Processo nº 951/2012 Data: 24.01.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “desobediência”.
Pena.
Atenuação Especial.
Suspensão da execução.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. Não se mostra excessiva a pena de 3 meses de prisão aplicada a um arguido autor de 1 crime de “desobediência”, que já foi por duas vezes condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, a última das quais, há relativamente pouco tempo, e igualmente por um crime de desobediência.
3. Tal pena não se mostra igualmente de substituir por outra não privativa de liberdade (art. 44° do C.P.M.) ou suspender na sua execução, (art. 48° do C.P.M.) pois que, evidentes e fortes sendo a necessidade de prevenção criminal, inviável é outra solução.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 951/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (XXX), com os sinais dos autos, respondeu, em processo sumário, vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 118°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007 e 312°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão; (cfr., fls. 39 a 41 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com o assim decidido, vem o arguido recorrer, afirmando que excessiva é a pena e que (a decisão recorrida) viola o art. 40°, 48°, 64° e 65° do C.P.M.; (cfr., fls. 46 a 48-v).
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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 53 a 56).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Na Motivação do recurso, o recorrente/arguido A pediu a redução da pena aplicada (a de 3 meses de prisão) para a de 2 meses de prisão (a suspensão da execução, por existir causa determinando (事出有因) da sua conduta de desobediência (art.9° da Motivação).
Antes de mais, subscrevemos inteiramente todas as criteriosas explanações da Exma. Colega na Resposta. E, com efeito, nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Inculca o Venerando TSI (Acórdão no Proc. n.°153/2010): "A Jurisprudência tem entendido que o número das circunstâncias atenuantes nunca implica necessariamente a atenuação especial, sendo preciso demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, só depois de valorizar todas as circunstâncias verificadas no caso concreto e se do imagem global do facto resulta a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena é que se deve utilizar a atenuação especial da pena."
No caso sub judice, sucede que o recorrente não é primário, tendo dois antecedentes criminais. E não se divisa, nos autos, nenhuma prova que possa sustentar o facto alegado no art.7° da Motivação, facto que não se mostra ser minimamente crível.
Sendo assim, e tomando-se por base a moldura penal prevista no art.312°, n.°1-a) do CPM ex vi art.118° n.°2 da Lei n.°3/2007 (pena de prisão até a 1 ano), a pena de 3 meses de prisão cominada na sentença recorrida mostra ser benevolente, não se vislumbrando viabilidade da pretendida redução.
O próprio art.48° n.°1 do CPM evidencia que a suspensão da pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos: o formal e objectivo traduz em a pena aplicada não ser superior a 3 anos, e o material consubstancia-se na conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Em conformidade com este segmento legal, tal conclusão tem de basear-se em prévias apreciação e valorização, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Interessa reter que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°242/2002, n.°190/2004 e n.°192/2004)
No caso vertente, os apontados dois antecedentes criminais tornam razoavelmente previsível que não é adequada para a realização das finalidades da punição a suspensão da execução da pena aplicada. Daí flui que o pedido da suspensão de execução fica desprovido de qualquer razão.
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Por todo o exposto, pugnamos pela improcedência do presente recurso na sua totalidade”; (cfr., fls. 75 a 76).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 39 a 40, que não vem impugnados e que aqui se dão como reproduzidos na sua íntegra.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 118°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007 e 312°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão.
Entende que excessiva é a pena que lhe foi imposta, pedindo também a suspensão da sua execução.
Não nos parece que lhe assista qualquer razão.
Vejamos.
O crime pelo arguido cometido é punido com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias; (cfr., art. 118°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.°1 do C.P.M.).
No que toca a uma (eventual) atenuação especial da pena, tem este T.S.I. considerado que: “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 21.06.2012, Proc. n° 188/2012).
E, de forma evidente, não nos parece que a situação dos autos constitua uma situação “extraordinária” ou “excepcional”.
Por sua vez, tem os comandos pelo recorrente invocados o teor seguinte:
Art. 40°:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Art. 48°:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Art. 64°:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Art. 65°:
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.
Aqui chegados, vejamos.
Atenta a pena prevista para o crime de “desobediência” e o regime fixado no art. 64° do C.P.M., cabe dizer que se mostra totalmente inviável a opção por uma “pena não privativa da liberdade”, (no caso, de multa).
De facto, o arguido já foi por duas vezes condenado em pena de prisão suspensa na sua execução – cfr., os processos n.° CR4-09-1079-PCS e, mais recentemente, n.° CR2-10-0195-PSM, este último, também por 1 crime de “desobediência” – e, pelos vistos, insiste em delinquir, fazendo descaso absoluto das sanções e oportunidades que lhe foram concedidas, não nos parecendo assim que uma pena de multa, realize de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Assim, e adequada sendo a pena privativa da liberdade, cabe referir que também não nos parece que excessiva seja a pena de 3 meses de prisão, que constitui (apenas) um quarto do limite máximo aplicável, e, como o diz o Ilustre Procurador Adjunto, só pode pecar por benevolência.
Daí, e em conformidade com o que se expôs, evidente se mostra que se impõe confirmar a pena em questão.
De facto, fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, já que o ora recorrente, face aos seus antecedentes criminais, demonstra ter uma personalidade com tendência para delinquir, à vista está que inviável é uma (eventual) substituição da dita pena por outra não privativa da liberdade ou a suspensão da sua execução.
Não se nega que se deve evitar penas de prisão de curta duração; (cfr., Ac. de 10.01.2013, Proc. n.° 873/2012).
Porém, insistindo o arguido em delinquir, e não demonstrando qualquer vontade em alterar a sua conduta, à vista está a solução.
Na verdade, as assinaladas fortes e evidentes necessidades de prevenção criminal, afastam, no caso, de todo, a aplicação tanto do art. 44° e/ou 48°, ambos do C.P.M., o que implica, necessariamente, a rejeição do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.000,00.
Macau, aos 24 de Janeiro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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