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Processo nº 819/2012 Data: 17.01.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Tempestividade do recurso.
Erro notório na apreciação da prova.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.



SUMÁRIO

1. Tendo havido pedido de aclaração da sentença, o prazo para o recurso da mesma só começa a correr após a notificação da decisão proferida sobre tal pedido.

2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

3. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 819/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo T.J.B. decidiu-se condenar o arguido B (B), arguido com os sinais dos autos, pela prática de 1 crime de “ofensa à integridade física”, p. e p. pelo art°s 142°, n.° 1 e 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art°s 93°, n.° 1 e 94° da Lei n.° 3/2007, na pena de 180 dias de multa, à taxa de MOP$150,00 por dia, perfazendo a multa global de MOP$27.000,00, convertível em 120 dias de prisão subsidiária, e na inibição de condução por 6 meses.

Quanto ao pedido civil enxertado nos autos, decidiu-se condenar a “COMPANHIA DE SEGUROS DA XXX (MACAU), S.A.” a pagar ao demandante C, a quantia de MOP$310.500,00, a título de indemnização pelos seus danos patrimoniais (MOP$10.500,00) e não patrimoniais (MOP$300.000,00); (cfr., fls. 344 a 345 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformados, recorreram o arguido e o demandante civil.

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O arguido, imputando à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., fls. 384 a 392).

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O demandante, para, em síntese, pedir o aumento (de MOP$300.000,00 para MOP$500.000,00) da indemnização decretada a título de danos não patrimoniais; (cfr., fls. 416 a 428).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o arguido não tem razão, afirmando a demandada seguradora que extemporâneo é o recurso do demandante, e, subsidiariamente, que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 400 a 402-v e 432 a 440-v).

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Nesta Instância, em douto Parecer, e pronunciando-se apenas quanto ao recurso do arguido, considera o Ilustre Procurador-Adjunto que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 457 a 458).

*

Cumpre decidir, (sendo que em exame preliminar se relegou a decisão quanto à tempestividade do recurso do demandante civil para o acórdão a proferir a final; cfr., fls. 459).

Fundamentação

2. Da “questão prévia”.

Existindo uma questão (prévia), quanto à “tempestividade do recurso do demandante civil”, por ela se começa.

Vejamos.

Diz a seguradora (recorrida) que:

“I. O recurso apresentado não pode deixar de ser rejeitado por extemporâneo, porquanto o Acórdão proferido nos presentes autos foi depositado na Secretaria do Tribunal Judicial de Base no dia 6 de Junho de 2012 e o recurso data de 17 de Julho de 2012.
II. No dia 18 de Junho de 2012 o Recorrente em vez de exercer o seu direito de recurso, requereu, nos termos do disposto na alínea a) do art.° 572° do CPC, a aclaração da decisão.
III. O aludido requerimento não tem virtude de fazer interromper o decurso do prazo de recurso ordinária da sentença, porquanto não contém um verdadeiro pedido de aclaração em sentido próprio e material do termo.
IV. Por via do sobredito requerimento não se procurou afastar qualquer obscuridade ou ambiguidade que impedissem a compreensão da decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, tendo antes o Recorrente desafiado o entendimento do Tribunal no que concerne ao rol de factos não provados em contraposição com os factos provados.
V. Em sede de recurso o Recorrente põe precisamente em causa determinados factos que foram dados como não provados e que, na sua perspectiva, deveriam ser dados como provados, conclusão que sobressai do vertido nos parágrafos (vi) e (vii) das conclusões do recurso apresentadas pelo Recorrente.
VI. O fundamento do seu pedido de “aclaração” coincide como fundamento principal (senão único) do Recurso, o que reforça a ideia que o requerimento de fls 362 não se apresenta com um verdadeiro pedido de aclaração.
VII. Sendo a sentença de 6 de Junho de 2012 e tendo o Recorrente apresentado a motivação de Recurso em 17 de Julho de 2012, deverá esse Venerando Tribunal de Segunda Instância julgar o recurso extemporâneo, acordando em não tomar conhecimento do mesmo, o que desde já se requer”; (cfr., fls. 438-v e 440).

Pois bem, por Acórdão deste T.S.I. de 04.12.2003, tirado no Proc. n.° 252/2003 (e citado pela recorrida), decidiu-se que: “um requerimento apenas literalmente apelidado de aclaração da sentença no qual manifestamente não se está a pedir nenhuma aclaração em sentido material, não tem a virtude de fazer interromper o curso do prazo de recurso ordinário da sentença”.

A se manter este entendimento, e a se concluir que o pedido de aclaração constituiu tão só uma “manobra dilatória”, à vista está a solução.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se mostra de sufragar o decidido no Ac. de 04.12.2003, Proc. n.° 252/2003.

Com efeito, preceitua o art. 572° do C.P.C.M. (aqui aplicável por força do art. 4° do C.P.P.M.) que:

“Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:

a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha;

b) A sua reforma quanto a custas e multa”.

E, nos termos do art. 592° do mesmo Código:

“1. Se algumas das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos dos artigos 570.º e 572.º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.

2. Estando já interposto recurso da primitiva sentença ou despacho ao tempo em que, a requerimento da parte contrária, é proferida nova decisão, rectificando, esclarecendo ou reformando a primeira, o recurso fica tendo por objecto a nova decisão; mas o recorrente pode alargar ou restringir o âmbito do recurso em conformidade com a alteração que a sentença ou despacho tiver sofrido”.

Nesta conformidade, e atento o estatuído no n.° 1 do transcrito art. 592°, motivos não nos parece haver para se ter como adequado o entendimento assumido no Ac. deste T.S.I. de 04.12.2003, Proc. n.° 252/2003, (onde, a nosso ver, nem se identifica a sua base legal).

Não se quer com isto dizer que constitui uma tese sem sentido ou indefensável.

É, (obviamente), uma solução, aliás, (não sendo o Direito uma “ciência exacta”), cabe dizer que também a Relação de Guimarães, no seu Ac. de 03.12.2007, Proc. n.° 163/07-1, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, adoptou idêntica posição, invocando o art. 665° do C.P.C. português, que regula o “uso anormal do processo”.

Porém, não se mostra de sufragar.

O equivalente art. 568° do C.P.C.M. estatui que: “quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes”.

E, tal como Lebre de Freitas – in C.P.C. Anotado, pág. 660 e segs., onde se cita outra doutrina – temos para nós que o comando legal em questão visa “evitar o desvio da função processual por via de simulação ou fraude”, não nos parecendo ser o que in casu sucedeu, (até porque o comando em questão pressupõe um “conluio entre os sujeitos processuais”).

Por nós, e a se constatar que o pedido de esclarecimento, aclaração ou rectificação é tão só uma “manobra dilatória”, deve-se é accionar o art. 385° do C.P.C.M., e condenar-se o requerente por “litigância de má fé”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. S.T.J. de 21.05.1992, Proc. n.° 081717, no citado sítio).

Dest’arte, em causa estando apenas a questão prévia da tempestividade do recurso do demandante civil, mostra-se pois de responder afirmativamente, sendo de se passar ao conhecimento de ambos os recursos interpostos.

3. Dos “recursos”.

Está provada a factualidade seguinte:

“Em 25 de Outubro de 2008, por volta das 4h25 da tarde, a arguida B (B), conduzindo o veículo ligeiro de matrícula ML-XX-XX, transitou, juntamente com a passageira, sua amiga D (D), pela direita faixa de rodagem da Estrada da Baía de Nossa Senhora da Esperança e entrou na Rotunda do Istmo, para entrar na Estrada do Istmo. Quando a arguida esteve cerca de 10 metros longe da Estrada do Istmo, aquela tinha que deslocar-se lateralmente à esquerda faixa de rodagem. Na mudança de via de trânsito, o lado esquerdo do pára-choque traseiro do seu veículo embateu contra o motociclo de matrícula n.° MG-XX-XX que circulou na meia via de trânsito, causando que o motociclo caiu com o seu condutor C (lesado) que se feriu. Naquele tempo o ofendido circulou pela Rotunda do Istmo para entrar na Estrada da Baía de Nossa Senhora da Esperança.
A arguida não parou o carro de imediato, mas continuou a circular até ao sinal junto do lado direito da intersecção da Estrada do Istmo. O pára-choque traseiro soltou-se.
Ocorrido o acidente, chegaram o pessoal policial, e o ofendido foi se submeter ao tratamento no hospital KIANG WU por ambulância, e saiu no dia seguinte. No dia 27 do mesmo mês, o. ofendido foi transferido ao Matilda International Hospital em Hong Kong para submeter-se a intervenção cirúrgica, depois da qual ainda era necessário tratamento ambulatório. Segundo a perícia médico-legal das lesões realizada em 24 de Fevereiro de 2009, o ofendido sofreu fractura da subclávia direita distal com luxação acromioclavicular, lesões essas que ainda não recuperaram; pode-se ver a atrofia moderada do músculo do ombro direito, a anquilose do ombro direito, os movimentos de levantamento e rotação são evidentemente limitados e com dores, a redução da força muscular do membro superior direito, e a redução ligeira da força de preensão da mão direita, podendo as articulações dos dedos da mão direita mover a todas as direcções. As lesões têm características de as que são causadas por instrumento contundente ou objectos semelhantes (acidente de viação), e precisam de 180 dias para recuperar se não há complicação, também causam ofensas graves à integridade física do ofendido, provocando-lhe doença permanente e o possível distúrbio de movimento das articulações do ombro direito, que se tratam de lesão residual pós-traumáticas
Há vários danos na parte direita do motociclo de matrícula n.° MG-XX-XX bem como na sua parte traseira direita; encontraram-se danos ligeiros na porta esquerda do veículo ligeiro ML-XX-XX, cujo pára-choque traseiro esquerdo soltou-se mas não se encontrou sinal de embate. Segundo o relatório de investigação da polícia, o pára-choque traseiro esquerdo do veículo ligeiro ML-XX-XX soltou-se por ter sido, evidentemente, enganchado para trás durante a circulação. Por outras palavras, o veículo ligeiro, circulando a uma velocidade mais elevada que a do motociclo que transitava à sua esquerda, embateu nesta na parte direita, e o pára-choque traseiro esquerdo do veículo ligeiro soltou-se por ter enganchado uma certa parte do lado direito do motociclo.
A arguida conduziu o automóvel de forma livre, voluntária e consciente, mas não observou o disposto no artigo 6, n.° 2 e artigo 43, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, quer dizer que, quando pretendeu mudar de direcção para a esquerda, a arguida não se aproximou, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem, de forma que, aquando da mudança da via de trânsito na intercepção, por não ter tomado conta do trânsito à sua traseira esquerda, embatesse no motociclo em marcha, causando directamente que o ofendido caiu e feriu-se. A negligência da arguida na condução causou ofensas graves à integridade física do ofendido.
A arguida bem sabia que a sua conduta violou a lei e era legalmente punida.
*
Através da apólice de seguro n.° CIM/MTV/2007/029841/EO/R1, a responsabilidade de indemnização civil por prejuízos sofridos por terceiros nos acidentes de viação do veículo ligeiro de matrícula ML-XX-XX foi transferida à Companhia de Seguros da XXX (Macau), S.A., sendo o limite máximo de indemnização por acidente de 1 milhão de patacas.
O ofendido é guarda de classe superior.
O ofendido sente-se doloso, preocupado e ansioso por causa das lesões causadas no acidente de viação.
Os danos patrimoniais causados ao motociclo do ofendido perfazem 10.500,00 patacas.
Segundo o registo criminal, a arguida não tem antecedente.
Segundo a arguida, ela é funcionária pública e recebe mensalmente cerca de 29.000,00 patacas, tem a seu cargo os pais e tem como habilitação o ensino universitário”.
Seguidamente, e em sede de “factos não provados”, consignou o Colectivo a quo o que segue:
“Não se provaram os demais factos relevantes que, constantes da (acusação, do pedido da indemnização civil e da contestação, se encontram inconformados com os factos provados acima referidos, designadamente não se provaram que:
Naquela altura, F estava a circular pela Rotunda do Istmo e viu o incidente.
O ofendido efectuou o pagamento das despesas médicas no valor de HKD$140.000,00.
O ofendido submeteu-se, por 35 vezes, à fisioterapia tanto em Macau como em Hong Kong.
A arguida ultrapassou os limites máximos de velocidade.
As lesões causaram ao ofendido a perda da figura que tinha tido, fazendo o seu ombro direito inferior que o esquerdo.
O braço direito do ofendido perdeu a força e não consegue levantar objecto relativamente ligeiro sem a ajuda do braço esquerdo.
O ofendido não consegue exercer o trabalho e preocupa-se com a demissão.
No seu trabalho, designadamente no treino físico e técnico, o ofendido não consegue demonstrar pessoalmente nem treinar directamente os subordinados.
Dadas as lesões sofridas, o ofendido não consegue ter trabalho com receita mais alta.
As lesões causam directa e necessariamente ao ofendido a perda da licença da condução de avião.
As lesões causam directa e necessariamente que o ofendido não consegue continuar a exercer o trabalho como treinador de artes marciais.
As lesões causam directa e necessariamente que o ofendido não consegue continuar a exercer as actividades desportivas de que gosta.
As lesões causam-lhe a invalidez de 30 por cento.
A receita do mesmo é de MOP$60.000,00”.

–– Transcrita que assim ficou a factualidade que do julgamento efectuado no T.J.B. resultou provada e não provada, vejamos.

Como se viu, no seu recurso assaca a arguida à decisão recorrida o “vício de erro notório na apreciação da prova”, pois que, em essência, não aceita a versão do acidente dada como provada, considerando que a culpa do mesmo é do ofendido.

Ora, como repetidamente tem este T.S.I. afirmado, “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 27.09.2012, Proc. n.° 403/2012 do ora relator).

E, no caso dos presentes autos, não se vislumbra como, onde ou em que termos tenha o Tribunal a quo violado qualquer regra sobre o valor de prova tarifada, as regras de experiência e legis artis.

Improcede assim o recurso da arguida.

–– Quanto ao recurso do demandante civil, pede o mesmo o aumento da indemnização a título de danos não patrimoniais para o montante de MOP$500.000,00.

Vejamos.

O Colectivo a quo fixou em MOP$300.000,00 o quantum pelos danos não patrimoniais do ofendido.

Está provado que “O ofendido sofreu fractura da subclávia direita distal com luxação acromioclavicular, lesões essas que ainda não recuperaram; pode-se ver a atrofia moderada do músculo do ombro direito, a anquilose do ombro direito, os movimentos de levantamento e rotação são evidentemente limitados e com dores, a redução da força muscular do membro superior direito, e a redução ligeira da força de preensão da mão direita, podendo as articulações dos dedos da mão direita mover a todas as direcções. As lesões têm características de as que são causadas por instrumento contundente ou objectos semelhantes (acidente de viação), e precisam de 180 dias para recuperar se não há complicação, também causam ofensas graves à integridade física do ofendido, provocando-lhe doença permanente e o possível distúrbio de movimento das articulações do ombro direito, que se tratam de lesão residual pós-traumáticas”, e que o mesmo ofendido “sente-se doloso, preocupado e ansioso por causa das lesões causadas no acidente de viação”.

Afigura-se-nos adequado e de manter o entendimento segundo o qual “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.06.2012, Proc. n.° 393/2012).

Também, nos termos do art. 487° do C.C.M.:

“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Ponderando na matéria de facto dada como provada, nomeadamente, nas lesões causadas ao ofendido, afigura-se-nos adequado o aumento do montante em questão para MOP$400.000,00.

Procede, assim, parcialmente o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso do arguido, e declarando-se o recurso do demandante civil tempestivo, concede-se parcial provimento ao mesmo.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs pela improcedência do seu recurso, suportando a demandada seguradora e o demandante, e em conformidade com os seus decaimentos, as custas do recurso deste último.

Macau, aos 17 de Janeiro de 2013


(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (com declaração de voto)






Declaração de voto apendiculada ao
Acórdão de 17 de Janeiro de 2013 do
Processo n.º 819/2012
Ficou o ora signatário vencido na decisão, tomada no acórdão hoje emitido por este Tribunal de Segunda Instância no seio dos presentes autos de recurso penal n.o 819/2012, do recurso ordinário interposto pela parte demandante civil da decisão final da Primeira Instância, por seguintes razões:
Do exame dos autos, sabe-se, antes do mais, que esse ofendido e demandante não interpôs logo o dito recurso ordinário, mas sim apresentou, a fl. 362 dos autos, um pedido ao Tribunal a quo com seguintes dizeres no seu conteúdo: "... ofendido e demandante cível ... notificado da, aliás douta, sentença ..., vem respeitosamente, nos termos e ao abrigo do disposto na al. a) do art.o 572.o do Código de Processo Civil, requerer a V. Ex.a se digne aclarar o sentido da mesma, porquanto, com o devido respeito, se afigura ambígua no que concerne aos factos não provados, tendo especialmente em conta que dá a mesma por assente que do acidente resultou para o ofendido ofensa grave para a integridade física, com doença prolongada afectando, em consequência, permanentemente o movimento da articulação do ombro direito."
Ante esse teor lacónico, em que o demandante civil nem sequer especificou concretamente onde estaria ambíguo nos factos não provados descritos na decisão final da Primeira Instância, é de ver que ele, ao fim e ao cabo, não quis formular um pedido sério e propriamente dito de aclaração, mas sim pretendeu, sob a capa de pedido de aclaração, dirigir ao Tribunal a quo um protesto contra o resultado de julgamento da matéria de facto descrita nos factos não provados.
Assim sendo, e na esteira da posição jurídica já assumida no acórdão de 4 de Dezembro de 2003 do Processo n.o 252/2003 deste Tribunal de Segunda Instância (segundo a qual, e em síntese, um requerimento apenas literalmente apelidado de aclaração da sentença no qual manifestamente não se está a pedir nenhuma aclaração em sentido material, não tem a virtude de fazer interromper o curso do prazo de recurso ordinário da sentença), não se deveria tomar conhecimento, devido à sua intempestividade, do recurso ordinário interposto pelo ora demandante civil apenas no prazo de dez dias contado da notificação da decisão de indeferimento do pedido acima transcrito.
Macau, 17 de Janeiro de 2013.
               O primeiro juiz-adjunto,
                
                 Chan Kuong Seng
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