Processo nº 446/2012
Data do Acórdão: 31JAN2013
Assuntos:
Juros de mora
Prescrição de direito
SUMÁRIO
1. A morte do devedor não extingue a dívida, mas apenas opera uma modificação subjectiva da relação jurídica patrimonial de que ele era sujeito passivo, sendo certo que a prescrição, já iniciada antes do falecimento do devedor, continua a correr – artº 301º do CC. Todavia, dadas as dificuldades que podem surgir quando se não saiba quem é o cabeça-de-casal ou quem são os herdeiros, a lei atribui à morte do devedor o efeito suspensivo da prescrição do direito do credor ou estende razoavelmente o prazo de prescrição por forma a assegurar que o credor possa ainda exercer atempadamente o seu direito contra a herança depois de identificar o cabeça-de-casal ou os herdeiros – artº 303º do CC, à luz do qual a prescrição de direitos contra herança não se completa antes de decorridos 6 meses depois de haver pessoa contra quem os direitos possam ser invocados.
2. O prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 446/2012
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No decurso da conferência de interessados realizada no âmbito dos autos de inventário facultativo nº CV2-10-0021-CIV, foi pelo representante do IASM pedido que fosse acrescentada ao passivo a 2ª dívida que consiste nos juros de mora, calculados até à data da conferência, no valor de MOP$251.311,17, por falta de pagamento pontual ao IASM do remanescente do preço da fracção autónoma identificada como a Verba Única do Activo.
Pedido esse que acabou por ser deferido pela Exmª Juiz mediante o seguinte despacho proferido logo na conferência:
---Seguidamente, a Mm.ª Juiz expôs aos presentes o motivo da convocação, que é o conhecimento da reclamação apresentada pelo credor IASM, a aprovação das dívidas e a composições dos quinhões de cada interessado. Porém, tendo em conta as cláusulas específicas constantes do contrato de compra e venda celebrado entre o inventariado e o IASM, os herdeiros podem optar ou por adquirir a fracção autónoma constante da relação de bens ou devolvê-la ao IASM, recebendo a diferença entre a renda previamente fixada no respectivo contrato e as prestações já pagas pelo inventariado, portanto, há todo o interesse de saber, de antemão, qual é a vontade dos todos ou da maioria dos herdeiros para que a partilha da herança seja feita consoante essa escolha, pois o bem objecto da herança e a eventual dívida é também determinado de acordo com essa opção.
----Assim, por todos os herdeiros presentes manifestaram a vontade de aquisição da fracção autónoma da IASM para a revender e com o dinheiro da venda será paga a dívida que tem para com esta entidade.
----Pela Mmª Juíz foi dito que mostrando-se a vontade dos herdeiros de aquisição da fracção autónoma, é momento de conhecer a reclamação sobre o valor da dívida feita pelo IASM.
----Nestes momento, pedida a palavra o Sr. A, representante do I.A.S.M., concedida e foi dito que a 2.ª dívida (juros por falta de pagamento do remanescente do preço da fracção autónoma mencionada na Verba Única do Activo ao I.A.S.M.) constante da relação de bens de fls. 90, cujo saldo, até à presente data, é no valor de MOP$251,311.17.
DESPACHO
--- Na relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, esta só descreve como passivo na verba dois os juros de mora contados a partir de 26 de Março de 2005 até 26 de Março de 2010, entendendo que os juros anteriores a 26 de Março de 2005 se encontraram prescritos nos termos do art°303°, alínea c) do C.C ..
--- Na reclamação deduzida pelo IASM, este entendeu que os juros de mora constante do verba dois do passivo deve incluir os juros contadas a partir de Julho de 2000 até ao seu efectivo pagamento.
--- A fracção autónoma em apreço é objecto de contrato com reserve da propriedade, cuja transmissão só se efectuará com o pagamento da última prestação mensal acordada entre as partes.
--- Na escritura pública outorgada entre o inventariado e o IASM constam cláusulas seguintes:
--- "No caso de falecimento do comprador, ora inventariado, a fracção autónoma em aquisição transmite-se segundo as normas de sucessões "mortis causa"
--- E no caso de os herdeiros não poderem ou não desejarem prosseguir com a mencionada aquisição, poderá o governador, actualmente o chefe executivo, mediante requerimento, autorizar a sua desistência, devolvendo-se-lhes o quantitativo correspondente à diferença entre o total da quantia que este deveria ter pago, a título de renda, durante esse período, se tivesse permanecido como arrendatário."
--- Na reunião realizada no dia 14 de Julho de 2004 entre alguns dos herdeiros legítimos do falecido e a IASM, foi concedido pela esta entidade aos herdeiros o prazo até 05 de Agosto de 2004 para manifestar a vontade ou de desistência da aquisição ou aquisição por sucessão.
--- O acto da escolha não é um acto de administração, pelo que esse direito deve ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros. (art° 1929° CC.)
--- Porém, os herdeiros não conseguiram até à data de conferência obter um consenso sobre a escolha, tendo apenas a interessada B manifestado expressamente quer não pretendia adquirir a fracção autónoma em causa por carta dirigida ao IASM no dia 22 de Julho de 2004.
--- Acrescentando que, noutro processo de inventário facultativo CIV-010-01-4, aberto para partilha dos bens deixados pelo mesmo inventariado a requerimento da cônjuge viúva, em que esta desempenhou a função de cabeça-de-casal, o processo foi julgado deserto por falta de impulso processual justamente por não apresentação da nova relação de bens com indicação da fracção autónoma em causa. Daí se resulta que havia divergência entre os herdeiros quanto à aquisição da fracçào autónoma deixada pelo “de cuju”.
--- Face à divergência das vontades dos. herdeiros, tornou-se impossível para o IASM proceder os procedimentos subsequentes, nomeadamente se exercer o direito de cobrança dos créditos vencidos não pagos, ou devolver as quantias pagas pelo inventariado, com desconto das rendas pagas.
--- A situação pendurou até à actualidade só pode ser de culpa dos herdeiros, uma vez que o IASM fez diligências no sentido de contactar com os herdeiros e apurar a vontade destes, só que estes nunca deram uma resposta definitiva, deixando o caso a demorar com o tempo.
--- Dispõe-se o nº2 do artº313º do CC. “Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência do dolo do obrigado, a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito no decurso das últimas 3 meses de prazo, não se completando nunca antes de decorrido 1 mês após o termo da causa de suspensão.”
--- Verificada a causa suspensiva por o direito de crédito não pode ser exercido por falta de manifestação da opção pelos todos os herdeiros, a prescrição a que a cabeça-de-casal alega só se completou decorrido 1 mês após o ermo da causa.
--- Nestes termos, como os herdeiros somente no acto de conferência escolhem por aquisição da propriedade da fracção autónoma em causa, o prazo de prescrição dos juros completa-se-á daqui a um mês. --------------------------------------------------------
--- Pelo que se entende os juros contados desde Julho de 2000 até à actualidade, reclamados pelo IASM não se encontram prescrito.
--- Nestes termos, se julga procedente a reclamação, em consequência, determinando que os juros de mora por falta de pagamento das prestações mensais deve ser contado a partir de Julho de 2000 até ao efectivo pagamento, passando a verba dois do passivo da relação de bens com o seguinte:
--- Juros a partir de Julho de 2000 até ao efectivo pagamento, sendo os juros contados até Outubro de 2011 ser de MOP$251,311.17.
--- Proceda à alteração à relação de bens em conformidade de acordo com o disposto do n° 5 do art°986° do C.P.C.
Desse despacho ficaram notificados todos os interessados presentes na conferência.
Não se conformando com aquela decisão de deferimento do pedido formulado pelo representante do IASM, vieram o cônjuge sobrevivo e o cabeça-de-casal recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância.
Notificados do despacho que admitiu os recursos e que lhes fixou a subida deferida e efeito meramente devolutivo, veio apenas o cabeça-de-casal apresentar as alegações do seu recurso concluindo e pedindo:
1ª
O objecto do presente recurso é o despacho proferido em sede de conferência de interessados de 11 OUT 2011 por via do qual foi julgada procedente a reclamação sobre o valor da dívida feita pelo Instituto de Acção Social de Macau (I.A.S.M.) e, assim, determinado que os juros de mora contados e reclamados por este desde JUL 2000 não se encontram prescritos mas que, diferentemente, se mostram exigíveis desde aquela data até ao efectivo pagamento.
2a
O despacho recorrido enferma de erro na aplicação do direito.
3a
O direito de crédito que ao I.A.S.M. cabia, querendo, exercer não era outro senão o de levar a execução imediata o contrato firmado em 1997 e cuja primeira prestação vencida mas não paga implicou o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais.
4a
Tal incumprimento ocorrido implicou terem-se todas ope legis por vencidas e terem-se todas imediatamente por exigíveis - cfr. art. 770.° do Código Civil e carta de 29 MAR 2001 do I.A.S.M.
5ª
Logo, desde JUL 2000 que o I.A.S.M. tinha na sua mão e em exclusivo todos os poderes para rescindir o contrato e para avançar para o processo de execução fiscal a fim de se ressarcir do seu crédito e nem necessitava sequer de efectuar a interpelação do devedor, pois que TODAS as prestações se encontravam já vencidas e imediatamente exigíveis!
6a
Perante um crédito cujas prestações se mostravam vencidas e exigíveis in totum à data de JUL 2000, competia-lhe enquanto seu poder-dever funcional o dever de agir, expedita e diligentemente, designadamente promovendo oficiosamente todos os actos, trâmites e formalidades que se revelassem necessários para o ressarcimento do seu crédito.
7a
O I.A.S.M., atento o seu estatuto de direito público e por força da lei, ficou constituído no dever legal e imperativo de agir, porém, nada diligenciou, nada promoveu, nada instou e nada remeteu para os devidos efeitos às Finanças.
8ª
A verdade é que com a morte do Inventariado, sobreveio apenas um quadro de opção estabelecido a favor dos seus herdeiros, concedendo-lhes a faculdade de exercerem, querendo, determinadas opções, nada lhes, impondo, porém, como dever legal de agir, contrariamente à posição juridicamente vinculada do I.A.S.M.
9ª
Com efeito, que os herdeiros manifestassem ou não a sua opção, que omitissem tal manifestação ou que decidissem num ou noutro sentido, em nada condicionava, em nada fazia depender e em nenhum ponto ou aspecto bulia com a relação autónoma, essa sim principal, firmada entre o Inventariado e o I.A.S.M.
10ª
Esta relação jurídica permaneceu, mesmo após a morte do Inventariado, apta a ser executada, coercivamente se necessário, e a fazer derivar, se executada, deveres financeiros e patrimoniais sobre ou a massa da herança ou sobre os próprios herdeiros.
11ª
O I.A.S.M. não se pode esconder atrás da superveniente situação jurídica (meros direitos facultativos de opção) surgida com a morte do Inventariado para justificar não só os poderes-deveres funcionais que deixou de exercer logo desde JUL 2000 como desde a data do óbito em diante!
12ª
O incumprimento desse seu poder-dever de acção apenas pode incidir negativamente sobre a sua própria esfera jurídico-patrimonial e, indirectamente, sobre o erário público por o I.A.S.M., ao ter deixado de promover pela tempestiva reclamação de juros que só com a Execução fiscal vieram a ser reclamados, deixou prescrever na sua mão os juros vencidos de JUL 2000 até MAR 2005, conforme se prevê no art. 303.°, al. c) do Código Civil.
13ª
Por parte do I.A.S.M., tratou-se de um puro défice de zelo e mesmo da omissão de um dever legal de agir que se lhe encontra funcionalmente cometido enquanto ente público, adstrito ao cumprimento pronto e diligente dos comandos legais e, in casu, de assegurar a boa gestão de dinheiros públicos, concretamente de não deixar prescrever por absoluta falta de acção juros moratórios cujo vencimento começou a correr logo desde JUL 2000, há mais de onze anos!
14ª
Ora, sabendo que podia - melhor dizendo, deveria - ter promovido a pronta e devida execução fiscal, o que se comprova pelo facto de que o fez, pese embora tardiamente (quase 10 anos após o incumprimento do contrato!), o I.A.S.M. não pode reclamar juros de mora dos últimos cinco anos anteriores à dedução, feita em 26 MAR 2010, da oposição à execução fiscal finalmente instaurada.
16ª
Ora, por tudo quanto atrás se disse e apontou do comportamento omissivo do I.A.S.M., mostra-se de todo em todo infundada a referência feita na decisão a quo ao comportamento dos herdeiros do Inventariado como consistindo em "dolo do obrigado" e, como tal, tendo gerado a suspensão dos prazos de prescrição.
17ª
Os herdeiros do Inventariado nunca agiram concertada nem articuladamente nem nunca de facto chegaram efectivamente a conseguir acertar qualquer opção conjunta quanto aos direitos voluntários de opção surgidos na sequência do falecimento do Inventariado.
18ª
Logo, imputar-se-lhes uma qualquer consciência e vontade unificada (o tal "dolo do obrigado") apta a consistir num impedimento à satisfação dos deveres legais imperativos a cargo do I.A.S.M. de promover pelo ressarcimento - logo desde JUL 2000! - dos seus créditos, consiste num juízo de errónea aplicação dos comando legais, in casu do art. 313.º, n.º 2 do Código Civil.
19ª
Nunca houve qualquer actuação concertada dos herdeiros do Inventariado, mais a mais uma actuação pensada e destinada a fazer impedir - como se tal fosse sequer possível- o I.A.S.M. de cumprir os seus deveres legais!
20ª
O I.A.S.M. é que nunca fez o que deveria ter feito, fugindo por perto de 10 anos ao cumprimento dos comandos legais sobre si impendentes enquanto entidade de direito público!
21a
E quando, por fim, após inúmeras ameaças seguidas de uma passiva inércia, veio a promover a execução fiscal, pretendeu escapar-se ao normativo que manda prescrever em cinco anos os Juros.
22a
Que essa sua inércia seja passível de enquadramento, como foi, nos quadros do "dolo do obrigado" a que alude o art. 313.º, n.º 2 do Código Civil, parece à aqui recorrente ser um notório erro na aplicação do direito por parte do Tribunal a quo.
23a
O que na realidade ocorreu foi que os herdeiros do Inventariado nunca vieram a coincidir ou a adoptar, senão muito recentemente, uma posição comum quanto aos direitos de opção ingressados na sua esfera jurídica aquando do óbito do Inventariado, situação essa que nunca foi idónea, apta ou adequada a servir de escusa ou de impedimento ao I.A.S.M. para promover e fazer actuar os deveres, esses sim legais e imperativos, de se ressarcir do seu crédito, vencidas e imediatamente exigíveis todas as prestações logo desde JUL 2000!
24a
Assim, sendo, salvo o devido respeito, a situação da divida reclamada pelo I.A.S.M deverá obrigatória que ser aplicado o artigo 303º, al. c) do Código Civil e unicamente poder ser reclamado os último 5 anos de juros vencidos e não pagos.
Pelo que, nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado procedente, devendo a decisão da Mm.ª Juíza a quo ser alterada e ser considerado que nos autos de inventário no que respeita à reclamação dos I.A.S.M. só poderiam ser admitidos, para além do capital em divida, os juros correspondentes aos últimos 5 anos vencidos e não pagos.
Fazendo-se assim inteira justiça.
Nenhumas contra-alegações foram apresentadas.
Continuando a marcha processual nos termos devidamente tramitados, proferido despacho determinativo da forma da partilha e, elaborado e colocado à reclamação o mapa de partilha, foi oportunamente proferida a sentença homologatória da partilha.
Inconformado com a sentença homologatória da partilha, veio o cabeça-de-casal recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
1.ª O objecto do presente recurso é a Sentença Homologatória que, na sequência da interposição do recurso de 15 NOV 2011, não procedeu à reparação do segmento decisório constante do despacho proferido em sede de conferência de interessados de 11 OUT 2011 por via do qual foi julgada procedente a reclamação sobre o valor da dívida feita pelo Instituto de Acção Social de Macau (I.A.S.M.) e, assim, determinado que os juros de mora contados e reclamados por este desde JUL 2000 não se encontram prescritos mas que, diferentemente, se mostram exigíveis desde aquela data até ao efectivo pagamento.
2.a O despacho recorrido enferma de erro na aplicação do direito.
3.a O direito de crédito que ao I.A.S.M. cabia, querendo, exercer não era outro senão o de levar a execução imediata o contrato firmado em 1997 e cuja primeira prestação vencida mas não paga implicou o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais.
4.ª Tal incumprimento ocorrido implicou terem-se todas ope legis por vencidas e terem-se todas imediatamente por exigíveis - cfr. art. 770.° do Código Civil e carta de 29 MAR 2001 do I.A.S.M.
5.ª Logo, desde JUL 2000 que o I.A.S.M. tinha na sua mão e em exclusivo todos os poderes para rescindir o contrato e para avançar para o processo de execução fiscal a fim de se ressarcir do seu crédito e nem necessitava sequer de efectuar a interpelação do devedor, pois que TODAS as prestações se encontravam já vencidas e imediatamente exigíveis!
6.ª Perante um crédito cujas prestações se mostravam vencidas e exigíveis in totum à data de JUL 2000, competia-lhe enquanto seu poder-dever funcional o dever de agir, expedita e diligentemente, designadamente promovendo oficiosamente todos os actos, trâmites e formalidades que se revelassem necessários para o ressarcimento do seu crédito.
7.a O I.A.S.M., atento o seu estatuto de direito público e por força da lei, ficou constituído no dever legal e imperativo de agir, porém, nada diligenciou, nada promoveu, nada instou e nada remeteu para os devidos efeitos às Finanças.
8.ª A verdade é que com a morte do Inventariado, sobreveio apenas um quadro de opção estabelecido a favor dos seus herdeiros, concedendo-lhes a faculdade de exercerem, querendo, determinadas opções, nada lhes, impondo, porém, como dever legal de agir, contrariamente à posição juridicamente vinculada do I.A.S.M.
9.ª Com efeito, que os herdeiros manifestassem ou não a sua opção, que omitissem tal manifestação ou que decidissem num ou noutro sentido, em nada condicionava, em nada fazia depender e em nenhum ponto ou aspecto bulia com a relação autónoma, essa sim principal, firmada entre o Inventariado e o I.A.S.M.
10.ª Esta relação jurídica permaneceu, mesmo após a morte do Inventariado, apta a ser executada, coercivamente se necessário, e a fazer derivar, se executada, deveres financeiros e patrimoniais sobre ou a massa da herança ou sobre os próprios herdeiros.
11.ª O I.A.S.M. não se pode esconder atrás da superveniente situação jurídica (meros direitos facultativos de opção) surgida com a morte do Inventariado para justificar não só os poderes-deveres funcionais que deixou de exercer logo desde JUL 2000 como desde a data do óbito em diante!
12.ª O incumprimento desse seu poder-dever de acção apenas pode incidir negativamente sobre a sua própria esfera jurídico-patrimonial e, indirectamente, sobre o erário público por o I.A.S.M., ao ter deixado de promover pela tempestiva reclamação de juros que só com a Execução fiscal vieram a ser reclamados, deixou prescrever na sua mão os juros vencidos de JUL 2000 até MAR 2005, conforme se prevê no art. 303.º, al. c) do Código Civil.
13.ª Por parte do I.A.S.M., tratou-se de um puro défice de zelo e mesmo da omissão de um dever legal de agir que se lhe encontra funcionalmente cometido enquanto ente público, adstrito ao cumprimento pronto e diligente dos comandos legais e, in casu, de assegurar a boa gestão de dinheiros públicos, concretamente de não deixar prescrever por absoluta falta de acção juros moratórios cujo vencimento começou a correr logo desde JUL 2000, há mais de onze anos!
14.ª Ora, sabendo que podia - melhor dizendo, deveria - ter promovido a pronta e devida execução fiscal, o que se comprova pelo facto de que o fez, pese embora tardiamente (quase 10 anos após o incumprimento do contrato!), o I.A.S.M. não pode reclamar juros de mora dos últimos cinco anos anteriores à dedução, feita em 26 MAR 2010, da oposição à execução fiscal finalmente instaurada.
15.ª Ora, por tudo quanto atrás se disse e apontou do comportamento omissivo do I.A.S.M., mostra-se de todo em todo infundada a referência feita na decisão a quo ao comportamento dos herdeiros do Inventariado como consistindo em "dolo do obrigado" e, como tal, tendo gerado a suspensão dos prazos de prescrição.
16.ª Os herdeiros do Inventariado nunca agiram concertada nem articuladamente nem nunca de facto chegaram efectivamente a conseguir acertar qualquer opção conjunta quanto aos direitos voluntários de opção surgidos na sequência do falecimento do Inventariado.
17.ª Logo, imputar-se-lhes uma qualquer consciência e vontade unificada (o tal “dolo do obrigado”) apta a consistir num impedimento à satisfação dos deveres legais imperativos a cargo do I.A.S.M. de promover pelo ressarcimento - logo desde JUL 2000! - dos seus créditos, consiste num juízo de errónea aplicação dos comando legais, in casu do art. 313.º, n.º 2 do Código Civil.
18.ª Nunca houve qualquer actuação concertada dos herdeiros do Inventariado, mais a mais uma actuação pensada e destinada a fazer impedir - como se tal fosse sequer possível - o I.A.S.M. de cumprir os seus deveres legais!
19.ª O I.A.S.M. é que nunca fez o que deveria ter feito, fugindo por perto de 10 anos ao cumprimento dos comandos legais sobre si impendentes enquanto entidade de direito público!
20.ª E quando, por fim, após inúmeras ameaças seguidas de uma passiva inércia, veio a promover a execução fiscal, pretendeu escapar-se ao normativo que manda prescrever em cinco anos os juros.
21.ª Que essa sua inércia seja passível de enquadramento, como foi, nos quadros do "dolo do obrigado" a que alude o art. 313.º, n.º 2 do Código Civil, parece à aqui recorrente ser um notório erro na aplicação do direito por parte do Tribunal a quo.
22.ª O que na realidade ocorreu foi que os herdeiros do Inventariado nunca vieram a coincidir ou a adoptar, senão muito recentemente, uma posição comum quanto aos direitos de opção ingressados na sua esfera jurídica aquando do óbito do Inventariado, situação essa que nunca foi idónea, apta ou adequada a servir de escusa ou de impedimento ao I.A.S.M. para promover e fazer actuar os deveres, esses sim legais e imperativos, de se ressarcir do seu crédito, vencidas e imediatamente exigíveis todas as prestações logo desde JUL 2000!
23.ª Assim, sendo, salvo o devido respeito, a situação da divida reclamada pelo I.A.S.M deverá obrigatória que ser aplicado o artigo 303°, al. c) do Código Civil e unicamente poder ser reclamado os último 5 anos de juros vencidos e não pagos.
Pelo que, nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado procedente, devendo a decisão da Mm.ª Juíza a quo ser alterada e ser considerado que nos autos de inventário no que respeita à reclamação dos I.A.S.M. só poderiam ser admitidos, para além do capital em divida, os juros correspondentes aos últimos 5 anos vencidos e não pagos.
Fazendo-se assim inteira justiça.
Nenhumas contra-alegações foram apresentadas.
Subidos ambos os autos a esta segunda instância, no exame preliminar, pelo despacho do Relator, foram admitidos os recursos interpostos pelo cabeça-de-casal e julgado deserto o recurso interposto pelo cônjuge sobrevivo, entretanto admitido pela Exmª Juiz a quo mas não motivado.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de notar que apesar de serem formalmente diversos o objecto do recurso interlocutório e o do recurso da sentença homologatória, o certo é que tanto num como noutro, o cabeça-de-casal coloca uma única questão, isto é, a da prescrição da dívida resultante dos juros de mora alegadamente vencidos antes de 26MAR2005, para fundamentar a sua pretensão de ver revogadas as decisões recorridas.
Assim, a apreciação e a decisão da única questão colocada pelo recorrente prejudicam necessariamente o conhecimento do recurso final da sentença homologatória.
Vejamos.
De acordo com os elementos constantes dos autos, é de dar por assente a seguinte matéria de facto com relevância à boa decisão da questão levantada pelo recorrente:
* O inventariado C foi ex-funcionário do IASM e faleceu em 19MAR2001;
* Por escritura pública outorgada em 09MAIO1997, entre o IASM, representado pela sua então Presidente, e o inventariado C, foi celebrado um contrato de compra e venda de uma fracção autónoma propriedade do Governo, nos termos previstos e permitidos pela Lei nº 4/83/M de 11JUN e do Decreto-Lei nº 56/83/M de 30DEZ que regulamenta aquela lei;
* Nos termos desse contrato, foi estipulado nomeadamente:
* o IASM vende ao ora inventariado a fracção autónoma, devidamente identificada as fls. 61 dos p. autos, pelo preço de MOP$187.625,00;
* o preço da venda é pago em 96 prestações mensais e sucessivas, nos termos definidos no artº 13º do Decreto-Lei nº 56/83/M de 30DEZ;
* a transmissão da propriedade da fracção autónoma só se efectivará com o pagamento da última prestação do preço;
* Em caso de falecimento do comprador, a fracção em aquisição transmite-se segundo as normas de sucessão «mortis causa»;
* em caso de os herdeiros não puderem ou não desejarem prosseguir com a mencionada aquisição, poderá o então Governador, agora Chefe do Executivo, mediante requerimento autorizar a sua desistência, devolvendo-se-lhes o quantitativo correspondente à diferença entre o total da quantia que este deveria ter pago a título de renda durante esse período se tivesse permanecido como arrendatário (sic);*
* caso os mencionados herdeiros residissem, em comunhão de mesa e habitação, com o segundo outorgante, poderão igualmente requerer o arrendamento da referida fracção autónoma.
* Antes do falecimento do inventariado em 19MAR2001, foram pagas 37 prestações mensais;
* A 37ª e última prestação mensal foi efectuada em 22MAIO2000;
* Em 19ABR2001, a viúva do inventariado B comunicou, por carta dirigida ao Presidente do IASM, subscrita por ela própria e pelo advogado H. Miguel de Senna Fernandes, que ela própria não desejava prosseguir com a aquisição da fracção autónoma e que pretende que lhe seja devolvido o quantitativo correspondente à diferença entre o total da quantia que este deveria ter pago, a título de renda, durante esse período, se tivesse permanecido como arrendatário, na parte correspondente ao seu quinhão hereditário e que porque ela mesma era a única herdeira que se encontrava a morar na referida fracção à data do falecimento do inventariado C, pretendia que a aquisição se converta em arrendamento, por renda mais módica possível, no caso de os restantes herdeiros, também manifestarem o seu desejo de não pretenderem prosseguir na aquisição do mesmo bem – vide fls. 144 dos p. autos;
* Em 3 e 5JUL2004, o IASM mandou publicar um anúncio, nos jornais, um em língua chinesa e o outro em língua portuguesa, avisando-se que os herdeiros do inventariado para, no prazo de 30 dias, a contar da publicação do anúncio, a liquidação da quantia vencida relativamente à amortização de empréstimo, sob pena de remeter à execução fiscal – vide fls. 145 dos p. autos;
* Até à publicação dos anúncios, nenhum dos outros herdeiros do inventariado entrou em contacto com o IASM a fim de resolver o assunto relacionado com a fracção em causa;
* Em 14JUL2004, realizou-se uma reunião em sede do IASM, na qual estiveram presentes o pessoal do IASM e alguns dos herdeiros do inventariado, quais são B, D, E, F e G;
* Após a reunião, em 22JUL2004, a viúva do inventariado B comunicou, por carta dirigida ao Chefe do Departamento de Estudos e Planeamento do IASM, subscrita pela advogada Sílvia Mendonça, que não pretendia adquirir o imóvel e que embora não pretendesse adquirir o imóvel, caso algum dos outros herdeiros o fizesse, não prescindiria do seu direito a tornas, na proporção da sua quota hereditária, relativas ao mesmo imóvel – vide fls. 150 dos p. autos;
* Em Agosto2009, IASM contactou a herdeira D, solicitando que resolvesse a questão relacionada com a fracção autónoma o mais rápido possível;
* Mediante o ofício datado de 17AGO2009, o IASM remeteu à DSF os elementos necessários à instauração de um processo de execução fiscal com vista à cobrança coerciva dos alegados créditos resultantes do não pagamento do remanescente do preço da venda do imóvel e dos juros de mora entretanto vencidos, tendo identificado para o efeito os herdeiros do ora inventariado;
* Em 15SET2009, a herdeira D endereçou uma carta por ela subscrita ao IASM, requerendo que “conceda um prazo de dois meses para se tentar resolver o problema através de uma partilha negocial”;
* Em 30NOV2009, a herdeira D endereçou uma carta por ela subscrita ao IASM, requerendo que “a concessão do prazo de um mês para ver se se consegue consumar a partilha amigável do bem e assunção da dívida a esse Instituto”;
* Em 01ABR2010, a herdeira E requereu o presente inventário facultativo e veio a ser nomeada cabeça-de-casal;
* Em 19JUL2010, o cabeça-de-casal apresentou a relação dos bens, ora junta a fls. 89 a 91 dos p. autos, no qual figuram duas verbas no passivo, de ambas as verbas que é credor o IASM, uma é a dívida do remanescente do preço da fracção autónoma no valor de MOP$157.535,90, e a outra é dívida, correspondente ao valor calculado dos juros de mora vencidos no período compreendido entre 26MAR2005 e 26MAR2010, emergente do não pagamento do remanescente do preço da fracção autónoma em causa, no valor de MOP$141.780,00;
* Citado como credor da herança para os termos do inventário, o IASM veio, em 26OUT2010, manifestar a sua concordância em relação a primeira dívida e questionar a segunda, reclamando, em vez dos juros de mora de 5 anos tal como declarados pelo cabeça-de-casal, o valor de MOP$224.480,25, correspondente aos juros de mora calculados desde Julho de 2000 até Outubro de 2010 – vide fls. 124 a 127 dos p. autos; e
* Na conferência de interessados realizada em 11OUT2011, todos os herdeiros, pessoalmente presentes ou devidamente representados, manifestaram definitivamente a vontade de adquirir a fracção autónoma em causa para revender e pagar com o dinheiro da venda a dívida que têm para com o IASM.
Inteirados de todas estas vicissitudes que precederam a prolação do despacho recorrido, passemos então à apreciação da única questão levantada pelo cabeça-de-casal, isto é, a de saber se, no momento da reclamação por parte do IASM, os juros de mora vencidos antes de 26MAR2005 se encontravam já prescritos ou não.
Para o recorrente, como na sua carta datada de 29MAR2001 endereçada aos herdeiros do inventariado, o IASM comunicou aos herdeiros que se encontravam em dívida desde JUN2000 as prestações relativas à compra da fracção autónoma em causa, e que em conformidade com o regime legal aplicável, o não pagamento de uma prestação implica o imediato vencimento das restantes prestações.
Apoiando-se nessa informação jurídica prestada na carta do IASM, defende o recorrente que o não pagamento da prestação mensal contratualmente assumida pelo inventariado em JUL2000 já tornou as restantes prestações imediatamente vencidas e exigíveis e que portanto, a partir dai começou a correr o prazo de 5 anos de prescrição extintiva dos respectivos juros de mora.
E na esteira desse raciocínio conclui o recorrente que no momento da reclamação dos créditos, os juros de mora anteriores a MAR2005 já se encontraram prescritos.
Ora, nos termos do disposto no artº 927º do CC, vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, não obstante convenção em contrário.
Ora, o preço total da fracção é de MOP$187.624,50 e a prestação mensal é no valor de MOP$2.670,10.
Obviamente o valor de uma prestação fica muito aquém do valor da oitava parte do preço e portanto o não pagamento de uma prestação não implica o vencimento imediato das restantes prestações.
Bom, tratando-se de uma informação jurídica errada prestada pelo IASM que não tem a virtualidade de afastar essa norma imperativa, o que foi dito sobre a perda do benefício do prazo nessa carta é inócuo.
Improcede assim esta tese do recorrente.
Além disso, o recorrente defende que foi por não actuação diligente por parte do IASM que as prestações em dívida perduraram durante mais de onze anos, dizendo que o retardamento da sua cobrança se deve à omissão de um dever geral de agir que se lhe encontra funcionalmente cometido enquanto ente público, adstrito ao cumprimento pronto e diligente dos comandos legais e, in casu, de assegurar a boa gestão de dinheiros públicos, concretamente de não deixar prescrever por absoluta falta de acção juros moratórios cujo vencimento começou a correr logo desde JUL2000, há mais de onze anos.
Todavia, conforme iremos demonstrar infra, esse argumento só procede em relação a uma parte dos juros de mora reclamados pelo IASM.
Antes de mais, é de salientar que merecem tratamentos diferentes os juros alegadamente vencidos antes do falecimento do inventariado e os que se venceriam depois do seu falecimento, ou seja, os juros de mora resultantes do não pagamento pontual pelo inventariado das prestações já vencidas antes do seu falecimento e os juros de mora alegadamente devidos por causa do não pagamento do remanescente das prestações, ab initio escalonadas no contrato de compra e venda para serem efectuadas depois da data do falecimento do inventariado.
1. Os juros alegadamente vencidos antes do falecimento do inventariado
De acordo com a matéria de facto assente, o inventariado efectuou a 37ª e última prestação mensal em 22MAIO2000 e faleceu em 19MAR2001, ou seja, cerca de nove meses antes do seu falecimento já deixou de efectuar as prestações.
Assim, antes do falecimento do inventariado, já ficaram vencidos e exigíveis os juros de mora resultantes do não pagamento pontual dessas nove prestações que deveriam ser pagas mensalmente no período compreendido entre JUN2000 e FEV2001, o que significa que o IASM poderia exercer o seu direito aos juros de mora contra o ora inventariado antes do seu falecimento.
Ora, nos termos do disposto no artº 291º/1 do CC, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
E em face do estatuído no artº 303º/-c), prescrevem no prazo de 5 anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos.
Iniciado e antes de completado o prazo de 5 anos de prescrição extintiva, faleceu o devedor, ora inventariado.
Como se sabe, a morte do devedor ora inventariado não extingue a dívida, mas apenas opera uma modificação subjectiva da relação jurídica patrimonial de que ele era sujeito passivo, sendo certo que a prescrição, já iniciada antes do falecimento do devedor, continua a correr – artº 301º do CC.
Todavia, dadas as dificuldades que podem surgir quando se não saiba quem é o cabeça-de-casal ou quem são os herdeiros, a lei atribui à morte do devedor o efeito suspensivo da prescrição do direito do credor ou estende razoavelmente o prazo de prescrição por forma a assegurar que o credor possa ainda exercer atempadamente o seu direito contra a herança depois de identificar o cabeça-de-casal ou os herdeiros – artº 303º do CC, à luz do qual a prescrição de direitos contra herança não se completa antes de decorridos 6 meses depois de haver pessoa contra quem os direitos possam ser invocados.
Tendo sido demonstrado que pelo menos em 17AGO2009, data em que o IASM oficiou à DSF com vista à cobrança coerciva por via de execução fiscal, já era do conhecimento do IASM a identidade de todos os herdeiros do inventariado, já se prescreveram há muito os créditos resultantes dos juros de mora entretanto vencidos antes do falecimento do inventariado, pois o exercício desse direito pelo IASM mediante a reclamação dos créditos só teve lugar em 26OUT2010, ou seja, já decorridos mais do que catorze meses sobre 17AGO2009.
Assim, é de revogar a decisão recorrida nessa parte relacionada com os créditos, reclamados pelo IASM, que consistem nos juros de mora resultantes do não pagamento pontual pelo próprio inventariado, antes do seu falecimento, das nove prestações que deveriam ser pagas mensalmente no período compreendido entre JUN2000 e FEV2001, e declarar prescrito o direito a esses juros de mora.
2. Os juros de mora alegadamente devidos depois do falecimento do inventariado
Passemos então a debruçar-nos sobre a outra parte dos juros de mora reclamados pelo IASM, alegadamente resultantes do não pagamento pontual no período compreendido entre MAR2001 e MAR2005, do remanescente do preço, isto é, daquelas prestações mensais que por força do estipulado no contrato de compra e venda do imóvel, deveriam ter sido pagas pelo ora inventariado se este não tivesse falecido em 19MAR2001, ou pelos seus herdeiros se estes optassem pela aquisição.
A solução dessa questão não é tão linear e muito mais complexa do que fazer uma simples contagem matemática do prazo de cinco anos para concluir se se encontravam já prescritos os reclamados juros de mora no momento da reclamação pelo IASM em 26OUT2010.
Pois in casu existe uma particularidade, isto é, ficou estipulado no contrato de compra e venda do imóvel que:
I. em caso de falecimento do comprador, a fracção em aquisição transmite-se segundo as normas de sucessão mortis causa; e
II. em caso de os herdeiros não puderem ou não desejarem prosseguir com a mencionada aquisição, poderá o Chefe do Executivo, mediante requerimento autorizar a sua desistência, devolvendo-se-lhes o quantitativo correspondente à diferença entre o total da quantia já paga pelo comprador através das prestações descontadas mensalmente nos seus vencimentos e a quantia que este deveria ter pago a título de renda durante esse período se tivesse permanecido como arrendatário.
Assim, de acordo com esse clausulado, o simples facto do falecimento do comprador opera uma modificação tanto subjectiva como objectiva da relação jurídica constituída pela outorga do contrato, ou seja, para além da extinção do direito à fracção na esfera jurídica do comprador entretanto falecido, criam-se duas alternativas cuja opção pertence exclusivamente aos seus herdeiros, isto é, a de sucederem na titularidade do direito à propriedade da fracção pagando o remanescente do preço, ou a de desistirem a aquisição mortis causa recebendo aquela diferença.
O que quer dizer o pagamento do remanescente do preço só terá lugar quando os herdeiros optarem por suceder na titularidade do direito à propriedade da fracção.
Enquanto os herdeiros não tiverem exercido a sua faculdade de prosseguir com a aquisição da fracção, o IASM não pode exigir a eles o pagamento do remanescente.
Ora, como vimos na matéria de facto assente, que evidencia a inércia ou desinteresse por parte dos herdeiros ao longo de mais de dez anos, o direito de opção só veio a ser definitivamente exercido por eles no âmbito do presente inventário, mais concretamente na conferência de interessados realizada em 11OUT2011.
Assim, o IASM só a partir desse momento é que passou a poder exercer o seu direito de crédito exigindo o pagamento do remanescente do preço da fracção, não tendo podido actuar antes desse momento por motivo, alheio ao IASM, mas exclusivamente imputável aos herdeiros do inventariado, que é justamente o não exercício atempado do direito de opção estabelecido a favor deles no contrato de compra e venda da fracção.
Equivalendo a opção in casu pelos herdeiros por adquirir mortis causa a fracção autónoma à aceitação da herança, os efeitos da aquisição retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, isto é, ao momento da morte do inventariado – artºs 1871º e 1888º/1 do CC.
Portanto deve ser esse momento jurídico da aquisição a atender como terminus a quo para o cálculo dos juros de mora, pois em regra o preço da coisa é devido no momento da sua aquisição.
Ora, nos termos do disposto no artº 299º/1 do CC, o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Como o IASM só pode exercer o direito a partir do momento em que os herdeiros exerceram o seu direito de opção pela aquisição mortis causa da fracção, isto é, em 11OUT2011, evidentemente não completou ainda o prazo de 5 anos da prescrição extintiva do direito aos juros de mora, resultantes do não pagamento, no período compreendido entre MAR2001 e MAR2005, do remanescente do preço, isto é, daquelas prestações mensais que por força do estipulado no contrato de compra e venda do imóvel, deveriam ter sido pagas pelos herdeiros que optaram pela prossecução com a aquisição da fracção.
Assim, não merece censura a decisão recorrida no que diz respeito a esta parte de juros de mora.
Todavia, tendo-se concluído supra pela prescrição dos juros de mora já vencidos antes do falecimento do inventariado, há que proceder-se à reforma do mapa de partilha, passando a fazer constar do mapa como verba dois do passivo juros de mora a partir de MAR2001 até ao efectivo pagamento integral do remanescente do preço.
O que prejudica necessariamente o conhecimento do recurso da sentença homologatória do mapa de partilha por este haver de ser reformado em conformidade com a decisão do recurso interlocutório.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar parcialmente provido o recurso interlocutório:
* revogando o despacho da Exmª Juiz a quo proferido na conferência de interessados realizada em 11OUT2011 e documentado na acta a fls. 240 a 243v dos p. autos, na parte respeitante aos créditos, reclamados pelo IASM, que consistem nos juros de mora resultantes do não pagamento pontual, pelo próprio inventariado antes do seu falecimento, das nove prestações que deveriam ser pagas mensalmente no período compreendido entre JUN2000 e FEV2001 e declarando prescritos esses mesmos créditos;
* mantendo-se na íntegra a restante parte do mesmo despacho; e
* determinando a reforma do mapa de partilha em conformidade.
E não tomar conhecimento do recurso da sentença homologatória do mapa de partilha por estar prejudicado.
Custas pelo recorrente, na proporção do decaimento.
RAEM, 31JAN2013
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Lai Kin Hong
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
*Esta cláusula apresenta-se manifestamente equívoca e incompreensível. No entanto, de acordo com o modelo-tipo da escritura do contrato de compra e venda que constitui anexo ao Decreto-Lei nº 56/83/M que regula a alienação dos fogos do Governo aos seus arrendatários, apura-se que esta cláusula deve ter a seguinte redacção: Que em caso de os herdeiros não puderem ou não desejarem prosseguir com a mencionada aquisição, poderá o Governador, mediante requerimento autorizar a sua desistência, devolvendo-se-lhes o quantitativo correspondente à diferença entre o total da quantia já paga pelo segundo outorgante através das prestações descontadas mensalmente nos seus vencimentos e a quantia que este deveria ter pago a título de renda durante esse período se tivesse permanecido como arrendatário; - o sublinhado por nós é a parte omissa na escritura pública constante das fls. 129 a 135 dos p. autos.
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