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Processo nº 930/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se:
- condenar o arguido B (B), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de “furto qualificado” p. e p. pelos art°s 198.°, n.° 2, alínea e) e 197.°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 4 anos de prisão cada; e
- alterar a qualificação jurídica efectuada na acusação quanto à prática, em autoria material e na forma tentada, de 1 (outro) crime de furto qualificado p. e p. pelos art°s 198.°, n.° 2, alínea e) e 197.°, n.° 1 do C.P.M., condenando-se o arguido pela prática, em autoria material e na forma tentada, de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197.°, n.°s 1 e 2 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão.
- em concurso foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão.

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Do assim decidido recorrem o Exmo. Magistrado do Ministério Público e o arguido.

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Na sua motivação diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“1. O tribunal a quo aplicou o artigo 198.° n.° 4 do Código Penal, alterando o crime acusado contra o arguido e condenou-o pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto p. e p. pelo artigo 197.° n.° 1 do Código Penal. Face a isso, este Ministério Público não concorda com tal ponto de vista.
2. Em primeiro lugar, conforme a ordem e a lógica, o crime de furto qualificado previsto no artigo 198.° do Código Penal é um crime consumado em conjugação com o artigo 197.° do mesmo Código. Constitui o crime de furto qualificado quando o agente praticou o crime de furto simples e existem as circunstâncias previstas no artigo 198.° n.°s 1 e 2 do Código Penal, e os dispostos legais previstos nos n.°s 3 e 4 são os casos específicos com base nas circunstâncias previstas nos n.°s 1 e 2.
3. Porém, o crime de furto é crime de resultado. O artigo 198.° n.° 4 do Código Penal é exactamente uma previsão específica quando o resultado lesivo ao bem jurídico é menor, isto é, a coisa furtada é de valor diminuto, por outras palavras, a nível objectivo, dado que o grau de lesão ao bem jurídico dos patrimónios do ofendido não é elevado, o que faz com que o agente possa "beneficiar" deste resultado objectivo, por isso, o agente é condenado pela prática do crime de furto simples.
4. Quando o tribunal a quo entendeu que o crime de furto qualificado no presente processo é um, crime tentado, isto implica que o tribunal a quo também entendeu que não existiu qualquer resultado criminoso (senão o arguido seria condenado pela prática do crime de furto qualificado), por isso, o "beneficio" devido ao baixo grau de lesão acima referido não é aplicável ao furto qualificado tentado por inexistência de qualquer resultado de lesão concreto.
5. À sua letra, a "coisa furtada" é "objecto que foi furtado", isto é, objecto furtado pelo agente. Caso o acto seja tentado, como se pode considerar que o objecto foi "furtado"? A nível jurídico, quando o acto de furto se encontra tentado, isto é, tal objecto ainda não se afasta da posse do seu proprietário ou do âmbito de guarda que o seu proprietário provavelmente tem, o acto ainda não pode ser considerado consumado e o objecto também não pode ser considerado como "furtado" .
6. Daí, pode-se ver que ao crime de furto qualificado tentado não é aplicável o artigo 198.° n.° 4 do Código Penal.
7. Em segundo lugar, conforme os dois crimes de furto qualificado praticados na forma consumada pelos quais o arguido foi condenado, e em conjugação com as regras de experiência comum, nomeadamente tendo em conta o grau de conhecimento do arguido na qualidade de vizinho sobre a habitação da ofendida e os valores dos bens geralmente existentes na habitação, podemos prever que na prática do crime de furto tentado desta vez (ou seja, da terceira vez), a intenção subjectiva, do arguido após a sua introdução na habitação da ofendida fosse para furtar objectos de valor superior a MOP$500,00.
8. Mais ainda, conforme o juízo de factos constante do acórdão recorrido, o tribunal a quo provou os seguintes: "(...) Tal ofendida mais referiu que quando o arguido pretendeu introduzir-se na sua habitação por escalamento, o seu acto foi descoberto, e naquele momento, existiam na sua habitação o ipad e o telemóvel".
9. Daí, pode-se ver que, ao praticar o crime de furto tentado em 21 de Fevereiro de 2012, existiam na habitação da ofendida o ipad e o telemóvel. Conforme as regras de experiência comum da vida, sem dúvida, o valor destes dois objectos já excede a MOP$500,00.
10. Assim, dado que se pode provar a intenção subjectiva do arguido B (B) que é para furtar objecto de valor superior a MOP$500,00 e o facto objectivo de que existem, sem dúvida, os objectos de valor superior a MOP$500,00 na habitação da ofendida, não existe, no acórdão recorrido, a circunstância e a dúvida referidas pelo tribunal a quo, isto é, "tendo em conta que não se indicou na acusação nem se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00", o que assim não é aplicável o "princípio de in dúbio pro reo" nem pode apenas o arguido ser condenado pela prática do crime de furto simples tentado p. e p. pelos artigos 197.° n.° 1 e 198.° n.° 4 e 21.° do Código Penal.
11. Em terceiro lugar, referiu-se no referido acórdão: "Tendo em conta que não se indicou na acusação nem se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00". Conforme o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Porto no Processo n.° 9740169;
"Tendo sido deduzida acusação por um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 204.° n.° 2 alínea c), 22.°, 23.° e 73.° todos do Código Penal, mas não se tendo indicado o valor dos objectos de que o arguido pretendia apropriar-se - que aliás não é elemento constitutivo do tipo legal de crime de furto - a determinação de tal valor só poderá ser feita em sede de julgamento, e não antes, designadamente aquando do despacho liminar do artigo".
12. Daí pode-se ver que dado que o valor dos objectos do crime de furto não é elemento constitutivo do tipo legal de crime de furto qualificado tentado, apesar de a acusação não ter indicado o valor dos objectos de que o arguido provavelmente apropriar-se-ia à data do crime, ainda podemos comprovar e conseguir provar tal valor durante a audiência de julgamento.
13. Conforme o juízo de factos constante do acórdão recorrido: "(…) Tal ofendida mais referiu que quando o arguido pretendeu introduzir-se na sua habitação por escalamento. o seu acto foi descoberto e naquele momento existiam na sua habitação o ipad e o telemóvel, o que já basta para provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido é, sem dúvida, superior a MOP$500,00.
14. Pelo que, conforme os pontos 7.° a 11.° dos factos provados do acórdão e na audiência de julgamento chegamos a saber que existiam na habitação da ofendida os objectos de valor de mais de MOP$500,00, o crime praticado pelo arguido já preenche o elemento constitutivo do crime de furto qualificado tentado, pelo qual deve o arguido ser condenado.
15.Pelos acima expostos, quanto ao crime praticado pelo arguido em 13 de Abril de 2012, deve o arguido ser condenado pela prática, como autor material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado nos termos dos artigos 21.°, 22.°, 197.° e 198.° n.° 2 alínea e) do Código Penal.
16. Caso assim não se entenda, vem este Ministério Público analisar o vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea b) do Código de Processo Penal de que o acórdão recorrido padece.
17. Quanto à "contradição insanável da fundamentação" prevista no artigo 400.° n.° 2 alínea b) do Código de Processo Penal, o Tribunal de Segunda Instância tem o seguinte entendimento no seu acórdão proferido no Processo n.° 22/2009, de 30 de Julho de 2009: "Só existe a contradição insanável da fundamentação quando verifica a incompatibilidade entre os factos dados como provados, bem como entre os factos dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto".
18. Daí, pode-se ver que, a contradição notória da fundamentação da matéria de facto também constitui o vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea b) do Código de Processo Penal.
19. Conforme a fundamentação do acórdão ora recorrido, o juízo de factos provou os seguintes: "(…) Tal ofendida mais referiu que quando o arguido pretendeu introduzir-se na sua habitação por escalamento, o seu acto foi descoberto, e naquele momento, existiam na sua habitação o ipad e o telemóvel. "
20. Daí, pode-se ver que o tribunal a quo, ao provar que em 21 de Fevereiro de 2012, dia em que o arguido praticou o crime de furto tentado, existiam na habitação da ofendida o ipad e o telemóvel, e conforme as regras de experiência comum da vida, o valor do ipad e do telemóvel, sem dúvida, é superior a MOP$500,00.
21. Contudo, o tribunal a quo chegou à seguinte conclusão: "Tendo em conta que não se indicou na acusação nem se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00 (…)’’.
22. Na fundamentação, o tribunal a quo considerou que no dia em que o arguido praticou o crime tentado, existiam na habitação da ofendida o ipad e o telemóvel, porém, não se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00, o que obviamente constitui a contradição insanável da fundamentação da matéria de facto.
23. Nestes termos, esta parte do acórdão enferma do vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea b) do Código de Processo Penal.
24. Caso assim não se entenda, vem este Ministério Público fazer uma análise quanto ao vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea c) do Código de Processo Penal de que o acórdão recorrido padece.
25. O Tribunal de Última Instância tem o seguinte entendimento no seu acórdão proferido no Processo n.° 22/2009, de 30 de Julho de 2009: "A jurisprudência judicial tem entendido que o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores".
26. In casu, quanto ao crime praticado em 21 de Fevereiro de 2012 constante da acusação, antes da audiência de julgamento, o Ministério Público pediu a alteração do imputado crime de furto tentado p. e p. pelos artigo 198.° n.° 2 alínea e) e n.° 4 e artigo 197.° n.° 1 do Código Penal para um crime de furto qualificado tentado p. e p. pelo artigo 198.° n.° 2 alínea e) do Código Penal e, naquela altura, tal pedido foi consentido pela parte do arguido.
27. Na audiência de julgamento, a testemunha C (C, ofendida) referiu que em 21 de Fevereiro de 2012, quando o arguido pretendia introduzir-se na sua habitação para praticar crime de furto, existiam nela o ipad e o telemóvel.
28. Além disso, conforme o juízo de factos constante do acórdão recorrido, o tribunal deu como provados os seguintes factos: "(…) Tal ofendida mais referiu que quando o arguido pretendeu introduzir-se na sua habitação por escalamento, o seu acto foi descoberto, e naquele momento, existiam na sua habitação o ipad e o telemóvel".
29. Daí, pode-se ver que na altura em que o arguido praticou o crime de furto tentado em 21 de Fevereiro de 2012, existiam na habitação da ofendia o ipad e o telemóvel. Apesar de não se conseguir provar o valor concreto dos referidos ipad e telemóvel, conforme as regras de experiência comum da vida, actualmente, o ipad é produto electrónico tecnologicamente mais avançado na nossa Sociedade, cujo valor é, em média, superior a MOP$3.000,00, não sendo produto barato e, os telemóveis custam geralmente pelo menos centenas a milhares patacas. Sem dúvida, o valor destes dois objectos já é superior a MOP$500,00.
30. Nestes termos, após a análise dos aludidos factos, o tribunal a quo chegou à seguinte conclusão: "Tendo em conta que não se indicou na acusação nem se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00 ( ... )". Tal conclusão viola, manifestamente, a lógica e o senso comum.
31. Uma vez que só o facto de que existiam na habitação da ofendida o ipad e o telemóvel no dia em que o arguido praticou o crime, já basta para provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00, pelo que, este Ministério Público entende que a conclusão chegada pelo tribunal a quo após a análise de facto é manifesta e logicamente inaceitável.
32. Nestes termos, esta parte do acórdão recorrido enferma do vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea c) do Código de Processo Penal.
33. E nos termos do artigo 418.° do Código de Processo Penal, deve o processo ser reenviado para novo julgamento”; (cfr., fls. 243 a 250).

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E, no seu recurso, assim conclui o arguido:

“1. Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou o Arguido B, ora Recorrente, condenado o mesmo em cúmulo jurídico na "pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva" pela prática de dois crimes de furto qualificado e por tentativa da prática de furto, previstos e punidos pelo 198.°, n.° 2, ai. e), art.° 196.°, al. c), art.° 197.°, todos do Código Penal.
2. As medidas das penas determinadas para cada um dos crimes de que o arguido vem acusado e bem assim, a que resulta do cúmulo jurídico violam os principias da proporcionalidade e adequação, por excessivas, por não ter sido considerada de forma adequada a culpa, o grau de ilicitude, a personalidade "do arguido, os seus antecedentes criminais, e bem assim a subsunção destes elementos aos fins das penas, em especial aos da previsão geral e especial positiva.
3. O Recorrente foi condenado por 2 (dois) crimes de furto qualificado a 8 (oito) anos de prisão, correspondendo a cada um dos crimes, 4 anos de prisão efectiva.
4. O recorrente é primário, confessou de forma espontânea, livre e sincera a prática destes crimes, não tendo o douto Tribunal a quo atendido às condições pessoais do agente, em especial, à conduta posterior ao facto de que vem condenado, tendo o Recorrente demonstrado arrependimento sincero.
5. O Recorrente demonstrou em sede de audiência de julgamento (e demonstra) ter uma forte convicção de querer recomeçar de novo a sua vida, pretendendo e desejando continuar a partilhar a sua vida com seu cônjuge, seu filho menor de 9 anos e seus pais já idosos, sendo o ente familiar que determinantemente contribui para as despesas e encargos daqueles.
6. A Família é o núcleo essencial para a sua integração na Sociedade, que será necessariamente posta em risco, caso a pena privativa de liberdade continue a ser aplicada.
7. Do primeiro furto, ocorrido em 4 de Fevereiro de 2012, resultou a subtracção de um computador portátil da marca FUJITSU no valor de MOP$4.500,00 (Quatro mil e quinhentas patacas) e do segundo, em 9 de Fevereiro, foi subtraído outro computador da marca DELL no valor de MOP$5.500,00 (Cinco mil e quinhentas patacas), sendo o valor patrimonial no montante de MOP$10.000,00, não devendo ser considerado valor elevado.
8. Montante que o Recorrente de sua vontade e demonstrando arrependimento devolveu a título de indemnização à ofendida/vítima, pelo empobrecimento a esta causado, conforme provado nos autos.
9. A pena determinada é manifestamente excessiva, não atendendo o douto Tribunal à conduta posterior do Recorrente.
10. O recorrente também foi condenado pelo crime de tentativa de furto a 6 (meses) de prisão.
11. Sendo o Recorrente primário, demonstrou arrependimento sincero, não subtraiu à ofendida/vitima qualquer objecto da fracção, não tendo sido atendida pelo douto Tribunal a conduta posterior do Recorrente, determinando uma pena manifestamente excessiva.
12. O Recorrente entende que a pena concreta considerada em cúmulo jurídico aplicada pelo Tribunal a quo numa pena de 5 anos de prisão efectiva mostra-se, à partida, não bem doseada, excessiva, não tendo sido também considerado de forma adequada a culpa, o grau de ilicitude, a personalidade do arguido, os seus antecedentes criminais.
13. Em sede de audiência de julgamento ficou provado que o Recorrente é primário, demonstrou arrependimento sincero, tendo demonstrado ter uma forte convicção de querer recomeçar de novo a sua vida, recomeço que será difícil se continuar a cumprir a pena de prisão.
13. Pretende continuar a partilhar a sua vida com o cônjuge, seu filho menor de 9 anos de idade e com seus pais já idosos e receber o apoio e carinho, tendo todos um sentimento de Família consolidado e fortificado e que fica em grave risco.
13. Sentimento que desaparecerá caso o Recorrente seja condenado a pena de prisão efectiva, a cumprir no estabelecimento prisional.
14. Será privado do que tem mais valor para si, a Família, será desintegrado da Sociedade, o que não acontecerá, se se mantiver em liberdade.
17. O Recorrente tinha um emprego e auferia um salário mensal de MOP$15.000,00.
18. Pode continuar a contribuir para os encargos e despesas da sua família, o que lhe permitirá uma constante integração na Sociedade, em respeito dos elementares valores.
19. O Recorrente reúne os predicados e os requisitos necessários para beneficiar de mais benevolência na pena aplicada.
20. Parece-nos de concluir que as circunstâncias pessoais (nomeadamente integração familiar e profissional) a censura dos factos irá realizar cabalmente as finalidades da punição.
21. A condenação em pena efectiva de prisão a que o Arguido foi condenado será, aliás, contraproducente.
22. São conhecidos os efeitos estigmatizantes de penas de curta duração, tendo nomeadamente o legislador de Macau deixado expresso no preâmbulo do Decreto-Lei 58/95/M, que aprova o Cod. Penal que "... ao mesmo tempo que procura evitar a aplicação efectiva da pena de prisão de curta duração, substituindo-a pela pena de multa sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Procura-se, deste modo, prevenir os efeitos estigmatizantes em relação a condutas que não ponham seriamente em risco os valores jurídico-penais nem desencadeiem intoleráveis danos sociais."
23. O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.
24. A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autentico pressuposto material da atenuação especial da pena (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - as consequências jurídicas do crime, pg. 306) .
25. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados; pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
26. Tendo em conta as exigências de prevenção especial positiva, permitem formular um prognóstico favorável acerca do comportamento do Recorrente no futuro.
27. A "confiança" da generalidade das pessoas não foi afectada pela conduta do Recorrente.
28. Considerando o quadro concreto do presente caso, é de concluir que estão preenchidas todas as condições para que o Tribunal decida por um juízo de prognose social mais favorável ao Recorrente e por conseguinte defira a diminuição da pena aplicada.
29. Pelo que a "pena de cinco (5) anos de prisão efectiva" resultante de cúmulo jurídico é excessiva, porquanto foi estabelecida em violação das regras de prevenção especial e em desconsideração das condições pessoais do agente, da sua conduta anterior e posterior aos factos.
30. Sendo o Recorrente Primário, o douto Acórdão recorrido viola o disposto nos arts. 40.° e 65° do Código Penal, devendo por isso ser proferido douto acórdão que revogue a decisão recorrida, e substituída por outra que condene o Arguido, ora Recorrente, em pena inferior à aplicada pelo douto Tribunal a quo.
31. No presente caso, a pena de prisão efectiva frustra as finalidades da punição, sobretudo a prevenção especial, negando a ressocialização do Recorrente.
32. Considerada a moldura concreta da pena aplicada, afigura-se desadequada e desproporcional a pena de prisão efectiva aplicada ao Arguido, cometendo-se um claro excesso ao não suspender a execução da pena a que alude o artigo 48° do Código Penal.
33. O recurso à suspensão da pena, significa que par um juízo de prognose, o julgador deve aferir que a censura dos factos e a ameaça da pena bastará para afastar o delinquente da criminalidade.
34. O Recorrente reúne as condições que consubstanciam um juízo de prognose social favorável, para que lhe seja dada uma última oportunidade.
35. Não entender desta forma, o Recorrente será afastado do convívio do cônjuge, seu filho de 9 anos de idade e de seus pais já idosos e colocar em causa a sua reinserção social.
36. Conforme dispõe o artigo 48° do Código Penal, as penas podem ser suspensas se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a ameaça de prisão cumpra adequada e suficientemente as finalidades da punição.
37. Considerando o quadro concreto descrito e o normativo legal citado, é de concluir que estão preenchidos todas as condições para que o tribunal decida por um juízo de prognose social favorável ao arguido e defira a tão almejada pretensão da suspensão da pena.
38. O Tribunal a quo deveria ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente.
39. A matéria de facto apurada não permite, porque insuficiente, a aplicação de outra pena que não a suspensão da sua execução.
40. A pena que o Recorrente foi condenado, é manifestamente excessiva, desencadeia o poder-dever do Tribunal de preferir a aplicação de uma pena não privativa da liberdade (Art.° 64° do Código Penal).
41. Na formulação desse juízo de prognose o Tribunal deve atender, pelo menos: i) à personalidade do agente, ii) às suas condições de vida, iii) à conduta anterior e Posterior ao facto punível e iv) às circunstâncias do facto punível.
42. A falta de menção dos pressupostos previstos no art." 48° do CP configura um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 400.° n.° 2, alínea a) do CPP.
43. Tendo em conta o supra exposto, e tendo em consideração os elementos de suporte da decisão em crise, cremos que, a decisão em crise padece irremediavelmente de erro de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova nos termos do art.° 400, n.° 2, al. a) e c) do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 267 a 282).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cremos assistir razão ao M.P. no recurso por si interposto.
Face à imputação empreendida quanto ao ilícito em questão - furto qualificado, nos termos da al e) do n° 2 do art° 198°, CP, sob a forma tentada - a descrição e indicação do valor dos bens passíveis de furto não se apresentam como elementos constitutivos do tipo legal, pelo que não têm as mesmas que constar, forçosamente, do libelo acusatório, sendo que a eventual "desqualificação" do ilícito, resultante do preceituado no n° 4 da mesma norma - "valor diminuto" da coisa furtada ou a furtar - poderá e deverá resultar da discussão e prova em audiência de julgamento, até por que, como é óbvio, tal se apresenta como "elemento negativo" a favorecer as pretensões do arguido.
Por outra banda, não vemos como accionar validamente o princípio "in dubio pro reo "em sede de qualificação e subsunção jurídicas da conduta imputada ao visado : aquele princípio releva apenas no domínio da apreciação dos factos, que não da sua qualificação. Na dúvida razoável sobre a prática daqueles, a mesma reverterá em favor do arguido.
Ora, no caso, através do externado pelo acórdão sob escrutínio, não se alcança que, minimamente, se tenha estabelecido ou tentado estabelecer factualidade que permitisse alcançar aquela dúvida àcerca da eventualidade de os bens passíveis de furto serem de valor diminuto.
Ao contrário, se alguma coisa resulta (e, estamos a reportar-nos, designadamente, à circunstância de o tribunal "a quo" ter, na apreciação da prova produzida, registado que a ofendida no crime tentado, C, referiu existir, na altura dessa tentativa, na sua habitação, pelo menos um "ipad" e um telemóvel) é que as circunstâncias normais das regras da experiência comum apontariam no sentido de o valor de tais bens ultrapassarem, inexoravelmente as 500 patacas.
Porém, o tribunal "a quo '', fundado apenas na circunstância de não se terem descrito e valorado na acusação os bens passíveis de furto e estribado no aludido princípio "in dubio pro reo ", este, interligado com o previsto no referido n° 4 do art° 198°, CP, entendeu por bem convolar a tentativa de furto qualificado para tentativa de furto, o que, quanto a nós, na falta do estabelecimento de qualquer factualidade a tal concernente, e, na existente, ser de sinal contrário, não poderá deixar de configurar erro de direito, ou erro notório na apreciação da prova, a justificar o provimento do recurso.
O mesmo não se diga relativamente ao recurso apresentado por B, já que
- não se vê que não tenham, na determinação concreta da pena ao mesmo aplicada, sido levadas em conta as circunstâncias relevantes que o devessem ser, designadamente as em seu abono, como a "confissão franca e sem reservas", o facto de ser primário e demonstrar arrependimento;
- a medida concreta alcançada relativamente a cada um dos referidos ilícitos consumados, situada abaixo do limite médio da pena abstractamente considerada, mostra-se, perante os circunstancialismos concretos apurados e o disposto nos art° 40° e 65°, CP, como justa e adequada, a não merecer reparo;
- atenta a conclusão anterior, resulta, desde logo, afastada, sob o aspecto formal, a hipótese de suspensão da execução da pena aplicada em cúmulo, sendo que, de todo o modo, perante tudo o apurado, nunca seria dê concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender merecer provimento o recurso do MP, nos termos sobreditos, não o merecendo o recurso interposto pelo arguido”; (cfr., fls. 370 a 372).

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Nada obstando, (certo sendo que em audiência de julgamento e por obediência ao princípio do contraditório, foram os sujeitos processuais advertidos da eventual possibilidade de se qualificar a conduta do arguido como autor de outros 2 crimes de “burla” – sem prejuízo do “princípio da proibição da reformatio in pejus” estatuído no art. 399° do C.P.P.M. – assim como da eventual possibilidade de se ordenar o reenvio do processo por vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, questões estas sobre as quais já emitiram pronúncia), cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Colectivo a quo como provados os factos seguintes:

“1.
C (C, ofendida) começou a arrendar a fracção sita no ...º andar ... do Edifício ...... na Avenida de ...... Macau desde Agosto de 2010 e ali mora com a sua empregada doméstica.
2.
No mesmo período, o arguido B (B) mora com a mulher e o filho na fracção … do mesmo andar, ficando um dos quartos da sua habitação adjacente ao quarto de empregada da habitação de C (C), apenas a cerca de meio metro de distância, e na parede exterior do edifício existe uma conduta de águas (vide a foto a fls. 30 dos autos).
3.
Em Fevereiro de 2012, por ter perdido dinheiro nos jogos e ter contraído dívida bancária com cartão de crédito, o arguido decidiu aproveitar-se de um dos quartos da sua habitação ficar adjacente ao quarto da habitação de C (C) e ser curta a distância para introduzir-se na mesma por meio de escalamento de janela e dali furtar bens.
4.
Antes de assim agir, o arguido iria dirigir-se à sala de contadores de electricidade para desligar o interruptor do contador de electricidade da habitação de C (C), de modo a verificar se estaria alguém na referida habitação. Minutos depois, se ninguém sairia, o arguido iria calçar um par de luvas de cor branca, saindo da sua habitação pela janela do quarto, escalando a parede exterior e introduzindo-se no interior da habitação de C (C) por meio da janela do quarto de empregada desta habitação e, de seguida, iria buscar bens de valor e apropriar-se dos mesmos.
5.
Pelas 09h15 do dia 4 de Fevereiro, o arguido introduziu-se pela forma acima descrita no interior da habitação de C (C) por meio de escalamento de janela e subtraiu um computador portátil de C (C) que se encontrava na mesa de jantar da sala de estar, de marca FUJISU, cujos números de modelo e de série não se lograram identificar, de cor vermelha escura, no valor aproximado de MOP$4.500,00, e depois, vendeu-o a casa de penhores de Macau, obtendo cerca de MOP$600,00, que veio a gastá-lo no casino.
6.
Pelas 14h30 do dia 9 de Fevereiro de 2012, o arguido introduziu-se mais uma vez pela forma acima descrita no interior da habitação de C (C) por meio de escalamento da janela e subtraiu um computador portátil pertencente a D (D), amigo de C (C), que se encontrava no quarto de dormir de C (C),de marca DELL, cujos números de modelo e de série não se lograram identificar, de cor preta, no valor aproximado de MOP$5.500,00, e depois, vendeu-o a casa de penhores do interior da China, obtendo cerca de RMB$1.000,00, que veio a gastá-lo no casino.
7.
Pelas 12h20 do dia 21 de Fevereiro de 2012, o arguido introduziu-se pela terceira vez na habitação de C (C) pela forma acima referida para dali furtar bens, porém, quando o arguido se introduziu no quarto de empregada por escalamento, o acto do arguido foi descoberto pela empregada doméstica de C (C), F, por isso, o arguido regressou imediatamente à sua habitação por escalamento e fechou a janela.
8.
Depois de C (C) regressar à casa, F informou-lhe o caso para que C (C) comunicou o facto à polícia.
9.
O arguido introduziu-se três vezes na habitação da ofendida por escalamento de janela, subtraiu os bens pertencentes à ofendida e ao amigo dela e apropriou-se dos mesmos sem conhecimento nem consentimento da ofendida.
10.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as aludidas condutas.
11.
O arguido bem sabia que as suas condutas eram ilegais e punidas por lei.
*
Além disso, a audiência de julgamento também provou os seguintes factos:
O arguido declarou ser pintor, auferindo mensalmente cerca de MOP$15.000,00, tendo como habilitações académicas o ensino primário completo, tendo a seu cargo os pais e tendo de pagar o empréstimo bancário do imóvel.
Conforme o CRC, o arguido é primário”.

Do direito

3. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

Um pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, e o outro pelo arguido dos autos.

No seu recurso, discute o Exmo. Magistrado do Ministério Público a decisão do Colectivo a quo no que toca à “alteração da qualificação jurídica”, mais concretamente, o segmento decisório em que se absolveu o arguido da prática de 1 crime de “furto qualificado” tentado, condenando-se o mesmo como autor de 1 “furto simples”, também na forma tentada, sendo que, no seu recurso, vem o arguido contestar as penas que lhe foram impostas.

–– Nesta conformidade, comecemos pelo “recurso do Exmo. Magistrado do Ministério Público”.

Vejamos.

Na parte em questão, assim, ponderou o Colectivo a quo:

“Quanto ao crime de furto qualificado, o artigo 198.º n.º 2 alínea e) e n.º 4 prevê que:
(…)
2. Quem furtar coisa móvel alheia
(…)
e) introduzindo-se em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos
(…)
4. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de valor diminuto.
Quanto ao valor diminuto, o artigo 196.º alínea c) do Código Penal prevê o seguinte:
Para efeitos do disposto no presente Código, considera-se:
(…)
c) Valor diminuto: aquele que não exceder 500 patacas no momento da prática do facto;
(…)
Além disso, no que toca ao crime de furto, o artigo 197.º do Código Penal consagra:
1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. O procedimento penal depende de queixa.
*
Conforme os factos apurados no presente processo, o arguido, agindo de forma livre, voluntária e consciente, sem conhecimento nem consentimento da ofendida C (C), introduziu-se duas vezes, no interior da habitação da ofendida por forma de escalamento, sendo que uma ocorreu no dia 4 de Fevereiro de 2012 e a outra no dia 9 de Fevereiro de 2012, subtraindo dois computadores portáteis que pertenciam respectivamente à ofendida e ao amigo desta, no valor superior a MOP$500,00 cada e apropriou-se dos mesmos. Obviamente, quanto aos dois actos de furto por escalamento, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 198.º n.º 2 alínea e) e 197.º n.º 1 do Código Penal.
Além disso, conforme os factos provados, em 21 de Fevereiro de 2012, o arguido pretendeu introduzir-se mais uma vez na habitação da ofendida por forma de escalamento para praticar o crime de furto, mas, tal acto foi descoberto, o que fez com que o arguido fugisse imediatamente do local. Tendo em conta que não se indicou na acusação nem se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00, e conforme o princípio de in dúbio pro reo e com o devido respeito pelo entendimento jurídico do Ministério Público, este Tribunal altera a qualificação jurídica dada na acusação contra o arguido quanto à prática, em autoria material e na forma tentada, de 1 crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 198.º n.º 2 alínea e) e 197.º n.º 1 do Código Penal e condena-o pela prática, em autoria material e na forma tentada, de 1 crime de furto p. e p. pelo artigo 197.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal”.

Será de manter o assim decidido?

Vejamos.

Como se disse, o Exmo. Magistrado recorrente discorda da decidida “alteração da qualificação jurídica”.

E, em sede do seu recurso, entende que incorreu o Colectivo a quo nos vícios de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova”, assim como incorrecta aplicação do princípio “in dubio pro reo”.

No que toca à “contradição”, diz que tendo o Tribunal afirmado que a ofendida referiu que “quando o arguido pretendeu introduzir-se na sua habitação por escalamento, o seu acto foi descoberto, e naquele momento, existiam na sua habitação o ipad e o telemóvel”, não podia, simultaneamente, afirmar que “não se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00”.

Pois bem, como é sabido, o vício de contradição insanável apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.05.2012, Proc. n° 179/2012).

E, sendo este o sentido e alcance do aludido vício, cremos que, na parte em questão, se terá de decidir pela improcedência do recurso.

Com efeito, não nos parece existir nenhuma incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os dados como não provados e entre a própria fundamentação e decisão.

O que sucedeu foi ter o Colectivo a quo referido (em sede de fundamentação) que não obstante ter a ofendida declarado que no dia em que foi vítima da “tentativa do furto” aqui em discussão, tinha em sua casa o seu “ipad” e telemóvel, mas que “não se conseguiu provar que o valor dos objectos provavelmente furtados pelo arguido naquele dia será certamente superior a MOP$500,00”.

E, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não vemos aí nenhuma “contradição insanável”.

Continuemos, passando para o invocado “erro notório”.

Ora, “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.12.2012, Proc. n.° 926/2012 do ora relator).

E a questão que aqui se coloca é a seguinte: devia o Colectivo a quo dar como provado que no dia em questão, tinha a ofendida em sua casa o seu “ipad” e telemóvel, e que o arguido tinha intenção de os furtar, ou de furtar outros objectos de valor superior a MOP$500,00?

Pois bem, desde já se diz que não estava o Tribunal a quo obrigado a decidir de acordo com as declarações da ofendida, dando como provada a existência na sua residência (e momento) do aludido “ipad” e telemóvel.

Com efeito, sendo a “prova testemunhal” objecto de livre apreciação do Tribunal, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), esta a solução que se nos mostra adequada.

Porém, resultando da matéria de facto que o arguido já tinha cometido 2 furtos na mesma fracção autónoma, e provado estando também que a ofendida mora na dita fracção com a sua empregada, afigura-se-nos bastante razoável concluir que na mesma fracção existiriam bens, de valor superior a MOP$500,00, e que, tal como tinha sucedido, tencionava o arguido subtraí-los; (o que não sucedeu por ter sido surpreendido).

Nesta conformidade, seria de afirmar que na parte em questão – incorreu o Colectivo a quo no vício de “erro” pelo Exmo. Magistrado recorrente imputado, julgando-se procedente o recurso, com o consequente reenvio do processo para novo julgamento.

Há porém aqui um aspecto que importa ter em conta.

É que não consta da matéria de facto dada como provada e não provada qualquer referência ao “ipad” e telemóvel da ofendida.

Esta surge apenas em sede de fundamentação.

E, esta mesma referência em sede de “fundamentação” não substitui o dever que sobre o Tribunal impende de se pronunciar, em sede de decisão da matéria de facto, sobre “toda a matéria objecto do processo”.

No caso, (e diversamente do que sucedeu no Proc. n.° 914/2012, em se apreciou questão próxima; cfr., Ac. de 31.01.2013), atenta a “referência” feita pelo Colectivo a quo, (no sentido de que a ofendida declarou que na altura tinha o seu “ipad” e telemóvel), evidente é que tal matéria foi “discutida” em sede de audiência de julgamento, e, se assim foi, devia pois constar na decisão da matéria de facto como matéria provada ou não provada. Assim não sucedendo, e sendo, como é evidente, matéria relevante para a decisão, afigura-se-nos que se incorreu no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, vício este que, ainda que não suscitado, não impede este T.S.I. de o declarar, dado que, como temos entendido, é vício de conhecimento oficioso.

Desta forma, e afigurando-se-nos que este vício “precede” o assinalado “erro”, já que, para se afirmar a existência deste, necessário é que tenha havido decisão na matéria de facto, (o que, in casu, não sucedeu), impõe-se ordenar o reenvio do processo para novo julgamento na parte em questão.

–– Considerando-se que a solução a que se chegou em relação ao recurso do Ministério Público não prejudica que (em sede do recurso do arguido) se proceda à apreciação das penas fixadas para os 2 crimes de “furto qualificado” consumados, a tanto se passa.

Vejamos.

Aos crimes em questão cabem as penas de 2 a 10 anos de prisão.

Em sede de determinação da medida da pena essencial é atentar nos art°s 40° e 65° do C.P.M..

Preceitua o art. 40° que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em relação ao art. 65° tem este T.S.I. vindo a entender que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Ponderando assim na factualidade apurada, de onde se denota um dolo directo e intenso do arguido, assim como uma acentuada ilicitude da sua conduta, e atento também às necessidades de prevenção criminal, cremos que excessivas não são as penas parcelares de 4 anos de prisão fixadas.

De facto, as mesmas ainda estão (relativamente) próximas do limite mínimo da moldura penal, estando a 2 anos do meio desta, não merecendo, assim, nenhuma censura.

*

Uma nota final.

Como atrás se deixou dito, em audiência de julgamento foram os sujeitos processuais também advertidos da eventual possibilidade de se qualificar a conduta do arguido como autor de outros 2 crimes de “burla”.

E, constatando-se que tem o arguido razão, quando na sua “resposta”, (cfr., fls. 381 e segs.), alega não ter havido queixa de quem que seja, mostra-se de consignar apenas que, face ao estatuído no art. 220°, n.° 1 do C.P.M., nada mais se mostra de acrescentar sobre o ponto em questão que não seja que a advertência efectuada tinha como único escopo assegurar o contraditório para o caso de sobre a matéria existir outro entendimento.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento nos exactos termos consignados, julgando-se, (desde já), parcialmente improcedente o recurso do arguido, (quanto às penas fixadas pelos dois crimes de “furto”consumados).

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs, (não se tributando o Ministério Público dada a sua isenção).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 07 de Fevereiro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (com declaração de voto)















Declaração de voto apendiculada ao
Acórdão de 7 de Fevereiro de 2013 do
Processo n.º 930/2012
Ficou o ora signatário vencido na decisão, tomada no acórdão hoje emitido por este Tribunal de Segunda Instância no seio dos presentes autos de recurso penal n.o 930/2012, na parte respeitante ao crime tentado de furto (qualificado ou não), por seguintes razões:
Da matéria de facto descrita como provada no texto da decisão final da Primeira Instância, sabe-se que o arguido, depois de ter subtraído, por duas vezes sucessivas, em datas diferentes (em 4 de Fevereiro de 2012 e 9 de Fevereiro de 2012), computadores portáteis (um em cada vez), de valor unitário igualmente superior a quinhentas patacas, na fracção autónoma de habitação da ofendida e da empregada doméstica desta, na qual ele se tinha introduzido sempre por escalamento para depois tirar aí bens alheios a fim de fazer seus sem consentimento dos respectivos donos, voltou a introduzir-se, em 21 de Fevereiro de 2012, na mesma fracção por escalamento com intuito de aí tirar bens alheios para fazer seus, só que nessa terceira vez, foi logo descoberto, aquando do escalamento, por tal empregada doméstica.
Assim sendo, e recorrendo às regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, a partir desses factos provados (a saber, os factos provados 1, 5, 6 e 7) e como tal conhecidos, seria possível, no modesto entendimento do signatário, presumir judicialmente um facto desconhecido (por aval sobretudo do art.o 342.o do Código Civil de Macau), qual seja, o de existir ainda nessa fracção autónoma objecto com valor pecuniário superior a quinhentas patacas.
Desta feita, seria de passar a condenar directamente, na presente lide recursória, o arguido também pela autoria material de um crime tentado de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 198.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal de Macau, em vez do crime tentado de furto simples porque vinha condenado o arguido em primeira instância a propósito do terceiro caso de furto acima aludido.
Macau, 7 de Fevereiro de 2013.
               O primeiro juiz-adjunto,
                
                 Chan Kuong Seng


Proc. 930/2012 Pág. 44

Proc. 930/2012 Pág. 1