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Processo n.º 579/2011
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 7/Fevereiro/2013


ASSUNTOS:
    
    - Residência por investimento; renovação da autorização de residência
    - Manutenção da situação que justificou tal concessão
    - Comunicação da alteração
    -Princípio da proporcionalidade e da justiça
    -Inconveniência


SUMÁRIO:
    1. A não manutenção da situação patrimonial de forma contínua durante o período da concessão da residência e a não comunicação injustificada, em 30 dias, da alteração da situação jurídica relevante, por parte do interessado, conferem à Administração o poder discricionário de cancelar a autorização de residência, ao abrigo do disposto no artigo 18º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, de 4 de Abril.
    
    2. O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5° do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
    
    3. Não se evidenciando de uma forma manifesta conveniência na manutenção de um dado técnico odontologista, sob pena de o Tribunal se imiscuir na esfera do Executivo, afigura-se não se imporem razões, nem virem elas demonstradas, que obrigassem a uma decisão diferente, fosse por carência de tais especialistas, fosse por indispensabilidade daquele investimento, isto é, que se impusesse diferente decisão para prossecução do interesse geral, não havendo assim razões que apontem para a anulação de uma decisão com fundamento em tal vício, respeitando o grau de liberdade e de discricionariedade que o acto praticado reveste e vistas as razões por que se tomou tal decisão.
    
                Relator,
  

(João Gil de Oliveira)






Processo n.º 579/2011
(Recurso Contencioso)

Data : 7 de Fevereiro de 2013

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 30 de Maio de 2011, que lhe indeferiu o pedido de renovação de residência temporária na R.A.E.M., o que faz, alegando em síntese conclusiva:
    O erro na interpretação ou indevida aplicação de uma regra de direito consubstancia o vício de violação de lei.
    A entidade recorrida deveria ter decidido pelo deferimento (ou indeferimento) do pedido de renovação de autorização de residência temporária à luz do artigo 19° do Regulamento n.º 3/2005 (e não com base, ainda por cima de forma exclusiva, no artigo 18° do mesmo diploma), no sentido de apurar se se mantinham (ou não), na pessoa do recorrente, os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
    O que configura um erro na interpretação e, bem assim, uma indevida aplicação dessa regra de direito ao caso sub judice, verificando-se assim o vício de violação de lei que determina a anulação do acto recorrido.
    O recorrente preenchia os requisitos de natureza processual e substantiva previstos na lei que justificavam que o pedido de renovação da autorização de residência temporária fosse deferido (cfr., artigo 19° conjugado com os artigos 1°, 4) e 3°, todos do Regulamento n.º 3/2005), sendo certo que os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial mantinham-se válidos, pelo menos à data da interposição do pedido em causa.
    O vício de violação de lei consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, concluindo-se assim que o acto recorrido enferma do vício de violação de lei por ofensa do artigo 19° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 ao não deferir a renovação da autorização de residência temporária em questão, devendo assim aquele acto ser anulado em face da verificação daquele vício.
    Mesmo que se aceite que estamos perante um acto produzido no exercício de poderes discricionários, não se verifica evidentemente, mesmo nesta sede, qualquer excepção ao princípio da legalidade, pelo que o acto recorrido é anulável por encerrar claramente os vícios de violação de lei atrás mencionados.
    Acresce ainda que o exercício de poderes discricionários encontra-se ainda vinculado a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, e, bem assim, a regras processuais e ao dever de fundamentação.
    Existem assim limites legais que não deixam de se impor à acção administrativa ao abrigo desses princípios gerais, daí que exista também o vício de violação da lei no exercício de poderes discricionários quando, in casu, sejam violados esse princípios que limitam a própria discricionariedade administrativa.
    Ao indeferir o pedido de residência em causa, o despacho impugnado violou o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5° do Código do Procedimento Administrativo e o próprio princípio da justiça plasmado no artigo 7° do mesmo Código.
    Revelando a entidade recorrida ainda manifesta e total desrazoabilidade no exercício dos seus poderes discricionários.
    Imputa, pois, o recorrente ao acto recorrido a violação do princípio da proporcionalidade (e, inclusivamente, do próprio princípio da justiça) e, bem assim, a desrazoabilidade da mesma decisão, factores que determinam, de igual modo, a anulação do mesmo.
    O despacho recorrido deverá ainda ser anulado por violação do disposto nos artigos 33° e 35° da Lei Básica da R.A.E.M.
    Sendo que o presente recurso baseia-se ainda na manifesta inconveniência do acto administrativo impugnado (art. 146° do C.P.A.), devendo, consequentemente, o mesmo ser anulado em conformidade.
    
    Nestes termos entende dever ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, anulado o despacho recorrido.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, órgão recorrido nos autos do recurso contencioso interposto por A, contestou, invocando apenas a excepção da caducidade do recurso contencioso, excepção esta que veio a ser julgada improcedente.
    
    A, recorrente nos autos à margem referenciados, veio, oportunamente, produzir alegações facultativas, concluindo:
    O erro na interpretação ou indevida aplicação de uma regra de direito consubstancia o vício de violação de lei.
    Perante o pedido de renovação de autorização de residência temporária formulado pelo recorrente em 21 de Junho de 2010, a entidade recorrida deveria ter decidido pelo deferimento (ou indeferimento) daquele pedido à luz do artigo 19° do Regulamento n.º 3/2005 (e não com base, ainda por cima de forma exclusiva, no artigo 18° do mesmo diploma), no sentido de apurar se se mantinham (ou não), na pessoa do recorrente, os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
    O acto recorrido de indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência temporária, com fundamento no disposto no artigo 18° daquele regulamento, configura, pois, um erro na interpretação e, bem assim, uma indevida aplicação dessa regra de direito ao caso sub judice, verificando-se assim o vício de violação de lei que determina a anulação daquele acto.
    O recorrente preenchia os requisitos de natureza processual e substantiva previstos na lei que justificavam que o pedido de renovação da autorização de residência temporária fosse deferido (cfr., artigo 19° conjugado com os artigos 1°, 4) e 3°, todos do Regulamento n.º 3/2005), sendo certo que os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial mantinham-se válidos, pelo menos à data da interposição do pedido em causa.
    O vício de violação de lei consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, concluindo-se assim que o acto recorrido enferma do vício de violação de lei por ofensa do artigo 19° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 ao não deferir a renovação da autorização de residência temporária em questão, devendo assim aquele acto ser anulado em face da verificação daquele vício.
    Mesmo que se aceite que estamos perante um acto produzido no exercício de poderes discricionários, não se verifica evidentemente, mesmo nesta sede, qualquer excepção ao princípio da legalidade, pelo que o acto recorrido é anulável por encerrar claramente os vícios de violação de lei atrás mencionados.
    Acresce ainda que o exercício de poderes discricionários encontra-se ainda vinculado a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, e, bem assim, a regras processuais e ao dever de fundamentação.
    Existem assim limites legais que não deixam de se impor à acção administrativa ao abrigo desses princípios gerais, daí que exista também o vício de violação da lei no exercício de poderes discricionários quando, in casu, sejam violados esse princípios que limitam a própria discricionariedade administrativa.
    Ao indeferir o pedido de residência em causa, o despacho impugnado violou o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5° do Código do Procedimento Administrativo e o próprio princípio da justiça plasmado no artigo 7° do mesmo Código.
    Revelando a entidade recorrida ainda manifesta e total desrazoabilidade no exercício dos seus poderes discricionários.
    Imputa, pois, o recorrente ao acto recorrido a violação do princípio da proporcionalidade (e, inclusivamente, do próprio princípio da justiça) e, bem assim, a desrazoabilidade da mesma decisão, factores que determinam, de igual modo, a anulação do mesmo.
    O despacho recorrido deverá ainda ser anulado por violação do disposto nos artigos 33° e 35° da Lei Básica da R.A.E.M.
    Sendo que o presente recurso baseia-se ainda na manifesta inconveniência do acto administrativo impugnado (art. 146° do C.P.A.), devendo, consequentemente, o mesmo ser anulado em conformidade.
    Nestes termos, entende dever ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, anulado o despacho recorrido.
    
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
    Encontra-se sob escrutínio o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 30/5/11, que, anuindo a Parecer/Informação do IPIM., indeferiu pedido de renovação de residência formulado por A, a qual assaca ao acto vícios de violação de lei, seja por afronta dos art°s 19° e 18° do R.A. 3/2005 e 33° e 35° da LBRAEM, seja por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, bem como desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e inconveniência no acto.
    Não vemos, porém, como lhe possa assistir razão.
    Desde logo, é inequívoco não pôr o recorrente em causa a veracidade dos pressupostos factuais subjacentes à decisão, isto é, a efectiva falta de comunicação a que se reporta o n.° 4 do art. 18° do R.A. 3/2005 (comunicação ao IPIM da alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência, ou, dito de modo mais concreto, falta de comunicação aquele organismo, no prazo de 30 dias, de venda do imóvel na RAEM, cuja aquisição justificara a concessão de residência, por investimento, na Região.)
    E, não se diga que se "mostra ilógico que ao cidadão comum fosse exigido o cumprimento de um comando normativo de significado reduzido ...", como pretende o visado : para além de a ignorância ou má interpretação da lei não justificar a falta do seu cumprimento, nem isentar as pessoas das sanções nelas estabelecidas (art. 5°, c.c.), resulta evidente que sem tal comando ou outro congénere, ficaria a Administração absolutamente desarmada face a toda e qualquer alteração relativa a investimentos que haviam justificado concessões de residências, deixando, na prática, de existir controlo efectivo sobre a matéria, quando, dada até a "super população" da Região esse controle se revela essencial e não com o significado tão reduzido que aquele parece impor-lhe.
    Por outra banda, o facto de ter sido o próprio recorrente a, por sua iniciativa, comunicar a venda do primitivo prédio a 22/6/10, em nada altera os dados do problema, já que, para além de o ter feito tardiamente, tudo aponta que só o fez quando já poderia, porventura, "esgrimir" com a compra de novo imóvel, tentando, quiçá, "camuflar" o período "em aberto" entre a venda do 1° imóvel (26/11/07) e a aquisição do 2° (3/5/10).
    De todo o modo, cremos poderem subsistir algumas dúvidas, a que o recorrente alude, no que tange às interpretação/ integração jurídicas operadas pela entidade recorrida, ao subsumir o indeferimento registado ao preceituado no art. 18° do R.A. 2/2005.
    Isto porque, bem vistas as coisas, nos termos do n° 4 daquela norma, o não cumprimento, sem justa causa, da comunicação a que se vem aludindo "poderá implicar o cancelamento de autorização de residência temporária", situação que, à altura da formulação do requerimento pelo recorrente, (22/6/10) se poderia justificar.
    Contudo, à data da prática do acto havia já caducado a primitiva autorização de residência, não fazendo, assim, sentido falar-se em cancelamento, do mesmo passo que a Administração se via confrontada com requerimento de renovação daquela autorização.
    E, se é certo que à altura em que se formulou esse requerimento o requerente poderia deter situação (ele assim o invoca e procura comprovar, não se detectando, a tal propósito, qualquer contestação por parte da recorrida) que, devidamente ponderada, poderia, à luz do preceituado no n.º 2 do art. 19°, ser contemplada como mantendo a situação jurídica relevante que fundamentara a primitiva autorização, ou, tratar-se, pelo menos, de constituição de nova situação jurídica atendível, não é menos verdade que a apreciação dos pedidos de renovação de autorização de residência estará condicionada aos mesmo critérios de apreciação dos pedidos iniciais, acontecendo assim que a decisão dos mesmos é da competência discricionária da entidade recorrida (por delegação do Chefe do Executivo), independentemente dos respectivos fundamentos (art. 6°, RA 3/2005).
    O que, em última análise, significará que, independentemente de os contornos da situação factual do recorrente aquando da apreciação do seu requerimento de renovação porventura serem passíveis de preencher os requisitos previstos no art. 19° do regulamento em causa, nada impedia a recorrida de, com base na factualidade apurada, que permitiria conduzir ao cancelamento da autorização nos termos do art. 18°, ou seja, a alteração, a falta de manutenção da situação jurídica relevante que fundamentou a concessão, entre 26/11/07 e 3/5/10 e respectiva comunicação, motivar validamente a sua decisão de indeferimento, com base em tais pressupostos.
    E, a partir de tais contornos, não se descortina que a medida tomada se apresente como manifestamente injusta ou desproporcionada, ou que se tenha feito uso desrazoável dos poderes discricionários na matéria, tanto mais que, perante a situação, não restaria à Administração, para além do decidido, qualquer outra alternativa que não passasse pelo oposto, não se descortinando qualquer gradação, mal se vendo, pois, como esgrimir com a proporcionalidade na matéria, ao que acresce que, como já se referiu atrás, o efectivo controle das autorizações de residência na Região, essencialmente por investimento, é matéria de eminente interesse público, atenta até a alta densidade populacional na mesma.
    E, verificados que se mostram tais pressupostos e a conformidade dos mesmos com o Regulamento aplicável, mal se compreende a esgrima com a afronta dos direitos e interesses dos residentes ou restrições às respectivas liberdades ou garantias consignadas, quer na LBRAEM, quer no CPA: o cumprimento da lei é, em última análise, a melhor salvaguarda dessas garantias.
    Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    - Em 2007, o recorrente requereu, ao abrigo dos artigos 1°, 4), e 3° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados), a fixação de residência temporária na R.A.E.M.
    - Para o efeito, adquiriu aquele na R.A.E.M. uma fracção autónoma no valor de MOP$1,340,950.00.
    - Comprou assim o recorrente, pelo referido preço, a fracção autónoma designada por "XX" do XX° andar "XX", para habitação, do prédio sito em Macau com o n.º XX do Caminho XX, Taipa, descrito na respectiva Conservatória sob o n.º 22821-III do livro B-120K, ao abrigo da escritura de 12 de Maio de 2006 lavrada no Cartório do Notário Privado Fong Kin Ip.
    - Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 21 de Agosto de 2007, foi deferida ao recorrente a autorização de residência até 21 de Agosto de 2010 (Doc. 4).
    - Sucede que, por alegados motivos de ordem económica, o recorrente teve que vender a referida fracção autónoma, em 13 de Novembro de 2007, pelo preço de HKDl,260,000.00, equivalente a MOP$1,237,800. i.e., por um preço inferior relativamente ao valor que havia adquirido o mesmo imóvel (MOP$1,340,950.00).
    - O recorrente veio a adquirir posteriormente uma outra fracção autónoma em Macau, pagando inclusivamente um preço ligeiramente superior comparativamente com o valor pago com o primeiro imóvel (MOP$1,340,950.00).
    - O recorrente adquiriu, pelo preço de MOP$I,341,600.00, a fracção autónoma designada por "XX" do XX° andar "XX", para habitação, do prédio urbano sito em Macau com os nos. XX da XX, Bloco XX, inscrito na matriz predial sob o artigo 23074B, descrito na respectiva Conservatória sob o n.º 21541-II do livro B-51, ao abrigo da escritura de 23 de Abril de 2010 lavrada no Cartório do Notário Privado Luís Reigadas.
    - O referido imóvel tinha, em 1 de Abril de 2010, um valor de mercado de HKD1,250,000.00, equivalente a MOP$1,287,500.00.
    - O recorrente efectuou ainda dois depósitos, em 17 de Maio de 2010, de MOP$250,000.00 e de MOP$250,000.00 (Depósitos n.ºs 30000001 e 30000002), no total de MOP$500,000.00, na conta bancária n.º 21-88-30-137429 do BOC de que é titular.
    - Antes de expirado o prazo de validade da sua permanência em Macau, o recorrente informou o IPIM, em 21 de Junho de 2010, de que tinha alienado o primeiro imóvel e adquirido o segundo imóvel em 23 de Abril de 2010 e, bem assim, explicado as razões que determinaram aquela venda, conforme requerimento apresentado naqueles serviços cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (Doc. 11).
    - Explicitando nesse requerimento a situação fáctica ora descrita e, a final, requerendo, em tempo, a renovação da autorização de residência temporária, ao abrigo do artigo 19° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 acima citado (cfr. doc. 11).
    - Conforme explicitado nesse requerimento, o recorrente, enquanto titular de grau académico, exerce, desde 22 de Fevereiro de 2010, a profissão de Odontologista em Macau, encontrando-se assim inscrito nos Serviços de Saúde com o n.º 0229, conforme Licença n.º 0/039/2010 emitida por aqueles serviços em 4/03/2010.
    - Trabalha assim o recorrente em Macau desde aquela data, numa clínica, exercendo aquela actividade médica naquela especialidade.
    
Relativamente ao seu pedido de renovação de autorização de residência o recorrente foi notificado da decisão que a denegou nos seguintes termos:


“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU


Vossa referência: Exmo. Sr. Advogado
                               Dr. Ricardo Carvalho
                       (encaminhado ao Sr. A)
Data de emissão: Travessa da Misericórdia, n.º 6, 3.º andar A,
Nossa referência: 09544/GJFR/2011 Macau
Data: 29/06/2011
__________________________________________________________________________
Assunto:

    Pedido de autorização de residência temporária por aquisição de bens imóveis – Notificação de indeferimento do pedido (1196/2006)
    
    Em cumprimento do artigo 68.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se V. Ex.ª de que, por despacho de 30 de Maio de 2011, exarado pelo Secretário para a Economia e Finanças no uso do poder subdelegado pelo Chefe do Executivo da RAEM, foi indeferido o pedido de renovação de autorização de residência temporária de V. Exa., sendo o teor do referido despacho: “Autorizo a proposta”. O referido despacho foi exarado com base no teor do parecer sobre o processo de V. Ex.ª (no total 3 páginas) que explica concretamente os motivos do indeferimento, cuja cópia se anexa.
    
n.º
Nome
Documento de Identificação
Autorização de residência temporária até
1
A

Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong KXXXXX4(0)
2010/08/21

     Com os melhores cumprimentos.
    O Presidente do IPIM, Substituto
    Lao Kuan Wa (劉關華)
    (Ass. – vide o original)”

    IV - FUNDAMENTOS
    1. A interpôs recurso contencioso contra o despacho proferido, em 30 de Maio de 2011, pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
    Entendeu o IPIM que o recorrente violou o disposto no artigo 18° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 tomando em consideração a venda daquele primeiro imóvel (no caso, a alienação da fracção "E13" acima melhor identificada) e que o recorrente não comunicou a esse organismo, no prazo de 30 dias (cfr., a este respeito, n.º 3 daquele artigo), a alteração dessa situação que fundamentou a concessão de autorização de residência, propondo desse modo o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária formulado, de forma tempestiva, pelo recorrente.
    Tendo o Senhor Secretário para a Economia e Finanças concordado com a referida proposta, indeferindo, desse modo, o pedido em causa.
    
    2. O recorrente defende que a entidade recorrida proferia de imediato um despacho de cancelamento de autorização de residência, visto que a mesma estava ainda em vigor, com base no disposto no artigo 18º do RA n.º 3/2005, invocando, quiçá, a alteração dos fundamentos que nortearam a concessão daquela autorização (cfr., artigo 18°, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005) e/ou o não cumprimento por parte do recorrente, sem justa causa, da obrigação de comunicação prevista no n.º 3 daquele artigo (cfr., artigo 18°, n.º 4, daquele Regulamento); ou, em alternativa, proferia um despacho de indeferimento daquele pedido de renovação, com base no disposto no artigo 19° daquele Regulamento,
    O que a entidade recorrida não poderia, em caso algum, era, como acabou por suceder, optar pela 2ª via, ou seja, pelo indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência temporária, com fundamento no disposto no artigo 18° daquele regulamento, em vez de ter aplicado in casu o artigo 19° do mesmo diploma.
    O que configura, na perspectiva do recorrente, um erro na interpretação e, bem assim, uma indevida aplicação dessa regra de direito ao caso sub judice.
    3. Atentemos nas normas pertinentes.
    Dispõe, a propósito, o artigo 18° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (Alteração da situação) que:
    
    1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
    2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
    3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
    4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
    
    O artigo 19° desse Regulamento prescreve:
    1. A renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.
    2. A renovação, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial com as seguintes excepções:
    1) A renovação das autorizações de residência temporária concedidas com fundamento em aquisição de bens imóveis não exige nova prova dos requisitos previstos na alínea 3) do n.º 1 e nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 3.º, nem do preço pago ou do valor de mercado dos bens relevantes, mas o interessado deve provar que os direitos respectivos continuam na sua titularidade e que os imóveis e depósitos bancários continuam livres dos encargos vedados pelo artigo 4.º
    2) A renovação das autorizações de residência temporária dos técnicos especializados e quadros dirigentes não está dependente da manutenção do vínculo contratual que fundamentou o pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional por conta de outrem e do cumprimento das respectivas obrigações fiscais.
    3. É aplicável à renovação, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 16.º e 17.º
    Por sua vez, estabelece o n.º 1 do artigo 3°:
    "Os interessados que pretendam pedir autorização de residência temporária com fundamento na alínea 4) do artigo 1º devem, no momento do pedido, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos:
    1) Ter adquirido na Região Administrativa Especial de Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas;
    2) Ter fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo em instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa Especial de Macau e livres de quaisquer encargos;
    3) Ser titulares do grau académico de bacharelato ou equivalente."
    
    4. Sinceramente que não se atinge o que pretende o recorrente com a dicotomia decisória avançada. No recurso, o recorrente pretende confundir as coisas, dizendo ou ordenando os fundamentos de uma forma menos exacta. O que se diz no despacho é muito claro: que o recorrente vendeu a fracção durante o período de autorização de residência e não comunicou a alteração da situação jurídica no prazo de 30 dias.
    É isto mentira? Não.
    Isto é fundamento para a não renovação? É, nos termos da lei.
    
    5. Retira-se do despacho proferido e do parecer que ele incorpora que houve dois fundamentos para a decisão tomada: a não manutenção da situação patrimonial de forma contínua durante o período da concessão da residência e a não comunicação em 30 dias da alteração da situação jurídica relevante.
     Donde decorre que o recorrente não cumpriu a obrigação de comunicação imposta pelo artigo 18º, n.º 4 do RA n.º 3/2005, só o vindo a fazer mais tarde e fora de prazo, devendo arrostar com as consequências previstas legais por não cumprimento desta obrigação.
    Na verdade, a entidade recorrida negou, nos termos do artigo 18º e 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o pedido do recorrente da renovação da fixação de residência por investimento por este não ter cumprido a obrigação de comunicação imposta pela lei, não se comprovando ou vislumbrando nenhum erro de pressuposto de facto ou direito, não padecendo o acto de vício na competência discricionária, aliás, não concretizado.
    
    6. Da invocada aplicação errónea do artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005
    Da leitura do supra-citado artigo 18º colhe-se que a não comunicação ou não manutenção da exacta situação primitiva pode determinar ou não o cancelamento automático da residência concedida.
   Segundo o n.º 4 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, “o não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.” (Sublinhado e negrito nossos)
   Tal norma não prescreve obrigatória e forçosamente o cancelamento da autorização.
   7. Estaremos perante uma situação dependente de total discricionariedade?
   Diremos que há aqui uma margem de discricionariedade, mas as razões da escolha da Administração não se devem deixar de compreender.
    Cremos que a Administração na sua actuação, ainda que discricionária, não deixa de estar limitada pelos princípios que devem reger a actividade administrativa. A decisão discricionária tem de assentar numa racionalidade própria, susceptível de algum tipo de controlo. Não pode radicar num capricho, tornando-se numa escolha arbitrária quando feita por um órgão da Administração Pública.1
   A escolha discricionária não se confunde com a determinação do sentido e alcance da norma legal.
   A Administração está obrigada, ao actuar discricionariamente perante os particulares, a escolher de entre as várias medidas que satisfazem igualmente o interesse público, a que seja minimamente proporcional ou adequada ao fim público a realizar, conduta passível de controle jurisdicional,2 compreendendo-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público prosseguido.3
   8. Posto isto, perante este perfunctório enquadramento, pensa-se que o importante é compreender as razões que explicam a posição tomada pela Administração e o certo é que essas razões assentam na opção do legislador em facultar a possibilidade de cancelamento ou não.
   Essas razões passam pela compreensão da razão de ser da norma e ressalta como evidente uma necessidade de controle do investimento, pela garantia de um certa estabilidade no investimento feito e, porventura, ainda, pelo combate ao favorecimento de um circunstancialismo especulativo.
   A partir daqui o fundamento da decisão tomada assenta na violação da obrigação de manutenção dos bens adquiridos, conferindo-se claramente um poder discricionário à Administração em cancelar a autorização de residência, incumpridos tais deveres.
   Poder-se-á argumentar que, assim sendo, bem pode hoje a Administração conceder uma autorização a este e negá-la amanhã a outro. Só que nesse caso, face a uma identidade de situações, estaríamos eventualmente perante a violação de princípios fundamentais que devem reger a actuação da Administração e a sua relação com os particulares, nomeadamente, o princípio da igualdade.
   
   9. É certo que o recorrente vendeu uma casa, justificando essa venda com um mau momento por que passou, mas no momento do pedido de renovação já adquirira outra, com o valor de aquisição de HKD$1.250.000,00, com um valor ligeiramente superior ao da 1ª aquisição.
   É certo que tem o grau de licenciatura e é odontologista, o que reforça a sua pretensão e o interesse que justifica em permanecer em Macau.
   Mas não é menos certo que não deu conhecimento à Administração e, embora tal facto não seja absolutamente determinante de uma decisão ablativa, não é menos certo que a partir daí cabe àquela Administração a avaliação dessa conduta e as implicações daí decorrentes, jogando até com dados e factores que escapam a este Tribunal e que este não pode sindicar, sob pena de se imiscuir na actividade administrativa.
   Para além de que não se pode defender em bom rigor que a venda de um andar e a compra de outro corresponde absolutamente à manutenção da mesma situação jurídica relevante. Pode ser que sim ou pode ser que não, importando aí conjugar vários factores que não passam apenas pela verificação do valor da coisa, mas ainda pela necessidade de garantir uma estabilidade negocial e patrimonial de modo a não obrigar a uma alienação do património durante um determinado período, independentemente da avaliação que a Administração possa fazer do circunstancialismo concreto que terá movido esse giro negocial.
   E por essa razão lá está a necessidade de o particular comunicar essa alteração, dentro de determinado prazo, sob pena de, não o fazendo, se frustrar o valor ínsito à norma de atracção de investimento. Basta imaginar que o interessado vinha hoje a Macau, fazia hoje mesmo o investimento, adquiria com base nele a autorização provisória de residência, vendia amanhã, e, na véspera da renovação ia comprar de novo outra fracção. Objectivamente podia até manter-se uma situação juridicamente relevante para a concessão da residência, só que dessa forma frustrar-se-ia manifestamente o espírito e os objectivos do diploma.
  
   10. Contrariamente ao que o recorrente alega, o artigo 18º e o artigo 19º acima citados não são completamente indissociáveis. Podem sê-lo ou não. Se a meio do período por que foi concedida a residência, por exemplo, o interessado vender a casa, estamos perante uma situação que claramente é abrangida pelo artigo 18º. Mas se essa alteração da situação jurídica relevante só é conhecida e analisada no momento da renovação, aí a ponderação há-de ser conjugada com o artigo 19º.
   Ora, no caso sub judice, não só se verificou uma alteração da situação jurídica que podia levar ao cancelamento da autorização de residência, como deixaram de se verificar os pressupostos para a concessão da renovação. Então, aí, é fácil concluir que uma decisão de não renovação pode bastar à Administração se ela considerar que não vale a pena, por apenas alguns dias estar a cancelar a residência.
  
   Dos prejuízos
   11. Também é certo que com tal decisão se causam sérios prejuízos individuais, profissionais e, porventura até, familiares, mas nada com que o particular, com tal conduta, não devesse contar, tendo sido devida e formalmente avisado das consequências da não comunicação da venda, enquanto alteração da situação patrimonial adquirida e da quebra da manutenção dessa situação pelo período da autorização provisória que lhe fora concedido.
   Não pode este Tribunal, apenas em nome desse sacrifício que é imposto aos particulares, anular decisões proferidas, na certeza de que a imposição desses sacrifícios se legitima pela defesa do interesse público que à Administração compete igualmente prosseguir e em função do qual se compreende a concessão de poderes discricionários.
    
    12. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 9 da Lei n.º 4/2003, Princípios Gerais do Regime de Entrada, Permanência e Autorização de Residência, prevêem-se factores a levar em consideração, na autorização de residência, como, por exemplo, meios de subsistência de que o interessado dispõe; finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM; laços familiares do interessado com residentes da RAEM; razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
    No caso, o recorrente adianta até que a aquisição de um outro apartamento significou um ligeiro investimento superior, razão (a da situação patrimonial) que podia ter sido invocada para injustificar a decisão ablativa da Administração.
    Mais invoca a mais-valia que resultaria para a RAEM com a sua permanência já que aqui exerce, como técnico qualificado, a profissão de odontologista, actividade que teria de suspender se viesse a não lograr êxito nesta sua demanda judicial.
    Sobre esta linha argumentativa já acima se disse algo, ao contrapor o interesse público subjacente e presumidamente prosseguido pela actividade administrativa ao sacrifício dos interesses particulares evidenciados.
    Este é um quadro que em termos de razoabilidade e proporcionalidade tem de ter um contraponto e as razões do balanceamento entre os diferentes interesses não pode deixar de ser perscrutado nas razões ínsitas na norma que impõe deveres e prevê consequências para o não acatamento.
    As razões que se podem colher dimanantes da própria norma, quais sejam as da manutenção do investimento, se saem reforçadas com a aquisição de um outro apartamento, porventura não menos valioso, não deixam de ser postas em causa com a instabilidade do investimento e falta de controle de manutenção do mesmo, cabendo à Administração e só a ela proceder a esse balanceamento.
    Em suma, se a lei diz que um dado facto pode conduzir ou não a um cancelamento de uma autorização, afigura-se que na situação e condicionalismo presente não há razões que possam necessariamente impor uma decisão diferente, não bastando opor razões pessoais ou até humanitárias que, não obstante a sua seriedade em termos de incomodidade e desconforto, não deixam de poder ser ultrapassadas.
    Somos assim a considerar que não se alcançam razões válidas para pôr em causa a decisão tomada, na certeza de que ela se baseou na violação de deveres impostos ao interessado, não se deixando de perceber a razão de ser de tais imposições e que se traduzem no dever de comunicar a alteração da situação jurídica relevante e de a manter durante o período de concessão da residência provisória.
    
    Da pretensa violação do princípio da proporcionalidade e da justiça
    13. Não se vê que tais princípios tenham sido postergados, haja em vista a prossecução do interesse público visado.
    O n.º 2 do artigo 5º (princípio da proporcionalidade) do Código do Procedimento Administrativo prevê: “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
    Quanto à proporcionalidade, questão que se prende com a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, e da sua relação existente entre dois valores e salvaguarda de diferentes interesses, vimos já da sua adequação em sede de tratamento do alegada desrazoabilidade.
    A proporcionalidade assume uma dimensão de adequação, necessidade e equilíbrio, assumindo-se sempre como uma relação entre duas grandezas, dois valores, dois interesses.
    O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5° do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios, por outro.4
    Sendo um dos fins do Regulamento Administrativo referido atrair investimento e projectos de uma forma sustentada e credível, afigura-se que o despacho impugnado, perante a violação das respectivas regras, não é desproporcional ao referido objectivo.
    Recorde-se, a propósito, que a possibilidade de contratação de mão de obra não residente se configura como excepcional, encontrando-se devidamente regulamentada e pressupondo a verificação de determinados requisitos, sendo conferidos às entidades competentes poderes discricionários para autorizar ou não tal contratação.
    A desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.
     Ora no caso concreto não se vê qualquer desrazoabilidade, na forma como a administração usou os seus poderes discricionários.
    14. Quanto à Justiça, prende-se este princípio com o acatamento das regras basilares que informam a consciência e o sentido jurídico da comunidade e ainda aqui não se vislumbra, face às violações do previsto na lei, que possa pairar um sentimento de injustiça na comunidade, pese embora a não concretização desse sentimento com projecção exterior para lá do alegado sacrifício dos interesses individuais.
    Da pretensa violação da Lei Básica de Macau
    15. Invoca o recorrente a violação do disposto nos artigos 33º e 35º da Lei Básica, ou seja a violação do direito a fixar-se e a deslocar-se, bem assim a liberdade de escolha de profissão e emprego.
    Estará implícito o facto de que por ser residente tal não permitiria à Administração uma decisão ablativa como aquela que tomou.
    Nada de mais errado. Se assim fosse não haveria residências ou licenças provisórias ou estas teriam de se converter necessariamente em definitivas.
    Para além de que o que está aqui em causa é o pressuposto desses direitos, qual seja o da aquisição ao estatuto ou manutenção do estatuto que os confere.
    Quanto basta para nos ficarmos por aqui e desatender esta argumentação.
    Da pretensa manifesta inconveniência do acto recorrido
    16. Sustenta o recorrente que o presente recurso baseia-se igualmente na manifesta inconveniência do acto administrativo impugnado (v., a propósito, art. 146° do C.P.A.).
    “A conveniência é o padrão de conformidade do acto administrativo com o interesse público subjacente à sua prática ou o ponto de referência e de harmonização desse interesse com os demais interesses públicos eventualmente feridos pelo acto.
    A inoportunidade e a inutilidade são factores de inconveniência. O carácter público do interesse marca indelevelmente a impugnação assente na inconveniência: o acto é inconveniente por não ser o mais adequado ao interesse público que deva ser tido em consideração, embora possa ser legal." 5
    Ora é essa avaliação que a Administração não terá deixado de fazer e não há motivo para crer que as razões de premência e indispensabilidade na continuação do recorrente impusessem uma situação diferente.
    Não se evidenciando de uma forma manifesta tal conveniência, sob pena de o Tribunal se imiscuir na esfera do Executivo, afigura-se não se imporem razões, nem virem elas demonstradas, que obrigassem a uma decisão diferente, fosse por carência de tais especialistas, fosse por indispensabilidade daquele investimento, isto é, que se impusesse diferente decisão para prossecução do interesse geral, não havendo assim razões que apontem para a anulação de uma decisão com fundamento em tal vício, respeitando o grau de liberdade e de discricionariedade que o acto praticado reveste e vistas as razões por que se tomou tal decisão.
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
    
    V - DECISÃO
    Nos termos e fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso, mantendo-se o acto recorrido.
    Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 6 Ucs.
               Macau, 7 de Fevereiro de 2013,

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 -João Caupers, Int. ao Dto Administrativo, 2001, 66
2 - Esteves de Oliveira, Dto Administrativo I, 1980, 261
3 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
4 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., pág. 80, definição essa reproduzida, entre outros, no Ac. do TSI de 23/06/2011, Processo n.º 594/2009

5 - Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código de Procedimento Administrativo - Anotado e Comentado, Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, pág. 838

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579/2011 1/30