Processo nº 731/2012 Data: 29.11.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas se verifica quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo.
2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 731/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. D (XXX), arguido com os sinais dos autos, respondeu, em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., e art. 93, n.° 1 e art. 94°, al. 1) da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei n.° 3/2007), nas penas parcelares de 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, e, ainda, na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 9 meses.
Quanto ao pedido civil, decidiu-se a condenar a “COMPANHIA DE SEGUROS C” a pagar aos lesados A (XXX) e B (XXX) a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de MOP$21.818,00 e MOP$75.650,00, respectivamente, acrescida dos juros legais a contar desde a data da sentença até pagamento efectivo; (cfr., fls. 252-v a 253-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, produzir as seguintes conclusões:
“1- Segundo a versão dos factos apresentada pelo ora recorrente, a deflagração do acidente de viação teve por origem o seguinte quadro fáctico:
“À data dos factos, por volta das 01h25m da madrugada, o arguido conduzia o seu táxi, circulando pela 亞馬喇前地往廣州街, na segunda faixa de rodagem a contar da esquerda, e, ao aproximar-se do cruzamento ali existente,
Um ciclomotor que circulava à sua esquerda, ou seja, na primeira faixa de rodagem a contar da esquerda, repentinamente, o mesmo mudou de faixa de rodagem, indo a invadir a faixa de rodagem ocupada pelo recorrente, vindo a embater-se na parte lateral esquerda do táxi do recorrente.
O referido ciclomotor em causa viu-se obrigado a mudar de faixa de rodagem repentinamente porquanto quis evitar o atropelo sobre as placas metálicas que ali se encontram colocadas no chão, e, assim, causou o acidente de viação em causa.
O acidente fez com que o ciclomotor de desequilibrasse e vindo a cair no chão, o mesmo acontecendo com o condutor e a passadeira que transportava, sofrendo ambos ferimentos. Eles foram transportados para o Hospital para tratamento.
Momentos antes do acidente, o ciclomotor que circulava inicialmente na primeira faixa de rodagem andava muito próximo do táxi, razão pela qual o arguido buzinou para o condutor do ciclomotor alertando-o para o perigo do excesso de proximidade. Mas o condutor do ciclomotor ignorou-o, e, assim, o arguido teve que desviar-se para a terceira faixa de rodagem para se afaste dele, mas mesmo assim não conseguiu evitar a deflagração do acidente.”
2- Se o Tribunal “a quo” tivesse investigado e apreciado criticamente todos os elementos probatórios em causa, facilmente teria chegado à conclusão de afastamento do ora recorrente de qualquer responsabilidade, criminal e/ou civil, pela deflagração do acidente.
3- O facto, provado aliás, de o recorrente ter buzinado em momento anterior ao acidente é cabalmente explicado, com sendo um gesto de alarme sonoro que o recorrente fizera para chamar a atenção, com premência, do perigo que se emergia de excesso de proximidade em que circulava o ciclomotor envolvente, nada havendo de satânico em tal gesto.
4- As diversas fotografias que o recorrente fez juntar aos autos em sede de audiência de julgamento, em tarefa de investigação que fizera em complemento à deficiente investigação feita pela autoridade policial, demonstram, comparativamente, que, para que as amolgadelas do seu táxi pudessem ter sido causadas pelo embate com o ciclomotor em causa, este último teria que estar a circular animado com uma inclinação de quase de 45 graus ou mais naquela via, naquele momento, naquele segmento de recta, e transportando uma passageira, o que é perfeitamente descabido e inaceitável.
5- A versão fáctica sobre o acidente tida por provada e que se impugna, refere, que, perante o buzinar do táxi, o ciclomotor afastou-se para a sua esquerda, ou seja, aproximou-se da primeira faixa de rodagem ocupada pela viatura conduzida pela testemunha XXX por forma a dar espaço a ultrapassagem do táxi.
6- Mas se tal for verdade, ou pretensão à verdade, por que será que a testemunha XXX não se referia a tal aspecto em seus sucessivos depoimentos prestados? E, se, tal manobra por parte do ciclomotor tivesse ocorrida, poria certamente em perigo a circulação rodoviária do veículo da testemunha XXX, e, quiçá, viria a embater-se sobre o seu veículo ou criar-lhe uma manifesta situação de alarme e de perigo. Mas nada disso, nada desse aspecto, nada de potencial perigo foi referido por esta testemunha ocular.
7- Por sua vez, os danos sofridos pelo ciclomotor envolvente, no essencial, danos na sua parte esquerda, não se coadunam com um embate ocorrido à sua direita.
8- Há, assim, manifesta discrepância e incongruência na matéria-de-facto tida por provada, o que faz abalar fortemente a credibilidade da versão fáctica aceite por boa pelo Tribunal “a quo”, e, assim, tais factos nunca poderiam ter sido dados por provados. Agindo diversamente, o Tribunal recorrido eivou o acórdão recorrido, nessa parte, dos vícios de erro notório na apreciação da prova, e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, elencados n artigo 400°, n.° 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal de Macau.
9- Na perspectiva do recorrente, não se provando a sua culpa na deflagração do acidente de viação, é óbvio que não deveria ter sido condenado no pagamento de qualquer indemnização civil.
10- E, pese embora o facto de a responsabilidade civil emergente da circulação do táxi do recorrente ter sido transferida para a Ré seguradora mediante a celebração do respectivo contrato de seguro, titulado pela apólice;
11- O certo que a condenação da Ré seguradora no pagamento destas indemnizações acarreta consequências negativas ao recorrente no âmbito dos futuros contratos de seguro a celebrar, já que assim se torna num condutor cadastrado, e, sendo condutor profissional, tal acarretará maiores custos e dispêndios, daí, a existência de um forte e inegável interesse em agir no recurso que se interpõe sobre a parte de indemnização civil arbitrada na sentença recorrida.
12- Não se provando que o recorrente tendo dado causa, ou concorrido, na deflagração do acidente de viação, nada devia indemnizar. Agindo diversamente, o acórdão recorrido, nessa parte, violou a lei, as normas contidas no artigo 477° do Código Civil de Macau, dando, assim, azo, a presença, ainda, do vício de violação de lei, previsto no artigo 400°, n.° 1, do Código de Processo Penal de Macau.
13- Mesmo que o Tribunal “ad quem” venha julgar que houve efectivamente culpa do recorrente na deflagração do acidente de viação, entende-se que a quantia arbitrada, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido B, peca por ser excessiva e sem qualquer fundamento plausível.
14- Ao ofendido B, foi atribuída uma indemnização pelos danos patrimoniais no valor de MOP$25.650,00, mas já no que diz respeito aos danos morais sofridos, tal quantia ascende a MOP$50.000,00. Quantia essa por danos morais sofridos que o recorrente considera ser excessiva e não devidamente explicitada nem justificada.
15- Do texto do acórdão recorrido não se colhe a razão de ser por detrás dessa quantia fixada.
16- O que faz com que a decisão recorrida, nessa parte, estar viciada do vício de violação de lei, da norma do artigo 489°, n.os 1 e 3 do Código Civil, e da norma legal que consagra os requisitos da sentença penal constante do artigo 355° do CPPM.
17- Correctamente interpretado e aplicado o Direito, ao ofendido B não deveria ser arbitrada uma indemnização civil por danos morais sofridos superior a MOP$20.000,00.
18- Entende, ainda, o recorrente que a pena acessória de inibição de condução por prática de crimes a que fora condenado, por um período de tempo de 1 ano e 9 meses, é desadequada porquanto excessiva.
19- Considerando que o recorrente é primário, e que se trata de um condutor profissional, tal medida mostra-se desadequada porquanto excessiva, não se encontrando eco na decisão recorrida argumentos plausíveis que sustentem com coerência a medida concreta desta pena acessória. Assim, a decisão recorrida, nessa parte, violou a lei, as normas contidas nos artigos 64° e 65° do Código Penal de Macau, que assim desrespeitou.
20- A pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 9 meses, equivale a votar o recorrente a cair no desemprego, ou na mudança forçada de emprego, o que lhe acarreta uma situação de punição com severidade que excede a medida da culpa.
21- Correctamente interpretado e aplicado o Direito, ao recorrido não deveria ser aplicada uma pena acessória de inibição de condução superior a 6 meses”; (cfr., fls. 278 a 292).
*
Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público afirmando que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 297 a 300-v).
*
Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador o seguinte douto Parecer:
“Pretextando ocorrência de vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, acaba o recorrente por empreender exercício, a nosso ver, inconsistente, sobre o que, em seu entendimento, deveria ter sido a valoração da matéria probatória produzida em tribunal, entendendo não suportar tal prova o assentamento feito da matéria factual e concluindo mesmo não se ter provado que o próprio tenha dado causa ou concorrido para a deflagração do acidente.
Mas, sem qualquer razão.
Analisada a douta sentença em crise, constata-se que a mesma é, ao longo da sua exposição e fundamentação, suficientemente clara e expressa, apresentando-se a matéria dada como provada suficiente para permitir concluir pela efectiva responsabilidade do recorrente na produção do acidente, iniciando manobra de ultrapassagem sem previamente se assegurar se o poderia fazer sem perigo para o restante trânsito, designadamente para o ciclomotor onde seguiam os ofendidos, que circulava no mesmo sentido de marcha e imediatamente à sua frente, perfilando-se todos os elementos permissivos de concluir pela subsunção operada, revelando-se a matéria de facto elencada exaustiva em tudo o que é pertinente para a decisão de mérito, vendo-se, por outra banda, bem que, com a alegação respectiva, pretende o recorrente manifestar a sua discordância com a matéria de facto dada assente pelo tribunal, melhor dizendo, da interpretação que este faz dessa matéria no que tange à sua responsabilidade, limitando-se, em boa verdade, tão só a expressar a sua opinião “pessoalíssima” acerca da apreciação da prova, por forma a tentar afastar a sua efectiva responsabilização, quando, manifestamente, não se vê que do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo que o colectivo “a quo” errou ao apreciar como apreciou.
Os julgadores não se eximiram a expressar, concreta e especificamente a sua valoração da prova produzida (avultando, neste específico, para além das declarações dos próprios ofendidos, o depoimento da testemunha presencial, XXX) e dos motivos que os levaram às conclusões que formularam, não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, apresentando-se, ao contrário do pretendido coadunáveis com a apreciação efectuada, sabendo-se, como se sabe, que, neste tipo e acidentes aqueles danos tanto poderão resultar do embate propriamente dito, como da queda do veículo ao solo, não competindo a este Tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, antes as corrobora.
Analisada, a decisão recorrida na sua globalidade, constata-se ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das “legis artis”, não passando a invocação do recorrente de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
Finalmente, atenta a moldura penal abstracta dos ilícitos imputados, todo o circunstancialismo envolvente dos factos consubstanciadores dos mesmos e a devida ponderação do disposto nos art° 40° e 65°, C.P., afigura-se-nos que a pena concretamente apurada se apresenta como justa e adequada, a não merecer reparo, sendo que, porém, atenta designadamente a profissão do visado (condutor de táxi) e a consequente necessidade para o seu sustento e respectivo agregado familiar do efectivo exercício da condução, se nos afigura a medida de inibição de condução por 1 ano e 9 meses algo exagerada, sendo de ponderar redução respectiva”; (cfr., fls. 339 a 341).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“Em 12 de Outubro de 2010, pelas 01h25 da manhã, o arguido D (XXX) conduziu um táxi preto de matrícula MA-XX-XX na 2ª faixa de rodagem à esquerda da Avenida da Amizade, em direcção de Praça de Ferreira do Amaral à Rua de Cantão (vide as fls. 9 e v, 11 e 40v dos autos).
Na altura, o 1º lesado B (XXX) estava a conduzir o ciclomotor de matrícula CM-XXXXX à frente do táxi do arguido, trazendo a sua amiga A (XXX), ou seja a 2ª lesada (vide as fls. 34 e 35v dos autos).
XXX (XXX) conduziu um outro automóvel na 1ª faixa de rodagem à esquerda da supracitada via, o ciclomotor do 1º lesado estava a circular à sua frente direita e o táxi do arguido à sua traseira direita (vide as fls. 43 dos autos).
Na proximidade do cruzamento da Avenida da Amizade com a Avenida de Lopo Sarmento de Carvalho, ou seja em frente do Casino Crystal Palace do Hotel Lisboa, o arguido tocou a buzina e o 1º lesado conduziu o ciclomotor mais para esquerda da faixa de rodagem, a seguir, o arguido ultrapassou o 1º lesado da sua traseira direita, embatendo no ciclomotor do 1º lesado e causando os dois lesados a cair no chão junto com o ciclomotor e ficar feridos (vide as fls. 34, 35v, 40v e 43 dos autos).
Por causa do supracitado embate, os dois lesados sofreram das lesões referidas e verificadas no relatório pericial médico-legal clínico constante das fls. 41 e 42 dos autos, necessitando respectivamente de 10 e 120 dias para a recuperação, e a condição das suas lesões é considerada integralmente reproduzida na presente acusação.
Na altura do acidente, o tempo era bom, a via era seca e bem iluminada, e o trânsito era normal (vide as fls. 9v dos autos).
*
O arguido sabia bem que não deve iniciar a ultrapassagem sem se verificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com outro veículo que transite no mesmo sentido, mas ainda não observou esta regra.
O arguido não conduziu com precaução devida para evitar o acidente de viação.
O arguido sabia bem que as supracitadas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido é condutor de táxi, auferindo mensalmente MOP$15.000,00.
O arguido é casado e tem a seu cargo a esposa e um filho.
O arguido negou a prática dos factos acusados e é delinquente primário.
A lesada A (XXX) submeteu-se a tratamento depois de ficar ferida, pagando despesas médicas no valor de MOP$3.381,00.
Após o acidente de viação, a lesada A (XXX) não podia trabalhar por 19 dias, contado de 13 de Outubro a 31 de Outubro de 2010. A lesada aufere mensalmente HKD$16.000,00, e perdeu o vencimento de HKD$10.133,00, equivalente a MOP$10.437,00.
Factos n.º 34 e n.º 35 do pedido cível de indemnização constante das fls. 93 a 103 dos autos.
*
Após o acidente de viação, o lesado B (XXX) não podia trabalhar por 81 dias. O lesado aufere mensalmente MOP$9.500,00 e perdeu o vencimento de MOP$25.650,00.
Factos n.º 34 e n.º 35 do pedido cível de indemnização constante das fls. 142 a 150 dos autos”.
Consignou-se também no Acórdão recorrido que não se tinham provados “outros factos constantes do pedido cível e não correspondentes aos factos provados”, e, seguidamente, em sede de fundamentação da sua convicção, consignou o Colectivo que:
“Analisando as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento, e atendendo aos factos de que o arguido negou a prática dos factos acusados, os dois lesados contaram de forma objectiva e imparcial o decurso do acidente, a testemunha XXX (XXX) presenciou o acidente e confirmou o teor da acusação, bem como os depoimentos das testemunhas de pedido cível, o esboço do local do acidente (vide as fls. 11 dos autos) e o parecer médico-legal clínico dos dois lesados (vide as fls. 41 e 42 dos autos), o Tribunal Colectivo pode provar os supracitados factos”; (cfr., fls. 320).
Do direito
3. O presente recurso vem interposto pelo arguido dos autos que, como se viu, foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., e art. 93, n.° 1 e art. 94°, al. 1) da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei n.° 3/2007), nas penas parcelares de 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, e, ainda, na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 9 meses.
Diz o mesmo arguido que a decisão recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e excesso no que toca à pena acessória de inibição de condução, manifestando-se também inconformado com o segmento decisório que apreciou o pedido de indemnização civil enxertado nos autos e em relação ao qual decidiu o Colectivo a quo condenar a “COMPANHIA DE SEGUROS C” a pagar aos lesados A (XXX) e B (XXX) a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de MOP$21.818,00 e MOP$75.650,00, respectivamente, acrescida dos juros legais a contar desde a data da sentença até pagamento efectivo.
Vejamos.
–– Mostra-se de começar pelos assacados “vícios da matéria de facto”.
Pois bem, quanto à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, tem este T.S.I. afirmado que a mesma apenas se verifica quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Ac. de 27.09.2012, Proc. n.° 706/2012).
No caso, atenta a decisão da matéria de facto prolatada pelo Tribunal a quo e que atrás se deixou transcrita na íntegra, evidente nos parece que inexiste o vício em questão.
Aliás, nem o recorrente identifica qual a matéria sobre a qual omitiu o Tribunal pronúncia, e, assim, ociosas são outras considerações.
Em relação ao vício de “erro notório”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 27.09.2012, Proc. n.° 403/2012 do ora relator).
E, também aqui não se pode reconhecer razão ao recorrente, pois que não se vislumbra onde, como ou em que termos terá o Tribunal violado as regras sobre o valor de prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis, limitando-se o recorrente a sindicar a forma como o Tribunal apreciou (livremente) a prova e formou a sua convicção, tentando impor a sua versão dos factos, o que como é óbvio, não colhe, mais considerações também não se justificando sobre a questão.
–– Quanto à “pena acessória”.
Nos termos do art. 94° da Lei n.° 3/2007:
“Sem prejuízo de disposição legal em contrário, é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por:
1) Qualquer crime cometido no exercício da condução;
2) Fuga à responsabilidade, nos termos do artigo 89.º;
3) Falsificação, remoção ou ocultação de elementos identificadores de veículos;
4) Falsificação de carta de condução ou de documento substitutivo ou equivalente;
5) Furto ou roubo de veículo;
6) Furto de uso de veículo;
7) Qualquer crime doloso, desde que a posse da carta de condução seja susceptível de oferecer ao seu titular oportunidades ou condições especialmente favoráveis para a prática de novos crimes”.
In casu, fixou o Colectivo a quo em 1 ano e 9 meses o período de inibição de condução, e diz o recorrente que é o dito período excessivo, pedindo a sua redução para um período não superior a 6 meses.
“Quid iuris”?
Admitindo-se outro entendimento, cremos que também aqui censura não merece a decisão.
Com efeito, indica expressamente o comando do art. 94° que a pena é graduada “consoante a gravidade do crime”.
E, no caso, em causa estão 2 crimes de “ofensa à integridade física”, ainda que “por negligência”, e que causaram aos ofendidos lesões que demandaram 19 e 81 dias de doença.
Par além disso, resulta da matéria de facto que a conduta do arguido é deveras censurável, pois que “forçou” uma ultrapassagem, (não obstante caber-lhe o dever de assegurar que o podia fazer em segurança), bem sabendo que no ciclomotor seguiam duas pessoas e que, qualquer acidente (ou toque) poderia causar lesões físicas àquelas.
Nesta conformidade, ponderando igualmente no aumento da sinistralidade rodoviária, muitas vezes, trágica, fortes sendo assim as razões de prevenção destes ilícitos e situando-se a pena sensivelmente a meio da sua moldura – 2 meses a 3 anos – não é de considerar que censura mereça a decisão em questão.
–– Por fim, quanto à “indemnização”.
O Mmo Juiz a quo não admitiu o recurso no que toca a esta parte (civil).
Não tendo o recorrente reagido, (após devidamente notificado), não constitui o alegado em relação a tal matéria objecto de apreciação.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs.
Macau, aos 29 de Novembro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 731/2012 Pág. 26
Proc. 731/2012 Pág. 27