Processo nº 694/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Fevereiro de 2013
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
SUMÁRIO:
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
3- É de confirmar a decisão de Tribunal competente segundo a lei da República Popular da China que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.
Proc. nº 694/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na Rua XXX, Edif. “XXX”, Bloco X, Xº andar, “X”, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau nº XXX veio intentar, nos termos do artigo 1199º e seguintes do Código de Processo Civil,
ACÇAO ESPECIAL DE REVISÃO E COFIRMAÇÃO DE DECISÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU,
Contra B, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, no XX, nºXX, edif. “XXX”, Xº andar “X”, nos termos e com os fundamentos seguintes:
“1º
O Autor contraiu casamento com a Ré no dia 21 de Junho de 2006, na Província de Guangdong - República Popular da China.
2º
Desse casamento não existem filhos.
3º
Em 18 de Novembro de 2010, o Autor requereu o divórcio junto do Tribunal Popu1ar da cidade de Jiangmen, distrito de Feng Jiang (江門市蓬江區人民法院)
4º
O divórcio entre ambos foi decretado, por mediação, e registado no referido tribunal em 18 de Novembro de 2010, tendo ficado ainda a constar na decisão que não existem bens comuns e nem dívidas comuns contraídas na constância do matrimónio
5º
Não existem dúvidas sobre a autenticidade dos documentos nem tão-pouco sobre a inteligibilidade da decisão.
6º
A referida decisão tornou-se imediatamente eficaz, porquanto arbitra, em absoluto, a vontade válida e expressamente manifestada pelas partes interessadas no aludido processo de divórcio.
7º
Acresce que a decisão não versa, nos termos do artigo 20º do Código de Processo Civil de Macau, sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau.
8º
Contra a decisão, cuja revisão e confirmação ora se pretende, não podem ser invocadas as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal de Macau.
9º
Mais ainda, a decisão que homologou o divórcio mostra-se em inteira conformidade com os princípios de ordem pública de Macau.
10º
O presente pedido de revisão e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal Popular da cidade de Jiangmen, distrito de Feng Jiang (江門市蓬江區人民法院) visa a sua plena eficácia na ordem jurídica da Região Administrativa Especial de Macau.
11º
A necessidade de obter a revisão e confirmação da sentença surge pela necessidade do Autor poder torná-la eficaz na RAEM.
12º
Verificam-se, pois, todos os pressupostos para que a sentença proferida pelo Tribunal Popular da cidade de Jiangmen, distrito de Feng Jiang (江門市蓬江區人民法院) seja revista e confirmada, o que se requer, ao abrigo do art.º 1199.º e seguintes do CPC.
Termos em que,
deve a sentença que homologou o divórcio entre o requerente e a requerida ser confirmada de modo a produzir efeitos na RAEM”.
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A requerida foi citada pessoalmente, mas não apresentou contestou.
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O Digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido de nenhum obstáculo existir ao deferimento da pretensão.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos Processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
1- A contraiu casamento com a ré no dia 21 de Junho de 2006, na Província de Guangdong, na República Popular da China.
2 - Desse casamento não existem filhos.
3 - Em 18/11/2010 o autor requereu o divórcio, que foi decretado pelo Tribunal Popular do Distrito de Pengjiang da cidade de Jiangmen nos seguintes termos:
Conciliação Civil n.º 1724 da série Peng Fa Min Yi Chu Zi (2010)
Autor: A, de sexo masculino, nascido a 26 de Julho de 1968, residente no XXX, Macau, titular do BI n.º XXX e do BIRNP de Macau n.º XXX. (presente na audiência)
Ré: B, de sexo feminino, nascida a 11 de Junho de 1962, residente no 2ºXXX, Macau, titular do BIRP de Macau n.º XXX.
Após admitida a acção de divórcio litigioso intentada, em 18 de Novembro de 2010, pelo autor A contra a ré B, o juiz XXX presidiu a audiência de julgamento, de forma aberta, em processo sumário nos termos da lei.
O autor A alegou que conheceu a ré quando viajou em Macau em princípio do ano 2006 e ambos celebraram o registo do casamento em 21 de Junho do mesmo ano. Após o casamento, as partes não se dão bem com o filho, que nasceu de outra relação antenupcial, o que faz com que o filho fugiu da casa e, consequentemente afectando directamente os sentimentos conjugais. Actualmente ambas as duas acham que não conseguem conviver, as partes não têm filho legítimo, nem património comum para tratar, pelo que foi intentada a acção do divórcio junto do Tribunal.
Durante o processo de conhecimento da causa, tendo presidido a conciliação este Tribunal, as partes chegaram voluntariamente ao seguinte acordo:
1. O autor A e a ré B divorciam-se.
2. Não há património comum, nem créditos e dívidas para tratar após o divórcio entre o autor A e B.
3. A quantia no valor de RMB 150,00 (metade das custas de admissão no valor de RMB 300,00) fica a cargo do autor A.
As partes acordaram em que esta conciliação produzirá efeitos jurídicos depois de ser assinada pelas duas.
É decretado o acordo supracitado por não violar disposições jurídicas. As partes são obrigadas a cumprir os seus direitos e deveres durante o prazo estipulado nesta conciliação. No caso de não cumprir, pode o titular pedir a execução junto do Tribunal dentro de dois anos a contar de dia seguinte ao termo de prazo supracitado.
Juiz: XXX
Jurado: XXX
Jurado: XXX
Aos 18 de Novembro de 2010
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IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, se se verificam aqui os requisitos previstos no citado artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, a sentença de homologação do divórcio já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal, que decretou o divórcio entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 21 / 02 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan