Processo n.º 764/2012
(Recurso Cível )
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 7/Março/2013
ASSUNTOS:
- Título executivo; acta da assembleia geral
SUMÁRIO:
Ainda que se trate de documento inválido, não sendo a acta utilizada na relação entre a companhia e os sócios ou entre aquela e terceiros, mas sim na relação de empréstimo pessoal entre os sócios não deixa de constituir um título executivo, se dele se alcança a obrigação assumida.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 764/2012
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 7/Março/2013
Recorrente: A (Executado)
Recorrido: B (Exequente)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, no desenvolvimento de uma acção de embargos, onde invocou como fundamentos os factos constantes da petição inicial, de fls. 2 a 22, contra o embargado,B, intentou o presente procedimento dos “embargos à execução”, pedindo que fosse declarado procedente o pedido dos embargos e rejeitado o pedido formulado na execução, tendo-se julgado improcedentes os embargos, absolvendo-se o embargado do pedido, inconformado co essa decisão, vem ele recorrer, alegando em sede conclusiva:
1. No acórdão, não foram dados como provados pelo Tribunal a quo, o ponto n.º1 dos factos por provar, ou seja o art. 1º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 98v dos autos, o ponto n.º2 dos factos por provar, ou seja o art.º 2º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 99 dos autos, o ponto n.º4 dos factos por provar, ou seja o art.º 4º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 99v dos autos e o ponto n.º5 dos factos por provar, ou seja o art.º 5º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 99v dos autos.
2. Em relação a esses factos não dados como provados no supracitado acórdão recorrido, o recorrente considera que não é correcto.
3. Na audiência de julgamento do caso, a testemunha do embargante (recorrente) confirmou que ele (recorrente) e o embargado (recorrido) geriam conjuntamente cinco lojas sitas na zona E da Baía da Praia Grande e o embargado ainda devia ao embargante MOP1.600.000 como despesas de obras de decorações. Contudo, a 1ª testemunha do embargado não confirmou que as cinco lojas sitas na zona E da Baía da Praia Grande não fossem geridas conjuntamente pelos embargante e embargado, mas sim, na qualidade de testemunha, indicou que desconhecia se o embargado B as tivesse gerido conjuntamente com o embargante, não tendo, contudo, negado que o embargante não tivesse gerido conjuntamente as lojas com o embargado. (Ouvida a gravação feita em 16/11/2011, pelas 15:20:06 (das 48:25 às 48:30))
4. Pelo que, através da testemunha do embargante (recorrente), pode-se confirmar que o embargante (recorrente) e o embargado (recorrido) geriam conjuntamente cinco lojas sitas na zona E da Baía da Praia Grande, e o embargado (recorrido) ainda devia ao embargante (recorrente) MOP1.600.000 como despesas de obras de decorações. Assim sendo, perante a situação em que o embargado (recorrido) B ainda devia ao embargante (recorrente) A, a despesa de obras de decoração, não é possível que o embargante (recorrido) tivesse de pedir empréstimo junto do embargado? Pois isso é ilógico.
5. Por outro lado, segundo a testemunha do embargante, t
6. endo confirmado que o embargante A não verificou os documentos a assinar por si incluindo actas de reunião. Disse que os documentos só lhe foram entregues para verificação após a assinatura. (Ouvida a gravação feita em 16/11/2011, pelas 15:20:06 (das 13:14)
7. Além do mais, o embargado referiu que o embargante lhe tinha pedido empréstimo e assinado a declaração de dívida, através da acta de reunião da companhia. É do conhecimento geral, a acta serve de registar as deliberações da companhia, então porque o embargante usou a acta mas não declaração de dívida ou contrato de empréstimo ao pedir dinheiro emprestado junto do embargado? Esta maneira de actuar é diferente da qual é feita pela pessoal normal.
8. Pelo que, de acordo com as supracitadas situações, pode-se verificar que os art.ºs 1º, 2º, 4º e 5º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador não devem ser considerados não provados, mas sim considerados provados.
9. No acórdão foram considerados provados pelo Tribunal a quo, o ponto n.º3 dos factos por provar, ou seja o art.º 3º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 99 dos autos, o ponto n.º18, ou seja o art.º 18º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 102 dos autos, o ponto n.º15 dos factos por provar, ou seja o art.º 15º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 101v dos autos, e o ponto n.º16 dos factos por provar, ou seja o art.º 16º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador, de fls. 101v dos autos.
10. Em relação aos supracitados factos dados como provados no acórdão recorrido, o recorrente considera que não é correcto.
11. Uma vez que nos autos recorridos não existe qualquer documento que o embargado tenha dado empréstimo ao embargante, como por exemplo, guia de depósito bancária, mas a única guia de depósito bancário existente nos autos só pode provar que o montante foi depositado na conta bancária da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Lda., mas não na conta do embargante A, pelo que, não existe prova suficiente que o embargado tenha dado empréstimo ao embargante.
12. Por outro lado, no acórdão ficou provado que a quota que tem a cargo de A é de HKD380.856,90, contudo, porque razão o embargante não pediu o dito montante (HKD380.856,90) emprestado ao embargado, mas HKD390.000? Pois as duas quantias totalmente não estão correspondentes.
13. Quanto a isso, segundo a 1ª testemunha do embargado, D, tendo referido que o desconheceu. Mas a 2ª testemunha E referiu que isso só para melhor memorizar o montante. Mas se fosse por causa de memorização, então porque não se escreveu HKD800 a menos, mas sim HKD9.000 a mais? A testemunha não conseguiu explicar isso. Portanto, pode-se verificar que, de maneira nenhuma, o recorrente A assinou tal montante de HKD390.000 não por causa da quota de HKD380.856,90, que tem a seu cargo. (Ouvida a gravação feita em 16/11/2011 pelas 15:20:06 (das 1:26:48 às 1:28:12)
14. Pelo que, os art.ºs 3º e 18º, 15º e 16º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador não devem ser considerados provados.
15. Pelo acima exposto, o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova.
16. Daí resultou provado que na assembleia o embargante não declarou ter recebido a quantia de HKD390.000, mas apenas discutiu um eventual aumento do capital social, também não chegou a acordo quanto ao empréstimo, bem como o embargante quando assinou a acta não a leu, e a dita acta também foi assinada pelo embargante uma semana depois de realização da assembleia.
17. Pelo que, o embargante não pediu emprestada a quantia de HKD390.000 ao embargado.
18. Através da acta constante de fls. 10 a 11 dos autos, podemos verificar que a ordem de dia aprovada na assembleia é sobre a discussão e deliberação do ajuste complementar ao acordo de cooperação.
19. Contudo, consta da acta da assembleia a matéria que não tem nada a ver com os assuntos da companhia ou a ordem de dia.
20. Daí pode-se verificar que a acta violou o disposto no art.º228º, al. d) do Código Comercial: “São nulas as deliberações dos sócios sobre matéria que não esteja, por lei ou por natureza, sujeita a deliberação dos sócios ou não conste da ordem de trabalhos.”, pelo que é nula.
21. Como sendo um documento inválido, mesmo que a acta não seja utilizada na relação entre a companhia e os sócios ou terceiro, mas sim na relação de empréstimo pessoal entre os dois sócios (recorrente e recorrido), a validade daquele documento tem necessariamente influência sobre a acta, em particular, se a acta pode ser um outro negócio jurídico válido?
22. Uma vez que, perante essa circunstância, há que ter em conta o disposto no art.º 286º do Código Civil: “o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.”
23. Contudo, a situação do caso não reúne o disposto na parte final do art.º 286º do Código Civil, pelo que, o que o Tribunal a quo considerou a acta como um outro negócio jurídico válido, que reúne o título executivo previsto no art.º 677º, al. c) do Código de Processo Civil, totalmente violou o disposto no art.º 286º do Código Civil e no art.º 677º, al. c) do Código de Processo Civil.
24. Pelo que, a referida acta não pode ser considerada como título executivo previsto no art.º 677º, al. c) do Código de Processo Civil, e devendo ser julgada procedente a motivação dos embargos deduzida pelo recorrente junto do Tribunal a quo.
25. Além disso, de acordo com o conteúdo da acta, podemos saber que pelo recorrente (1º sócio indicado na acta) e pelo recorrido (3º sócio indicado na acta) foi celebrado o ajuste complementar ao acordo de cooperação.
26. Contudo, de acordo com a normal maneira de actuar, na assembleia só foi aprovada a deliberação, o recorrente e o recorrido ainda não puseram em prática a deliberação, uma vez que ambas as partes ainda não celebraram qualquer contrato de empréstimo para executar tal deliberação, ou se calhar o recorrente não prestou uma declaração para admitir que devia ao recorrido a referida quantia.
27. Não é possível que tal deliberação possa servir dum título para provar a constituição da relação de empréstimo entre o recorrente e o recorrido, nem título executivo previsto no art.º 677º, al. c) do Código de Processo Civil.
28. Pelo acima exposto, não se deve aceitar o fundamento em que se baseia o acórdão do Tribunal a quo, por ter incorrido em erro na apreciação da prova.
De tudo acima exposto, requer seja julgado procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
B, recorrido nos autos supra referenciados, face ao recurso interposto pelo recorrente, vem, apresentar a sua resposta, dizendo, em suma:
1. O recurso tem por objecto a decisão do Tribunal a quo que julgou improcedente a motivação dos embargos à execução deduzida pelo recorrente contra o recorrido.
2. O recorrido concorda com a decisão do Tribunal a quo, uma vez que o recorrido tem o mesmo entendimento jurídico da referida decisão, na interposição da acção.
3. Tal como indicado na decisão do Tribunal a quo, na acta o recorrente e o recorrido celebraram a relação de empréstimo, mas isso não viola o disposto no art.º 228º, al. d) do Código Comercial de Macau.
4. Uma vez que, embora os art.ºs 2º e 3º da acta constante de fls. 10 e 11 do Processo de Execução indicam respectivamente: “2. O 1º sócio comprometeu-se de compartilhar, seguindo a quota social que representava, as despesas e perdas da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada. O 1º sócio só tinha o direito de gozar dos lucros após pagar o valor integral de HKD390.000,00 ao 3º sócio, cuja distribuição era feita por percentagem após a dedução das despesas. 3. O 1º sócio comprometeu-se de pagar, no dia 31 de Outubro de 2009, o valor de HKD390.000,00 ao 3º sócio. Caso o 1º sócio não pudesse pagar o valor e causar-lhe o sofrimento das perdas, o 3º sócio tinha o direito ao procedimento, enquanto o 3º sócio tinha de transmitir ao 3º sócio o valor do capital social de $7.500,00 incondicionalmente.”
5. O recorrido não vai, através do processo de execução, proceder à execução coerciva da parte do texto citado com palavras em negrito itálico, mas sim simples e puramente exige a execução da parte relativa ao compromisso feito pelo recorrente na acta, de pagamento, no dia 31 de Outubro de 2009, do valor de HKD390.000,00 ao recorrido.
6. Pelo que, não violou o disposto no art.º 197º do Código Comercial e no art.º 690º do Código Civil. Assim sendo, fundamentalmente não precisa de apreciar se tal acordo ou deliberação é válido ou não.
7. Por outro lado, a lei não dispõe expressamente a proibição de se levar para a sociedade, a relação de empréstimo entre os sócios da sociedade limitada. Pelo que, isso não vai afectar a acta como sendo documento comprovativo para constar a relação de empréstimo entre o recorrente e o recorrido.
8. Ao mesmo tempo, a aplicação do disposto no art.º 228º, al. d) do Código Comercial deve limitar-se a reger a acta donde consta o teor como deliberação da sociedade; quanta à outra relação, o supracitado dispositivo não é aplicável; Pelo que, o acordo sobre a relação de empréstimo pessoal entre o recorrente e o recorrido não vai tornar-se inválido por causa do referido dispositivo.
9. Além disso, podemos saber da al. a) dos factos confirmados, o recorrente efectivamente assinou a acta constante de fls. 10 a 11 do processo de execução.
10. Nos termos do art.º 677º, al. c) do Código de Processo Civil: “À execução apenas podem servir de base, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”. Pelo que, a respectiva acta pode ser documento comprovativo para a execução.
11. De acordo com os supracitados factos dados por provados após realizada a audiência de julgamento, já se indica expressamente que existe efectivamente uma relação de empréstimo entre o recorrente e o recorrido, relação essa derivada da necessidade da sociedade pela expansão das suas actividades, e que ambas as partes, como sócios da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Lda., tinham de proporcionar extraordinariamente dinheiro conforme a proporção de detenção das quotas sociais.
12. Pelo que, o recorrente pediu emprestada ao recorrido a quantia de HKD390.000,00 para servir do capital a proporcionar enquanto como sócio, para a Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Lda.
13. No dia 27 de Março de 2009, o recorrido levantou, da sua conta bancária individual uma quantia de HKD910.000, respectivamente tendo depositado HKD909.000 na conta bancária em dólar de Hong Kong n.º11115-20436-9, aberta em nome da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, a título de sua participação e do recorrente A.
14. Pelo que, carece de fundamento o que o recorrente pôs em causa os factos constantes dos artigos 3º, 18º, 15º e 16º da base instrutória, ora dados por provados pelo Tribunal a quo, consoante grande quantidade das provas documentais existentes nos autos, conjugadas com os depoimentos prestadas pelas testemunhas na audiência de julgamento, bem como a convicção da meritíssima juíza.
15. Não pode o recorrente negar o facto do empréstimo contraído junto do recorrido sem que tenha qualquer prova, consoante apenas os depoimentos prestados por uma testemunha na audiência de julgamento, que alegou que ele e o recorrido tinham gerido conjuntamente as cinco lojas sitas na Zona E da Baía da Praia Grande e que o recorrido ainda lhe deve MOP160.000 como despesa de obras de decoração.
16. Nem pode o recorrente questionar a validade da relação de empréstimo, consoante apenas os depoimentos prestados por uma testemunha na audiência de julgamento, que alegou que o recorrente assinou a acta sem ter conhecimento do seu conteúdo.
17. Pelo que, carece de fundamento o que o recorrente pôs em causa os factos constantes dos artigos 1º, 2º, 4º e 5º da base instrutória, que não foram dados por provados pelo Tribunal a quo, consoante grande quantidade das provas documentais existentes nos autos, conjugadas com os depoimentos prestadas pelas testemunhas na audiência de julgamento, bem como a convicção da meritíssima juíza.
18. Dado que de acordo com a al. a) dos factos confirmados e os factos constantes dos artigos 3º e 18º da base instrutória, após realizada a audiência de julgamento, a respectiva relação de empréstimo foi acordada em 27 de Março de 2009, mas só até ao dia 4 de Agosto de 2009 foi constado na acta.
19. O recorrido aqui quer salientar que a decisão que serve como fundamento do recurso, deve basear-se nos factos dados por provados nos autos, mas não nos factos deduzidos ou outros que não foram dados por provados.
20. Salvo o devido respeito, segundo os factos provados que servem como fundamento da decisão do Tribunal a quo, não existem tais factos alegados na parte conclusiva pelo recorrente.
21. Pelo que, a decisão do Tribunal a quo não padece de erro na aplicação da lei ou na apreciação da prova.
Pelo acima exposto, reque seja julgado improcedente o recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Factos confirmados:
- O embargante assinou a acta cuja cópia consta de folhas 10 e 11 dos autos de execução de que estes são apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e de onde consta que: (al. a) dos factos confirmados)
«Ora, através de consultas amigáveis entre o 1º sócio e o 3º sócio, foi celebrado o seguinte ajuste complementar ao acordo de cooperação.
-- O 1º sócio em 27 de Março de 2009 pediu ao 3º sócio um empréstimo de HKD390.000,00 para servir como o capital social ($7.500,00) da companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, registada na Conservatória de Registo Comercial sob o número SO32772. O 1º sócio declarou ter recebido o montante acima referido.
-- O 1º sócio comprometeu-se de compartilhar, seguindo a quota social que representava, as despesas e perdas da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada. O 1º sócio só tinha o direito de gozar dos lucros após pagar o valor integral de HKD390.000,00 ao 3º sócio, cuja distribuição era feita por percentagem após a dedução das despesas.
-- O 1º sócio comprometeu-se de pagar, no dia 31 de Outubro de 2009, o valor de HKD390.000,00 ao 3º sócio. Caso o 1º sócio não pudesse pagar o valor e causar-lhe o sofrimento das perdas, o 3º sócio tinha o direito ao procedimento, enquanto o 3º sócio tinha de transmitir ao 3º sócio o valor do capital social de $7.500,00 incondicionalmente.
-- Todos os omissos eram resolvidos conforme a lei vigente da RAEM e as práticas.
-- O 2º sócio acordou com os termos do Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação.
-- Encerrada a reunião, foi lavrada a presente acta a qual, foi assinada por todos os sócios presentes quem se manifestaram cientes do conteúdo do ajuste complementar.»
- Damos por integralmente reproduzida a certidão de folhas 23 a 26. (al. b) dos factos confirmados)
Base instrutória:
- Para assegurar o pagamento atempado da quantia em dívida por parte do embargante, este e o embargado celebraram, em 4 de Agosto de 2009, um acordo escrito relativo ao supracitado empréstimo pessoal, pelo que, após negociação, o embargante e o embargado lavraram, juntamente com o outro sócio D, a acta a assembleia referida em a). (art.º 3º e 18º da base instrutória)
- Em 28 de Março de 2009, a Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada da qual o embargado e embargante são sócios celebrou com a sociedade “F, Limitada” o contrato de subarrendamento das lojas. (art.º 7º da base instrutória)
- O contrato referido no item anterior foi assinado pelo embargante A, na qualidade do representante da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada. (art.º 8º da base instrutória)
- No 1º artigo do referido contrato de arrendamento das lojas, a Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada tomou de subarrendamento, na qualidade do sublocatário, à sociedade “F, Limitada” 14 fracções autónomas correspondentes às lojas designadas por A a N sitas em Macau, na zona E da Baía da Praia Grande. (art.º 9º da base instrutória)
- O aludido contrato de arrendamento das lojas, o arrendamento tem a duração de um ano, a partir do dia 1 de Junho de 2009 até ao dia 31 de Maio de 2010, a renda semestral é de HKD969.523,00 e a caução do arrendamento é de HKD300.000,00. (art.º 10º da base instrutória)
- Para cumprimento do aludido contrato de subarrendamento das lojas, o embargante, o embargado e o outro sócio D da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada ficaram obrigados a suportar os respectivos encargos na proporção do valor da quota possuída por cada um deles nesta sociedade. (art.ºs 11º e 14º da base instrutória)
- O pagamento da renda da 1º semestre e de caução referida na resposta ao quesito 10º, o embargado ficou de suportar 40% dos encargos, no valor de HKD507.809,20 [(969.523,00+300.000,00X40%=507.809,20], porque possui na Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada uma quota no valor nominal de MOPD10.000,00, correspondente a 40% da capital social. (art.º 12º da base instrutória)
- Por sua vez o embargante e outro sócio D, cada um deles ficou de suportar 30% dos encargos no valor de HKD380.856,90 [(969.523,00+300.000,00X30%=380.856,90], porque cada um possuiu na Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C, Limitada uma quota no valor nominal de MOP7.500,00, correspondente a 30% da capital social. (art.º13º da base instrutória)
- Em 27 de Março de 2009, o embargante para poder entregar esse montante de HKD380.856,90 à Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, pediu, em nome individual, ao embargado um empréstimo de HKD390.000,00, a título do capital destinado à realização da sua participação. (art.º 15º da base instrutória)
- O embargado, como sendo um dos sócios da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada levantou, em 27 de Março de 2009, da sua conta bancária individual uma quantia de HKD910.000,00, da qual tirou posteriormente HKD909.000,00 para ser depositado na conta bancária em dólar de Hong Kong n.º11115-20436-9, aberta em nome da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, a título de sua participação e do embargante. (art.º 16º da base instrutória)
- O outro sócio D também transferiu à Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, em 26 de Março de 2009, uma quantia de HKD400.000,00, a título de sua participação que devia realizar. (art.º 17º da base instrutória)”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Existência de título executivo
2. Impugnação da matéria de facto
2.1. Importa referir que a impugnação que vem feita parte apenas de um depoimento de uma testemunha única, testemunha oferecida pelo embargante e que depôs à matéria dos quesitos, cujas respostas são postas em crise.
Mais se refere que, como se alcança de fls. 153, essa testemunha Tang, Cheng, embora não tendo qualquer relação com o embargado, disse ter sido sua ex-namorada e ter vivido junta com ele 2 a 3 anos.
Pretende o recorrente contrapor à convicção do Colectivo formado por 3 juízes, a sua própria convicção. Mas isso não basta. Diga-se ainda que para poder convencer de que houve um erro de julgamento na matéria de facto, o recorrente devia argumentar de forma a poder convencer esta instância de que é ele que tem razão. O depoimento de uma única testemunha vale o que vale, - pode até ter a virtualidade de ser mais convincente do que uma dezena delas -, mas há que ter muito cuidado no reexame da matéria de facto, reexame que este Tribunal pode escrutinar, mas importa não esquecer que será sempre um julgamento diferente, limitado, empobrecido, sem a proximidade, a imediação e a visão de conjunto que enobrece o julgamento da 1ª instância. Por isso, enquanto há que apelar a uma dignificação desse papel insubstituível do julgamento, reforçado pela intervenção de um Colectivo de juízes, enquanto há que responsabilizar pela credibilização cada vez mais exigente dessa intervenção na nobre arte de julgar, daí se retira que uma alteração desse julgamento não deve deixar de passar por um critério exigente, deve impor-se por si, não pode estar sujeita a um capricho, antes se deve motivar em evidências de erro, contradições, afrontamento das regras da lógica, da experiência e senso comuns. É necessário convencer que perante o que foi dito e pela prova documental constante dos autos a conclusão a extrair devia ser outra.
Ora, no caso, essa vidência de erro não se almeja. Antes se observa que os dados, baseados apenas numa única testemunha, para mais com uma ligação próxima ao embargante no passado, para mais quando não está presente na Assembleia, sendo essa factualidade que integra o objecto dos factos probandos, para mais quando há documentos, uma acta assinada pelo embargante, comprovativos de levantamentos e de depósitos das quantias, apontam exactamente para a comprovação da matéria dada como assente.
2.2. Factos que não deviam ser considerados não provados.
Diz o recorrente que
o quesito 1º, constante do despacho saneador, de fls. 98v dos autos o embargante aquando da Assembleia a que se reporta a acta referida em a) não declarou ter recebido a quantia de HKD390.000;
o quesito 2º dos factos da base instrutória constante do despacho saneador segundo o qual apenas se tinha discutido um eventual aumento do capital social, a fim de abonar o crédito bancário da sociedade, pois os sócios tinham em mente a expansão das suas actividades;
o quesito 4º segundo o qual o embargante quando assinou a acta referida em a) não a leu;
O quesito 5º, segundo o qual a acta foi assinada pelos sócios uma semana depois da assembleia ter sido realizada;
Tais factos não foram dados por provados incorrectamente uma vez que segundo a referida testemunha ele (recorrente) e o embargado (recorrido) geriam conjuntamente cinco lojas sitas na zona E da Baía da Praia Grande e o embargado ainda devia ao embargante MOP1.600.000 como despesas de obras de decorações. Assim sendo, como se podia justificar um empréstimo do embargado em benefício do embargante se era aquele que ainda lhe devia?
O argumento baseado na lógica por banda do recorrente não convence e não é suficiente para abalar uma convicção contrária.
Desde logo, trata-se de negócios diferentes e de afectações diferentes, nada impedindo que a existência de um empréstimo neutralizasse outro em sentido inverso.
Por outro lado, as palavras da testemunha do embargante, que terá dito que este, A, não verificou os documentos a assinar por si incluindo actas de reunião, porquanto disse que os documentos só lhe foram entregues para verificação após a assinatura (gravação feita em 16/11/2011, pelas 15:20:06 (das 13:14) também não se mostra decisiva, sendo uma afirmação despida da indispensável razão de ciência, não deixando de ter ínsito uma afirmação de auditu do próprio interessado.
Quanto ao facto de o empréstimo constar da acta, contrariando uma pretensa normalidade de procedimento, não se vê que tenha de ser assim necessariamente. Tratava-se de um reforço de capital para fazer a C.ª andar para a frente, em que os diversos sócios deviam participar e como o embargante não tinha dinheiro o embargado chegou-se à frente. Não estranha que esse apontamento tivesse ficado registado em acta, pois que ainda se tratava de um acto relacionado com o giro societário.
Falece, pois, razão ao recorrente nesta particular questão.
2.3. Factos que não devem ser considerados provados
Insurge-se o recorrente quanto às respostas dadas
aos quesitos 3º e 18º segundo os quais: “para assegurar o pagamento atempado da quantia em dívida por parte do embargante, este e o embargado celebraram, em 4 de Agosto de 2009, um acordo escrito relativo ao supracitado empréstimo pessoal, pelo que, após negociação, o embargante e o embargado lavraram, juntamente com o outro sócio D, a acta a assembleia referida em a)”;
quesito 15º - “Em 27 de Março de 2009, o embargante para poder entregar esse montante de HKD380.856,90, à Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, pediu, em nome individual, ao embargado um empréstimo de HKD390.000,00, a título do capital destinado à realização da sua participação.”;
O quesito 16º “o embargado, como sendo um dos sócios da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C, Limitada levantou, em 27 de Março de 2009, da sua conta bancária individual um quantia de HKD910.000,00, da qual tirou posteriormente HKD909.000,00 para ser depositado na conta bancária em dólares de Hong Kong n.º11115-20436-9, aberta em nome da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, a título de sua participação e do embargante.”.
Diz o recorrente que nos autos recorridos não existe qualquer documento que comprove que o embargado tenha feito um empréstimo ao embargante, como por exemplo, guia de depósito bancário, sendo que a única guia de depósito bancário existente nos autos só pode provar que o montante foi depositado na conta bancária da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Lda., mas não na conta do embargante A.
Procura ainda retirar força do facto da divergência entre o valor da sua quota de HKD380.856,90, e o montante do empréstimo de HKD390.000.
Estes argumentos não se mostram decisivos.
Compreende-se que o dinheiro tenha sido depositado na conta da sociedade, tendo-se comprovado que saiu da conta do embargado, sendo ele que avançou com o dinheiro.
Por outro lado, a questão da diferença entre o valor da quota e o do empréstimo também não é determinante. Nada impedia que fosse por arredondamento, fosse por facilitação, fosse porque o valor avançado sempre cobria o valor da quota, integrando assim a participação social de cada um dos sócios, nada impedia que o empréstimo fosse por valor superior ao das respectivas quotas.
Ainda aqui não vemos razões para crer que o Tribunal Colectivo errou no seu julgamento de facto.
4. Do título executivo. Se a acta pode servir de fundamento para a execução.
Também aqui não assiste razão ao recorrente.
Não é por a ordem de trabalhos versar sobre outra matéria que se invalida a força executiva que reveste, ao comprovar a existência de uma obrigação assumida pelo executado, ora embargante.
Uma coisa é a validade de uma deliberação social, enquanto tal e outra é a assunção de uma dívida em determinado documento.
É certo que consta da acta da assembleia alusão ao referido empréstimo, mas da prova que vem feita até se fica a saber que esse empréstimo foi feito por causa da actividade social.
Se é verdade que o art.º228º, al. d) do Código Comercial dispõe: “São nulas as deliberações dos sócios sobre matéria que não esteja, por lei ou por natureza, sujeita a deliberação dos sócios ou não conste da ordem de trabalhos.” , o que importa reter é que não está aqui em causa directamente a eficácia de uma deliberação social, mas sim a comprovação de uma obrigação mutuária que valha título.
Como o próprio recorrente refere, ainda que se tratasse de documento inválido, não sendo a acta utilizada na relação entre a companhia e os sócios ou entre aquela e terceiros, mas sim na relação de empréstimo pessoal entre os sócios (recorrente e recorrido), a validade daquele documento, por via da conversão não deixaria de ser admissível, tendo em conta o disposto no art.º 286º do Código Civil: “o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.”
Só que, contrariamente ao que sustenta, o disposto na parte final desta norma não obsta à titulação executiva, não havendo razões para descrer que foi por essa forma que as partes se quiseram vincular àquele empréstimo, o que sai reforçado com a desconsideração formal vertida no artigo 677º, al. c) do CPC.
Neste sentido, no sentido de que a acta ou um documento inapropriado, seja até em termos de papel, de letra e de forma, não deixa de constituir um título executivo, se dele se alcança a obrigação assumida, nele expressa e incorporada, inúmera Jurisprudência comparada.1
“A acta da assembleia geral de uma sociedade pode conter só por si, uma obrigação, valendo como título executivo contra os sócios que a assinaram.”2
Nem colhe, face ao que comprovado vem que, quanto muito, o exarado em acta traduziria apenas um acordo, um compromisso de realização do mútuo sem concretização efectiva. É que se mostra indesmentível que no dia 27 de Março de 2009, o recorrido levantou, da sua conta bancária individual uma quantia de HKD910.000, 00, tendo depositado HKD909.000 na conta bancária em dólares de Hong Kong n.º11115-20436-9, aberta em nome da Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, a título da sua participação e do recorrente A, sendo igualmente certo que o outro sócio D também transferiu para a Companhia de Diversões e Restauração de Gestão C Limitada, em 26 de Março de 2009, uma quantia de HKD400.000,00, a título de sua participação que devia realizar.
Nesta conformidade, fazendo eco do que explicitado foi na douta sentença proferida, somos a decidir pela improcedência do recurso.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 7 de Março de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - V.g., Acs STJ, de 22/1/13, Proc. n.º 376/08.1TBOFR-A.C1;de 12/1/12, Proc. n.º 933/04.8YYLSB-C.L1.S1 (onde não se exclui a comprovação da obrigação por documento particular não obstante a nulidade da escritura por falta de forma); TRP, de 2/6/98, CJ Ano XXIII, 1998, III, 190; de 29/4/99, CJ, Ano XXIV, III, 129; de 10/10/2000, CJ, Ano XXV, 2000, IV, 35; de 12/6/2000, Bol. Interno Sum. Ac.-TRP 11, 2000,38
2 - Ac. TRP, d2 2/12/99, CJ, Ano XXIV, 1999, V, 210
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