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Processo nº 972/2012 Data: 07.02.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

As declarações pelos arguidos prestadas em audiência de julgamento são um meio de prova objecto de livre apreciação do Tribunal, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), não estando o Tribunal vinculado a decidir em conformidade com o seu teor.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 972/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A (XXX), (1°) arguido, como autor de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão, condenando-se também B (XXX) , (2°) arguido, como autor de 1 idêntico crime na pena de 7 anos e 5 meses de prisão e um outro crime de “consumo de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 do mesmo diploma legal, na pena de 2 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 237-v a 238-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os arguidos recorreram.
Nas suas motivações de recurso, assacaram os arguidos à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e excesso das penas; (cfr., fls. 280 a 288 e 314 a 320-v).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 330 a 331-v e 332 a 333-v).

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Admitidos os recursos e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“A e B. ora arguidos dos presentes autos, foram condenados, respectivamente, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.° 8.° n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão, e, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.° 8.° n.° 1 e um de consumo ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.° 14, ambos da Lei n.° 17/2009, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 5 meses de prisão, pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 24 de Outubro de 2012.
Inconformados com a decisão, vêm recorrer ambos para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vícios de erro notório na apreciação da prova e violação dos art.s° 40, 65 e 71 do C.P.M. na determinação da medida das penas.
Analisados os autos, entendemos que não se pode reconhecer razão aos recorrentes, pois que não se vislumbra que o douto Acórdão ora recorrido tenha violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
Como já foi demonstrado pela Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, entendemos que o Tribunal a quo, mesmo que não resulte do acordo da comparticipação entre os dois recorrentes, apreciou e evidenciou todos os elementos legalmente previstos pelo art°. 355 do C.P.P.M., bem como as circunstâncias pessoais, nomeadamente as atitudes de confissão dos recorrentes, na sua douta decisão judicial, especialmente na parte da determinação das penas, cfr. fls. 237 dos autos, servindo-os como fundamentação da sua convicção e decisão final.
Nunca pode ser sombreado o douto Acórdão ora recorrido pelo vício de "erro notório", permitindo-nos a tal respeito, citar as ideias brilhantes sobre esta matéria fixadas pelo Tribunal de Segunda Instância nos seus acórdãos proferidos nos processos n°s 165/2011 de 12.05.2011, 403/2012 de 27.09.2012 e 731/2012 de 29.11.2012 :
"O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. art° 336° do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. art° 114° do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo."
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a edição da sentença do Tribunal, pois sim dentro dos requisitos da lei, uma vez que "irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal. "
É certo que o Tribunal a quo é livre para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, atendendo às exigências de prevenção criminal e da culpa do agente, nomeadamente de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do art.s° 40 e 65 do C.P.M ..
Não vemos que careça da consideração a atitude de confissão dos recorrentes no Acórdão ora recorrido uma vez que o Tribunal a quo tem toda a liberdade de decidir onde e como colocar essas declarações dos arguidos na sua fundamentação de decisão judicial, querendo na parte de enumeração dos factos provados ou não provados, querendo na de exposição dos motivos, de facto ou de direito que fundamentam a sua douta decisão.
Pelo exposto, é de concluir pela improcedência do recurso nesta parte.
*
Quanto à alegação da excessiva severidade da pena aplicada, não assiste também, em nossa opinião, razão aos arguidos recorrentes.
Concordando com a digna resposta do M.P., vale pena destacar, aqui mais uma vez, que as quantidades dos produtos estupefacientes apreendidos aos recorrentes são de quantidade muito superior à do uso diário que para a Cocaína é de apenas 0,03 gramas, em referência à Lei 17/2009.
Os recorrentes, ambos não residentes da R.A.E.M., deslocaram-se a Macau com o propósito de transportar e traficar tais quantidades elevadas de estupefacientes, sendo que, o recorrente B as possuía ainda para consumo próprio.
Tudo aponta para o dolo intenso dos recorrentes e a gravidade dos factos ilícitos, com carácter transfronteiriço, mostrando a vontade de perturbar a tranquilidade e paz social da R.A.E.M.. .
São, sem dúvida, prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática dos crimes em causa, que se constituem como riscos sérios para a saúde pública e a paz social.
Tudo ponderado, não se afiguram excessivas as penas de prisão aplicadas aos recorrentes, tendo em consideração as molduras abstractas da pena previstas para o crime bem como o disposto nos arts.° 40, 65 e 71 do C.P.M..
Devem assim ser julgadas improcedentes os recursos dos arguidos e ser confirmado o douto acórdão recorrido”; (cfr., fls. 345 a 347).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão do T.J.B., a fls. 233-v a 236, que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.

Do direito

3. Vem os arguidos A (XXX) e B (XXX), recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já explicitados.

Consideram que incorreu o Colectivo a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova” discordando também da pena que lhes foi imposta.

Cremos que não tem os ora recorrentes razão, sendo de se sufragar o entendimento assumido pelo Ministério Público na sua Resposta e Parecer que desde já se dá aqui como reproduzido.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Vejamos.

–– Do “erro notório na apreciação da prova”.

Pois bem, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.12.2012, Proc. n.° 926/2012 do ora relator).

No caso dos autos, assacam os recorrentes o dito vício, fundamentando-o com as suas declarações prestadas em audiência, afirmando em síntese, que com base nas mesmas não podia o Colectivo do T.J.B. decidir a matéria que constava da acusação da forma como decidiu, dando como provada a prática pelos mesmos dos factos que integram os crimes pelos quais acabaram por ser condenados.

Ora, como sem esforço se conclui, não se pode reconhecer razão aos recorrentes.

As declarações pelos arguidos prestadas em audiência de julgamento são um meio de prova objecto de livre apreciação do Tribunal, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), não estando o Tribunal vinculado a decidir em conformidade com o seu teor.

Por sua vez, importa ter presente que, no caso dos autos, para além das declarações dos arguidos, em audiência de julgamento prestaram também depoimento quatro testemunhas, (cfr., acta a fls. 229 a 230-v), e que, a decisão da matéria de facto tem sempre como base uma convicção formada após análise global da prova, o que desde logo demonstra que não pode proceder o recurso na parte em questão.

Com efeito, não se vislumbrando onde, como ou em que termos ou medida violou o Tribunal a quo as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e as legis artis, inviável é a procedência do recurso na parte em questão.

–– Da(s) pena(s).

Como se deixou relatado, com o Acórdão ora recorrido decidiu-se condenar A (XXX), (1°) arguido, como autor de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão, condenando-se também B (XXX) , (2°) arguido, como autor de 1 idêntico crime na pena de 7 anos e 5 meses de prisão e um outro crime de “consumo de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 do mesmo diploma legal, na pena de 2 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

E, também aqui não se vê que tenham os arguidos razão.

Como é sabido, o crime de “tráfico” é punido coma pena de 3 a 15 anos de prisão.

Em sede de determinação da pena, impõe-se atentar no art. 40° do C.P.M. quanto aos “fins das penas” e art. 65° do mesmo Código quanto aos “critérios para a determinação da medida da pena”.

Tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Assim, ponderando na factualidade provada, de onde se constata o dolo directo e intenso dos arguidos, a acentuada ilicitude da sua conduta e ponderando também nas evidentes e fortes necessidades de prevenção criminal, cremos que adequado não é dizer-se que excessivas são as penas de 8 anos e 7 anos e 5 meses de prisão aos arguidos aplicadas pelo crime de “tráfico” em questão.

O mesmo sucede no que toca à pena pelo crime de “consumo de estupefacientes” aplicada ao (2°) arguido B: 2 meses de prisão.

De facto a mesma encontra-se a meio da respectiva moldura penal, (cfr., art. 14° da Lei n.° 17/2009), e não se vislumbrando que provadas estejam circunstâncias atenuativas a favor do mesmo arguido, há que consignar que censura não merece tal pena.

Por sua vez, certo sendo que em sede de cúmulo jurídico das penas vigora o art. 71° do C.P.M., que manda ter em conta, – “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (n.° 1), prescrevendo também que o limite mínimo da pena é constituído pela pena mais grave aplicada e o limite máximo pela soma das penas aplicadas, (cfr., n.° 2) – no caso, dando lugar a uma moldura de 7 anos e 5 meses a 7 anos e 7 meses de prisão – evidente é que a pena única aplicada de 7 ano e 6 meses de prisão se mostra em conformidade com o legalmente estatuído, não havendo margem para qualquer redução.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam negar provimento aos recursos.

Pagarão o (1°) arguido A a taxa de 6 UCs, e o (2°) arguido B a de 7 UCs.

Honorários aos Exmos. Defensores Oficiosos de ambos os arguidos no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 7 de Fevereiro de 2013
José Maria Dias Azedo [Não obstante termos relatado o acórdão que antecede, atenta a quantidade de estupefaciente em causa – pouco mais de 10 gramas de “Cocaína” – e à moldura penal para o crime de “tráfico de estupefacientes” – 3 a 15 anos de prisão – excessivas se nos afiguram as penas fixadas por tal crime, pelo que decidia pela sua redução].

Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 972/2012 Pág. 18

Proc. 972/2012 Pág. 17