打印全文
Reclamação nº 2/2013


I – Relatório

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CR2-11-XXXX-CAO, que correm os seus termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, de que são Autora A LIMITED e Ré B LIMITED, foi por despacho datado de 28SET2012 da Exmª Juiz titular do processo homologada a desistência da instância requerida pela Autora e em consequência absolvida da instância a Ré.

Desse despacho homologatório da desistência, veio interpor recurso ordinário para esta 2ª instância.

Por despacho da Exmª Juiz a quo, não foi admitido o recurso por falta da legitimidade.

Notificada do despacho que não admitiu o recurso por ela interposto, vem, nos termos do artº 395º do CPP formular a presente reclamação dizendo que:

A presente Reclamação tem por objecto o despacho do Mmo. Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Base de fls. 410.
Tal despacho não admitiu o recurso interposto pela Ré ao abrigo do artigo 583.° do Código de Processo Civil (doravante "CPC").
Na verdade, a Ré foi absolvida da instância na sequência da desistência da instância por parte da Autora verificada antes da apresentação da sua contestação.
Considera o despacho reclamado que a absolvição da instancia não é desfavorável à Ré e "não contestando a acção, não há sucumbência por parte da Ré, pois ainda não tomou posição sobre [a] p.i., inexistindo qualquer objecto da demanda alegado por ela que o Tribunal não reconheceu" .
Não obstante, foi a Ré citada da Petição Inicial e da respectiva procuração junta aos autos pelos anteriores mandatários da Autora e, posteriormente, quando consultou os autos, verificou que foi requerida a junção de substabelecimento pelos actuais mandatários da Autora.
E, bem assim, foi notificada da sentença - a fls. 405 - que homologou a desistência da instância pela Autora e que absolveu a Ré da instância.
Nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do CPC, a insuficiência de mandato judicial pode, em qualquer altura, ser arguida pela parte contrária e suscitada oficiosamente pelo Tribunal.
Além disso, as decisões judiciais, como é o caso da sentença que homologou a desistência da instância formulada pela Autora e que absolveu a Ré da instância, são impugnadas por meio de recursos (artigo 581.º do CPC).
Assim sendo, foi por recurso que a Ré desafiou tal sentença.
Nos termos do artigo 242.° do CPC, após a junção do documento que requer a desistência da instância, examina-se se, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a desistência é válida e, em caso afirmativo, é a mesma declarada por sentença.
Na verdade, o exame da qualidade das pessoas que nela intervieram foi deficientemente efectuado na medida em que os mandatários da Autora não tinham e não têm poderes suficientes para desistirem da instância.
Se não vejamos: a procuração junta aos autos (cujos poderes foram substabelecidos nos actuais mandatários) confere poderes para "(...) praticar actos junto do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, e todos os actos necessários em relação ao registo obtenção, manutenção, renovação, transmissão e revogação ou defesa das suas patentes ou desenhos, podendo, para o efeito, requerer, declarar e promover o que quer que seja necessário ou conveniente para tais efeitos, incluindo intentar acções, transigir, desistir, receber quantias ou praticar qualquer outro acto processual Junto dos Tribunais de Macau. (...)" (tradução da Ré).
Como é bom de ver, os poderes foram apenas conferidos em relação a patentes e desenhos de que a Autora fosse titular.
O pedido e causa de pedir dos presentes autos não se referem a quaisquer patentes e desenhos de que seja titular mas, outrossim, à invalidade de uma patente da Ré, ora Reclamante.
Ora, em momento algum, alega a Autora a titularidade de qualquer patente ou desenho.
Assim, encontrando-se, como se encontram, funcionalizados os poderes forenses conferidos à defesa de patentes e desenhos de que a Autora fosse titular, é manifesta a insuficiência de mandato para a desistência da instância requerida.
Era, pois, este o objecto do recurso que a Ré interpôs oportunamente.
Assim, como é forçoso concluir, a Ré pretendia que a sentença que homologou a desistência da instância fosse declarada nula nos termos do artigo 243.° do CPC.
É tempo de concluir:
1. Os mandatários da Autora não tinham nem têm poderes suficientes para desistir da instância.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 82.° do CPC, a insuficiência de mandato judicial pode, em qualquer altura, ser arguida pela parte contrária e suscitada oficiosamente pelo Tribunal.
3. As decisões judiciais, como é o caso da sentença que homologou a desistência da instância formulada pela Autora e que absolveu a Ré da instância, são impugnadas por meio de recursos (artigo 581.° do CPC).
4. Ora, o recurso interposto era a o único mecanismo processual ao dispor da Ré para desafiar tal sentença.
5. Ao contrário do que estatui o artigo 242.° do CPC, o Mmo. Juiz a quo sem examinar a qualidade e poderes dos mandatários da Autora, declarou, por sentença, a validade da desistência.
6. Ora, os mandatários da Autora não têm poderes suficientes para a desistência da instância nos presentes autos, porquanto a procuração junta (cujos poderes foram substabelecidos nos actuais mandatários) confere apenas poderes para ''praticar actos junto do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, e todos os actos necessários em relação ao registo obtenção, manutenção, renovação, transmissão e revogação ou defesa das suas patentes ou desenhos, podendo, para o efeito, requerer, declarar e promover o que quer que seja necessário ou conveniente para tais efeitos, incluindo intentar acções, transigir, desistir, receber quantias ou praticar qualquer outro acto processual junto dos Tribunais de Macau. "
7. Isto é, os poderes foram apenas conferidos em relação a patentes e desenhos de que a Autora fosse titular.
8. O pedido e causa de pedir dos presentes autos não se referem a quaisquer patentes e desenhos de que seja titular mas, outrossim, à invalidade de uma patente da Ré, ora Reclamante.
9. E a Autora, em momento algum, alegou a titularidade de qualquer patente ou desenho.
10. Era, pois, este o objecto do recurso que a Ré interpôs oportunamente, devendo, em consequência, ser o mesmo admitido.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossa Excelência melhor suprirá, requer-se a revogação do despacho de fls. 410 que não admitiu o recurso, julgando-se procedente a presente Reclamação e admitindo-se o mesmo, fazendo Vossa Excelência a sempre devida e costumada
JUSTIÇA!

II – Fundamentação

Passemos então a apreciar a reclamação.

O despacho reclamado não admitiu o recurso nos termos seguintes:

  Por despacho de 05 de Setembro de 2012, a fls. 405, foi homologada, por sentença, a desistência da instância formulada pelo autor e em consequência, foi a ré absolvida da instância da presente acção.
  Desse despacho vem a Ré recorrer.
  Dispõe-se o nº1 do art°583° que "Salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa."
  Assim, tem legitimidade para recorrer a parte que tenha ficada vencida.
  No presente caso, a Ré foi absolvida da instância na sequência da desistência da instância por parte da autora. Em princípio, a absolvição da instância não é desfavorável para ela.
  Acrescenta que a Ré foi citada por carta registada com aviso de recepção em 15 de Junho de 2012, não apresentando ainda contestação à data do requerimento da desistência da instância formulado pelo autor.
  Em termos práticos, não contestando a acção, não há sucumbência por parte da Ré, pois ainda não tomou posição sobre p.i., inexistindo qualquer objecto da demanda alegado por ela que o Tribunal não reconheceu
  Nestes termos e ao abrigo do disposto do art°583° do C.P.C., não admito o recurso interposto pela Ré.
  Custas do incidente pela recorrente em 1e 1/2 Uc.

Como vimos supra, a Exmª Juiz não admitiu o recurso porque a absolvição da instância não é desfavorável para a recorrente.

Por sua vez, a ora reclamante fundamenta a sua legitimidade para recorrer na circunstância de a alegada insuficiência de mandato judicial poder ser em qualquer altura ser arguida pela parte contrária e suscitada oficiosamente pelo Tribunal.

Antes de mais, é de frisar que não podemos confundir duas coisas inconfundíveis, uma coisa é a legitimidade e a outra é a recorribilidade.

In casu, não está em causa a recorribilidade, mas sim a legitimidade da recorrente, ora reclamante, para reagir por via de recurso contra a decisão homologatória da desistência da instância.

A lei exige, para ter legitimidade de recorrer de uma decisão, que a pessoa seja directa e efectivamente prejudicada pela mesma decisão.

A propósito da expressão “pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão”, utilizada no preceituado no artº 585º/2 do CPC, defende Amâncio Ferreira que a elas “estão automaticamente excluídas, em primeiro lugar, as pessoas a quem a decisão cause um prejuízo indirecto ou reflexo e, em segundo lugar, as pessoas a quem a decisão seja susceptível de produzir um prejuízo eventual, longínquo e incerto. Somente têm legitimidade para recorrer os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que pretendem impugnar.” (sub. nosso) – Cf. Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 5ª ed., pág. 131.

Ou seja, para ter legitimidade de recorrer é preciso que a recorrente sofra um prejuízo directo e efectivo.

In casu, com a prolação do despacho que homologou a desistência da instância e que a absolveu da instância, não sofre a ora reclamante qualquer gravame ou prejuízo real,

Assim, face ao disposto no artº 585º/2 do CPC, não sendo pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão em causa, a reclamante carece da legitimidade para recorrer da mesma decisão que homologou a desistência da instância e que absolveu a recorrente da instância.

Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

São bastantes as razões acima expostas, cremos nós, para que indefiramos, como indeferimos, a reclamação deduzida, confirmando na íntegra o despacho reclamado.

Custas pela reclamante.

Fixo a taxa de justiça em 1/8.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC:

RAEM, 08FEV2013


O presidente do TSI


Lai Kin Hong


Recl. 2/2013-8