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Processo n.º 739/2012
(Recurso de Decisões Jurisdicionais )

Data : 29/Novembro/2012


ASSUNTOS:
    - Responsabilidade civil extracontratual da RAEM por acto de funcionário ou agente
    - Determinação do dano
    - Valor da indemnização

SUMÁRIO:
    Se uma determinada pessoa celebra uma escritura de compra de um parque de estacionamento porque confiou numa certidão passada na Conservatória, onde se fez exarar que sobre essa fracção não impendia nenhum ónus ou encargo, quando efectivamente sobre ela incidia uma penhora, vindo, passados alguns anos, o comprador a ficar sem a coisa, que foi vendida em hasta pública, no âmbito do processo de execução em que foi lavrada aquela penhora, deve ele ser indemnizado pela RAEM pelo valor actual do parque e não somente pelo valor do preço pago descontado o valor do sinal.
                
                Relator,
  

(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 739/2012
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 29 de Novembro de 2012

Recorrente: B

Entidade Recorrida: Região Administrativa Especial de Macau

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. O AUTOR, B, mais bem identificado nos autos, intentou Acção para Efectivação de Responsabilidade Civil Extracontratual contra
    a Ré, Região Administrativa Especial de Macau, pedindo que seja a Ré condenada a pagar a quantia de MOP$460.000,00, ou subsidiariamente, a de MOP$72.100,00, conforme os seus fundamentos de facto e de direito aduzidos na petição inicial constante de fls. 106 a 115.
    Oportunamente, veio a alterar o pedido para MOP850.000,00, pedido que foi aceite.
    2. Proferida sentença, tendo-se condenado a Ré a pagar ao A., B, a indemnização no valor de HKD$63.000,00, a que corresponde MOP$64.890,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento, inconformado, vem ele recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
     I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos presentes autos que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide condenar a Ré a pagar ao Autor a indemnização no valor de HKD 63.000.00, a que corresponde MOP$64.890.00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
     II. No plano do Direito aplicável ao caso concreto, a decisão ora posta em crise nunca poderia ter decidido como decidiu, tendo-o feito em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento.
     III. Os prejuízos incorridos pelo Recorrente hão-de sempre corresponder aos danos emergentes e lucros cessantes por si sofridos em virtude da celebração do contrato de compra e venda sobre um bem onerado, oneração que o Recorrente desconhecia, sem que pudesse conhecer, atenta a falta de inclusão da inscrição da penhora na certidão do registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial de Macau.
     IV. A indemnização pelos danos derivados dessa omissão deverá pois abranger a globalidade da perda patrimonial sofrida pelo Recorrente, consubstanciada na diferença entre a sua situação patrimonial na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, abrangendo, assim, não só dano emergente mas também os lucros cessantes.
     V. Resulta do elenco dos factos provados, que: (i) a 04/09/2002, para instruir a sobredita escritura notarial, o A. requereu junto da Conservatória do Registo Predial uma certidão do estado do imóvel, (ii) tendo-lhe sido certificado pela certidão datada de 05/09/2002 que o imóvel em causa se encontrava registado em nome do alienante C, livre de quaisquer ónus ou encargos (Factos Assentes F), (iii) em Novembro de 2000, o lugar de estacionamento em causa foi objecto de penhora a favor da sociedade XX HONG KONG COMPANY LIMITED, exequente nos autos de Execução Ordinária com o n.º CV2-98-0021-CEO, que correram termos no 2.° Juízo Cível do TJB, sendo executada a sociedade XX LIMITADA - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA. (Factos Assentes J); (iv) aos 24/06/2009, no âmbito do referido processo, o lugar de estacionamento foi adjudicado à Exequente XX HONG KONG COMPANY LIMITED (Factos Assentes K); (v) à data de celebração da escritura pública de compra e venda entre o A. e C em 30 de Setembro de 2002, não constava na certidão do registo predial da Conservatória emitida em 5 de Setembro de 2002 a inscrição do registo de penhora referida no facto assente J), (Resposta ao Quesito 2); (vi) se o A. tivesse tomado prévio conhecimento da existência do referido ónus, não formalizaria a escritura definitiva (Resposta ao Quesito 5) e ainda que (vii) o preço dos lugares de estacionamento com as mesmas características daquele que o A. adquiriu, designadamente em tamanho e localização, ronda actualmente MOP$850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil patacas). (Resposta ao Quesito 6).
     VI. Resultou claro que o Recorrente apenas celebrou a escritura pública de compra e venda sobre o referido parque de estacionamento porquanto o mesmo não estava onerado.
     VII. O critério da indemnização do lesado é o da restauração natural, no sentido da reposição da situação hipotética actual, ou seja, da reparação de todos os danos emergentes e de todos os lucros cessantes que se venha a provar que têm um nexo de causalidade com o acto ilícito culposo.
     VIII. Tendo o douto Tribunal a quo entendido que estavam preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, e que o Recorrente nunca teria adquirido aquele bem caso soubesse da existência da sobredita penhora, obrigatório seria entender, ao abrigo do sobredito artigo 558 º do Código Civil, que os prejuízos do Recorrente iam além da diminuição do seu património.
     IX. A omissão das informações constantes da certidão do registo predial levaram o Recorrente a adquirir um bem onerado - que posteriormente veio a ser adjudicado a outrem - tendo afectado o seu direito em adquirir um parque de estacionamento livre de ónus e encargos e daí retirar os benefícios decorrentes da sua valorização.
     X. Ao entender-se, como fez o douto Tribunal a quo, que na suposição de que a certidão emitida pela CRP em 05/09/2002 não enfermasse da incompletude de informação o Autor não concluiria a escritura pública e tomaria acções contra C a fim de reaver o montante de sinal pago, está-se a ignorar por completo um dano efectivo e real: o da perda de oportunidade de negocio.
     XI. Por um lado, poderia o Recorrente hoje vender aquele imóvel por um valor bem superior ao da aquisição, vendo-se na realidade impedido de o fazer e por isso impedido de obter tais vantagens patrimoniais e por outro lado, tendo o Autor ficado privado do direito de propriedade daquele imóvel, por incúria da Administração, viu-se impedido de, naquela altura, optar pela compra de um outro imóvel livre de ónus e encargos, de iguais características e por idêntico preço.
     XII. É por demais evidente que, não fosse a omissão da Conservatória, o Recorrente não teria adquirido 1/306 avos indivisos da fracção autónoma designada por AR/C para estacionamento, do prédio sob o nº ...... a fls. 63v do Livro B-111ª, mas teria adquirido outro imóvel em idênticas condições, e nesse caso, seria hoje legitimamente proprietário de um bem cujo valor de mercado seria de MOP$850.000.00, sendo esse o valor efectivo do prejuízo sofrido pelo Recorrente, e pelo qual deveria por isso ser indemnizado.
     XIII. A indemnização em dinheiro, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (cfr. nº 5 do artigo 560º do Código Civil).
     XIV. É na data da prolação da sentença - ( ... a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal ... ) - que se deve apurar a situação patrimonial do lesado (situação real) e a que teria nessa data (situação hipotética) se não existissem danos, correspondendo aquela indemnização à diferença destes dois valores.
     XV. O facto de o Recorrente ter adquirido um imóvel que estava onerado - e cujo ónus desconhecia em face da omissão do registo predial - e de ter perdido esse imóvel porquanto o mesmo foi adjudicação a terceiros, corresponde à situação real, ao passo que a situação hipotética do Recorrente, não fosse a omissão, era a de ser proprietário de um imóvel cujo valor de mercado é de MOP$850.000.00.
     XVI. A montante indemnizatório a conferir ao Recorrente deverá sempre corresponder ao valor que o imóvel possui actualmente, pois era esse o valor patrimonial que o Recorrente deteria caso fosse o seu proprietário, pois só assim a indemnização reconstituirá a situação em que o Recorrente se encontraria se efectivamente fosse, na actualidade, o proprietário do sobredito imóvel.
     XVII. O acórdão recorrido ao fixar a titulo de indemnização a quantia correspondente ao valor pago a C na data da celebração da escritura de compra e venda não garantiu ao Recorrente os benefícios que este poderia ter obtido se fosse proprietário da fracção que adquiriu e sobre a qual recaía um ónus que desconhecia em virtude do comportamento omissivo responsabilidade da Recorrente, violou o disposto nos artigos 558º n.º 1 e 560º, n.º 5 do Código Civil.
     XVIII. Por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que também andou mal a decisão Recorrida ao decidir que ao nosso ver, não deve ser a Ré responsabilizada pelo "sinal" que o Autor tinha pago ao C aquando da celebração do contrato-promessa, posto que, analisados globalmente todos os factos provados, o sinal foi pago sem que o Autor tenha consultado primeiramente a certidão do registo predial e assim, pese embora podemos aceitar a tese do Autor que ele próprio foi levado pela dita certidão a formalizar a escritura publica, mas já não podemos dizer que a celebração do contrato -promessa e o pagamento do sinal têm a ver com a certidão, porquanto, tendo ficado provado que o Recorrente nunca teria celebrado a escritura pública de compra e venda se tivesse sido incluída na certidão emitida pela CRP o facto da penhora do parque de estacionamento é de concluir, por maioria de razão e de acordo com as regras de experiencia comum que também não teria celebrado o contrato promessa, pelo que sempre terá o Recorrente pelo menos de ser ressarcido pelo valor integral que pagou com a celebração do sobredito negocio.
     XIX. A douta decisão recorrida deverá ser assim revogada e substituída por outra que, em cumprimento do disposto nos artigos 558º nº 1 e 560º, nº 5 do Código Civil, confira ao Recorrente uma indemnização no valor de MOP$850.000.00 por ser esse o efectivo prejuízo sofrido, ou caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concede, lhe confira uma indemnização n valor global de HK$70.000.00 equivalente a MOP$ 72.100.00,
    
    3. Responde o Ministério Público, em representação da RAEM, às alegações de recurso, em síntese:
    - O A. fundamenta a sua pretensão de ver ressarcidos lucros cessantes, sem que tenha alegado ou feito prova de quaisquer vantagens económicas que a tal título poderia obter;
    - Foi precisamente neste recurso que o A., pela primeira vez, aludiu à suposta intenção de adquirir uma fracção idêntica, livre de ónus, caso soubesse que a efectivamente adquirida se encontrava onerada;
    - Alegação extemporânea dado que, do elenco de factos de que o tribunal pode conhecer, consta apenas que, a saber do ónus que incidia sobre o imóvel, não o teria adquirido;
    - Em tais circunstâncias não pode também a Administração responder pelo prejuízo efectivo que teve com a perda do imóvel dado que, sem o aludido erro, que aliás responsabiliza a Administração, o mesmo não teria sido adquirido e sem tal aquisição não existiria qualquer valorização;
    - Para ressarcir tal prejuízo teria que demandar o vendedor, que não desonerou o prédio, tal como estava contratualmente obrigado, gerando com tal conduta um dano efectivo, com repercussão imediata no património do Recorrente;
    - Nos termos em que foi configurada a acção nenhuma outra responsabilidade pode ser assacada à RAEM, para além daquela que já lhe foi judicialmente imputada.
    A douta sentença recorrida, conclui, não merece pois qualquer reparo pelo que deve ser na íntegra confirmada, com a consequente improcedência do recurso, assim se fazendo a costumada Justiça.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “Da matéria de Facto Assente:
    1. No dia 03/09/2002, o A. e C (2XXX 2XXX 0XXX) celebraram um contrato promessa de compra e venda no escritório do Dr. António Passeira. (Factos Assentes A)
    2. Nos termos do qual o C prometia vender ao A. 1/306 avos indivisos da fracção autónoma designada por Ar/c, para estacionamento, do prédio sob o n.º ...... a fls. 63v do Livro B-111A, pelo preço de HK$70.000,00 (setenta mil dólares de Hong Kong) a que corresponde MOP72.100,00 (setenta e duas mil e cem patacas). (Factos Assentes B)
    3. No contrato promessa celebrado entre ambos, o promitente vendedor assumia o encargo de desonerar o objecto do contrato de qualquer ónus e encargos, bem como de pagar todas as despesas de administração, contribuições ou foros, sob pena de ser responsável por todos os prejuízos sofridos pelo promitente comprador, ora Autor. (Factos Assentes C)
    4. Na data da outorga do referido contrato promessa, pagou o A. ao C uma parte do preço acordado. (Factos Assentes D)
    5. Ficando estipulado que o remanescente do preço, seria pago no acto da assinatura da escritura definitiva. (Factos Assentes E)
    6. Aos 04/09/2002, para instruir a sobredita escritura notarial, o A. requereu junto da Conservatória do Registo Predial uma certidão do estado do imóvel, tendo-lhe sido certificado pela certidão datada de 05/09/2002 que o imóvel em causa se encontrava registado em nome do alienante C, livre de quaisquer ónus ou encargos. (Factos Assentes F)
    7. Aos 30/09/2002, o A. e C assinaram no 2.° Cartório Notarial a escritura pública de compra e venda do referido imóvel, lavrada a fls. 80 e 80 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 749A. (Factos Assentes G)
    8. Com a outorga da escritura definitiva, o A. pagou ao C o remanescente do preço acordado. (Factos Assentes H)
    9. Tendo entrado na posse do lugar de estacionamento em causa, que foi usando desde então sem oposição de quem quer que seja. (Factos Assentes I)
    10. Em Novembro de 2000, o lugar de estacionamento em causa foi objecto de penhora a favor da sociedade XX HONG KONG COMPANY LIMITED, exequente nos autos de Execução Ordinária com o n.º CV2-98-0021-CEO, que correram termos no 2.° Juízo Cível do TJB, sendo executada a sociedade XX LIMITADA - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA. (Factos Assentes J)
    11. Aos 24/06/2009, no âmbito do referido processo, o lugar de estacionamento foi adjudicado à Exequente XX HONG KONG COMPANY LIMITED. (Factos Assentes K)
    12. O A., durante pelo menos 84 meses (desde 30/09/02 até 07/10/09, data em que foi efectuado o registo da propriedade proveniente da venda judicial), tem estado na posse do referido imóvel, fruindo livremente do respectivo uso e aproveitando todas as comodidades que a mesma lhe proporcionava. (Factos Assentes L)
    13. De acordo com os preços de mercado, durante os 7 anos compreendidos entre 2002 e 2009, o arrendamento de uma fracção adquirida pelo A. teve rendas que oscilaram entre MOP590,00 (média entre o valor máximo MOP880,00 e o mínimo MOP300,00) e MOP1.019,00 (média entre o valor máximo MOP1.238,40 e o mínimo MOP800,00), o que dá uma média de MOP805,00 mensalmente. (Factos Assentes M)
    14. O A. tinha sido informado pelo anterior proprietário, C, de que a venda se processou livre de quaisquer ónus ou encargos. (Factos Assentes N)
    
    Da Base Instrutória:
    15. À data de celebração da escritura pública de compra e venda entre o A. e C em 30 de Setembro de 2002, não constava na certidão do registo predial da Conservatória emitida em 5 de Setembro de 2002 a inscrição do registo de penhora referida no facto assente J). (Resposta ao Quesito 2)
    16. Caso não se verificasse a falta de inclusão, por parte da Conservatória do Registo Predial, na certidão requerida a menção de que o bem em causa se encontrava penhorado e à ordem do Tribunal, o promitente-vendedor não podia esconder a existência do ónus que recaía sobre o bem em apreço. (Resposta ao Quesito 3)
    17. A falta de inclusão pela Conservatória do Registo Predial na certidão requerida a menção de que o bem em causa se encontrava penhorado e à ordem do Tribunal, originou que o 2° Cartório Notarial não fez qualquer menção ou advertência na escritura definitiva de compra e venda. (Resposta ao Quesito 4)
    18. Se o A. tivesse tomado prévio conhecimento da existência do referido ónus, não formalizaria a escritura definitiva. (Resposta ao Quesito 5)
    19. Antes que o preço dos lugares de estacionamento com as mesmas características daquele que o A. adquiriu, designadamente em tamanho e localização, ronda actualmente MOP$850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil patacas). (Resposta ao Quesito 6)”
    
    IV - FUNDAMENTOS
1. O caso
    Conta-se em poucas palavras.
    O recorrente B, compra um parque de estacionamento,por HKD 70.000,00. Antes da compra vai à Conservatória a fim de se inteirar da situação do imóvel e ali passam-lhe uma certidão limpa, ou seja, certificando que sobre a referida fracção não incidia qualquer ónus ou encargos, nomeadamente, qualquer penhora.
    Confiante, celebra a escritura e toma posse do referido parque.
    Até que em 2009 tal fracção vem a ser adjudicada ao exequente, ficando o recorrente a saber que já ao tempo, em 2002, sobre tal fracção incidia essa penhora que, por erro, não foi certificada.
    O recorrente é desapossado da coisa que ronda actualmente MOP850.000,00, valor por que pretende ser indemnizado (aceite que foi a alteração do montante do pedido inicialmente formulado), inconformado com a indemnização que lhe foi arbitrada de HKD 63.000,00, valor correspondente ao preço da coisa excluído do sinal pago.
2. Quid juris?
    
    Como é sabido, em termos de alguma unanimidade doutrinária, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, de verificação cumulativa, são: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano - cfr. art. 2º, 3° e 4° do DL 28/9l/M, de 22 de Abril e art. 477º do CC.
    
    Para que haja responsabilidade civil é necessário que se verifiquem tais pressupostos em função de uma dada conduta: que o acto seja ilícito, que haja culpa do agente, se verifiquem danos, se observe um nexo causal entre estes e a conduta, autonomizando ainda alguns autores o vínculo da imputação do facto ao agente.1
    
    Nos termos do artº 477º, nº 1, do CC, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
    
    E não deixa de se observar que há quem reconduza esses pressupostos a dois mais um, este de carácter negativo, qual seja a ausência de causas de isenção de responsabilidade civil, deixando de os considerar atomisticamente, como é o caso do Prof. Pessoa Jorge que ensaia essa recondução apenas ao acto ilícito e prejuízos reparáveis, integrando a culpabilidade naquele primeiro requisito e o nexo causal no segundo.2 O que não deixa de ter alguma relevância no caso “sub judice”, como adiante se verá.
    
    É assim que para a responsabilidade civil ser atribuível - e não falamos aqui em imputabilidade - a alguém, axiomático se mostra que a conduta seja praticada por alguém concretamente identificado, pois que só pode atribuir culpa a uma pessoa devidamente individualizada sendo certo que a pessoa responsável a pode transferir contratualmente para terceiro.
    
    Ora a culpa é um juízo de censura que opera apenas pela acção do homem e se constrói em função dele. Mesmo quando se responsabiliza o homem por causa das coisas, dos veículos, das máquinas, dos animais, é em função de uma qualquer especial relação entre a coisa e o homem, que a detém, possui, titula, encabeça um qualquer direito sobre ela, que se atribui culpa que se visa responsabilizar.3
    
    É por isso que a responsabilidade civil constitui um dos princípios fundamentais do Direito Civil erigido exactamente em função da pessoa humana, quiçá, pessoa jurídica.
    
    É nesta linha que o Prof. Menezes Cordeiro diz que 4“Todos estão de acordo em que, no delito, há uma manifestação de vontade humana. Por isso se diz que o delito é um facto ilícito voluntário. O dizer-se que algo é voluntário equivale a afirmar que existe, nele, a peculiaridade de poder ser imputado à vontade do agente, isto é, que compreende um nexo entre as potencialidades de livre arbítrio da pessoa considerada e comportamento assumido. Um comportamento é voluntário porque – e na medida em que – tendo o agente a possibilidade de proceder de outra forma, ou, simplesmente, de nada fazer – acabou, no entanto, por optar por aquela via.”
    
    3. A primeira indagação a fazer em termos de responsabilidade civil, ainda antes da verificação dos respectivos pressupostos, é o de identificar o agente, o autor da conduta, ilícita, culposa e causalmente danosa.
    
    Mas vamo-nos cingir ao que está em discussão, tendo como assente que os pressupostos da responsabilidade civil respeitantes à culpa e à ilicitude não foram postos em crise na sentença recorrida, nem vêm postos em crise, restando no essencial apurar os danos e o seu ressarcimento.
    
    Aliás a própria Ré, nas suas contra-alegações refere que o que põe em causa é apenas o dano. Um pouco contraditoriamente, pois, mais adiante, não deixa de colocar em crise a causalidade existente entre o prejuízo invocado e a omissão dos agentes da Conservatória, pugnando para que se considere que o prejuízo terá antes advindo do incumprimento contratual do vendedor que prometeu vender a coisa sem ónus e encargos.
    Mas aquela desconformidade na alegação da Ré mais não é do que o reflexo da íntima conexão entre o dano e a causalidade, tal como da ilicitude à culpa, donde certa corrente doutrinária, com expoente na lição do Professor Pessoa Jorge que os reconduz à ilicitude e aos prejuízos reparáveis.

4. O dano
    Na definição do Prof. Vaz Serra trata-se de “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos de carácter patrimonial ou não”5, sendo que o Prof. Pereira Coelho o conceptualiza como “o prejuízo real que o lesado sofreu «in natura», em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal.” 6 Ou ainda como diz o Prof. Galvão Telles “o prejuízo o dano consiste em se sofrer um sacrifício tenha ou não conteúdo económico(…) A pessoa é afectada num bem, que deixa de poder gozar de todo ou de que passa a ter gozo mais reduzido ou precário… Ou sofre uma frustração consistente em deixar de adquirir ou de ver valorizados bens materiais ou em deixar de se libertar de passivo…”7
    Note-se que os danos patrimoniais, sendo esse que aqui relevam, se desdobram em duas categorias, constantes do n.º 1 do artigo 558.º do Código Civil: o dano positivo (ou emergente) que se caracteriza por uma “perda ou desfalque de valores que já constituíam o património” do lesado e o lucro cessante (ou lucro frustrado) consistente num direito a ganho que se gorou ou, melhor, quando a lesão impediu um ganho que só pela sua verificação o lesado não auferiu.
    O damnum emergens traduz-se numa diminuição efectiva do património; o lucrum cessans representa o não aumento deste, ou seja, a frustração de um ganho.8 Ambos não deixam de consubstanciar um prejuízo, tal como anota unanimemente a Doutrina.9
    Como ensina o Prof. Pereira Coelho, “o fim do dever de indemnizar é pôr, portanto, a cargo do lesante a prática de certos actos cuja finalidade comum é criar uma situação (…) que se aproxime o mais possível daquela outra situação (…) em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria e existente, de acordo com a sucessão normal dos factos, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa.” 10

5. Qual a essência do prejuízo?
    O Prof. Pessoa Jorge, depois de analisar as concepções fundamentais em confronto, a teoria da diferença, em que o prejuízo exprimiria apenas a situação que consiste na diferença entre o valor actual do património (situação real) e o valor que ele teria se não fosse o facto lesivo e a teoria do dano concreto, traduzida na lesão de certo ou certos bens, observa que a aparente recepção do legislador pela teoria da diferença, face ao disposto no artigo 560º, n.º 2 do CC, se deve limitar apenas ao tocante à determinação do montante da indemnização, 11 na esteira, aliás, do pensamento de Manuel de Andrade.12
    Para concluir ainda que o prejuízo deve ser entendido como frustração efectiva das utilidades do bem. O prejuízo só existe quando, havendo uma lesão, o titular não consegue, na realidade, usufruir as utilidades do bem, ou só o consegue com maior esforço, hipótese em que o prejuízo consiste nesse maior esforço.13
    Feito este enquadramento perfunctório, desçamos ao caso concreto.
    
    6. Não é preciso elucubrar bastante para concluir que o recorrente se viu desapossado da coisa, coisa essa que vale MOP 850.000,00, não obstante a ter comprado por MOP72.100,00. Comprou uma coisa e ficou sem ela, não havendo aqui grande dúvida que o prejuízo se há-de aferir pelo valor que a coisa tem no momento actual, sendo esse o ganho frustrado, não fora o facto lesivo conducente à realização do erro em que foi induzido por acto omissivo de um agente ou serviço da Administração.
    Desembocamos, neste passo, na questão do nexo causal entre a perda da coisa e o facto lesivo, qual seja a passagem da certidão que atestava a inexistência do aludido ónus.
    O facto lesivo deve ser causa adequada do dano - cfr. art. 556ºe 557º do CC. Embora, aceitando-se a a adequação como critério de causalidade, não se deve deixar de reconhecer a intervenção do princípio da equivalência como pano de fundo.14
    Como diz o Professor Pessoa Jorge, que vimos citando, a teoria da causalidade adequada “parte da situação real posterior ao facto e, normalmente, ao dano e afirma a conexão entre um e outro, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas. Numa fórmula sintética, embora pouco elegante, poderíamos dizer que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que, tendo resultado da lesão, provavelmente (ou seja, em termos de juízo de probabilidade ex post) dela teriam resultado; ou numa versão negativa: a obrigação de indemnizar não existe em relação aos danos que, tendo resultado da lesão, todavia, em termos de juízo de probabilidade, dela não resultariam.”15
    O juízo de probabilidade a posteriori pode respeitar a uma situação real ou a uma situação hipotética. Neste segundo caso, toma-se sempre como ponto de partida uma situação real, mais ou menos remota: a situação hipotética é a que resultaria de uma evolução da situação anterior.
    No nosso caso, porém, não temos de considerar uma situação hipotética, pois não está em causa somente uma valorização de uma outra coisa, mas sim a perda da própria coisa.
    De facto, se tivesse sido incluído na certidão emitida pela CRP o facto da penhora do parque de estacionamento, o Autor não teria concluído o contrato prometido, i. e., a escritura pública, com o vendedor, nem teria pago o remanescente preço ao vendedor. Podemos dizer que se a certidão tivesse conseguido reflectir a realidade, tomaria o Autor prévio conhecimento da existência do referido ónus e daí não formalizaria a escritura definitiva, não haveria danos.
    
    7. Nem sequer temos de considerar como hipótese a factualidade que teria ocorrido se o recorrente não tivesse comprado aquele parque.
    A Ré, na sua brilhante e meritória peça alegatória, muito bem escrita, formalmente correctíssima, não deixa de enveredar, com argúcia, concede-se, por esta via argumentativa. Porque o A. não terá logrado provar o que teria feito se não celebrasse o negócio, não é possível apurar os danos daí advenientes. Só que esquece que, antes de se enveredar pela via das hipóteses, tal como acima dito, importa considerar o dano real, concreto, que se traduz na perda da coisa, coisa essa que vale X. Isto é, dito de outra maneira: foi a omissão ilícita da Ré que determinou a compra de uma coisa onerada e foi por via desse ónus pré-existente que o recorrente veio a perder a coisa.
    Ora, enquanto para a Mma Juíza da sentença recorrida o dano foi o valor pago, a que descontou o sinal, temos como seguro que o dano se reconduz à perda da coisa, devendo-se relevar o seu valor actual.
     Pelo exposto, não é difícil concluir pela existência de nexo de causalidade entre o dano e o acto ilícito da Ré.

8. Identificado o dano, o prejuízo reparável, há que o quantificar e fazer operar a teoria da diferença que emerge do n.º 5 do artigo 560º do CC, importando atentar na unidade do dano que terá de resultar do mesmo evento, sendo que deve perfilar-se um nexo causal entre o evento danoso e a desvantagem. Na certeza de que este instituto não representa, na pureza dos princípios, um limite à indemnização mas apenas um critério a atender no respectivo cálculo, ou seja, no apuramento da diferença entre a situação real e a situação hipotética actuais (na data mais recente) do património do lesado.
Reportamo-nos ao n.º 5 do artigo 566.º da lei civil, onde releva a expressão “se não existissem danos”, tónica, que é, da teoria da diferença - a indemnização deve ser tal que coloque o lesado na situação que teria se não existissem danos.16
    
    9. Foi entendimento da Mma Juíza a quo no que se refere à indemnização a atribuir ao recorrente que
    «Do ponto da vista económico, podemos dizer que o Autor, à data presente, sofre uma perda de MOP850.000,00, correspondente ao preço actual do parque de estacionamento em causa.
    Mas esta quantia será integralmente ressarcível?
    Ao abrigo do disposto no art. 556º do CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
    Vigora aqui a teoria da diferença. Fazendo cá nossas as palavras do Dr. A. Varela, que “a indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (por id quod interest, como diziam os glosadores) - pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido. O artigo 566º, 2, aceita essa teoria da diferença (já claramente explicitada, em 1855, por MOMMSEN) e define, com toda a precisão, os seus dois termos: «A indemnização em direito, diz-se aí, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
    Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real actual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento.”17
    Sob esta orientação, passaremos a analisar o seguinte: se não tivesse ocorrido a omissão de menção da penhora por parte da CRP, o que é que sucederia.
    Ficou provado que "se o A. tivesse tomado prévio conhecimento da existência do referido ónus, não formalizaria a escritura definitiva". A não formalização da escritura definitiva implicava duas coisas: 1) que o Autor não adquiriria a propriedade do bem em causa; 2) que o Autor não pagaria ao C o remanescente do preço acordado para a aquisição do parque de estacionamento (cfr. Factos Provados n.º 8°).
    Portanto, se não houvesse a omissão da CRP, o Autor continuaria a reter na sua posse aquele "remanescente do preço".
    Não devemos confundir duas coisas: 1) as informações erradas da Administração não retiram do Autor o seu direito à propriedade do parque de estacionamento; 2) as informações erradas da Administração só induziu o Autor em erro, erro que o leva a adquirir um bem.
    Quer dizer, mesmo sem a omissão da CRP, o Autor não passaria a ter um parque de estacionamento, que é livre de ónus.
    Posto isto, os danos que a Ré fica obrigado a indemnizar deve ser circunscrito apenas àquilo que o Autor pagou a C aquando da formalização da escritura pública.
    Ao nosso ver, não deve ser a Ré responsabilizada pelo "sinal" que o Autor tinha pago ao C aquando da celebração do contrato-promessa (cfr. Factos Provados n.º 4°), posto que, analisados globalmente todos os factos provados, o sinal foi pago sem que o Autor tenha consultado primeiramente a certidão do registo predial e assim, pese embora podemos aceitar a tese do Autor que ele próprio foi levado pela dita certidão a formalizar a escritura pública, mas já não podemos dizer que a celebração do contrato-promessa e o pagamento do sinal têm a ver com a certidão.
    Na suposição de que a certidão emitida pela CRP em 05/09/2002 não enfermasse da incompletude de informação, o que sucederia? A reposta seria que o Autor não concluiria a escritura pública e tomaria acções contra a C a fim de reaver o montante de sinal pago. Assim, o dano daquele sinal, de facto, não tem nada a ver com a Administração, não pode ser a mesma responsabilizada para a sua indemnização.
    Em suma, a exactidão da certidão do registo predial não contribuiu em nada para o contrato-promessa e o pagamento do sinal, não havendo nexo de causalidade entre ele e a conduta da Administração.
    Segundo o art. 3º da petição inicial do Autor, este pagou HKD$7.000,00, a que corresponde MOP$7.210,00, na data da outorga do contrato promessa, facto esse que foi expressamente aceite pela Ré no art. 1º da contestação, e daí deve ser considerado como provado.18
    Posto fora esse montante, deve a Ré indemnizar o Autor o montante de HKD$63.000,00, a que corresponde MOP$64.890,00, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da presente sentença até integral e efectivo pagamento, seguindo-se a jurisprudência uniformizada do Venerando TUI no proc. n.º 69/2010. »
    
    10. Ora, conforme acima visto, não se acompanha este entendimento que enferma de alguns vícios de raciocínio, já que os prejuízos incorridos pelo recorrente hão-de sempre corresponder aos danos emergentes e lucros cessantes por si sofridos em virtude da celebração do contrato de compra e venda sobre um bem onerado, oneração que o recorrente desconhecia, sem que pudesse conhecer, atenta a falta de inclusão da inscrição da penhora na certidão do registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial de Macau.
    Não se pode considerar, tão singelamente quanto se entendeu, que o recorrente não deixou de adquirir a propriedade, que usufruiu durante alguns anos, havendo antes que considerar que, por causa daquela omissão, comprou uma coisa que veio a perder e, não, fora essa falha informativa, permaneceria no seu património.
    A indemnização pelos danos derivados dessa omissão deverá pois abarcar a globalidade da perda patrimonial sofrida pelo recorrente, consubstanciada na diferença entre a sua situação patrimonial na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.
     A este propósito importa aqui enfocar a matéria de facto pertinente:
    - em 04/09/2002, para instruir a sobredita escritura notarial, o A. requereu junto da Conservatória do Registo Predial uma certidão do estado do imóvel,
    - tendo-lhe sido certificado pela certidão datada de 05/09/2002 que o imóvel em causa se encontrava registado em nome do alienante C, livre de quaisquer ónus ou encargos (Factos Assentes F),
    - em Novembro de 2000, o lugar de estacionamento em causa foi objecto de penhora a favor da sociedade XX HONG KONG COMPANV LIMITED, exequente nos autos de Execução Ordinária com o n.º CV2-98-0021-CEO, que correram termos no 2.° Juízo Cível do TJB, sendo executada a sociedade XX LIMITADA - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA. (Factos Assentes J);
    - em 24/06/2009, no âmbito do referido processo, o lugar de estacionamento foi adjudicado à Exequente XX HONG KONG COMPANV LIMITED (Factos Assentes K);
    - à data de celebração da escritura pública de compra e venda entre o A. e C em 30 de Setembro de 2002, não constava na certidão do registo predial da Conservatória emitida em 5 de Setembro de 2002 a inscrição do registo de penhora referida no facto assente J), (Resposta ao Quesito 2);
    - se o A. tivesse tomado prévio conhecimento da existência do referido ónus, não formalizaria a escritura definitiva (Resposta ao Quesito 5);
    - e ainda que o preço dos lugares de estacionamento com as mesmas características daquele que o A. adquiriu, designadamente em tamanho e localização, ronda actualmente MOP$850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil patacas). (Resposta ao Quesito 6),
    Pelo que, em face de tais factos e ao disposto no supracitado artigo 558º do Código Civil, revela-se por demais evidente que os prejuízos sofridos pelo recorrente não se limitaram ao preço que pagou pela sua aquisição, mas também à valorização do bem em causa e aos benefícios que viu frustrados.
    Resulta claro que o recorrente apenas celebrou a escritura pública de compra e venda sobre o referido parque de estacionamento porquanto o mesmo não estava onerado, quando, na realidade, sobre o sobredito imóvel existia uma penhora.
    O critério da indemnização do lesado é o da restauração natural, no sentido da reposição da situação hipotética actual, ou seja, da reparação de todos os danos emergentes e de todos os lucros cessantes que se venha a provar que têm um nexo de causalidade com o acto i1icito culposo, o que, no caso, não se deixa de reconduzir, repete-se, ao valor da coisa perdida. E perdida, porquanto adquirida com base em informação errónea prestada por agente da Ré.
    
    11. O argumento que se extrai da douta decisão ora posta em crise e leva a equacionar sobre o que sucederia "na suposição de que a certidão emitida pela CRP em 05/09/2002 não enfermasse da incompletude de informação, o que sucederia?", ao que se foi respondendo que “o Autor não concluiria a escritura pública e tomaria acções contra C a fim de reaver o montante de sinal pago" foi já acima abordado e não releva indagar sobre o que sucederia, pois o que conta aqui é o que realmente sucedeu e a motivação subjacente à aquisição daquele bem em concreto. O que releva é a matéria que vem provada, onde claramente se diz que o A. só comprou a coisa na suposição de que a coisa estava limpa, sem ónus, sem aquela penhoraque veio a determinar a perda da coisa.
    É por demais evidente que, não fora a omissão da Conservatória, o recorrente não teria adquirido 1/306 avos indivisas da fracção autónoma designada por AR/C para estacionamento, do prédio sob o n.º ...... a fls. 63v do Livro B-111ª, mas o facto é que a adquiriu e não fora aquela penhora, seria hoje legitimamente proprietário de um bem cujo valor de mercado seria de MOP$850.000.00,
    Sendo esse o valor efectivo do prejuízo sofrido pelo recorrente e pelo qual deverá ser indemnizado,
    
    12. Posto isto, não interessa já analisar o desconto efectuado, na douta sentença recorrida, do sinal que foi pago, não se deixando de dizer, de todo o modo, não se compreender como se exclui o valor do sinal do preço da coisa. Isto é, se na óptica da sentença se entendeu que B devia ser ressarcido do preço da coisa que comprou, pelo valor que pagou - e só se compreende essa indemnização a partir do momento em que por força da acção executiva fica sem a coisa -, então, dever-se-á considerar o preço total efectivamente pago.
    
    13. Por fim, a Ré invoca, argutamente, ainda um outro argumento. Diz que a RAEM não pode ser responsabilizada, pois que quem deu causa ao dano verificado foi o vendedor que prometeu vender a coisa livre de ónus e encargos.
    Só na aparência lhe assiste razão.
    Desde logo, o compromisso do vendedor foi o de vender uma coisa livre de ónus e encargos, o que significa que, se tal não aconteceu, o momento relevante situa-se na satisfação da obrigação assumida, ou seja, na celebração do negócio. Com base no incumprimento o comprador poderia ter-se recusado ao negócio, resolvendo ou não o contrato e accionando ou não a responsabilidade daí decorrente pelo incumprimento do devedor.
    A responsabilidade, aí, situar-se-ia ao nível da responsabilidade contratual pelo incumprimento.
    O certo é que o comprador celebra o negócio, não por culpa do vendedor, mas sim por culpa da Administração que lhe dá uma informação errada e o que interessa é situar o nexo causal em função da factualidade que vem comprovada entre esse ilícito e o dano causado.
    Serve até este argumento para reforçar a culpabilidade da Administração em detrimento da do vendedor. Tivera o comprador obtido uma certidão confirmativa da real situação do imóvel em causa e poderia ele ter accionado o vendedora que assim incumpria no que se obrigara. Mas não; obteve uma certidão limpa e, dessa forma, confiou.
    O que se prova, de qualquer modo, é que o recorrente só celebra o contrato em face da informação que lhe foi prestada, residindo aqui, independentemente de outros meios que pudesse utilizar contra o vendedor, a razão causal de uma aquisição inquinada e que irá gerar necessariamente a sua perda.
    Falece, pois, ainda aqui razão à recorrida.
    
    14. Nesta conformidade, o recurso não deixará de proceder, devendo os juros ser pagos a partir da presente data, - cfr. ac. do TUI, de 2/03/2011, proc. n.º 69/2010 -, tendo ainda em vista o pedido, a alteração do pedido, oportunamente admitida, e a liquidação da indemnização a que ora se procede.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogam a sentença proferida, condenando a Ré a pagar ao A. a quantia de MOP850.000,00, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, desde a presente data, até efectivo pagamento.
    Sem custas por delas estar isenta a Ré.
Macau, 29 de Novembro de 2012,

João A. G. Gil de Oliveira
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - A. Varela, Dto das Obrigações em Lições ao 3º ano jurídico de 1967-68, polic., Coimbra, 1968, 347; Gomes da Silva, Coonceito e Estrutura da Obrigação, Lx, 1943, 110; Vaz Serra, Requisitos da Resp. Civil, BMJ, 92,39
2 - Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Resp. Civil, Reimp., 1995, Almedina, 55

3 - Pessoa Jorge, ob. cit., 55
4 - Direito das Obrigações, 2001, 2.ª, 307
5 - BMJ 84,8
6 - O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, 250
7 - Direito das Obrigações, 7ª ed., 374
8 - Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ci|encia T]ecnica e Fiscal, Lisboa, REED, 1972., 377
9 - Galvão Telles, ob. cit., 377
10 - “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil”, 53
11 - Ob. cit., 382
12 - Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, 3ª ed., Coimbra, 1966
13 - Pessoa Jorge, ob. cit. 383
14 - Como contributo para dilucidação da interpretação das normas em presença, cfr. Pessoa Jorge, sempre a mesma ob. cit., 409 e 410. Este autor não deixa de anotar que o princípio da causalidade adequada flui do artigo 556º, já que, não obstante a epígrafe do artigo 557º, o texto desta norma assenta que nem luva ao princípio da equivalência das condições.
15 - Ob. cit., 411 e 412
16 - Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 668 e A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 938)

17 A. VARELA, Das obrigações em geral, vol. 1, 7ª Edi., Almedina, p. 906 e 907.
18 Cfr. Ac. TUI, de 04/10/2011, no proc. 39/2011.
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739/2012 1/31