Processo nº 752/2012
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de autorização judicial para a prática de actos pelo representante do menor, que correm por apenso aos autos de inventário, registada sob o nº CV3-00-0004-CIV, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
A, com os demais sinais dos autos veio requerer autorização judicial para alienação do imóvel melhor identificado na p.i. do qual é proprietária a sua filha menor, B.
Foi cumprido o disposto no nº 1 do artº 1251º do CPC, não tendo sido deduzida oposição.
Pelo IASM foi elaborado relatório social quanto à situação económica da requerente e menor.
Procedeu-se a inquirição de testemunhas.
Pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido do pedido de autorização ser indeferido.
Cumpre assim apreciar e decidir.
O Tribunal é competente, em razão da nacionalidade, da matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa e de que cumpra conhecer.
Dos elementos existentes nos autos apuraram-se os seguintes factos:
a) Nos autos de inventário de que estes são apenso, para partilha da herança aberta por óbito de XXX aliás XXX, foi adjudicado a B a fracção autónoma AR/C para comércio do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 13062 a folhas 132v do Livro B36 e inscrita na matriz predial sob o nº 37402 RC LJ A.
b) Em 01.02.1998 nasceu B filha de XXX e A;
c) A requerente não trabalha nem tem rendimentos;
d) A Requerente tem contas bancárias com o valor de RMB$148.752,89, HKD$10.661,02 e CNY10.010,00;
e) A requerente tem um imóvel na RPC, Zhu Hai, Xiang Zhou, Rua XXX, nº XX, Jardim XXX, Vila XXº;
f) A Requerente vive com a menor numa fracção autónoma sita em Macau propriedade desta;
g) A fracção autónoma a que se reportam os autos está arrendada sendo paga a renda mensal de MOP$11.200.
A convicção do tribunal relativamente a cada um dos factos resulta dos documentos juntos aos autos, certidão de nascimento, certidão do registo predial e relatório social, bem como no depoimento das testemunhas que vieram confirmar o que daquele relatório consta.
Não se deram como provados os factos referentes à sociedade de que a menor é sócia uma vez que sendo uma pessoa jurídica distinta da Requerente e menor os mesmos não relevam para efeitos de decisão.
Quanto à circunstância da menor auferir ou não rendimentos da referida sociedade a prova produzida – testemunhal – não é de modo algum suficiente para convencer o tribunal da respectiva veracidade com a certeza jurídica que se impõe.
Nos termos dos artº 111º a 113º do C.Civ. é incapaz para o exercício de direitos quem não tiver completado 18 anos de idade, sendo a respectiva incapacidade suprida pelo exercício do poder paternal.
De acordo com o artº 1733º nº 1 do C.Civ. compete aos pais no âmbito do poder paternal representar os filhos e administrar os seus bens.
Depende de autorização do tribunal os actos de alienação de bens dos filhos – artº 1744º nº 1 al. a) do C.Civ. -.
Cabe assim no caso em apreço apreciar da necessidade, tendo em consideração o interesse da menor, da venda do imóvel de que esta é proprietária.
Alega a requerente dificuldades económicas para sustentar a menor e fazer face ás despesas diárias.
Ora há que balizar quais as necessidades que relevam para efeitos da autorização que aqui se pede.
O que está em causa são as necessidades da menor e não as da Requerente.
É certo que pode caber aos filhos a obrigação de prestar alimentos ao pais – artº 1850º nº 1 al. b) do C.Civ. – mas apenas na medida em que têm capacidade para os prestar – artº 1845º do C.Civ. -.
Porém, no caso em apreço não está a menor obrigada a prestar alimentos à mãe e se fosse essa a questão haveria que apurar se teria rendimentos para o efeito o que se duvida. Sem prejuízo de, a Requerente já beneficiar do património da menor no que à habitação concerne, uma vez que reside gratuitamente em habitação da filha.
Por outro lado e perante os sinais dos autos nada resulta que permita concluir que a mãe não tem capacidade para prover ao seu sustento, querendo!
Sendo a Requerente desempregada sempre pode prover ao seu sustento através de uma actividade profissional, pois a menor já conta 14 anos de idade não justificando os cuidados a prestar a esta que a mãe se mantenha desempregada.
Finalmente, a Requerente tem um imóvel na China, pelo que necessitando pode proceder à venda desse ou arrendá-lo dai retirando rendimento, não necessitando de recorrer ao património da filha.
Destarte, face a todo o exposto, impõe-se referir novamente que as necessidades financeiras da Requerente não relevam para estes autos.
De igual modo no que concerne às eventuais dividas de a sociedade de que a menor é sócia seja devedora, tal é irrelevante para estes autos pois a sociedade é uma pessoa jurídica distinta e de responsabilidade limitada não afectando o património da menor, nem sendo estes responsável pelas obrigações daquela.
No que concerne a intervir ou não na gestão da sociedade, não sendo objecto destes autos, sempre se dirá que a requerente tem meios legais para o fazer enquanto legal representante da menor.
Quanto às necessidades da menor.
No que a esta matéria concerne o que resulta demonstrado é que a menor recebe mensalmente a renda da fracção autónoma cuja venda se pretende no valor de MOP$11.200,00.
O valor da renda que a menor recebe é superior ao valor do limite de isenção de pagamento do imposto profissional e em termos económicos em Macau corresponde ao rendimento de muitas famílias.
Com o rendimento da menor há que fazer face apenas às despesas desta e não às da mãe!
O valor que a menor recebe mensalmente é inclusivamente suficiente para que possa estudar no exterior se essa questão se colocar.
Ou seja, o rendimento mensal da menor só começa a tornar-se mais espartano se com ele houver que fazer face às necessidades da Requerente, porém, não é a isso que aquele se destina, cabendo à Requerente enquanto progenitora da menor e detentora do poder/dever de exercer as responsabilidades parentais e legal representante daquela lesar pela defesa dos direitos da criança gerindo o património desta em prol da satisfação das necessidades da criança e não de outrem.
Por outro lado, numa zona geográfica em que a valorização patrimonial tem sido uma constante nos últimos 20 anos a venda do imóvel irá representar um prejuízo para o património da criança uma vez que o valor monetário que resulta da venda nunca irá ter a mesma valorização que o imobiliário.
Para além de que, a utilização do valor da venda do imóvel para prover – desnecessariamente como já vimos – ao sustento da menor e da mãe se irá traduzir numa descapitalização e diminuição patrimonial da menor que em nada se justifica, sendo certo que a menor pode viver acima da média com o rendimento que esse património gera.
Mais se pode acrescentar que o facto do património da menor poder permitir uma vida de fausto, quiçá de exagero consumista, tal em nada beneficia a sua educação e formação, pelo que, sendo o seu rendimento mensal mais do que suficiente para prover a todas as sua necessidades, muito acima do que aquilo que uma criança de classe média alta pode dispor, nada justifica que possa despender mais.
Destarte, não há razão alguma que justifique a venda de património da menor, sendo de acompanhar a Douta promoção do Ministério Público no sentido de indeferir o pedido.
Nestes termos e pelos fundamentos vai indeferido o requerido não se autorizando a venda do imóvel em causa.
Custas a cargo da requerente.
Registe e Notifique.
Não se conformando com o decidido, veio a mãe da menor recorrer da mesma concluindo que:
A - A Recorrente entende que a sentença recorrida se posicionou à margem da questão que foi submetida ao Tribunal, descurando os factos essenciais e a realidade concreta da menor: que a mãe da menor está desempregada; que não tem quaisquer outros meios de subsistência, não sendo capaz, por isso, de fazer face às despesas com a educação e de alimentação da filha.
B - O Tribunal a quo, em vez de apreciar os referidos factos, sobre os quais foi produzida prova e donde resultou que efectivamente a menor e a Requerente, sua mãe, vivem com dificuldades, tendo de recorrer frequentemente a empréstimos de familiares e amigos, optou por extrapolar e partir de uma desconfiança e de um preconceito: o de que em causa estariam os interesses da mãe da menor, sempre podendo esta trabalhar.
C - É sabido que, nos processos de jurisdição voluntária, há um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posições divergentes) que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes, não estando o tribunal subordinado, nas providências que decrete, a critérios de legalidade, devendo antes procurar, pela via do bom senso, a solução mais adequada a cada caso.
D - Não obstante, critérios de conveniência e oportunidade não podem confundir-se com subjectividade e discricionariedade.
E - No caso em apreço, ao assumir que em causa estarão interesses da mãe da menor e não da própria menor, o Tribunal a quo assumiu uma desconfiança e um preconceito, razão pela qual, com todo o respeito, entende a Recorrente que a decisão não foi proferida com base na equidade, mas antes com base num juízo subjectivo e, em certa medida, discricionário.
F - Resulta dos autos, quer do processo principal de inventário de que os autos de autorização judicial correm por apenso, quer do relatório social, que a menor herdou um património ainda considerável por óbito do seu pai.
G - Se a menor, por força da relação de filiação com o seu próprio pai, herdou bens que lhe permitem viver para além de um nível remediado - e até mesmo precário (pois a fracção em apreço nos presentes autos só foi arrendada muito recentemente) -, não se percebe porque razão não pode ter uma adolescência e educação adequadas ou mais condizentes com o nível que lhe pode ser proporcionado pelo património que é seu por direito e que lhe foi deixado pelo seu próprio pai.
H - A decisão do Tribunal a quo neste aspecto é incompreensível, não se percebendo a razão porque, durante a adolescência, deverá a menor ser privada de condições adequadas a um nível de vida e educação mais elevado, condigno e condizente com um património que já é seu por direito.
I - A decisão recorrida, deixa, por outro lado, a venda do imóvel sujeita a flutuações do mercado, porquanto, quando a menor perfizer 18 anos ou em data posterior, o imóvel pode valer mais, mas também pode valer muito menos, sendo que, com o decorrer dos anos, o imóvel vai-se degradando.
J - Quando a proposta em causa para venda do imóvel no valor de MOP$6.000.000,00 foi francamente boa.
K - O Tribunal a quo tinha também elementos para saber que a sugestão, repetidas vezes formulada na sentença recorrida, no sentido de que a Requerente e mãe da menor sempre pode trabalhar para prover ao seu sustento e ao sustento da filha, é de muito difícil concretização, porquanto a mesma apenas tem um salvo-conduto que a permite entrar legalmente, mas não permite trabalhar no Território da RAEM.
L - O Tribunal a quo também tinha e tem todos os elementos para saber que a quota da sociedade Companhia de Construção XX, Limitada não permite à menor auferir quaisquer dividendos, é uma sociedade que tem avultadas dívidas e que se encontra sem administração há mais de 11 anos, razão pela qual foi intentado um processo de "Exame à Sociedade" que corre seus termos sob o n.º CV3-11-0073-CPE também do 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base de Macau (cfr. requerimentos apresentados nos autos em 15.03.2012 e 20.03.2012).
M - Por último, quanto à sugestão de que a mãe da menor proceda à venda do imóvel em Zhu Hai de que é titular, também não é uma solução sensata, tendo em conta que quer a própria, quer a menor, ficariam sem qualquer sítio nos períodos que passam na China, sabendo que aí têm família.
N - Pelo que, tudo devidamente visto e ponderado, entende a Recorrente que a sentença recorrida não foi proferida com base na equidade, não se afigurando, aos olhos da Recorrente, como uma decisão sensata e proferida tendo em conta os superiores interesses da menor, violando, entre outros, o disposto no art. 1208.° do C.P.C ..
Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Ex.ªs que o recurso seja considerado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que ordene a autorização para a venda da fracção AR/C do Rés-do-chão "A", para comércio, do prédio sito na Avenida do XXX, n° 97 -C, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 13602, a folhas 132V do livro B36, da qual B (XXX) é proprietária.
Decidindo assim farão Vossas Excelências
JUSTIÇA!
Ao recurso não respondeu o Ministério Público.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Confrontando com o alegado e concluído agora no petitório do recurso, verifica-se que a recorrente se limitou a tecer as considerações na sua ópticas correctas sobre as questões que já foram objecto da abordagem exaustiva pelo Tribunal a quo na douta sentença ora recorrida.
Ora, as tais questões já foram ai devidamente apreciadas e decididas.
Conforme se vê na Douta decisão ora recorrida, foi demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a improcedência do pedido da requerente, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da requerente e confirmando a decisão recorrida.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto por A, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 24JAN2013
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ac. 752/2012-9