打印全文
Processo n.º 848/2012/A
(Suspensão de eficácia do acto)

Data : 29/Novembro/2012


ASSUNTOS:
   
    - Legitimidade
    
    - Interesse directo e indirecto


SUMÁRIO:
    Não assiste legitimidade ao cônjuge mulher para pedir a suspensão do acto que cancelou a autorização de residência do marido, por crime praticado por este, não obstante ter sido ela que pediu para si e seu agregado familiar a autorização de residência por investimento e não obstante ter sido ela a notificada do acto.
                Relator,
  

(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 848/2012/A
(Suspensão de Eficácia)
Data : 29 de Novembro de 2012
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Economia e Finanças
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, do sexo feminino, mais bem identificada nos autos, tendo sido notificada do cancelamento da autorização de residência do seu marido B, por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, vem requerer a suspensão de eficácia do acto, alegando, o seguinte:
      1º
     Antes do dia 22 de Julho de 2005, nos termos do Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, a requerente intentou o requerimento de autorização de residência temporária em Macau ao I.P.I.M., sob razão de efectuar investimentos significativos em Macau; tal requerimento abrange também os seus membros do agregado familiar, incluindo o marido da requerente, B.
      2º
     Em 22 de Julho de 2005, a requerente recebeu a notificação n.º 10593/GJFR/P2229/2004 do I.P.I.M., por qual tomou conhecimento de que o Chefe do Executivo da R.A.E.M., por meio do despacho de 8 de Julho de 2005, admitiu que os investimentos efectuados pela mesma em Macau eram significativos, e, em consequência, autorizou à requerente e aos seus membros do agregado familiar a gozarem do direito de residência temporária em Macau (vide documento 1, como documento I do recurso contencioso que é o processo principal do presente procedimento cautelar).
      3º
     Em 11 de Maio de 2009, a requerente recebeu a notificação n.º 08041/GJFR/2009 do I.P.I.M., por qual foi notificada do teor do despacho, de 27 de Abril de 2009, do Secretário para a Economia e Finanças que autorizou a renovação de autorização de residência temporária da requerente e dos seus membros do agregado familiar (vide documento 1, como documento II do recurso contencioso que é o processo principal do presente procedimento cautelar); daí, a autorização de residência temporária do marido da requerente, B, foi prorrogada até ao dia 28 de Agosto de 2012.
      4º
     Desde 8 de Julho de 2005, o marido da requerente, B, obteve a autorização de residência temporária em Macau, assim sendo, em 7 de Julho de 2012 completaram os 7 anos da autorização de residência em Macau; tal assunto foi confirmado pela notificação n.º 09-010088-IPIM do Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública (vide documento 1, como documento III do recurso contencioso que é o processo principal do presente procedimento cautelar)
      5º
     Todavia, por meio do despacho de 21 de Junho de 2012 (vide documento IV do recurso contencioso que é o processo principal do presente procedimento cautelar, ou seja, o acto requerido), o Secretário para a Economia e Finanças, baseando nos registos criminais do marido da requerente, B, cancelou a autorização de residência temporária do mesmo em Macau.
      6º
     Salvo o devido respeito, a requerente não se conformou com o conteúdo do acto requerido, uma vez que o mesmo era incompatível com as normas jurídicas vigentes em Macau. Por conseguinte, nos termos dos artigos 120º e 123º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, a requerente deduziu o presente procedimento cautelar e requereu a suspensão de eficácia do aludido acto, pondo-se seguidamente em evidência os requisitos do presente procedimento cautelar.
     I. Dos pressupostos processuais do procedimento cautelar:
      7º
     Dado que a qualidade de residência do marido da requerente foi cancelada pelo despacho, de 21 de Junho de 2012, do Secretário para a Economia e Finanças (ora acto requerido), o referido acto administrativo alterou a situação jurídica do marido da requerente, sendo compatível com o disposto no art.º 120º, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, pelo que a requerente pode requerer a suspensão de eficácia do acto em apreço.
     II. Dos requisitos da suspensão de eficácia
1. A execução do acto cause prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso
      8º
     A família da requerente vive à custa dos trabalhos e dos negócios do marido da requerente.
      9º
     A concorrência dos negócios no Interior da China é muito forte, portanto, o marido da requerente começou, desde a fixação da residência em Macau, a transferir progressivamente os seus negócios e trabalhos para Macau.
      10º
     As actividades exploradas pelo marido da requerente iniciaram pouco tempo em Macau, por isso, se se suspender a autorização de residência do marido da requerente em Macau, poderá destruir todos os negócios do mesmo.
      11º
     Por outro lado, os pais e os parentes do marido da requerente já fixaram a sua residência em Macau, pelo que, se se cancelar a autorização de residência do marido da requerente em Macau, a requerente e a sua família ficarão sem fonte económica. (vide documentos 2 a 8)
      12º
     A execução imediata do acto administrativo requerido causará prejuízo de difícil reparação para a requerente.
      13º
     Nesta conformidade, o presente procedimento cautelar conforma com o requisito consagrado no art.º 121º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, isto é, “a execução do acto cause prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.
2. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto
      14º
     À partida, não indicia que a não execução do acto administrativo requerido, ou seja, a permissão da residência temporária do marido da requerente em Macau até à proferição da sentença do recurso contencioso, determine qualquer lesão do interesse público de Macau.
      15º
     Nos termos do art.º 121º, n.º 4 do Código de Processo Administrativo Contencioso, ainda que se pressupõe (mera pressuposição) que “o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente”.
      16º
     Tendo em consideração que os pais e parentes do marido da requerente já fixaram a sua residência em Macau, nos termos do art.º 1850º, n.º 1, al. c) do Código Civil, o marido da requerente tem o poder-dever de prestar alimentos aos pais, aos filhos e ao cônjuge, sendo este o direito de natureza pessoal que é manifestamente mais relevante do que todos os interesses de natureza não pessoal.
      17º
     Assim sendo, o presente procedimento cautelar também conforma com o requisito consagrado no art.º 121º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, isto é, “a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto”.
     
3. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso
      18º
     Em 11 de Maio de 2009, a requerente recebeu a notificação n.º 08041/GJFR/2009 do I.P.I.M., por qual foi notificada do teor do despacho, de 27 de Abril de 2009, do Secretário para a Economia e Finanças que autorizou a renovação de autorização de residência temporária da requerente e dos seus membros do agregado familiar; daí, a autorização de residência temporária do marido da requerente, B, foi prorrogada até ao dia 28 de Agosto de 2012.
      19º
     Por meio do despacho de 21 de Junho de 2012 (ora acto requerido do presente procedimento cautelar), o Secretário para a Economia e Finanças, baseando nos registos criminais do marido da requerente, B, cancelou a autorização de residência temporária do mesmo em Macau.
      20º
     O acto requerido apontou na alínea 12 do ponto 8 da página 4 da proposta anexa ao referido documento IV: “Averiguou-se que o cônjuge da requerente, B, não cumpriu a legislação de Macau e tinha sido condenado, em Macau, na pena privativa da liberdade, (…) pelo que foi cancelada a autorização de residência temporária, com validade até ao dia 28 de Agosto de 2012, que lhe foi concedida”.
      21º
     O Secretário para a Economia e Finanças proferiu o despacho em 27 de Abril de 2009 que concedeu a B a renovação de autorização de residência temporária em Macau, com validade até ao dia 28 de Agosto de 2012, pelo que, se o acto requerido pretender cancelar a autorização de residência válida do mesmo, envolve-se logo na residência já autorizada, no período de residência completado e na retroactividade (vide documentos II e IV do recurso contencioso que é o processo principal do presente procedimento cautelar);
      22º
     Todavia, o acto requerido não conforma com o art.º 127º e as disposições subsequentes do Código do Procedimento Administrativo, deste modo, nos termos do art.º 124º do mesmo Código, o referido acto é anulável.
      23º
     Nos termos do art.º 127º e das disposições subsequentes do Código do Procedimento Administrativo, são revogáveis os actos válidos ou actos anuláveis; e, conforme a validade ou não dos actos revogados, são-lhes aplicáveis respectivamente os artigos 129º e 130º do aludido Código.
      24º
     A autorização de residência temporária do marido da requerente é um acto administrativo válido; tal assunto foi reconhecido e confirmado no ponto 8 da página 3 da proposta anexa à notificação n.º 14632/GJFR/2012 do I.P.I.M. (i.e., documento IV do recurso contencioso que é o processo principal do presente procedimento cautelar), onde se referiu que “o despacho da concessão da renovação da autorização de residência temporária da requerente e dos seus membros do agregado familiar (ou seja, despacho de 27 de Abril de 2009) é um acto administrativo válido” (negrito e sublinhado da requerente);
      25º
     Dado que a dita autorização de residência é um acto administrativo válido, se se pretender cancelar retroactivamente a aludida autorização de residência temporária, é aplicável o disposto no art.º 129º do Código do Procedimento Administrativo.
      26º
     A referida autorização de residência temporária é “constitutiva de direitos ou de interesses legalmente protegidos” (já que o marido da requerente não tinha o direito de residência em Macau antes de possuir a autorização de residência temporária), assim sendo, dado que a autorização de residência temporária é uma situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 129º, a dita residência temporária não é livremente revogável, muito menos haja efeito retroactivo da revogação.
      27º
     De facto, nos termos do art.º 133º, n.º 1 do referido Código, conjugado com o n.º 2 do mesmo artigo, “a revogação tem efeito retroactivo quando se fundamente na invalidade do acto revogado” (vide n.º 2 do art.º 133º);
      28º
     Noutras situações, “a revogação de actos administrativos apenas produz efeitos para o futuro” (vide n.º 1 do art.º 133º).
      29º
     A explicação e os fundamentos da opinião exposta no artigo anterior encontram-se em: Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, “Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado”, p. 773, onde se indica: “Os efeitos do acto de revogação não se produzem todos a partir do mesmo momento. O artigo 125º (ou seja, o art.º 133º do Código do Procedimento Administrativo vigente) indica dois momentos, consoante a revogação seja abrogatória ou anulatória. Na primeira modalidade, dispõe o n.º 1 que a revogação “produz efeitos para o futuro”; a revogação opera ex nunc (desde agora). Na segunda, prescreve o n.º 2 que a revogação “tem efeito retroactivo”: a revogação opera ex tunc (desde então) … enquanto a revogação abrogatória se funda em motivos de oportunidade e conveniência, a revogação anulatória funda-se na invalidade do acto revogado. … Compreende-se que não seja permitido revogar retroactivamente com fundamento em inconveniência. Como escreve Marcello Caetano “os particulares não devem ser afectados nos seus legítimos interesses, quando estes tenham sido objecto de actos legais praticados à sombra de uma orientação que a Administração considerava nessa ocasião como conveniente ao interesse público…””.
      30º
     Assim, na sequência da interpretação supramencionada, justamente, dado que o despacho proferido em 27 de Abril de 2009 pelo I.P.I.M. é um acto administrativo válido, a Administração não poderá revogar ou cancelar o referido acto consoante um outro acto administrativo que possua efeito retroactivo, tal como foi referido pelo Professor Marcello Caetano no artigo anterior.
      31º
     Caso supusesse que a referida autorização de residência temporária fosse anulável por padecer de vício (mera suposição, não significa que a requerente se conforme com esta interpretação), seria aplicável o disposto no art.º 130º do Código do Procedimento Administrativo; e, é de salientar que aquela autorização só é revogável no prazo legal;
      32º
     Nesta conformidade, a entidade que pretende revogar o acto administrativo com vício, deve deduzir a revogação do mesmo no prazo de 365 dias contados a partir da notificação do acto administrativo aos interessados, ao abrigo do art.º 25º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Administrativo Contencioso, conjugado com o art.º 26º, n.º 5 do mesmo Código e com os art.ºs 68º e 69º do Código do Procedimento Administrativo (quanto ao prazo da revogação do acto administrativo anulável, vide ponto 5 dos fundamentos legais do acórdão do processo n.º 54/2011 do T.U.I.).
      33º
     A autorização de residência temporária do marido da requerente foi feita em 27 de Abril de 2009, enquanto o acto requerido que pretende cancelar retroactivamente a aludida autorização de residência temporária, foi praticado em 2012;
      34º
     Assim sendo, de qualquer modo, o período existente entre o acto de revogação praticado em 2012 e o despacho de autorização de residência temporária proferido em 2009 é obviamente mais de 365 dias.
      35º
     Por outras palavras, embora supusesse que a autorização de residência temporária do marido da requerente fosse um acto administrativo anulável, em 2012 a referida autorização tornar-se-ia irrevogável pela extemporaneidade (ou seja, não poderia ser cancelada pelo acto administrativo com efeito retroactivo).
      36º
     Pelo exposto, quer seja válida, quer seja anulável a autorização de residência temporária do marido da requerente, em ambas as situações, a referida autorização não pode ser cancelada ou revogada pelo acto administrativo com efeito retroactivo, caso contrário, isto tornar-se-á necessariamente anulável pela violação do disposto no art.º 129º do Código do Procedimento Administrativo ou do disposto no art.º 130º do mesmo Código, conjugado com o art.º 25º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
     Nestes termos, tendo em conta que o presente procedimento cautelar reúne os requisitos previstos no art.º 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso, requer se suspenda provisoriamente o despacho proferido em 19 de Junho de 2012 pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, permitindo a continuação da residência do marido da requerente em Macau.
    2. Citada a entidade requerida, veio oferecer o merecimento dos autos.

    3. O Digno Magistrado do MP ofereceu douto parecer que foi no sentido do provimento da suspensão.

    4. Suscitando-se oficiosamente a questão da legitimidade da requerente foram ouvidas as partes, tendo-se a requerente e o Digno Magistrado Público pronunciado pela existência de legitimidade activa no presente caso.
    
    5. A requerente A, pronunciou-se nos seguintes termos:
     
     “I. Legitimidade da requerente para interpor recurso contencioso e intentar procedimento cautelar
     1. No referido despacho, o MMº Juiz apontou que a requerente talvez não tenha a legitimidade para apresentar o pedido, porquanto “considerando que o destinatário (do acto administrativo cuja eficácia se requer suspensa) foi o marido da requerente e este não intervém”.
     2. Assim, a requerente gostava de justificar a sua legitimidade para requerer a suspensão da eficácia do acto administrativo pelas seguintes razões:
     3. O acto administrativo, cuja eficácia se requer suspensa, indeferiu o direito à residência e a autorização de residência do marido da requerente (vd. o requerimento constante dos autos em epígrafe – em particular, os nºs 1 a 4 e 8 a 12, bem como o Doc. 4 do processo principal).
     4. Porém, isto não quer dizer que o acto administrativo em causa só afecta o marido da requerente.
     5. Quanto à legitimidade no processo administrativo, já o Código de Processo Administrativo Contencioso estabeleceu as respectivas normas, entre as quais é o seu artº 33º, al. a) que dispõe: “As pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso;”
     6. A requerente deve ser considerada titular da legitimidade, quer com base na primeira parte quer na segunda parte da norma. Vêm a seguir as justificações:
     7. Em primeiro lugar, pode habilitar-se à fixação de residência no Território o cônjuge da requerente ou as pessoas do agregado familiar de ambas, segundo o artº 4º do Decreto-lei nº 14/95/M que dispõe: “1. O pedido a que se refere o artigo anterior pode ser estendido a pessoas do agregado familiar do interessado devendo ser mencionadas com indicação do nome, data e local de nascimento, filiação, estado civil, profissão, residência, nacionalidade e relação de parentesco ou afinidade com o requerente.
     2. Para os efeitos do disposto no número anterior integram o agregado familiar, o cônjuge e ainda os seguintes familiares:
     a) Os ascendentes em primeiro grau e os do cônjuge;
     b) Os descendentes menores e os do cônjuge.”
     8. É de salientar que pedir a fixação de residência em Macau para o cônjuge e os membros do agregado familiar de ambas no sentido de viver em conjunto com eles aqui é o direito pessoal da requerente. Ademais, o requerente indicado pelo espírito legislativo da norma mencionada e no respectivo processo administrativo (incluindo no pedido de fixação de residência e noutros documentos) é a requerente deste caso. (sic)
     9. É também o interesse directo da requerente de ver o seu cônjuge a viver aqui em Macau com ela.
     10. Dispõe o artº 1534º do CP que “os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.” Estabelece ainda que “salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família.”.
     11. Ademais, de acordo com o artº 1º, nº 2, da Lei nº 8/1999, 1, “são residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau (…) os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM”. A requerente pode viver com o seu cônjuge em Macau depois de este ter residido aqui por 7 anos.
     12. Não há dúvida que a requerente tem o direito a ver e pedir a fixação de residência em Macau do seu cônjuge para aqui viverem juntos. Mas o acto administrativo, cuja eficácia se requer suspensa, faz directamente com que a requerente não possa viver aqui em Macau com o seu cônjuge. Pelo que a situação da requerente reúne o requisito previsto no artº 33º, al. a) do CPAC – a requerente tem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso.
     13. Por outro lado, desde o início do pedido até agora, o pedido de autorização de fixação de residência formulado à Administração envolve a requerente própria, o seu cônjuge e os membros do agregado familiar de ambas.
     14. Deste modo, o cancelamento do direito à residência e da autorização de fixação de residência em Macau do seu cônjuge significa o indeferimento parcial do pedido da requerente.
     15. Uma vez que foi o pedido parcialmente indeferido, o acto administrativo em apreço (cuja eficácia se requer suspensa neste processo de procedimento cautelar) afecta directamente o pedido da requerente e o direito supra mencionado que pertence à requerente (o direito de estender o pedido ao seu cônjuge e o direito de viver com o seu cônjuge).
     16. Na decisão proferida pelo Tribunal de Última Instância no processo nº 12/2011, verifica-se um recurso contencioso com a situação mais ou menos igual à do presente caso (A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 29 de Dezembro de 2008, que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência em Macau do seu cônjuge, B.). Todavia, não foi posto em causa a legitimidade do recorrente deste processo.
     17. Outro recurso contencioso que foi interposto pela situação semelhante – processo nº 394/2011 do Tribunal de Segunda Instância (A, de nacionalidade chinesa, titular do BIRNP de Macau nº XXX, residente na Rua de XX, edifício XX, bloco Xº, Xº, andar X, recorre contenciosamente do despacho de 8 de Abril de 2011 do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu a autorização de residência do seu cônjuge, de nome B.) Igualmente, não foi posto em causa a legitimidade do recorrente deste processo.
     18. Importa referir que o acto administrativo em causa afecta directamente o direito da requerente, não do seu cônjuge.
     19. Igualmente, a pessoa singular que tem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso não é o seu cônjuge mas sim a requerente.
     20. Pelo exposto, a requerente tem a legitimidade segundo as disposições do artº 33º, al. a), do CPAC.
     II. A legitimidade para a interposição de recurso contencioso não tem natureza exclusiva
     21. Mesmo os MMºs Juízes entendam que o cônjuge da requerente tem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso, isso não retira a legitimidade da requerente para pedir a suspensão da eficácia do acto administrativo recorrido no processo de procedimento cautelar.
     22. Tal como é entendido pela jurisprudência do Tribunal de Última Instância, a legitimidade para interposição de recurso de uma pessoa não exclui a das demais.
     23. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Última Instância no processo nº 4/2008 (caso em que o recorrente recorreu da decisão que indeferiu o pedido de título de identificação de trabalhador não-residente da sua empregada), “deve admitir-se que o facto de o recorrente ter a legitimidade activa em recurso contencioso não significa que a trabalhadora não-residente não pode possuir a mesma legitimidade, porquanto ela tem também, neste caso, interesse directo, pessoal e legítimo.
     24. Reitera a requerente que, com base na jurisprudência acima mencionada, mesmo que os MMºs Juízes entendam que o cônjuge da requerente tenha a legitimidade para recorrer, entendimento este não afecta a legitimidade da requerente para interpor recurso contra o mesmo acto.
     
     III. Responsabilidade da Autoridade Administrativa
     25. Ademais, desde o início até ao fim do processo, a requerente é sempre a pessoa que requereu a fixação de residência em Macau para o seu cônjuge. A Autoridade Administrativa contactava sempre a requerente, a esta foram dirigidos todos os ofícios, mesmo que os assuntos tivessem a ver com o seu cônjuge ou com os membros do agregado familiar de ambas (vd. Doc. 4 do processo principal).
     26. A requerente é também a pessoa (não o seu cônjuge) que foi notificada do acto administrativo suspendendo (vd. o Doc. 4 referido).
     27. Depois de praticar o acto administrativo em causa, a Autoridade Administrativo apenas realizou audiência da requerente (vd. Doc. 1 anexado a esta resposta).
     28. Caso os MMºs Juízes entendam que somente o cônjuge da requerente tem a legitimidade para recorrer, incorreria a Autoridade Administrativa em erro grave por não ter realizado a audiência do cônjuge da requerente, tal procedimento será nulo por falta de audiência.
     29. Nos termos expostos, a requerente solicita aos MMºs Juízes que ponderem seriamente a sua legitimidade para apresentação de pedido neste caso e julguem procedentes as alegações acima apresentadas, afirmando a legitimidade da requerente neste processo de procedimento cautelar.”
6. E o Digno Magistrado do MP:
    “Instado a pronunciar-se sobre a questão da legitimidade activa neste meio preventivo, diz o M. P. :
    Nos termos da al. a) do art. 33°, CPAC, têm legitimidade para interpor recurso contencioso "As pessoas singulares e colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tiverem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo pessoal e legítimo no provimento do recurso".
    O alargamento do conceito de legitimidade estabelecido pela norma, consagrado no extracto que nós próprios sublinhámos, aponta no sentido do entendimento que a legitimidade processual activa do recurso contencioso pode também ser aferida pela titularidade da relação jurídica controvertida, tal como configurada pelo recorrente (cfr. a este propósito, ac. do TUI de 28/4/04 in proc. 8/2004).
    No caso, foi a requerente quem formulou os requerimentos de autorização de residência temporária em Macau e respectiva renovação, por motivo de seu investimento, abrangendo nos mesmos os membros do seu agregado familiar, em que se inclui o seu marido, B.
    Aqueles requerimentos foram deferidos, por aquele motivo objectivo de investimento efectuado pela requerente, tendo-lhe, consequentemente, tais deferimentos sido notificados a ela.
    Como, aliás, lhe foi também notificada a ela a decisão cuja eficácia ora pretende ver suspensa, não se descortinando que o visado, seu cônjuge, tenha sido chamado a intervir pessoalmente em qualquer passo do procedimento administrativo, nem, em boa verdade, se vendo que o tivesse que ser, à luz da legislação aplicável à situação (Dec. Leis 14/95/M de 27/3, 24/96/M de 22/4 e 22/97/M de 11/6) tendo-se a situação que culminou com a decisão controvertida desencadeado por intervenção oficiosa de várias entidades ao longo do tempo (PSP, PJ e Gabinete do Procurador).
    Cremos, assim, que a aqui recorrente é, de facto, titular da relação jurídica administrativa de que faz parte integrante o despacho do Secretário para a Economia e Finanças que, fundando-se em condenação criminal do seu marido, cancelou a autorização de residência do mesmo na RAEM, tendo, pois, legitimidade activa para a interposição do recurso contencioso e, consequentemente, para o presente meio processual, sem prejuízo, como é óbvio, de aquele ter, ele próprio, também tal legitimidade, por nisso ter interesse directo, pessoal e legítimo, interesse esse que não deixa de assistir à requerente, na perspectiva de se ver no objecto do processo um litígio, um conflito de interesses, não lhe sendo, como é evidente, indiferente que o seu marido possa manter, ou não, autorização de residência na RAEM até decisão do recurso.
    É o que se nos oferece dizer.”
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    Em 27/2/2005 foi autorizada à requerente e seu agregado familiar residência provisória em Macau por investimento, tendo sido notificada nos seguintes termos:
     “Ao abrigo do disposto do art.º 68.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, vem por este meio notificar a V. Exª de que, nos termos do art.º 2.º n.º 2, art.º 1.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 22/96/M de 22 de Abril e Decreto-Lei n.º 22/97/M de 11 de Junho.
     O Chefe Executivo da RAEM reconheceu que foi grande o vosso investimento e autorizou aos 8 de Julho de 2005 a fixação de residência temporária dos indivíduos seguintes em Macau.
     Ao abrigo do art.º 6.º n.º 3 do Decreto-Lei referido, o Departamento do Serviço de Migração do CPSP deve emitir o título de residência no prazo máximo de sete dias úteis após a recepção da notificação. Este Instituto já remeteu àquele Departamento no mesmo dia a correspondência relativa ao assunto da emissão do título, são solicitados os indivíduos seguintes a ir proceder à obtenção do título de residência se faz favor.
    
    
Nome
Documento de identificação
N.º
O prazo de validade da autorização até
    1
A

Passaporte da China
XXX
2007/2/18
    

Documento de Residência da Uganda
XXX

    2
B
Passaporte da China
XXX
2006/8/28
    

Documento de Residência da Uganda
XXX

    3
C
Passaporte da China
XXX
2006/3/24
    

Documento de Residência da Uganda
XXX

    4
D
Passaporte da China
XXX
2006/3/24
    

Documento de Residência da Uganda


    5
E
Passaporte da China
XXX
2007/2/18
    

Documento de Residência da Uganda
XXX

     Nos termos do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março, a renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência e deve ser requerida ao IPIM até trinta dias antes do termo do respectivo período de validade.
     Com os melhores cumprimentos.
    Presidente do IPIM”
    Em 11/5/2009 foi ela notificada da residência nos seguintes termos:
    “Ao abrigo do disposto do art.º 68.º alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, vem por este meio notifica a V. Ex.ª de que, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o Chefe Executivo de Macau autorizou o Secretário para a Economia e Finanças a proferir no dia de 27 de Abril de 2009 o despacho, em que se concede a renovação da autorização de residência temporária aos indivíduos seguintes.
    º
Nome
Documento de identificação e número
O prazo de validade da autorização até
    1
A

Passaporte da China XXX
2013/02/18
    2
B
Passaporte da China XXX
2012/08/28
    3
C
Passaporte da China XXX
2012/03/24
    4
D
Passaporte da China XXX
2012/03/24
    5
E
Passaporte da China XXX
2012/04/16

     Este Instituto já remeteu correspondências ao Departamento do Serviço de Migração do CPSP, ao abrigo do art.º 16.º do Regulamento Administrativo referido, o Departamento deve emitir “o título de residência” no prazo máximo de sete dias úteis. São solicitados os indivíduos referidos a ir proceder à obtenção do título de residência se faz favor. Para qualquer esclarecimento relativo aos trâmites, é favor contactar com o Departamento via telefone n.º (853)2872-5488.
     Ao abrigo do disposto do art.º 19.º do Regulamento Administrativo referido, a renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.
     E nos termos do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 subsidiariamente aplicado, a falta do requerimento para renovação dentro de 180 dias após o termo do prazo de validade de autorização de residência, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
     Por favor proceda à leitura das observações constantes na folha versa, para qualquer esclarecimento, é favor contactar dentro do horário expediente com o Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM via telefone n.º (853)2871-XXXX ou via e-mail de endereço: XXX.
     Com os melhores cumprimentos e deseja-se uma vida feliz de V. Ex.ª em Macau.
    Presidente do IPIM”
    E em 12/9/2012 foi notificada do seguinte cancelamento, decidido na sequência dos pareceres e propostas abaixo transcritas:
     “Ao abrigo do disposto do art.º 68.º alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, vem por este meio notifica a V. Ex.ª de que, o Chefe Executivo de Macau autorizou o Secretário para a Economia e Finanças a proferir no dia de 27 de Abril de 2009 o despacho, em que se cancelou a renovação da autorização de residência temporária do indivíduo seguinte. O despacho foi formulado com base no teor da proposta no total de 4 folhas do vosso processo, cuja cópia ora se anexa para o efeito da explicação do cancelamento.
    
    nn.º
Nome
Documento de identificação e número
O prazo de validade da autorização até
    1
B
Passaporte da China XXX
2012/08/28

     Ao abrigo do disposto do Código do Procedimento Administrativo, no caso de não se conformar com a decisão referida, pode apresentar reclamação por meio de correspondência ao Secretário para a Economia e Finanças dentro de 15 dias (contados a partir da data de notificação, idem daqui por diante), ou interpor recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância dentro de 30 dias nos termos da lei.
     Com os melhores cumprimentos.”
    
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
    Parecer:
    
     Concordo com o teor desta proposta e submeto-a à consideração superior do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças para o efeito de proferir despacho.
    
    Ass. vide o original
    XXX Presidente
    
     Conforme esta proposta, como se verifica que o B, cônjuge da requerente, foi punido com pena privativa da liberdade por incumprimento das leis de Macau, falta fundamento na contestação escrita dele e não apresentou qualquer documento de prova favorável à manutenção da autorização de residência temporária, propõe-se o cancelamento da autorização do B, cônjuge da requerente, com prazo de validade até 28 de Agosto de 2012.
     À consideração superior do Conselho Executivo.
    
    Ass. vide o original
    XXX / Director-adjunto substituto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM
    21 de Maio de 2012
    Despacho:
    
    
     Concordo.
    
     Ass. vide o original
     19/6/2012

“Assunto: Cancelamento de autorização de residência temporária
Proposta N.º 00XXX/GJFR/2012
Processo n.º 2229/2004/2R
Data: 21/05/2012
    Exmo. Sr. Director-adjunto substituto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência XXX,
    1. A, requerente do processo n.º 2229/2004, tomando como fundamento o investimento de bens imóveis, apresentou respectivamente aos 3 de Abril de 2006 e aos 1 de Dezembro de 2008 os requerimentos da renovação de autorização de residência temporária (processos n.º 2229/2004/01R e n.º 2229/2004/02R) dela e dos membros do agregado familiar (incluindo o cônjuge dela B.
    2. Cumpre mencionar que, no dia de 10 de 2005 o CPSP enviou uma correspondência (vide o anexo 1), em que afirmava que o B, cônjuge da requerente, foi encaminhado no dia de 15 de Setembro de 2002 ao MP por ser suspeitado de utilizar documentos falsos. Mas passando 2 anos, ainda não se chegou a nenhum resultado. Desde modo, a requerente e o seu advogado constituído telefonaram e vieram por várias vezes para este Instituto e, a fim de acompanhar a situação, o pessoal deste Instituto telefonou ao CPSP para a indagação, contudo, o CPSP declarou que até o momento não recebeu qualquer informação do resultado do julgamento final respeitante ao B.
    3. Ponderando os interesses da requerente e membros do seu agregado familiar e tendo em conta o facto de que ficou suspenso por 2 anos o julgamento do requerimento da renovação (processo n.º 2229/2004/01R) devido à situação referida e não se proferiu a sentença final de que resultou a infracção do B, cônjuge da requerente, como não se verificou a existência das circunstâncias que não estão conformadas com as condições do requerimento da fixação de residência do B, na altura, propôs-se que autorizasse no primeiro o requerimento da renovação da requerente e membros do seu agregado familiar e depois procedesse às respectivas tramitações aos indivíduos relacionados após a recepção do resultado final das autoridades competentes no futuro. O Secretário para a Economia e Finanças autorizou aos 2 de Junho de 2008 o requerimento da renovação de residência temporária da requerente e membros do seu agregado familiar (vide o anexo 1).
    4. No dia de 9 de Fevereiro de 2012, por ofício n.º 282/DIR/2012, a Direcção dos Serviços de Identificação notificou este Instituto de que existia registo do B no sistema do serviço policial da PJ e posteriormente este Instituto recebeu a carta-resposta da PJ que confirmou a circunstância referida e indicou que o respectivo processo tinha sido remetido pelo CPSP ao Ministério Público (vide o anexo 2).
    5. No dia de 11 de Abril de 2012, recebeu este Instituto um ofício do Gabinete do Procurador, anexado com a sentença do Tribunal, no qual se afirmava que o B foi condenado aos 25 de Maio de 2011 pelo Tribunal Judicial de Base em pena de prisão de 1 ano e 6 meses, cuja execução ficou suspensa por 2 anos, pela prática de crimes de declaração falsa sobre a identidade e de uso e falsificação de documento de especial valor (vide o anexo 2).
    6. Em vista dos factos referidos, podia ser cancelada a autorização de residência temporária do cônjuge da requerente, termos em que por ofício n.º 05830/GJFR/2012 este Instituto notificou a requerente da audiência escrita e de que deveria apresentar a sua opinião por escrito dentro de 10 dias (vide o anexo 3).
    
    7. No dia de 3 de Maio de 2012, a requerente mandou o seu advogado apresentar a contestação escrita a este Instituto, pedindo que não seja cancelada a autorização de residência temporária do B, cônjuge da requerente, para tal se concluindo da forma seguinte (vide o anexo 4):
    (1) Foi um acto válido administrativo a autorização da renovação da requerente e membros do seu agregado familiar feita pelo Secretário para a Economia e Finanças, não podendo as autoridades administrativas revogar livremente a respectiva decisão.
    (2) Se for cancelada a autorização de residência do cônjuge da requerente, será gravemente violado o direito adquirido dele, portanto, não se deve cancelar a autorização de residência do cônjuge da requerente.
    (3) O cônjuge da requerente ofereceu ao CPSP as informações falsas sobre a identidade, alegando que se chamava F, mas absolutamente não tinha qualquer intuito de praticar o crime referido.
    (4) Foi verificado duma carta (não foi apresentada a este Instituto) enviada pelo Gabinete Central Nacional Chinês da Interpol que a embaixada das Filipinas emitiu em 1998 o passaporte ao F, cujo nome original foi B, e foi confirmado que o F e o B eram a mesma pessoa, pelo que não existiu as circunstâncias de prestar a declaração falsa nem qualquer intuito do crime.
    (5) Nos termos do art.º 9.º n.º 2 da Lei n.º4/2003, mesmo existindo antecedente criminal, não significa necessariamente que os órgãos administrativos devem recusar a renovação de residência, pelo que compete apreciar se a decisão está conformada com os princípios de adequação, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito.
    (6) No caso, a infracção foi leve e a execução da pena ficou suspensa por 2 anos, portanto, não foi grande a perversidade subjectiva do cônjuge da requerente e não construiu risco ou ameaça à ordem pública e segurança de Macau.
    (7) Foi proferida a sentença em 2011 e o respectivo acto criminoso foi praticado antes da concessão de residência temporária. Nos 6 anos da autorização até ao momento, o cônjuge da requerente tem respeitado sempre a lei e nunca praticou qualquer crime.
    (8) O cônjuge da requerente tem emprego estável em Macau e a receita da família depende totalmente do rendimento dele. Se for cancelada a autorização, terá de voltar à terra original, o que prejudicará gravemente a continuidade da família dele.
    (9) Ao abrigo do disposto da Lei n.º 6/94/M, Lei de bases da política familiar, as autoridades administrativas devem garantir o direito básico de construir e unir a família, termos em que se pediu que não seja cancelada a autorização de residência temporária.
    
    8. Quanto aos fundamentos e pretensões do advogado constituído pela requerente, ora se deduz a análise da forma seguinte:
    (1) Foi um acto válido administrativo a prolação do despacho em que se autorizou a renovação da requerente e membros do seu agregado familiar feita pelo Secretário para a Economia e Finanças e este Instituto não precisa de revogar a respectiva decisão (sic.).
    (2) Cumpre dizer que para todos os interessados que requeiram a autorização de residência temporária nos termos do Decreto-Lei n.º 14/95/M, a autorização concedida é apenas um direito de residência de carácter precário. O legislador estipula no art.º 7.º e 8.º deste Decreto-Lei que dentro da duração da autorização de residência dos interessados, devem ser preenchidas a situação jurídica e as condições. Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, será cancelada a autorização ou não será concedida a renovação. Com base nisso, não se resulta a violação grave do direito adquirido do cônjuge da requerente.
    (3) Na verdade, quando a requerente apresentou no dia de 3 de Abril de 2006 os requerimentos da renovação (processo n.º 2229/2004/01R) dela própria e dos membros do seu agregado familiar (incluindo o B), este Instituto já tomou em consideração os interesses da requerente e membros da sua família e, desde modo, propôs-se que autorizasse no primeiro o requerimento da renovação da requerente e membros do seu agregado familiar e depois procedesse às respectivas tramitações aos indivíduos relacionados após a recepção do resultado final das autoridades competentes no futuro.
    (4) Verificou-se da sentença do Tribunal que o B, cônjuge da requerente, da forma livre, deliberada e consciente, prestou dolosamente as informações falsas de identidade, a fim de atingir as finalidades de induzir em erro as autoridades executivas da lei. Bem sabendo que era inapto, empregou consciente, voluntaria e dolosamente a outrem com dinheiro para lhe falsificar a licença de condução e usou-a como um documento autêntico, com intenção de mal informar as autoridades de segurança e obter interesses ilegítimos, o que mostrou forte intuito de crime do B.
    (5) Foi verificado também que o cônjuge da requerente sabia perfeitamente que o nome autêntico dele era B, nasceu no dia de 4 de Setembro de 1977, era o filho de C e De se casou no dia de 28 de Fevereiro de 2002 na Cidade de Jin Jiang da Província de Fu Jian(福建省晉江市). Mas através dum indivíduo de identidade desconhecida, o B adquiriu uma licença de condução das Filipinas com a foto dele e cujo titular era o XXX. Ele sabia bem que, salvo a foto, todas as informações na licença não estão conformadas com a realidade. O B nunca requereu uma licença de condução no respectivo órgão nas Filipinas.
    (6) Entretanto, posteriormente o B prestou perante o CPSP as informações de que se chamava F, nascido no dia de 17 de Março de 1980, filho de G e H, não casado.
    (7) É verdade que se permite a alteração de nome da parte por algumas razões, mas se não for prestadas as declarações autênticas sobre a data de nascimento, até os nomes dos pais e o estado civil, existe evidentemente a prestação de declaração falsa. O B, da forma livre, deliberada e consciente, prestou dolosamente as informações falsas de identidade, com intenção de mal informar as autoridades de segurança e obter interesses ilegítimos. Pelo que não é verdade a alegação deduzida pelo advogado de que “não existiu as circunstâncias de prestar a declaração falsa nem qualquer intuito do crime”.
    (8) Nos termos do art.º 9.º n.º 2 alínea 1) da Lei n.º 4/2003, aplicado subsidiariamente ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M, para efeitos de concessão da autorização, aprecia-se nomeadamente se existem antecedentes criminais, incumprimento comprovado das leis da RAEM e se ter sido condenado em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior.
    (9) Desde modo, é certo que existe o facto inegável de incumprimento das leis da RAEM por parte do B, cônjuge da requerente, e em consequência, ter sido condenado em pena privativa de liberdade na RAEM, isto é, pena de prisão de 1 anos e 6 meses, cuja execução ficou suspensa por 2 anos.
    (10) Mesmo ficando suspensa a execução, de acordo com a sentença, o acto do B prejudicou a fé pública de licença de condução, afectou a veracidade e precisão das informações constantes deste tipo de documento e lesou os interesses do Território e do terceiro, o que mostra a sua forte perversidade subjectiva e que constitui risco e ameaça a certo nível à ordem pública e segurança de Macau.
    (11) Embora nunca tenha praticado qualquer acto ilícito desde o crime e seja alegado que o B tem emprego estável em Macau e a receita da família depende totalmente do rendimento dele, de acordo com o impresso (vide o anexo 5) autenticamente preenchido do requerimento de renovação (processo n.º 2229/2004/03R) dos membros do agregado familiar apresentado pela requerente A, os ascendentes do seu cônjuge C e D trabalham enquanto pessoal de segurança e empregada de limpeza, auferindo respectivamente MOP$60,000 num ano, então a receita da família não depende totalmente no cônjuge da requerente só. Portanto, não assiste a razão à alegação deduzida pelo advogado da requerente de que se for cancelada a autorização de residência do B, terá de voltar à terra original, o que prejudicará gravemente a continuidade da família dele.
    (12) Nos termos da Lei n.º 6/94/M, ou seja, Lei de bases da política familiar, cumpre dizer que é diferente da autorização de residência adquirida por outras formalidades a conseguida através do pedido da fixação de residência por investimento. Foi concedida no dia de 8 de Julho de 2005 a autorização de residência temporária à requerente e membros do seu agregado familiar e foi autorizada a renovação respectivamente aos 27 de Abril de 2009 e aos 20 de Janeiro de 2012, com o respectivo prazo de validade até 18 de Fevereiro de 2013 e 28 de Agosto de 2012. Se a requerente ainda pretender pedir que o cônjuge dele possa vir a Macau, pode apresentar, após adquirir a qualidade de residente permanente de Macau, o requerimento da fixação de residência dele por reunião de família.
    9. No dia de 9 de Maio de 2012, este Instituto recebeu o ofício n.º MIG/05012/12/C.I. do CPSP, anexado com a sentença do Tribunal, no qual foi confirmado que o B foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base pela prática de acto criminoso em pena de prisão de 1 ano e 6 meses, cuja execução ficou suspensa por 2 anos (vide o anexo 6).
    10. Pelo exposto, mostra-se da sentença do Tribunal Judicial de Base que o B, cônjuge da requerente, agiu da forma livre, voluntária e dolosa ao praticar os actos ilícitos e foi condenado em pena de prisão de 1 ano e 6 meses, cuja execução ficou suspensa por 2 anos, isto é, foram comprovados o incumprimento das leis da RAEM por parte do cônjuge da requerente e a condenação de pena privativa da liberdade, e mais, falta fundamento na contestação escrita apresentada pelo advogado constituído pela requerente e não apresentou qualquer documento de prova que favorece à manutenção da autorização de residência temporária, pelo que, propõe-se o cancelamento da autorização de residência temporária do B com o prazo de validade até 28 de Agosto de 2012.
    À consideração superior
    Técnico superior”
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. O caso
    A, bem como o seu agregado familiar, composto por si, pelo marido e três filhos, residindo na RAEM há sete anos consecutivos, começando a trabalhar e a residir em Macau desde 2005, com base em autorização de residência que lhe foi concedida com fundamento em significativos investimentos feitos na RAEM.
    Até que em 25 de Maio de 201, por o marido da recorrente, B, ter sido condenado por um crime de falsas declarações e uso de documento falso de especial valor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 2 anos, por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 21 de Junho de 2012, baseado no Registo criminal foi cancelada a autorização de residência do mesmo em Macau.
    
    2. Da legitimidade da requerente
    2.1. Colocou-se a questão, oficiosamente, da legitimidade da requerente, por se poder entender que a pessoa directamente afectada no seu direito e interesse em permanecer em Macau era o marido da requerente.
    
    2.2. Temos presentes as diferentes abordagens possíveis, nomeadamente o que decidido foi pelo V.º TUI, no acórdão n.ºs 8/2004, de 28/4/2004.
    Atente-se de que nesse acórdão tratava-se de matéria diferente.
    No processo n. 8/2004 estava em causa a não renovação de permanência de uma empregada doméstica por cometimento de um crime, sendo que ela fora autorizada, a residir na sequência de autorização de contratação concedida ao recorrente, o empregador, a quem foi reconhecida legitimidade para recorrer.
    
    2.3. Recolhemos até do citado acórdão, o enquadramento doutrinário que se segue sobre a legitimidade activa no recurso contencioso de anulação.
    
    «A legitimidade processual é um conceito de relação com determinado processo ou litígio.
    A legitimidade é uma posição do autor ou do réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo.
    CASTRO MENDES1 ensinava que a legitimidade processual pode ser encarada segundo duas técnicas diferentes:
    a) Uma que considera o objecto do processo um litígio, um conflito de interesses;
    b) Outra, que considera o objecto do processo uma relação jurídica, a relação jurídica subjacente, material ou controvertida (que não se confunde com a relação jurídica processual).
    
    Na alínea a) do art. 33.° do Código de Processo Administrativo Contencioso confere-se legitimidade para interpor recurso contencioso às "pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso".
    Na letra da lei, o conceito de legitimidade sofreu um alargamento relativamente à lei anterior vigente em Macau, que referia como tendo legitimidade activa para interpor os recursos contenciosos " ... os que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo ... ".2
    O art. 26.°, n.º 1 do Código de Processo Civil de 1961 dispunha que "O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar ... ", acrescentando o n.º 2 que "O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção ... ". E concluía o n.º 3 do mesmo art. 26.° que "Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida".
    O art. 58.° do actual Código de Processo Civil, mais sinteticamente, limita-se a precisar o conceito de legitimidade, dizendo que "Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor".
    A propósito do requisito do interesse directo do conceito de legitimidade, ensinava ALBERTO DOS REIS:3 "Não basta, pois, um interesse indirecto ou reflexo; não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular. Noutros termos: não basta que as partes sejam sujeitos duma relação jurídica conexa com a relação litigiosa; é necessário que sejam os sujeitos da própria relação litigiosa".
    Mesmo na vigência da lei processual administrativa anterior, e particularmente nos últimos anos, não se vinha pondo em causa que o conceito legal de legitimidade processual activa no recurso contencioso não era menos estreito que o constante da lei processual civil.
    Assim, explicam F. B.FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA4 "… que este conceito administrativista5 em nada difere daquele que o legislador estabeleceu no art. 26.º do CPC, quando especifica que o interesse directo em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, no nosso caso do recurso contencioso, uma vez que isto só pode suceder quando a procedência do recurso faz desaparecer um qualquer óbice à satisfação dos interesses do recorrente que sejam dignos de tutela jurídica.
    Tendo vingado hoje a dialéctica processual na relação jurídica que é posta perante o juiz administrativo, fruto duma cada vez mais acentuada feição subjectivista do contencioso administrativo, está a ganhar adeptos no seio dos tribunais administrativos, nomeadamente no STA, a adopção, nos domínios do recurso contencioso, do conceito de legitimidade em processo civil...
    Assim, do lado activo é parte legítima quem tiver interesse na interposição do recurso, um interesse aceitável, entenda-se mas que dê uma plena satisfação e protecção ao administrado".
    Mas, como dizia CASTRO MENDES6 entre as duas soluções legais de legitimidade, do contencioso administrativo e do art. 26.° do Código de Processo Civil (de 1961) "não há diferença material ou real".
    Deste modo, há-de entender-se que a legitimidade processual activa no recurso contencioso pode, também, ser aferida pela titularidade da relação jurídica controvertida, tal como configurada pelo recorrente.
    Aliás, o alargamento do conceito de legitimidade activa no art. 33.°, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso à titularidade "... de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos ... " já aponta para a titularidade da relação jurídica controvertida.»
    
2.4. Podemos, assim, concluir que, genericamente, a legitimidade traduz-se num conceito de relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, havendo que a aferir pela titularidade dos interesses em jogo, dizendo-nos a lei que o interesse em demandar ou contradizer tem de ser directo, isto é, exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção - artigos 26º, n.º1 e n.º2 do C. Proc. Civil.
      Essa titularidade de interesses confere aos sujeitos da relação jurídica aptidão para justificadamente se ocuparem em juízo da defesa do seu interesse e é assim que o artigo 147º do C.P.A. estabelece que“(1) têm legitimidade para reclamar ou recorrer os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelo acto administrativo, (2) É aplicável à reclamação e aos recursos administrativos o disposto no n.º 2 do artigo 55”.
O artigo 55º, n.º 1, por seu turno, prevê :
“1. Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos lesados pela actuação administrativa, bem como as associações que tenham por fim a defesa desses interesses.
(…)”
      Como já se tem afirmado em acórdãos deste Tribunal7, o recorrente é o titular de um interesse directo, pessoal e legítimo : interessado é aquele que pode e espera obter um benefício com a destruição dos efeitos do acto recorrido; esse interesse é directo quando se repercute imediatamente; pessoal, quando tal repercussão ocorre na esfera jurídica do próprio recorrente; legítimo, quando é valorado positivamente pela ordem jurídica enquanto interesse do recorrente.8 Esta concepção é a decorrente da visão tradicional em direito administrativo.
      O artigo 26º, nº1 do CPC pré-vigente exigia apenas um requisito: que o interesse fosse directo, entendendo-se, no entanto, não haver diferença entre os dois regimes, solução a que se chegava a partir da adequada elaboração doutrinária.9 10
       Contrariamente ao que ocorre no processo civil, em que a legitimidade não se confunde com o chamado interesse em agir, entendido este como o interesse no próprio processo e não apenas no seu objecto, - grande parte da construção que se fez sobre esta matéria assentou em postulados extraídos da legitimidade para o contencioso administrativo11 - já no recurso contencioso releva para apreciação da legitimidade do recorrente o interesse deste no processo, uma vez que a situação de interessado do recorrente, se reconduz à circunstância de este poder e esperar obter um benefício com a destruição dos efeitos do acto recorrido.12
   
      Tais princípios decorrem igualmente do que se dispunha para a legitimidade processual no artigo 46º do R.S.T.A. e 821º do C. Administrativo, tendo vindo a ser acolhidos no actual artigo 33º do C.P.A.C. (Código do Processo Administrativo Contencioso).
    
     3. Projectando este enquadramento no caso concreto.
     3.1. É verdade que foi a ora requerente que pediu a concessão da residência para si e para o seu agregado familiar;
    É certo que foi até ela que foi notificada do cancelamento da residência do seu marido por este ter sido condenado pela prática de uma crime;
    Aceita-se até que a requerente, enquanto esposa e mãe é afectada com esta medida e que a estabilidade e economia familiar que ela pode visar sairá um tanto abalada com tal cancelamento e consequência daí adveniente como seja a saída da RAEM.
    Será isto suficiente para integrar um interesse directo justificativo da legitimidade activa para o recurso e respectivos procedimentos?
    
    3.2. Estamos em crer que não.
    Desde logo, o que ressalta é que a haver um interesse directo, esse será o do marido, afectado com a medida e destinatário da mesma e só indirecta e mediatamente resulta a afectação do núcleo de interesses que a requerente visa salvaguardar. Por outras palavras: só porque o marido terá de abandonar Macau, sendo ele o primeiro a sofrer, só por causa disso, virá a requerente e a sua família a sofrer também. É aqui que residirá a natureza mediata e indirecta daquele núcleo de interesses, familiares, económicos, sentimentais, sob pena de todos os interesses indirectos serem directos em relação ao titular que os invoca e não mais fazer sentido a distinção.
    A aferição da titularidade dos interesse há-de fazer-se pela titularidade da situação jurídica ou relação jurídica, como se pretenda, havendo que a identificar. E sobre isto diremos que o estatuto de residente ou a qualidade de residente, ainda que provisório, resulta de uma situação que sob o ponto de vista jurídico-político-administrativo, conexiona o indivíduo, concretamente considerado, com o ordenamento dotado de personalidade jurídica, no caso, a RAEM, daí advindo direitos e obrigações para ambas as partes. Essa relação é bilateral e está individualizada, fazendo-se com a pessoa, sujeito de direitos, e não com a sua família. Ora, sendo o afectado maior, capaz e não se fazendo representar, não se vê por que razão não deva ele a tomar a rédea da defesa dos seus interesses.
    Aliás, quem nos diz ou nos pode assegurar que, por esta via, não se pode originar uma situação em que a requerente, esposa extremosa, na defesa dos interesses que pensa legitimamente prosseguir, não esteja a ir contra a vontade do marido? Donde daqui resulta como bastante evidente a possibilidade de um antagonismo entre diferentes interesses em presença, sendo que um será o directo, o que atinge a esfera jurídica do destinatário do acto e o outro, o indirecto.
    Imaginemos ainda a possibilidade de se configurar até um conjunto de outros interesses que mediatamente pudessem ser afectados, como uma mãe ou avó dependentes da pessoa a quem foi cancelada a residência, teriam elas legitimidade para vir recorrer ou requerer a suspensão do acto?
    Em que situação ficaríamos se, porventura, B, estivesse separado ou, independentemente disso, anuísse ao acto praticado, acto esse que se repercute directamente sobre a sua esfera jurídica?
    Não nos podemos esquecer que, se basta a vontade juridicamente relevante de um membro do casal para despoletar o procedimento aquisitivo da residência e por força dessa iniciativa tanto basta para que cada um dos elementos do agregado familiar adquira o direito a residir ou a permanecer em Macau, já o mesmo não acontece quanto à disposição do direito, o que decorre do respectivo regime procedimental de aquisição de residência decorrente do artigo 4º do DL 14/95/M, ao abrigo do qual foi formulado o pedido na situação subjudice e aplicável ao caso ex vi artigo 22º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005:
    1. O pedido a que se refere o artigo anterior pode ser estendido a pessoas do agregado familiar do interessado devendo ser mencionadas com indicação do nome, data e local de nascimento, filiação, estado civil, profissão, residência, nacionalidade e relação de parentesco ou afinidade com o requerente.
    2. Para os efeitos do disposto no número anterior integram o agregado familiar, o cônjuge e ainda os seguintes familiares:
    a) Os ascendentes em primeiro grau e os do cônjuge;
    b) Os descendentes menores e os do cônjuge.
    Esta individualidade não deixa de estar plasmada no regime legal aplicável , como decorre dos artigos seguintes.
    Sendo certo que o artigo 11.º daquele DL 14/95/M estabelece que “Aos indivíduos que solicitem fixação de residência ao abrigo deste diploma é subsidiariamente aplicável o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência em Macau.”
    Regime este previsto no Decreto-Lei n.º 3/84/M de 28 de Janeiro, aí se dispondo:
Art. 4.º 1. Obtido o reconhecimento a que se reporta o artigo anterior, poderão os titulares de situação jurídica atendível requerer ao Governador, junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública, a autorização para residir em Macau.
2. No caso de se pretender extensão da autorização de residência aos familiares referidos no n.º 2 do artigo 1.º, os pedidos poderão ser formulados num único requerimento, mas este deverá ser assinado por todos os interessados ou seus representantes legais.

3. Aqueles que não sendo casados ou, sendo-o, se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens e vivam, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, são havidos como cônjuges para efeitos do presente diploma.
    
Art. 8.º Deferido o pedido, será passada a cada um dos requerentes maior de catorze anos uma autorização de residência.
Art. 9.º - 1. Salvo o disposto no número seguinte, as autorizações de residência são válidas por um ano, a partir da data da emissão e renováveis por iguais períodos.
Art. 11.º - 1. As autorizações de residência serão oficiosamente canceladas quando os seus titulares deixarem de satisfazer os requisitos exigíveis para a sua concessão.
    Face a tal regime, resulta muito clara uma situação personalizada de cada residente face ao respectivo estatuto que foi adquirido ou está em perspectivas de o vir a ser, não resultando dali nenhum mecanismo que opere uma representação legal de cada um dos interessados individualmente considerados.
    4. Nem se diga que à decisão que vai no sentido da ilegitimidade obsta o facto de a Administração ter notificado a requerente.
    Bem. Sobre isto apenas duas observações.
    Em primeiro lugar, o erro ou incorrecção da notificação não pode fazer subverter as regras da legitimidade que resultam da relação jurídica controvertida substantiva e que em dado momento foi processualmente adjectivada. O erro da notificação não pode conferir legitimidade a quem dela carece, pois que este pressuposto processual não está dependente sequer de uma errada interpretação sobre quem seja o titular daquela relação.
    A falta de notificação à pessoa devida e directamente interessada traduz-se tão-somente em ineficácia da decisão em relação àquela.
    5. Assim sendo, não se deixará de concluir no sentido da falta de legitimidade activa para interposição do presente procedimento cautelar de suspensão do aludido acto.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar a providência, por falta de um pressuposto adjectivo, ou seja, por falta de legitimidade da requerente para pedir a suspensão do acto que cancelou a residência de B.
    Custas pela requerente com taxa de justiça que se fixa em 5 Ucs.
                Macau, 29 de Novembro de 2012,
                João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vitor Coelho José Cândido de Pinho
1 JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, 1987, edição da AAFDL, II volume, p. 130 e segs ..

2 Art. 46.°, 1.° do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo.

3 J. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3.ª ed., 1948, volume 1, p. 84.

4 F. B.FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA, Direito Processual Administrativo Contencioso, Elcla Editora, Porto, 1991, 70 e 71
5 Referem-se ao conceito de legitimidade do art. 46.°, 1.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo).

6 JOAO DE CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 132.

7- Ac. do T.S.I, proc. nº. 70/2000 de 24 /10/02 e 72/2000, de 27/2/03

8 - Freitas do Amaral, ob. cit.,171.
9- Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 1987, 193.
10 - Actualmente, no artigo 58º do CPC depurou-se o conceito preciso de legitimidade, havendo que encontrar a delimitação do conceito na elaboração doutrinária, a partir do que seja o interesse processual e o interesse em agir expressamente previstos no CPC de 1961 - cfr. nota explicativa do CPCM (Código de Processo Civil de Macau) aprovado pelo DL nº55/99/M de 8 de Outubro.
11 - Miguel Teixeira de Sousa, BMJ 292,75.
12 - João Caupers, Introdução ao Dto Administrativo, 2001, 269; Rui Machete, Estudos de Direito Público e Ciência Política, 134 e A. STA de 12/4/94, relatado pelo Cons. Dimas Lacerda. Para outros autores, v.g., Vieira de Andrade o interesse em agir corresponderia à necessidade de tutela judicial e constituiria um pressuposto processual autónomo, in “Justiça Administrativa”, 1999, 218.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

848/2012/A 1/45