Reclamação nº 3/2013
I – Relatório
No âmbito dos autos de acção especial do trabalho registada sob o nº CV2-09-0003-LAE, por sentença datada de 03JUL2012, foi condenada, entre outros, a A INSURANCE CO. LTD, enquanto 2ª interveniente principal chamada, a pagar aos Autores B e C, as quantias de MOP$38.662,96 e de MOP$42.152,02, respectivamente.
Notificada e inconformada, veio a A INSURANCE CO. LTD recorrer da mesma sentença mediante o requerimento motivado que deu entrada no Tribunal a quo em 19JUL2012.
Por despacho datado de 31JUL2012, as quantias nas condenações a cargo da A INSURANCE CO. LTD a favor dos dos 1º e 2º Autores foram rectificadas para MOP$26.555,75 e MOP$30.418,26, respectivamente.
Por despacho datado de 05SET2012, a quantia na condenação a cargo da A INSURANCE CO. LTD a favor do 2º Autor C foi rectificada para a quantia de MOP$57.978,15.
Por despacho datado de 21SET2012, as quantias nas condenações a cargo da A INSURANCE CO. LTD a favor dos dos 1º e 2º Autores foram rectificadas para MOP$27.896,38 e MOP$61.845,54, respectivamente.
Mediante o requerimento apresentado ao TJB em 21SET2012, a A INSURANCE CO. LTD juntou aos autos os recibos comprovativos do pagamento da indemnização aos Autores, respectivamente nas quantias de MOP$26.555,75 e de MOP$57.978,15.
Mediante o requerimento apresentado ao TJB em 21SET2012, a A INSURANCE CO. LTD veio reiterar a sua intenção de recorrer da sentença e solicitar a emissão de guias para pagamento da diferença dos montantes das indemnizações após a última correcção da sentença recorrida.
Por despacho datado de 19NOV2012, não foi admitido o recurso interposto pela A INSURANCE CO. LTD mediante a petição motivada em 19JUL2012.
E porque o recurso lhe não foi admitido, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
A Insurance Company Limited, devidamente notificada da sentença proferida nos autos acima e à margem cotados e, uma vez que não se conformou com a mesma, apresentou o seu recurso por requerimento de 19 de Julho de 2012.
Entretanto, no decurso dos trâmites do recurso, a ora reclamante, efectuou o pagamento da quantia de MOP$26.555,72 e MOP$57.978,15 aos autores e, posteriormente, após a sentença ter sido rectificada, requereu a emissão de guias para efectuar o pagamento da diferença do montante de indemnização apurado.
Nesse requerimento, datado de 22 de Outubro de 2012, a ora reclamante REITEROU a sua intenção de recorrer da sentença proferida nos autos, não obstante requerer a emissão das guias acima referidas.
Por despacho proferido a fls 892 dos autos, datado de 19 de Novembro de 2012, a Meritissima Juiza decidiu que “Apesar de requerimento expresso do recurso, os actos posteriores praticados por essa interveniente, isto é, o pagamento da parte da indemnização condenada e a vontade de ir pagar o remanescente, não podem deixar de ser interpretados como actos incompatíveis com a vontade de recorrer.
Nestes termos, com os actos de aceitação tácita da decisão proferida, deixou de a poder recorrer, de acordo com a norma acima transcrita.”
Assim sendo, não admito o recurso interposto por essa recorrente.”
A ora reclamante insurge-se contra esta decisão pois considera que o facto de ter efectuado o pagamento da indemnização a que foi condenada na sentença recorrida aos AA. não significa, de forma alguma, uma “aceitação tácita” da mesma, pois não foi praticado qualquer acto incompatível com a vontade EXPRESSA de recorrer anteriormente manifestada pela ora reclamante em 19 de Julho de 2012 e reiterada em 22 de Outubro de 2012.
Na verdade, o pagamento da indemnização aos AA. não é incompatível com a vontade de recorrer.
Desde logo porque, em processo de trabalho, dispõe o nº 1 do artigo 113º do C.P.T. que “os recursos interpostos das decisões de condenação nº pagamento de quaisquer importâncias, incluindo a multa, não suspendem os efeitos da decisão recorrida.”
Ou seja, no caso vertente, a reclamante, ao ter efectuado o pagamento da indemnização aos AA. apenas manifestou a sua intenção de não obter o efeito suspensivo da sentença mas NUNCA o seu desejo de não recorrer.
Atendendo à especialidade deste tipo de processos o pagamento efectuado pela recorrente não pode ser considerado aceitação tácita da sentença, especialmente depois de ter havido intenção expressa de continuar com o recurso interposto.
De acordo com o estipulado no artº 596º nº 2 do C.P.C. a reclamante pretende instruir a presente reclamação com a sentença recorrida, requerimento de recurso datado de 19 de Julho, requerimento datado de 22 de Outubro e despacho recorrido de fls 892.
Requer, assim, que as certidões destas peças processuais sejam juntas à reclamação que deverá ser autuada por apenso e contabilizadas a final.
Devidamente autuada a reclamação, a Exmª Juiz a quo proferiu o despacho mantendo a não admissão do recurso por razões já expostas no despacho ora reclamado.
II - Fundamentação
Passemos então a apreciar a reclamação.
O despacho reclamado não admitiu o recurso nos termos seguintes:
Vem a Companhia de Seguros A, Limitada recorrer a decisão final por requerimento de 19 de Julho de 2012.
Entretanto, do decurso dos trâmites do recurso, a mesma recorrente pagou a quantia de MOP$26.555.72 e MOP$57.918,15, respectivamente aos autores B e C, a título de pagamento da indemnização condenada nos presentes autos.
Não obstante da posterior correcção do valor final da indemnização a ser condenada a pagar por essa Ré, a mesma veio requerer a passagem de guia para pagamento da diferença do montante de indemnização a que foi condenada.
Nos termos do nº2 do artº586º do C.P.C., “Não pode recorrer a parte que, expressa ou tacitamente, aceite a decisão depois de proferida, considerando-se aceitação tácita a que deriva da prática de qualquer acto incompatível com a vontade de recorrer.
Apesar de requerimento expresso do recurso, os actos posteriores praticados por essa interveniente, isto é, o pagamento da parte de indemnização condenada e a vontade de ir pagar o remanescente, não podem deixar de ser interpretado como actos incompatíveis com a vontade de recorrer.
Nestes termos, com os actos de pagamentos manifestados pela recorrente, os quais devem ser entendidos como actos de aceitação tácita da decisão proferida, deixou de a poder recorrer, de acordo com a norma acima transcrita.
Assim sendo, não admito o recurso interposto por essa recorrente.
Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se houve aceitação tácita da decisão.
Como se sabe, se a caducidade do direito de recurso pode resultar do simples decurso do prazo legal para a interposição e do não exercício do direito de recorrer no prazo legal, a renúncia do direito de recorrer já pode decorrer de um acto, expresso ou tácito, de aceitação da decisão desfavorável – artº 586º/1 e 2 do CPC.
Apoiando-se no artº 586º/2 do CPC, a Exmª Juiz a quo entende que “apesar de requerimento expresso do recurso, os actos posteriores praticados por essa interveniente, isto é, o pagamento da parte de indemnização condenada e a vontade de ir pagar o remanescente, não podem deixar de ser interpretado como actos incompatíveis com a vontade de recorrer.
Nestes termos, com os actos de pagamentos manifestados pela recorrente, os quais devem ser entendidos como actos de aceitação tácita da decisão proferida, deixou de a poder recorrer, de acordo com a norma acima transcrita”.
Para a recorrente, “o pagamento da indemnização aos AA. não é incompatível com a vontade de recorrer. Desde logo porque, em processo de trabalho, dispõe o nº 1 do artigo 113º do C.P.T. que “os recursos interpostos das decisões de condenação nº pagamento de quaisquer importâncias, incluindo a multa, não suspendem os efeitos da decisão recorrida.” Ou seja, no caso vertente, a reclamante, ao ter efectuado o pagamento da indemnização aos AA. apenas manifestou a sua intenção de não obter o efeito suspensivo da sentença mas NUNCA o seu desejo de não recorrer. Atendendo à especialidade deste tipo de processos o pagamento efectuado pela recorrente não pode ser considerado aceitação tácita da sentença, especialmente depois de ter havido intenção expressa de continuar com o recurso interposto”.
Ora, a prática de um facto pelo condenado só pode ser interpretada como aceitação tácita de uma decisão que lhe seja desfavorável quando o tal facto nos apresente inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
E para nós, uma das manifestações dessa incompatibilidade inequívoca deve ser a inexistência de reserva alguma.
Assim, o pagamento imediato, pelo condenado, da quantia arbitrada na sentença, sem qualquer reserva, constitui uma forma tácita de aceitação da condenação, implicando a renúncia ao direito de recorrer face ao disposto no artº 586º/2 do CPC, à luz do qual não pode recorrer a parte que, expressa ou tacitamente, aceite a decisão depois de proferida.
In casu, existe uma particularidade.
Tal como vimos no relatório da presente decisão, o pagamento pela ora reclamante é precedido da interposição do recurso mediante requerimento motivado, e precede um requerimento que reitera a intenção de recorrer.
Assim, apesar de o pagamento ter sido efectuado através de um acto voluntário da condenada, ora reclamante, o certo é que sendo o pagamento acompanhado pela vontade expressa de recorrer, antes e depois do pagamento, dificilmente podemos configurar o tal pagamento ter sido feito sem qualquer reserva.
Portanto o pagamento feito nesses termos não deve ser tido como aceitação tácita da condenação.
Tudo visto, resta decidir.
III - Decisão
Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que, se outro motivo não impedir, seja admitido o recurso interposto pela ora reclamante A INSURANCE CO. LTD, mediante o requerimento datado de 19JUL2012.
Sem custas.
Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.
RAEM, 08FEV2013
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl. 3/2013-1