Processo nº 760/2012 Data: 29.11.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “emprego”.
Medida da pena.
Substituição.
SUMÁRIO
1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
2. Inexistindo, de forma evidente, qualquer circunstância que pudesse dar lugar a uma “atenuação especial da pena” ao abrigo do art. 66° do C.P.M., e sendo o crime de “emprego” em questão – punido com pena de prisão até 2 anos – um crime cujas necessidades de prevenção geral é patente, dada a frequência com que em Macau é cometido, razões não existem para se considerar excessiva a pena de 4 meses de prisão.
3. Constatando-se que a arguida já foi por duas vezes condenada pelo crime de “emprego”, inegável é que fortes são as necessidades de prevenção especial, (pois que insiste em delinquir), e assim, evidentes sendo também as necessidades de prevenção geral, (como atrás já se referiu), inviável é pois a substituição da pena em questão por qualquer outra não privativa da liberdade.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 760/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), com os sinais dos autos, respondeu em processo sumário no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de 1 crime de “emprego” p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão; (cfr., fls. 29 a 32 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, em síntese, manifestar o seu inconformismo com a pena fixada, considerando-a excessiva; (cfr., fls. 47 a 59).
*
Respondendo diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo-se manter, na íntegra, a sentença recorrida; (cfr., fls. 63 a 66-v).
*
Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador o seguinte Parecer:
“Se bem analisamos o alegado pela recorrente, a mesma, não questionando a prova dos factos ilícitos imputados, assaca à douta sentença sob escrutínio, erros de direito, quer por se terem valorado "repetidamente" circunstâncias os aspectos que fariam já parte intrínseca do tipo de ilícito, quer por, erroneamente, ter dado como não provado o seu arrependimento, quer por não ter devidamente contemplado circunstâncias da sua vida, mostrando-se ainda inconformada com a medida concreta da pena alcançada, que considera exagerada, batendo-se também pela suspensão da sua execução.
Tudo, cremos, sem qualquer razão.
Desde logo, pelo mero facto de o normativo imputado - art° 16° da Lei 6/2004 - ter sido aprovado num contexto e necessidade decorrente de "surto extraordinário de imigração ilegal associado a trabalho ilegal", não invalida, como é óbvio, que, relativamente a cada caso, hajam que ser devidamente consideradas e valoradas as circunstâncias atinentes, designadamente a intensidade do dolo e o grau de ilicitude respectivos, a isso obrigando, aliás, o preceituado nos artes 40° e 65°, C.P., não se vendo que da análise devida, caso a caso, daquelas circunstâncias decorra qualquer repetição, qualquer dupla valoração dos interesses que terão presidido à elaboração da lei.
Depois, pelo facto de a recorrente ter confessado os factos, não decorre, necessária e forçosamente, o seu arrependimento.
Sendo certo que, por norma, a contrição se pode também extrair da confissão, não é menos verdade que tal pode não suceder, isto é, pode existir confissão sem contrição, sabendo-se, como se sabe, decorrerem daquela valorações muito diversas, consoante as circunstâncias, por vezes de valor muito diminuto, como, em certo aspecto, não deixa de ser o caso vertente, atentos os condicionalismos em que os factos foram detectados.
Seja como for, o certo é que foi tal asserção que o julgador "a quo" alcançou, com plena fundamentação para o efeito, externando, de forma suficiente, clara e congruente as razões respectivas, que nada permite validamente infirmar.
Quanto à pena, atenta a moldura penal abstracta do ilícito imputado e os circunstancialismos concretamente apurados, afigura-se-nos ter sido usada, na medida concreta alcançada (1/6 do limite máximo), dosimetria penal justa e adequada, não alcançando justificação a almejada suspensão, já que, conforme proficientemente decorre das razões apresentadas pelo douto aresto em crise, designadamente das atinentes à sua conduta anterior, facilmente se alcança que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizariam, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não se vendo que, para o efeito, não tenham sido devidamente ponderadas e sopesadas as condições ("encargos de vida, familiares e de dívidas", no dizer da própria) da visada, pertinentes, relevantes e efectivamente levadas ao conhecimento do tribunal.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos entender não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 136 a 138).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença ora recorrida, a fls. 30 a 31, e que aqui se dão como totalmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora da prática de 1 crime de “emprego” p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão.
Diz (essencialmente) que excessiva é a pena, apresentando-se-nos porém o recurso como manifestamente improcedente, e impondo-se assim a sua rejeição, como em sede de exame preliminar se deixou consignado; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Com efeito, e como bem se vê de uma leitura ao douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, (que aqui se dá como totalmente reproduzido), nenhuma razão tem a ora recorrente.
Seja como for, não se deixa dizer o que segue.
Vejamos.
Nos termos do art. 16° da Lei n.° 6/2004:
“1. Quem constituir relação de trabalho com qualquer indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador, independentemente da natureza e forma do contrato, ou do tipo de remuneração ou contrapartida, é punido com pena de prisão até 2 anos e, em caso de reincidência, com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Para os efeitos previstos no número anterior, presume-se existir relação de trabalho sempre que um indivíduo é encontrado em obras de construção civil a praticar actos materiais de execução das mesmas”.
Por sua vez, quanto aos “fins das penas” importa ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E, quanto aos “critérios para a determinação da pena” preceitua o art. 65° que:
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.
Face à moldura penal aplicável ao crime pela arguida cometido – pena de prisão até 2 anos; cfr., art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004 – poder-se-á considerar excessiva a pena de 4 meses de prisão imposta à arguida dos presentes autos?
Não nos parece.
Como repetidamente tem este T.S.I. afirmado: “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 27.09.2012, Proc. n° 682/2012).
In casu, inexistindo, de forma evidente, qualquer circunstância que pudesse dar lugar a uma “atenuação especial da pena” ao abrigo do art. 66° do C.P.M., (pois que há que dizer igualmente que a confissão dos factos tem reduzido relevo dado que a arguida foi surpreendida em flagrante), e sendo o crime em questão um crime cujas necessidades de prevenção geral é patente, dada a frequência com que em Macau é cometido, razões não existem para se considerar excessiva a pena imposta, que está (bem) próxima do seu limite mínimo, estando, ainda assim, a 10 meses do seu meio.
Continuemos.
Também no art. 44° do C.P.M. se estatui que:
“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.º”.
No caso, os factos ocorreram em 16.07.2012, e provado está que a arguida já respondeu por duas vezes pelo mesmo crime de “emprego”, vindo, em ambas as vezes, a ser condenada: a 1ª, em 1994, com pena de prisão convertida em pena de multa, e, a 2ª, em 2006, com pena de prisão, suspensa na sua execução, na condição de pagar uma indemnização à R.A.E.M..
Será assim de considerar inadequada a pena de privação da liberdade ora aplicada?
Sem prejuízo do muito respeito por opinião contrária, também aqui, cremos que censura não merece a decisão recorrida onde não se deixou de ponderar em tais “factos provados” para afastar a aplicação do transcrito art. 44°.
De facto, atentas as suas duas anteriores condenações pelo mesmo crime, demonstrado está que a arguida não quis aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas, corrigindo os seus erros de forma a levar uma vida honesta e sem delinquir.
Pelo contrário, desprezou os “avisos solenes” que pelo Tribunal lhe foram feitos (com as suas duas anteriores condenações em penas não privativas da liberdade), voltando a incorrer na prática do mesmo tipo de crime como se nada tivesse sucedido e/ou nada pudesse vir a suceder.
Face a isto, inegável é que fortes são as necessidades de prevenção especial, (pois que a arguida insiste em delinquir), e assim, evidentes sendo também as necessidades de prevenção geral, (como atrás já se referiu), inviável é pois a substituição da pena em questão por qualquer outra não privativa da liberdade, (ainda que ao abrigo do art. 48° do mesmo Código, pois que, na mesma, e como se viu, preenchidos não estão os seus pressupostos).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Face ao exposto, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Custas pela recorrente com taxa que se fixa em 4 UCs, e pela rejeição, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 29 de Novembro de 2012
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 760/2012 Pág. 16
Proc. 760/2012 Pág. 1