Processo nº 1010/2012 Data: 07.02.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime(s) de “burla”.
Pena.
Cúmulo jurídico.
Suspensão de execução.
SUMÁRIO
1. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.
2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1010/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar B, C e D, (1°, 2° e 4°) arguidos, como co-autores da prática de 2 crimes de “burla (qualificada)”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 e n.° 4, al. a) do C.P.M., nas penas de 1 ano e 3 meses de prisão e 2 anos e 6 meses de prisão para os dois primeiros arguidos, e de 1 ano e 9 meses de prisão e 3 anos de prisão para o último (4°) arguido.
Em cúmulo, foram os primeiros dois arguidos condenados na pena única de 3 anos de prisão, e o último (4°) arguido na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 526 a 537-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os arguidos recorreram manifestando apenas a sua discordância com as penas fixadas, considerando as excessivas, pedindo a sua redução e suspensão na sua execução; (cfr., fls. 568 a 595).
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Respondendo, é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 602 a 607-v).
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Neste T.S.I., e em douto Parecer, igual opinião tem o Ilustre Procurador Adjunto, pugnando também pela integral confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 628 a 628-v).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 530-v a 534, (que não vem impugnados, nem se mostram de alterar), e que aqui dão-se como totalmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem os (1°, 2° e 4°) arguidos B, C e D, recorrer do Acórdão que os condenou como co-autores de 2 crimes de “burla (qualificada)”, nas penas que atrás se deixaram explicitadas.
E, no âmbito dos seus recursos, colocam tão só a questão da adequação das penas fixadas, pedindo a sua redução e suspensão da sua execução.
Vejamos.
Está provado que com as suas condutas causaram os ora recorrentes os prejuízos de HKD$50.600,00 e HKD$160.400,00 aos dois ofendidos dos autos.
Atento, nomeadamente, a tais montantes, assim ponderou o Tribunal a quo:
“(…)
Os 1º, 2º e 4º arguidos cometeram, em co-autoria material e no concurso real:
- um crime de burla qualificada (valor elevado), p. e p. pelo art.º 211º, n.º3 do Código Penal de Macau, sendo punidos com pena de prisão de 1 mês a 5 anos ou com pena de multa de 10 a 600 dias; e
- um crime de burla qualificada (valor consideravelmente elevado), p. e p. pelo art.º 211º, n.º4, al. a) do código penal de Macau, sendo punidos com pena de prisão de 2 a 10 anos.
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A aplicação de penas tem por finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
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O art.º 64º do Código Penal dispõe que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De acordo com os supracitados factos provados, tendo em consideração a gravidade dos respectivos crimes e a necessidade de prevenção criminal, o Tribunal entende que a aplicação aos 1º, 2º e 4º arguidos da pena de multa não dá para realizar as finalidades da punição, pelo que o Tribunal opta pela aplicação da pena de prisão.
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A determinação da pena deve ter em consideração o disposto nos art.s 40º e 65º do Código Penal.
Na determinação da pena concreta, deve-se atender à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em conta também o grau de ilicitude, o modo da execução das consequências, o grau da violação dos deveres impostos, intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas, comportamento anterior e posterior e demais circunstâncias apurado.
De acordo com as culpas dos 1º, 2º e 4º arguidos e as exigências da prevenção criminal, tendo em consideração também as circunstâncias confirmadas na determinação da pena, nomeadamente o alto grau de ilicitude e alta intensidade do dolo que é de dolo directo, as enormes influências negativas que os 1º, 2º e 4º arguidos, como estrangeiros, causaram à paz social e aos patrimónios das ofendidas, pela prática dos crimes em Macau, bem como a divisão de tarefas e a cooperação entre si no decurso da prática de crime. Sendo todos primários, os 1º e 2º arguidos confessaram os factos imputados, mas o 4º arguido manteve o silêncio, o Tribunal Colectivo entende que é mais adequada a condenação dos 1º, 2º e 4º arguidos na pena de prisão de 1 ano e 3 meses, de 1 ano e 3 meses e de 1 ano e 9 meses, respectivamente, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, dum crime de burla qualificada (valor elevado), bem como na pena de prisão de 2 anos e 6 meses, de 2 anos e 6 meses e de 3 anos, respectivamente, pela prática dum crime de burla qualificada (valor consideravelmente elevado).
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Nos termos do art.º 71º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes, é condenado, em cúmulo jurídico, numa única pena, tendo a pena aplicável como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Nos autos, os 1º e 2º arguidos, pela prática, em concurso, dos dois crimes, são punidos com pena de prisão de 2 anos e 6 meses até 3 anos e 9 meses.
O 4º arguido, pela prática, em concurso, dos dois crimes, é punido com pena de prisão de 3 anos até 4 anos e 9 meses.
Nos termos do art.º 71º, n.º1 do Código Penal, tendo em consideração em conjunto os factos e a personalidades dos arguidos, o presente Tribunal Colectivo determina:
Condenar o 1º arguido numa única pena de 3 anos de prisão:
Condenar o 2º arguido numa única pena de 3 anos de prisão:
Condenar o 4º arguido numa única pena de prisão de 3 anos e 6 meses.
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Como a pena de prisão aplicada ao 4º arguido é superior a 3 anos, não dispõe de condição para a suspensão da execução da pena.
Nos termos do art.º 48º do Código Penal, atendendo à personalidade dos 1º e 2º arguidos, às condições das suas vidas, às suas condutas anteriores e posteriores ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o presente Tribunal Colectivo determina não suspender a execução da pena de prisão aplicada aos 1º e 2º arguidos”.
Merece censura o assim decidido?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
De facto, e quanto à pena do crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 do C.P.M., afigura-se-nos adequada a opção pela “pena privativa da liberdade”, já que, ponderando no “modus operandi”, (comparticipação), dolo directo e intenso dos arguidos e necessidades de prevenção criminal, constata-se efectivamente que a pena não privativa da liberdade não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição; (cfr., art. 64° do C.P.M.).
Nesta conformidade, tendo presente a moldura penal aplicável, atento também o preceituado no art. 40° do C.P.M. quanto aos “fins das penas”, e art. 65°, do mesmo Código, que preceitua sobre os “critérios de determinação da pena”, cremos que também aqui se mostra de confirmar a pena de 1 ano e 3 meses de prisão fixada para os (1° e 2°) arguidos B e C, o mesmo sucedendo com a pena de 1 ano e 9 meses de prisão decretada ao (4°) arguido D.
Com efeito, tais penas, ainda assim, nem sequer chegam ao meio da moldura, e fortes e evidentes são as necessidades de prevenção criminal, adequada sendo também a diferenciação pelo Tribunal a quo efectuada atenta a postura processual dos arguidos.
Quanto às penas fixadas para o crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M. evidente é que nenhuma censura merece o decidido, pois que as mesmas estão bem próximas do limite mínimo da moldura penal aplicável, não se divisando margem para qualquer redução.
Quanto ao cúmulo jurídico, é sabido que na determinação da pena única deve-se ter em consideração, os factos e a personalidades dos arguidos, sendo que a moldura aplicável tem como limite mínimo a pena mais elevada aplicada e, o limite máximo, a soma das penas; (cfr., art. 71° do C.P.M.).
Assim, no caso, confrontamo-nos com uma moldura de 2 anos e 6 meses a 3 anos e 9 meses e 3 anos a 4 anos e 9 meses de prisão.
Como temos entendido, “na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012).
Face ao assim exposto, também aqui se mostra de concluir que não é de considerar excessivas as penas únicas fixadas; (de 3 anos para o 1° e 2° arguidos, e de 3 anos e 6 meses, para o 4° arguido).
Quanto à peticionada suspensão da execução da pena, é matéria regulada no art. 48° do C.P.M..
E, sobre a mesma tem este T.S.I. afirmado que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 04.10.2012, Proc. n° 435/2012).
Nesta conformidade, e afastada que está a suspensão da pena de 3 anos e 6 meses de prisão fixada ao (4°) arguido D, cabe dizer que também não se afigura de decidir pela suspensão da pena de 3 anos de prisão imposta aos (1° e 2°) arguidos B e C, pois que, como se disse, fortes são as necessidades de prevenção criminal.
Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, acordam negar provimento aos recursos.
Pagarão os arguidos a taxa de justiça de 6 UCs.
Honorários a cada um dos Exm°s Defensores no montante de MOP$1.200,00.
Macau, aos 07 de Fevereiro de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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Proc. 1010/2012 Pág. 1