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Processo nº 643/2011
Data do Acórdão: 25OUT2012


Assuntos:

Impugnabilidade contenciosa


SUMÁRIO

Não é contenciosamente impugnável o acto que, de per si não tendo eficácia externa, consiste na classificação de uma obra púbica já executada levada a cabo por um grupo de elementos de diversas entidades que se encarregaram de fiscalizar e controlar a qualidade da obra ao longo da sua execução.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 643/2011

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA A, LIMITADA, devidamente identificada nos autos, vem recorrer contenciosamente do indeferimento tácito do “recurso hierárquico” por ela apresentado ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas.

Citado, veio o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas suscitar a excepção da falta de impugnabilidade contenciosa do acto objecto do recurso hierárquico e subsidiariamente contestou pugnando pela improcedência do recurso.

Notificada da excepção suscitada pela entidade recorrida, a recorrente, veio defender a improcedência da excepção e reiterar o pedido de procedência do recurso.

O Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no visto inicial suscitando a questão da impossibilidade superveniente da lide por entretanto, isto é, após a interposição do presente recurso contencioso, o Senhor Secretário ter ordenado a devolução do recurso hierárquico ao Gabinete para o Desenvolvimento das infra-estruturas sem que tivesse sido usada a faculdade a que se refere o artº 81º/1 do CPAC.

Todavia, não se pronunciou sobre a excepção suscitada pela entidade recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre conhecer desde já a excepção suscitada pela entidade recorrida.

De acordo com os elementos probatórios existentes nos autos, é de dar como assente a seguinte matéria de facto com relevância à apreciação e decisão da excepção suscitada pela entidade recorrida:

* Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 09FEV2009, foi determinada a abertura do concurso público para a Empreitada de Concepção e Construção de Passagem Superior Pedonal na Avenida do Oceano;

* Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 29MAIO2009, a empreitada foi adjudicada à Sociedade de Construção e Engenharia A, Limitada, ora recorrente;

* Concluída a execução da obra e na vistoria para o efeito de recepção provisória, foi realizada a avaliação da obra por uma comissão constituída por dois engenheiros do GDI, que acompanharam a obra, por um responsável do Centro de Investigação e Ensaio em Engenharia, que controlou a qualidade de execução da obra e por um representante da empresa Consulasia, Lda., encarregada da fiscalização da execução da obra, procedeu-se à avaliação da obra;

* Avaliação essa que foi reduzida a um documento que se denomina 承建商工程質量評核表, ou seja, mapa das classificações da qualidade da obra executada pela empreiteiro, ora constante do processo administrativo;

* O mapa foi assinado por todos os elementos da acima referida comissão;

* A classificação final atribuída no mapa é 3,94;

* Em 26ABR2011 a empreiteira, ora recorrente, tomou conhecimento do mapa e ao assinar formulou a declaração da não concordância com o resultado das classificações e de reservar o direito de impugnação;

* Mediante o requerimento datado de 26MAIO2011, que se dirigiu ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a recorrente expôs as razões que a levaram a sua não concordância com o mapa de classificação e pediu que fossem revogadas as classificações dadas e atribuída à ora recorrente uma pontuação final não inferior a 7.12;

* Sobre o requerimento foi elaborada uma proposta pelo GDI, e submetido à apreciação do Senhor Secretário;

* A recorrente interpôs o presente recurso contencioso em 23SET2011, com fundamento no alegado indeferimento tácito;

* Em 21OUT2011, mediante o despacho lançado sobre a proposta do GDI, o Senhor Secretário determinou que fosse devolvido para o GDI todo o expediente relacionado com o requerimento;

Vejamos.

Coloca-se perante nós uma questão da impugnabilidade contenciosa de um acto.

A este respeito diz o artº 28º/1 do CPAC que são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária.

Está em causa in casu um acto que consiste na classificação de uma obra púbica já executada levada a cabo por um grupo de elementos de diversas entidades que se encarregaram de fiscalizar e controlar a qualidade da obra ao longo da sua execução.

Trata-se a obra em causa de objecto de uma empreitada adjudicada à recorrente mediante concurso público, aberto e regulado pelo D. L. nº 74/99/M de 08NOV.

Se é verdade que o citado diploma prevê a vistoria da obra com vista à recepção provisória, no mesmo decreto nada foi prescrito em relação a tal mapa da classificação da qualidade da obra executada.

Não se sabe portanto quais são os efeitos externos que este mapa pode produzir na esfera jurídica da recorrente nem para quê finalidade se serve.

E de acordo com os elementos constantes dos autos, incluindo o alegado na petição inicial do recurso, o concurso público foi realizado e o contrato administrativo que tem por objecto a empreitada foi concluído e pontualmente cumprido.

O que significa que o acto em causa é um acto posterior e autónomo em relação quer à adjudicação quer ao contrato de empreitada, pois está inserido no procedimento de adjudicação da obra nem na formação do contrato de empreitada, nem noutro procedimento administrativo conexo já desencadeado.

Comportando o acto em si o conteúdo de certo tipo de avaliações e relatório de uma obra pública já concluída, não se vê como e quais os direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente podem ser directamente atingidos por tais avaliações.

Mesmo que tivesse sido levada ao conhecimento da recorrente, a tal classificação não produz efectivamente quaisquer efeitos externos uma vez que o seu conteúdo é meramente avaliações dos vários aspectos de uma obra já executada, de per si não seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

Não sabendo com certeza para que finalidade foi levada a cabo uma tal classificação da qualidade da obra já executada, o certo é que com a elaboração do mapa da classificação, a Administração não pretende constituir ou modificar imediatamente relações intersubjectivas, entre a Administração e a recorrente, ou afectar a situação jurídica duma coisa, nomeadamente, as condições e os termos do contrato que tem por objecto a adjudicação da empreitada.

Admitimos embora a utilidade da classificação no futuro em determinado procedimento administrativo, dada a riqueza e multiplicidade das situações da vida, não temos a capacidade de prever as mais diversas oportunidades ou momentos no futuro em que poderá ser utilizada a classificação em causa, ou para que finalidade se poderá servir.

Todavia, com alguns esforços da imaginação, cremos, talvez, que a tal classificação possa afectar a ora recorrente no futuro, se ela vier candidatar-se a um concurso público para a adjudicação de obra pública, desde o próprio caderno de encargos ou o programa do concurso preveja o currículum dos concorrentes como factor de ponderação na avaliação das suas propostas.

Portanto a classificação não deixará de ter certa dose da instrumentalidade.

Só que mesmo com essa instrumentalidade, a classificação não se destina a instruir um acto cujo procedimento já desencadeado, mas sim um acto meramente eventual, longínquo, incerto e hipotético.

O que quer dizer a possibilidade de a classificação produzir efeitos jurídicos externos ou repercutir-se na esfera jurídica da recorrente fica condicionada ao desencadeamento de um procedimento administrativo de realização meramente eventual.

Então, dada a sua instrumentalidade incerta, mediata e longínqua, por mais errada ou injusta que seja, a classificação em causa só tem a virtualidade meramente hipotética de afectar a ora recorrente através da prática no futuro de um acto administrativo que a aproveita.

Contudo, mesmo que isso venha a acontecer, a recorrente não fica desamparada, dado que quaisquer vícios de que padece a classificação só se tornam “lesivos” dos direitos e interesses da recorrente se vierem a ser efectivamente aproveitados em desfavor da recorrente na prática do acto administrativo que, como se sabe é sempre passível de impugnação nos termos gerais.

Não tendo, por razões que vimos, efeitos jurídicos externos, o mapa da classificação em causa não pode deixar de ser um acto meramente interno sem eficácia externa, consequentemente insusceptível de impugnação contenciosa.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar procedente a excepção da falta de impugnabilidade contenciosa do acto ora posto em crise, rejeitando o presente recurso contencioso.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 25OUT2012


_________________________ _________________________
Lai Kin Hong Vítor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)