedade em juízo e fora dele tinham de ser tomadas por unanimidade dos administradores, vistos os estatutos o exigirem.”
Salvo o devido respeito, achamos que se deve seguir a mesma linha de pensamento para o nº 1 do artº 247º do C. Com.
Face ao expendido, é de concluir que o preceito legal em referência não tem o carácter imperativo, podendo ser afastado pelos estatutos da sociedade.
*
Em relação à questão de se saber se a deliberação de propor a acção de responsabilidade contra os administradores visados está ou não sujeita à maioria qualificada prevista no nº 2 do artº 18º do Estatutos, este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre a mesma no âmbito do Proc. nº 332/2009, onde o ora relator participou na decisão do mesmo na qualidade de primeiro adjunto, sendo as partes principais as mesmas dos presentes autos, embora com posições processuais diferentes10.
No referido processo, por acórdão de 13/10/2011, determinou-se o seguinte:
“…
   Na verdade, com base na alínea a) da ordem de trabalhos da reunião, foi deliberado pela assembleia geral da sociedade, aqui recorrente - com o voto favorável da sócia A Hotel, detentora de 68% do capital social, e contra da requerente, aqui recorrida, detentora de 31,727% -, serem intentadas acções de responsabilidade civil e, eventualmente criminal, contra os então administradores da sociedade, os Srs. C, D e G (vide ponto 18 da matéria de facto dada como provada).
   A questão que se coloca é a de saber se essa deliberação encerra a destituição dos administradores, situação que implicaria uma maioria qualificada.
   E sobre esta questão não podemos ser ingénuos. Como se compreenderia que fosse aprovada cruamente essa deliberação sabendo-se que, depois, quem lhe daria execução seriam os próprios administradores a promover as acções de responsabilização contra si próprios.
   Isto traduzir-se-ia num non sense e foi até questão já anteriormente, em sede da sanação da representação judiciária, devidamente analisada.
   O propósito desta deliberação resulta claro em face da sua redacção, devendo ser enquadrado com o segundo ponto de ordem de trabalhos, onde se fala na nomeação de novos administradores. Ora tal só seria viável com a destituição dos antigos, ou seja, daqueles que eram visados com as acções do ponto primeiro.
   O ponto b) da ordem de trabalhos incidia sobre o seguinte: “b) Preenchimento de cargos vagos e nomeação de novos membros do Conselho de Administração”.
   Muito embora se tenha distinguido na sentença recorrida em relação a cada uma das deliberações em si, o certo é que, desde logo em relação ao 1º ponto da ordem de trabalhos, não se deixou de concluir que tal deliberação implicava a destituição dos administradores, chegando até a esclarecer-se que uma coisa é a decisão dos sócios e outra uma deliberação social, nada impedindo que sócios representativos de mais de 10% do capital social pudessem activar a responsabilidade civil contra os administradores.
   Nada a apontar, pois, a tal entendimento.
   Na verdade não é difícil atingir que o afastamento dos administradores era assim para quem promoveu a convocação da reunião o objectivo final, porquanto tinha como dado adquirido de que com os votos da accionista dominante, a deliberação quanto à matéria da referida alínea ser-lhe–ia favorável. O que na prática implicaria a destituição de jure dos administradores nos termos do artigo 247.º n.º 2 do C. Comercial, o que decorre automaticamente de uma a deliberação de propor acções de responsabilidade civil contra os administradores.
   Ora, tal destituição exige uma maioria qualificada de três quartas partes do capital social prevista no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.
   Por se tratar de um acto ou deliberações que implicam a destituição dos administradores, não se pode deixar de atender à maioria exigida no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos sob pena da própria decisão escapar à sujeição da vontade societária.
   …
   Conclui-se assim pelo acerto da decisão proferida ao considerar que a deliberação referente ao ponto a) da ordem de trabalhos não afasta a aplicação da maioria qualificada prevista no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.”
É fácil notar que o conteúdo essencial da primeira deliberação em crise consiste numa repetição da outra tomada na assembleia geral da mesma sociedade de 01/09/2008, que foi objecto de suspensão no Proc. nº CV3-08-0061-CAO-A, cuja decisão foi confirmada pelo acórdão acima em referência.
Não se verifica, por ora, qualquer razão plausível para alterar a jurisprudência já fixada.
Repare-se, não estamos a impedir a interposição de acção de responsabilidade contra os dois administradores visados, pois, como já referimos anteriormente, tal pode ser feita perfeitamente pela ora Assistente da Requerida, A Desenvolvimento Hoteleiro, Limitada, ao abrigo do disposto do artº 248º do C. Com., uma vez que a ora Assistente é sócia da assistida com participação no capital superior a 10%.
O que não admitimos é a destituição dos dois referidos administradores como consequência directa ex lege duma deliberação de propor a acção de responsabilidade aprovada simplesmente pela maioria simples, fugindo desta forma à maioria qualificada (3/4) exigida no nº 2 do artº 18º dos estatutos da sociedade para o mesmo efeito.
Face ao expendido, não é de acolher a posição da Requerida, ora recorrida, sustentada no pedido da ampliação do recurso.
É do conhecimento oficioso deste Tribunal no exercício das funções que existe um conflito intenso de interesses entre as duas sócias principais – A Grupo de Entretenimento Limitada (Requerente e ora recorrente) e A Desenvolvimento Hoteleiro, Limitada (Assistente da Requerida) – da Sociedade de Investimento Imobiliário B, S.A. (Requerida e ora recorrida), em que ambas pretendem controlá-la em exclusivo, a fim de obter o poder de determinar o destino de um terreno concessionado.
Ambas intentaram várias acções, que na primeira linha, contra a Sociedade de Investimento Imobiliário B, S.A., mas no fundo, consistem numa “guerra” entre aquelas duas sócias principais: A Grupo de Entretenimento Limitada e A Desenvolvimento Hoteleiro, Limitada.
Neste contexto e tendo em conta os seguintes factos provados:
1. A Requerida tem três administradores, que são os Srs. C, D e G;
2. Administradores que constituem dois grupos, pois os dois primeiros foram indicados pela Requerente e o último foi indicado pela sócia A Hotel; e
3. Esta composição do Conselho de Administração foi criteriosamente ponderada e decidida, ficando a A Hotel, como accionista maioritária, com dois terços dos votos na Assembleia Geral, e a Requerente, como accionista minoritária, com dois terços dos votos do Conselho de Administração.
e a situação conflituante existente, entendemos que a execução da primeira deliberação em crise pode causar prejuízos relevantes à Requerente, ora recorrente, já que implica a destituição imediata dos dois administradores visados, os quais são pessoas da sua confiança, quebrando assim o equilíbrio de “forças” inicialmente estabelecido entre uma e outra.
Nesta conformidade, conclui-se pela verificação de todos os pressupostos legais para a suspensão da eficácia da primeira deliberação em crise.
Quanto à segunda deliberação, a mesma está dependente da primeira, não tendo portanto qualquer eficácia autónoma, ou seja, a suspensão da primeira implica necessariamente a suspensão da segunda.
III. Da fraude à lei:
Torna-se desnecessária a sua apreciação, uma vez que o Requerente a alegou a título subsidiário.
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Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida na parte que indeferiu a suspensão das deliberações em referência, e, em consequência, ordena-se a suspensão das mesmas.
*
Custas pela Requerida e pela Assistente, sendo esta última a cargo de 1/10 (um décimo), em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 31 de Janeiro de 2013.

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Ho Wai Neng
(Relator)

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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Ac. de 10/05/2012, Proc. nº 470/2011
2 Ac. de 05/12/2012, Proc. nº 71/2012
3 JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, O artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental, in Estudos em Comemoração dos Cinco Anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, 2001, p. 208 e segs.
4 ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2003, p. 311.
5 PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2006, p. 594 e 595.
6 PEDRO MAIA, Função e Funcionamento do Conselho de Administração da Sociedade Anónima, Universidade de Coimbra, Stvdia Ivridica, 2002, p. 215 e segs.
7 RAÚL VENTURA, Estudos Vários Sobre Sociedades Anónimas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 1992, p. 549 e 550
8 LUÍS BRITO CORREIA, Deliberações do Conselho de Administração de Sociedades Anónimas, in Problemas de Direito das Sociedades, Coimbra, Almedina, obra colectiva, 2002, p. 416.
9 PEDRO MAIA, Função e Funcionamento…, p. 217.
10 É recorrente no processo em referência Sociedade de Investimento Imobiliário B, S.A. e recorrida A Grupo de Entretenimento, Limitada.
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16/2013