Processo nº 912/2010
Data do Acórdão: 24JAN2013
Assuntos:
Livrança
Novação
SUMÁRIO
1. A novação é causa extintiva da obrigação, consistindo no acordo pelo qual as partes extinguem uma obrigação entre elas existente, substituindo-se uma nova obrigação.
2. Extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento
3. Uma livrança, enquanto negócio cambiário, embora abstracto, pode preencher uma multiplicidade de funções, em cada caso concreto ela é dominada por uma determinada causa, visa um determinado fim, nomeadamente o de pagamento e garantia de um pagamento.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 912/2010
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de embargos à execução que correm por apenso à execução ordinária, registada sob o nº CV1-07-0085-CEO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I – Relatório :
A (XXX), titular do BIRM nº XXXXXXX(X), residente em Macau na Rua XXXX nº XX, Edifício Industrial XXX, Prédio X, Xº Andar “X”,
veio intentar os presentes
Embargos à execução
contra
Banco Tai Fung, S.A.R.L., com sede em Macau na Alameda Dr. Carlos d’Assumpção nº 418, com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 13.
Concluiu pedindo que sejam:
a. julgadas procedentes as excepções alegadas e ser o embargante imediatamente absolvido da instância; ou, em alternativa,
b. julgados procedentes os presentes embargos e em consequência deve ser declarado que o embargante não é devedor das quantias tituladas pelas livranças e, portanto, não tem qualquer obrigação de pagar a quantia exequenda.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 21 a 30v dos autos
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os presentes embargos.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
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Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A 1ª executada subscreveu, o embargante e a 3ª executada deram aval, uma livrança cujas assinaturas foram reconhecidas notarialmente no dia 26 de Abril de 1990 (cfr. Doc. 2 junto com o requerimento inicial (alínea A) dos factos assentes).
- A 1ª exectuada subscreveu, o embargante e a 3ª executada deram aval, uma outra livrança cujas assinaturas foram reconhecidas notarialmente também no dia 26 de Abril de 1990 (cfr. Doc. 4 junto com o requerimento inicial) (alínea B) dos factos assentes).
- A 1ª exectuada subscreveu, o embargante e a 3ª executada deram aval, uma livrança cujas assinaturas foram reconhecidas notarialmente no dia 4 de Setembro de 1991 (cfr. Doc 6 junto com o requerimento inicial) (alínea C) dos factos assentes).
- As referidas livranças foram emitidas com data de vencimento em branco (alínea D) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- As livranças especificadas em A), B) e C) foram emitidas com a indicação dos respectivos montantes, a saber, HKD$2.160.000, HKD$1.440.000 e HKD$1.920.000 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Segundo o acordado, o Banco exequente ficou autorizado a preencher as mesmas livranças, inscrevendo-lhes a data do seu vencimento “para aquela em que o Banco determine a liquidação da respectiva dívida”, caso os créditos não fossem pontualmente cumpridos, tendo para o efeito, aposto a data de 11 de Novembro de 2007 (resposta as quesitos das 2º e 12º da base instrutória).
- Em 30 de Dezembro de 1999, os créditos que o Banco tinha para com os executados, incluindo os titulados pelas livranças apresentadas como títulos executivos nos autos de execução ordinária totalizavam o montante de HKD$3,400,000.00. Foi celebrado um novo acordo de pagamento dessas dívidas entre o embargante, a 1ª executada e o Banco exequente conforme o documento nº 1 junto com o requerimento de embargos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (resposta aos quesitos das 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória).
- Com efeito, as partes o celebraram com o objectivo de rescalonamento das diversas dívidas dos executados perante o Banco exequente (resposta aos quesitos das 7º e 10º da base instrutória).
- Tendo o embargante assinado, na qualidade de avalista, uma nova livrança, no montante de HKD$3,400,000.00, que veio substituir as anteriores (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- O valor global das dívidas em causa ascendia nessa altura a HKD$3.400.000,00, para além de outras despesas não contempladas naquele valor, compreendendo não só as dívidas respeitantes aos créditos acima referidos reclamados nos autos principais de execução (saques o descoberto, cartas de crédito, empréstimo para empacotamento e “trust receipts”) como ainda outras dívidas dos executados perante o embargado (resposta ao quesito da 10º-A da base instrutória).
- Este acordo de rescalonamento da dívida não foi cumprido rigorosamente pelos executados, sendo que essa dívida tem vindo ao longo do tempo a agravar-se devido principalmente à acumulação dos respectivos juros moratórios (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
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III – Fundamentos:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Nos presentes embargos, o embargante invocou respectivamente a prescrição da acção cambiária face ao preenchimento abusivo das livranças que apenas foram assinadas em branco pelos embargados e as 1ª e 3ª executadas, o pagamento dos créditos titulados pelas livranças juntas aos autos de execução que servem de título executivo bem como a existência de uma outra livrança que veio substituir estas livranças,.
Com o invocado, pede o embargante que seja julgada extinta a execução por a acção combiária respectiva ter prescrita ou por a dívida exequenda se encontrar paga.
Contestando os embargos, veio o embargado refutar o preenchimento abusivo invocado pelo embargante reiterando que este tinha dado autorização àquele para preencher a data de vencimento e impugnar o alegado pagamento. Além disso, pede também a condenação do embargante como litigante de má fé.
Pelo que, urge analisar sucessivamente as questões acima referidas.
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Preenchimento abusivo e prescrição
Invoca o embargante o preenchimento abusivo das livranças por parte do embargado alegadamente assinadas em branco pelos embargante e 1ª e 3ª executadas.
Com isso, pretende o embargante que seja declarada prescrita a acção cambiária por entender que se deve considerar que as livranças venceram quando os empréstimos foram concedidos, ou seja, em 1990 e 1991.
Como resulta clara dos factos assentes, quando as livranças foram emitidas, apenas a parte que diz respeito à data de vencimento é que estava por preencher. Além disso, entre as partes foi celebrado um pacto de preenchimento nos termos do qual o embargado ficou autorizado a preencher as livranças, inscrevendo-lhes a data do seu vencimento para aquela em que o embargado determine a liquidação da respectiva dívida, caso os créditos não fossem pontualmente cumpridos tendo este, para o efeito, aposto a data de 11 de Novembro de 2007.
Assim, não se pode dizer que houve abuso no preenchimento das livranças visto que o embargado nada preencheu à excepção da data de vencimento das mesmas e o preenchimento da data de vencimento foi feito nos termos acordados e autorizados pelos embargante e 1ª e 3ª executadas. Consequentemente, não se pode considerar que a data de vencimento é aquelas em que os mútuos foram concedidos.
Nestes termos, improcede a excepção da prescrição.
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Pagamento dos créditos
Alega o embargante que pagou a quantia de MOP$3.400.000,00 ao embargado mediante celebração de um novo contrato de empréstimo em 30 de Dezembro de 1999.
Negando tal pagamento, defende o embargado que, na referida data, não foi celebrado novo contrato de mútuo mas sim um acordo de reescalonamento das dívidas de que os embargante e das 1ª e 3ª executadas eram devedores perante aquele.
Produzida a prova, deu-se como assente que não houve pagamento nos termos alegados pelo embargante mas tão só reescalonamento das dívidas sub judice.
Assim, é manifesto que não pode proceder a excepção do pagamento.
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Livrança emitida em 30 de Dezembro de 1999
Ao expor sobre a celebração do acordo de 30 de Dezembro de 1999, o embargante fez referência à emissão de uma nova livrança que veio substituir as três livranças que servem de título executivo na execução de que os presentes embargos são apenso.
Ficou, de facto, provado que, nesse dia, o embargante assinou, na qualidade de avalista, uma nova livrança, no montante de HKD$3,400,000.00, que veio substituir as anteriores livranças.
Trata-se, como é bom de ver, de uma reforma das livranças sendo as apresentadas em execução substituídas pela livrança assinada em 30 de Dezembro de 1999.
Segundo o Acórdão da Relação de Évora, de 14 de Janeiro de 1999, CJ, 1999, 1º-262, em que foi decidida uma situação semelhante mas respeitante a reforma de letras, “A reforma de letra é uma operação muito usada na prática comercial bancária. Consiste na substituição dum título de crédito por outro de igual ou inferior montante, em princípio, com as mesmas assinaturas. Esta operação é configurada por alguns como novação objectiva – (art 6«857º do CC(o correspondente ao artigo 848º do CC de Macau)). ... Aceita-se, em princípio (a menos que haja circunstâncias a apontar noutro sentido), que, quando se reforma uma letra para diferir o seu pagamento, se visa substituir a obrigação inicial (cartular) por uma nova obrigação cambiária, deixando a primeira letra desactivada, sem validade.”
Assim, provado o acordo de substituição, as três livranças em análise perderam o valor pretendido pelo embargante, pois ficaram, usando as mesmas expressões utilizadas do acórdão citado, desactivadas e sem validade.
Pelo que, é evidente que as livranças em questão não podem servir de título executivo por as mesmas terem, entretanto, deixarem de ter o valor que tinham perante as partes.
Nem se invoque o disposto no artigo 1150º do Código Comercial para evitar tal consequência. É que, estamos ainda perante relações imediatas em que podem ser invocadas quaisquer excepções existentes nas convenções extra-cartulares.
Nos termos do artigo 699º, nº 1, do CPC, “Se a execução se basear noutro título pode o executado opor, além dos fundamentos referidos no artigo 697º, na parte em que sejam aplicáveis, qualquer outros que lhe seriam permitido deduzir como defesa no processo de declaração.”
Nestes termos, é de julgar procedentes os embargos e declarar extinta a execução por as livranças que servem de título executivo terem sido substituídas por um outra livrança subscrita pelo embargado e as 1ª e 3ª executadas.
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Litigância de má fé
Pede o embargado que o embargante seja condenado como litigante de má fé por ter alegado que todos os documentos juntos à petição inicial eram falsos e nulos para todos os efeito legais; por ter negado a existência de um pacto de preenchimento entre as partes em que o embargante participou pessoalmente e em representação da 1ª executada; e por ter afirmado falsamente que o embargado lhe concedera outro empréstimo para pagar a dívida exequenda.
Compulsados os autos de execução, verifica-se que os documentos juntos pelo embargado são respectivamente uma certidão de registo comercial da 1ª executada, três livranças e três declarações de responsabilidade assinadas pelo próprio embargado.
Feito o julgamento da matéria de facto, nada resulta da matéria provada que os documentos fossem falsos como alega o embargante.
Ora, tendo em conta a natureza da certidão de registo comercial bem como o facto de os restantes documentos juntos pelo embargado terem sido assinados pelo próprio embargado, é manifesto que, ao alegar que esses documentos eram falsos, o embargante deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignorava.
No que ao preenchimento das livranças se refere, ficou provado que as livranças foram emitidos com a indicação dos respectivos montantes e houve um pacto de preenchimento em que o embargado concordava no preenchimento da data de vencimento por parte do embargado. Ora, isso demonstra que o embargante faltou conscientemente à verdade quando alegou que as livranças estavam apenas assinadas em branco tendo o valor e a data de vencimento sid preenchidos abusivamente pelo embargado. Trata-se de uma imputação grave especialmente quando o embargado participou pessoalmente na emissão das livranças e na celebração do pacto de preenchimento, pacto esse que o embargado fez expressa referência no requerimento inicial de execução.
Quanto ao acordo de 30 de Dezembro de 1999, os factos provados demonstram novamente que o embargante faltou, sem escrúpulo, à verdade. Com efeito, resulta dos factos assentes que o acordo se destinava tão somente a reescalonar as dívidas então existentes e nenhum novo empréstimo foi concedido. Também a situação aqui é grave por o embargante ter também participado pessoalmente na celebração do acordo.
Nos termos do artigo 385º, nº 2, do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa: ....”
Da exposição feita, vê-se claramente que o embargado litigou de má fé. Deve, assim, ser condenado nos termos do artigo 385º, n 1, do CPC.
Tendo em conta a gravidade da situação e o disposto no artigo 101º, nº 2, do RCT, julga-se adequada uma multa de 5UCs.
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IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedentes os embargos e, em consequência, decide:
1. Declarar extinta a execução intentada pelo embargado, Banco Tai Fung, S.A.R.L., contra o embargante, A, a 1ª executada, Fábrica de Vestuário XX, Limitada, e a 3ª execugada, XXX; e
2. Ao abrigo do disposto no artigo 385º, nºs 1 e 2, a) e b), do CPC, condenar o embargante, A, na multa de 5UCs.
Custas pelo embargado.
Registe e Notifique.
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據上論結,本法庭裁定異議之訴訟理由成立,裁決如下:
1. 就被異議人大豐銀行有限公司針對異議人A、第一被執行人XX針織製衣廠有限公司及第二被執行人XXX提起之執行之訴,宣告有關程序消滅;
2. 根據《民事訴訟法典》第385條1及2款a)及b)項之規定,判處異議人A繳付5UC罰款。
訴訟費用由被異議人承擔。
依法作出通知及登錄本判決。
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Não se conformando com a sentença na parte que declarou extinta a execução, veio o embargado BANCO TAI FUNG, SARL recorrer do mesmo para este Tribunal de Segunda Instância.
O Banco embargado formulou para o efeito as seguintes conclusões:
1ª
A Sentença recorrida julgou procedentes os presentes embargos e consequentemente extinta a Execução com fundamento na substituição de três livranças apresentadas como título executivo, subscritas pelo Embargante por uma outra livrança, emitida em 30 de Dezembro de 1999.
2a
Entendeu o douto Tribunal a quo, para o efeito, que a obrigação cambiária titulada pelas três livranças (juntas como docs. 3, 5 e 7 ao requerimento inicial de execução) havia sido substituída, por via da novação objectiva, pela livrança emitida em 30/12/99.
3a
Este foi o seu primeiro erro de julgamento.
4a
Não ficou provada a existência de um acordo expresso entre as partes no sentido da substituição das três livranças iniciais pela livrança de 1999.
5ª
É o próprio tribunal a afirmar que chegou a essa conclusão com base na sua convicção.
6a
E como diz o Acórdão do STJ de 13/01/77, se há necessidade de recorrer a deduções ou interpretações das atitudes das partes, a manifestação de vontade é tácita e esta não é admissível para declarar o animus novandi.
7a
Por outro lado, sem prescindir, ainda que, porventura, no caso subjudice estivéssemos perante um caso de substituição das três livranças pela livrança de 1999, tal não significa, automaticamente, que ocorre a novação objectiva.
Ressalvada opinião diversa, ao assim não entender, i.é, ao efectuar sem mais, a extrapolação de que a substituição equivale sempre a uma novação, incorre o Distinto Tribunal a quo, num segundo erro de julgamento.
9a
Como o refere a douta lição do Acórdão STJ de 16/06/2009, a reforma, por si só, não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária, sendo indispensável, para esse efeito, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade o sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição inicial.
10a
Antes pelo contrário, o "acordo de reescalonamento" não contém qualquer cláusula no sentido de as partes terem o propósito de extinguir a primitiva obrigação cambiária - nem, sequer, de substituição dos títulos.
11a
Não foram devolvidas as três livranças iniciais aos seus subscritores - nem nenhum deles, jamais pediu tal devolução!
12a
Devolução essa que seria de todo expectável em caso de novação, considerando que à data de 30 de Dezembro de 1999, quando da assinatura da nova livrança, as três livranças em discussão nos presentes autos se encontravam ainda com a data de vencimento em branco.
13a
Contrariamente às três livranças, a livrança de 1999 não contém o aval da 3a executada.
14a
Assim, aceitar-se a interpretação de que o Banco Recorrente consentiu na substituição, significaria efectivamente que aquele, sem qualquer razão para tal, concordaria com uma diminuição das garantias do cumprimento da obrigação, na medida em que a 3a Executada não apôs o seu aval!
15a
Se as letras antigas davam mais garantias que a nova não pode haver novação objectiva sem acordo expresso, sob pena de colisão com o interesse subjacente ao artigo 8500 do Código Civil de Macau.
16a
No entender do Banco Recorrente é seguro, pois, afirmar que nunca houve vontade de novar, mas tão-só, de facilitar a cobrança do crédito, de obter um reforço de garantias sobre o mesmo.
17ª
Aliás, se assim fosse, o embargado teria baseado a execuçâo principal na livrança de 1999 e não nas três livranças, o que só por si deveria convencer o tribunal de que sempre inexistiu, pelo menos da parte do Recorrente, interesse em reforma de títulos com novação objectiva de obrigação cambiária.
18ª
Ressalvada melhor opinião , de todo o exposto, resulta que não estamos na presença de uma novação , como afirma erradamente a sentença recorrida, mas sim perante uma dação pro solvendo, ou uma singela modificação da obrigação , não se extinguindo, em qualquer das hipóteses, a obrigação cambiária titulada pelas três livranças iniciais.
19ª
Nestes termos, não poderia, face à prova produzida em Audiência de Julgamento e dos documentos apresentados, o douto Tribunal a quo julgar no sentido da novação da obrigação cambiária titulada pelas três livranças em discussão nos presentes autos e a sua consequente invalidade, em violação do previsto no art. 850º do Código Civil.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada, julgando-se improcedentes os presentes Embargos e ordenar a prossecução dos autos principais de Execução, seguindo-se os seus trâmites até integral pagamento da dívida exequenda.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Ao recurso o embargante não respondeu.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões na petição do recurso, a única questão levantada pelo Recorrente é saber se o negócio em 30SET1999 entre o embargado ora recorrente, a 1ª executada e o embargante consubstancia a novação e ficaram por mero efeito daquele negócio extintas as três livranças que servem de título executivo na execução donde emergem os presentes autos de embargos.
Então vejamos.
A Exmª Juiz a quo, qualifica o negócio celebrado em 1999 como novação.
Para o recorrente, o acordo de 1999 é um acordo de reescalonamento da dívida, celebrado entre o embargante, a 1ª executada e o Banco embargado, visava apenas “resolver o problema da dívida”.
Além disso, defende o recorrente que, mesmo após o acordo de 1999, permanecem válidas as três livranças, apoiando-se na inexistência de um acordo expresso entre as partes no sentido da substituição das três livranças iniciais pela livrança de 1999, na circunstância de não terem sido as três livranças devolvidas aos seus subscritores e na inexistência de qualquer razão para o Banco concordar com uma diminuição das garantias do cumprimento da obrigação, na medida em que a 3ª executada não após o seu aval, tal como fez anteriormente em relação às três livranças.
Como se sabe, a novação é causa extintiva da obrigação, consistindo no acordo pelo qual as partes extinguem uma obrigação entre elas existente, substituindo-se uma nova obrigação.
Ora, ficou provado que foi nas seguintes circunstâncias que celebraram o negócio em 30DEZ1999:
- Em 30 de Dezembro de 1999, os créditos que o Banco tinha para com os executados, incluindo os titulados pelas livranças apresentadas como títulos executivos nos autos de execução ordinária totalizavam o montante de HKD$3,400,000.00. Foi celebrado um novo acordo de pagamento dessas dívidas entre o embargante, a 1ª executada e o Banco exequente conforme o documento nº 1 junto com o requerimento de embargos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (resposta aos quesitos das 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória).
- Com efeito, as partes o celebraram com o objectivo de reescalonamento das diversas dívidas dos executados perante o Banco exequente (resposta aos quesitos das 7º e 10º da base instrutória).
- Tendo o embargante assinado, na qualidade de avalista, uma nova livrança, no montante de HKD$3,400,000.00, que veio substituir as anteriores (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- O valor global das dívidas em causa ascendia nessa altura a HKD$3.400.000,00, para além de outras despesas não contempladas naquele valor, compreendendo não só as dívidas respeitantes aos créditos acima referidos reclamados nos autos principais de execução (saques o descoberto, cartas de crédito, empréstimo para empacotamento e “trust receipts”) como ainda outras dívidas dos executados perante o embargado (resposta ao quesito da 10º-A da base instrutória).
E o negócio tem o seguinte teor:
協議人:大豐銀行有限公司(由XXX先生代表)...................(以下簡稱甲方)
總行設於澳門新口岸宋玉生廣場418號
XX針織製衣廠有限公司(由A先生代表) .....................(以下簡稱乙方)
辦事處設於澳門XXXX第X街XX號XXXX大廈X-X
A,男,成年,澳門居民身份證編號: XXXXXXXXX (以下簡稱丙方)
為解決“XX針織製衣廠有限公司”、“A”及“A、XXX”長期拖欠“大豐銀行有限公司”的有關貸款,經甲、乙、丙三方磋商,達至以下協議:
(一) 乙方及丙方同意承擔總債務為HKD3,400,000.00及尚欠繳付的火險等其他費用HKD19,500.00。甲方停止對有關欠款計算利息。
(二) 上述總債務HKD3,400,000.00初步協定分八年還款。首年(由2000年l月至2000 年12月)每月還款HKD25,000.00;第二年(由2001年1月至2001年12月)每月還款HKD30,000. 00,第三年(由2002年l月至2002年12月)每月還款HKD35,000.00;第四至第八年之還款方案必須於2002年6月前再行協定,但每月之還款不少於HKD35,000.00。乙方及/或丙方於簽立本協議時須先開具上述首三年每月還款之期票金額合共HKD1,080,000.00予甲方。
(三) 如乙方及/或丙方未能按上述安排還款,甲方將對有關逾期欠款計算逾期利息,利率按本行優惠利率+1%。本行最優惠利率(現為8.5%P.A.)隨市場浮動,不另通知。
(四) 上述尚未繳付的火險等其他費用合共HKD19,500.00須於12月份內清還。
(五) 對於已作押予甲方之物業『澳門XXXX第X街XX號XXXX大廈X-X、XX-8、XX-8和XX-8共四單位』,乙方及/或丙方日後仍須經甲方投保火險,並支付有關費用。
(六) 乙方必須向甲方簽立LIVRANCA金額HKD3,400,000.00,由丙方背書擔保,作為履行協議的保證。
(七) 乙方及丙方必須按上述規定切實履行協議,並對本協議之各項條款負共同及各別責任。如有違約,甲方有權即時終止協議及採取任何催收措施。
(八) 本協議適用於澳門法律。
協議壹式叁份,甲、乙、丙三方各執一份,每份具有同等效力。
協議由簽署之日起生效。
甲方:大豐銀行有限公司 乙方:XX針織製衣廠有限公司
丙方:A
Ora, de acordo com a matéria de facto provada e o teor desse acordo de 1999 para o qual remete aquela matéria de facto, não temos dúvidas de que ao celebrarem o negócio, todos os intervenientes, nomeadamente o embargante e o Banco embargado, estando bem conscientes dos motivos que os levaram à celebração do negócio, manifestaram vontade expressa no sentido de resolver uma dívida que, tendo origem num empréstimo anteriormente contraído pela 1ª executada ao Banco, ficou ainda por pagar.
E no mesmo acordo foi fixado o valor da dívida a pagar e foram estipuladas as modalidades de garantia e as formas de escalonamento das prestações com vista à sua liquidação.
Mais concretamente falando, para a garantia do pagamento desses créditos, foi estipulado que a primeira executada se obrigava a subscrever a favor do Banco ora embargado uma livrança no valor de HKD3.400.000,00, a avalizar pelo ora embargante, para além de a 1ª executada e(ou) o ora embargante se obrigar(em) a continuar a segurar contra o risco de incêndio, a suas expensas, os imóveis já hipotecados a favor do Banco para a garantia do reembolso da dívida anterior– vide as cláusulas 5 e 6.
Ou seja, a partir dai, o devedor passou a obrigar-se a reembolsar o Banco da dívida cujo valor está fixado nesse acordo, desonerando-se daquela dívida anterior que ficou por pagar.
Portanto, estamos perante uma figura de novação, isto é, a 1ª executada e o Banco embargado, extinguiram uma obrigação entre eles existente, substituindo-a por uma nova obrigação nos exactos termos estipulados no acordo.
Assim resta agora saber se subsistem as três livranças.
Apoiando-se na inexistência de um acordo expresso entre as partes no sentido da substituição das três livranças iniciais pela livrança de 1999, na circunstância de não terem sido as três livranças devolvidas aos seus subscritores e na inexistência de qualquer razão para o Banco concordar com uma diminuição das garantias do cumprimento da obrigação, na medida em que a 3ª executada não apôs o seu aval, tal com fez anteriormente em relação às três livranças, o recorrente defende que, mesmo apôs o acordo de 1999, permanecem válidas as três livranças,.
Ora, é de adiantar que nenhuma dessas circunstâncias alegadas procede.
Inexistência de um acordo expresso
Comecemos pela alegada inexistência de um acordo expresso entre as partes no sentido da substituição das três livranças iniciais pela livrança de 1999.
Por razões que vimos supra, o negócio de 1999 é por nos qualificado como novação.
No acordo há uma referência expressa à hipoteca já anteriormente constituída a favor do Banco para a garantia do pagamento da dívida anterior, tendo sido estipulado que a 1ª executada e o embargante se obrigavam a continuar a segurar contra o risco de incêndio, a suas expensas, os imóveis objecto da hipoteca.
À luz do disposto no artº 228º do CC, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Assim, tendo em conta o contexto em que foi feito o acordo de 1999 e o teor do clausulado relativo à hipoteca anterior, cremos que se pode deduzir da declaração negocial substanciada nessa cláusula o sentido de que a hipoteca passa a garantir novo empréstimo.
No entanto, nada ficou expressamente acordado em relação àquelas três livranças que serviram de título executivo da execução donde emergem os presentes embargos.
Nos termos do disposto no artº 852º/1 do CC, extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando resultantes da lei.
Ora, in casu, está em causa uma livrança, que como se sabe, é um negócio cambiário.
Uma livrança, enquanto negócio cambiário, embora abstracto, pode preencher uma multiplicidade de funções, em cada caso concreto ela é dominada por uma determinada causa, visa um determinado fim, nomeadamente o de pagamento e garantia de um pagamento.
De acordo com matéria de facto provada, aquelas três livranças foram subscritadas justamente para a garantia do empréstimo anterior.
Assim, não havendo acordo expresso no sentido de as manter subsistentes, as três livranças já se extinguiram por força da norma supletiva no acima citado artº 852º/1 do CC.
Contra esse entendimento nosso nem se pode argumentar que tendo a obrigação cambiária natureza cartular, literal e abstracta, não fica sujeita às excepções que se fundamentem no negócio subjacente.
Dado que, nas relações imediatas entre um subscritor, ou avalista, o sujeito cambiário imediato, todos eles são ao mesmo tempo sujeitos do negócio subjacente, dai tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta.
Não devolução das livranças
Quanto à não devolução das livranças a favor do devedor, cremos que, face ao disposto no citado artº 852º/1, a simples circunstância de as livranças não terem sido devolvidas não pode valer como acordo tácito no sentido de subsistência das livranças, pois para o efeito a lei supletiva exige reserva expressa.
Sem qualquer razão para o Banco concordar com uma diminuição das garantias do cumprimento da obrigação
Finalmente, não se nos afigura tão inexplicável a alegada “sem qualquer razão para o Banco concordar com uma diminuição das garantias do cumprimento da obrigação, na medida em que a 3ª executada não apôs o seu aval”, uma vez que por força do princípio da autonomia privada, consagrado no artº 399º do CC, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos. Deste modo, a alegada diminuição, mesmo que seja verdadeira, não é mais do que uma manifestação do exercício dessa faculdade, mas nunca pode ser interpretada como acordo tácito no sentido de manter subsistentes as livranças, dado que para tal, é preciso que haja estipulação expressa, face ao disposto no mesmo artº 852º/1 do CC.
Portanto, bem andou a Exmª Juiz a quo ao dizer que as três livranças em análise já perderam o valor pretendido pelo embargante, pois ficaram desactivadas e sem validade por terem sido substituídas pela livrança subscrita a favor do Banco embargado em 1999.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar negar provimento ao recurso interposto pelo Banco exequente, ora embargado, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 24JAN2013
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira