Processo nº 172/2012
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 28 de Fevereiro de 2013
ASSUNTO:
- Aceitação tácita do acto
- Artº 7º da Lei nº 4/2011
- Taxa aplicável do imposto do selo
SUMÁRIO :
- A aceitação tácita consiste na prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer.
- E para que se verifique a aceitação tácita, a conduta levada a cabo tem de ter um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto, não podendo ter esse efeito preclusivo aceitações ditadas por situações de necessidade ou premência.
- O artº 100º do RIS abriu um caminho para impugnação posterior ao pagamento voluntário, pois, a restituição do dinheiro implica sempre o precedente pagamento.
- Assim, se um cidadão entender ter pago indevidamente o imposto do selo, pode requerer à Administração Fiscal a restituição da parte indevidamente paga e caso for indeferida a sua pretensão, pode recorrer a todos os meios legais da impugnação para defender o seu interesse.
- Com a Lei n.º 4/2011, deixaram de existir o conceito de transmissões intercalares e a respectiva tributação do imposto do selo à taxa de 0,5% (o artº 57º do RIS foi expressamente revogado pelo artº 5º da Lei nº 4/2011).
- As transmissões intercalares anteriores não regularizadas dentro do prazo legal estabelecido no artº 7º da Lei nº 4/2011 passam a ser consideradas como fonte de transmissão de bens imóveis entre vivos sujeitas à tributação do imposto do selo, sendo aplicável a taxa progressiva introduzida pela Lei nº 9/2004, e não a taxa vigente à data da celebração do contrato, já que no momento da feitura da Lei nº 4/2011, a Lei nº 4/2009 já está em vigor. Daí que o legislador da Lei nº 4/2011 já tinha certamente em mente esta taxa progressiva e contou também com a sua aplicação.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 172/2012
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 28 de Fevereiro de 2013
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 23/12/2011, que negou provimento ao seu recurso hierárquico necessário, concluíndo que:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e acto recorrido o seu despacho de 23 de Dezembro de 2011, exarado sobre a Informação n.º 203/NAJ/VP/2011, de 13 de Dezembro, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado em 29 de Junho de 2011.
2. O acto recorrido foi notificado pelo Ofício n.º 001/NAJ/VP/2012, de 3 da Janeiro.
3. Em 29 de Junho de 2011, o ora recorrente solicitou junto da DSF a liquidação de Imposto do Selo por Transmissão de Bens através do impresso modelo M/l, ao qual foi atribuído o n.º 2011/08/018415/7.
4. Pretendia-se a selagem de um contrato-promessa de compra e venda, com data de 17 de Dezembro de 2007 com o preço de MOP 4 397 688,00 (quatro milhões, trezentas e noventa e sete mil, seiscentas e oitenta e oito Patacas).
5. Visando a aquisição da fracção autónoma que constitui o XX.º andar, "X", do Edifício Buckingham, na Taipa.
6. A liquidação tributária relevante, com data de 29 de Junho de 2011, consta da guia de pagamento modelo M/2 com o n.º 2011-08-XXXXXX-7-0, no montante total de MOP 185 154,00 Patacas (cento e oitenta e cinco mil, cento e cinquenta e quatro Patacas).
7. Consistindo seu desdobramento um valor de imposto de MOP 131 931,00 (cento e trinta e uma mil, novecentas e trinta e uma Patacas), acrescido de MOP 6 597,00 (seis mil, quinhentas e noventa e sete Patacas) de selo de conhecimento e de MOP 46 626,00 (quarenta e seis rnil , seiscentas e vinte seis Patacas) de juros compensatórios.
8. A quantia globalmente liquidada foi integralmente paga em 29 de Junho de 2011.
9. Mas alvo de reclamação em 15 de Julho de 2011 a qual, uma vez indeferida, motivou o recurso hierárquico necessário de 29 de Junho de 2011.
10. No qual se defendeu que a Lei n.º 6/2011 introduziu um período de moratória que se extrai do seu artigo 15.° sob a epígrafe Disposições transitórias.
11. O que determina que não se possam aplicar juros compensatórios ou penalidades fiscais ao ora recorrente que efectuou o pagamento nesse mesmo período de moratória, cujo termo só ocorreu 14 de Julho de 2011.
12. Mais tendo sido erradamente identificada a taxa aplicável em matéria de Imposto do Selo sobre as Transmissões de Bens.
13. O recurso hierárquico necessário foi indeferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças que entendeu que a Lei n.º 6/2011, de 13 de Junho, não se aplica ao recorrente, que deveria ter regularizado a sua situação ao abrigo da Lei n.º 4/2011, devendo agora ser tributado de acordo com a taxa aplicável à data da assinatura do documento, ou seja, 17 de Dezembro de 2007.
14. Conclusões que se entendem ilegais e motivadoras da anulabilidade do acto recorrido.
15. A Lei n.º 6/2011 aplica-se ao ora recorrente porquanto assim o diz o n.º 1 do seu artigo 15.°.
16. Desta norma resulta que a Lei n.º 6/2011 se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulem a aquisição de bens imóveis ou de direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, outorgados antes de 14 de Junho de 2011, quando não estiver cumprida a condição de ser liquidado o montante do IS devido nos termos gerais.
17. Situação na qual tem perfeito enquadramento o documento que o ora recorrente apresentou para selagem.
18. Porque o contrato-promessa de compra e venda em causa é constitutivo de direitos sobre um imóvel destinado a habitação com data de 17 de Dezembro de 2007 (anterior a 14 de Junho de 2011).
19. Nesta medida é inválido o fundamento decisório da entidade recorrida quando afirma que a Lei n.º 6/2011 não é aplicável ao ora recorrente, dado o vício de violação de lei de que padece pela exclusão da aplicação do n.º 1 do seu artigo 15.º, como é devido.
20. Donde, considerando que a Informação n.º 203/NAJ/VP/2011, de 13 de Dezembro - que constitui a base decisória do acto recorrido - não contradita os fundamentos do recurso hierárquico necessário, consente na qualificação do n.º 1 do artigo 15.° da Lei n.º 6/2011 como uma regra de moratória, sendo ilegal a liquidação de juros compensatórios.
21. No caso concreto o valor de MOP 46 626,00 (quarenta e seis mil, seiscentas e vinte seis Patacas).
22. Porque esses juros, de acordo com o n.º 1 do artigo 90.º do RIS, só são devidos em situações de atraso na selagem de documentos, o que não se verifica quando não estão em curso prazos de regularização tributária por moratória, os quais equivalem a pagamentos dentro do prazo legal.
23. A Lei n.º 4/2011 continha uma disposição legal em tudo igual no n.º 2 do artigo 7.° sob a epígrafe Regularização extraordinária, enquanto que a Lei n.º 6/2011 adopta a epígrafe Disposições transitórias.
24. Para além de assim se atestar a normalidade destas situações o recorrente não era obrigado a ter regularizado a sua situação tributária ao abrigo da Lei n.º 4/2011.
25. Por outro lado, defendeu-se em recurso hierárquico necessário que a liquidação se deveria ter operado pela taxa aplicável à data da liquidação, ou seja a taxa progressiva do artigo 42 da TGIS.
26. Mas nada obsta a que se acompanhe a tese da entidade recorrida e se aplique a lei em vigor à data da ocorrência do facto tributário, ou seja, 0,5%, por via oficiosa ou em cumprimento de sentença.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 43 a 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Quer o Recorrente, quer a Entidade Recorrida, ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas na petição inicial e na contestação, respectivamente.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
“Para a análise do recurso contencioso em apreço, são pertinentes os seguintes factos: 1º- O contrato de promessa que constitui incidência do imposto de selo teve lugar em 17/12/2007; 2º- Em 29/06/2011, o ora recorrente solicitou, junto da DSF, do imposto de selo derivado daquela contrato de promessa; 3º- Igualmente em 29/06/2011, o recorrente pagou integralmente a quantia do imposto de selo que lhe tinha sido globalmente liquidado, sem reserva.
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Em harmonia com a sensata jurisprudência fixada pelo Venerando TSI no Processo n.º188/2005, entendemos que o pagamento integral, sem reserva, do imposto de selo que lhe tinha sido liquidado representa um cumprimento espontâneo e, consequentemente, a aceitação tácita do acto de liquidação.
Sendo assim, e à luz do n.º2 do art.147º do CPA, o ora recorrente não podia reclamar nem recorrer o acto de liquidação. E, de acordo com a c) do art.160º deste diploma, deveria ser rejeitado o recurso hierárquico dirigido ao Exmo. Sr. SEF.
A ilegitimidade do recorrente de impugnar graciosamente o acto de liquidação e a rejeição legalmente consagrada do recurso hierárquico tornam previsível e até patente que consistindo em negar provimento ao dito recurso hierárquico e manter integralmente o acto de liquidação, o acto objecto do presente recurso contencioso não lesou direito subjectivo ou interesse legalmente protegido do recorrente, nem a anulação do mesmo lhe aproveitará.
Ao abrigo da alínea a) do art.33º do CPAC, parece-nos que se verifica in casu a ilegitimidade do recorrente. Em conformidade com a d) do n.º2 do art.46º do CPAC, o presente recurso deverá ser rejeitado.
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No caso vertente, acontece que antes de 29/06/2011, o recorrente nunca declarou à DSF, para efeitos do imposto de selo, a transmissão formalizada no mencionado contrato de promessa, nem solicitou a respectiva liquidação.
O art.2.º da Lei n.º4/2009 prevê que a mesma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (concretamente em 28/04/2009) e produz efeitos desde 01/01/2009.
Por seu turno, determina o art.7.º da Lei n.º4/2011 de 03/05 que entrou em vigor também no dia seguinte à da sua publicação:
1. As transmissões intercalares de pretérito, que não tenham sido objecto de liquidação e pagamento do imposto do selo pelos adquirentes, beneficiam de um período de regularização extraordinário dos documentos, papéis ou actos com aplicação da taxa de 0,5%.
2. A regularização dos documentos, papéis ou actos nos termos do número anterior é feita a requerimento dos interessados, no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, findos os quais se aplicam as regras aprovadas pela presente lei.
Tudo isto assegura indiscutivelmente que apesar de aquele contrato de promessa celebrar-se em 17/12/2007, o recorrente não pudesse nem possa arrogar os benefícios consignados na Lei n.º4/2009 e no art.7.º da Lei n.º4/2011.
Bem, o art.58º n.º1 do RIS prevê o prazo de 30 dia para liquidar e pagar o imposto de selo devido. O n.º1 do art.90º deste diploma consagra propositadamente: Sempre que houver atraso do sujeito passivo na liquidação de parte ou da totalidade do imposto do selo, acrescem ao montante em dívida juros compensatórios à taxa legal, sem prejuízo da multa prevista no artigo 82.º
Reza o n.º1 do art.15º da Lei n.º6/2011: A presente lei não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulem a aquisição de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação elaborados ou realizados antes da sua entrada em vigor, caso a liquidação do imposto do selo incidente sobre esses documentos, papéis ou actos venha a ter lugar no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei.
É inquestionável que este n.º1 do art.15º se destina apenas a afastar a aplicação do imposto de selo especial às transmissões preteridas, nunca pretende estabelecer prorrogação e prolongamento do prazo consignado no n.º1 do art.58º do RIS.
O que aponta à manifesta insubsistência do invocação da violão de lei e erro nos pressupostos de facto.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela rejeição ou não provimento do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
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O Mº Pº suscitou a perda da legitimidade por parte do Recorrente, em virtude de que o mesmo pagou voluntariamente a quantia global do imposto de selo, incluindo os juros compensatórios, o que traduz numa aceitação tácita do acto recorrido nos termos do artº 34º do CPAC.
Dispõe o artº 34º do CPAC que:
Artigo 34.º
(Aceitação do acto)
1. Não pode recorrer quem, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado.
2. A aceitação tácita é a que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer.
3. A reserva é produzida por escrito perante o autor do acto.
4. A execução ou acatamento por funcionário ou agente de acto de que seja destinatário não se considera aceitação tácita do acto executado ou acatado, excepto quando dependa da sua vontade a escolha da oportunidade da execução.
Como resulta do próprio preceito legal, a aceitação tácita consiste na prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer.
E para que se verifique a aceitação tácita, a conduta levada a cabo tem de ter um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto, não podendo ter esse efeito preclusivo aceitações ditadas por situações de necessidade ou premência (Acs. do STA, de 23/11/2010 e de 05/05/2005, Procs. nºs 0985/09 e 01002/02, todos in http://www.dgsi.pt)
A questão de saber se o pagamento da quantia exigida por um acto administrativo implica ou não a sua aceitação não é pacífica ao nível da jurisprudência comparada, pois o STA de Portugal tem tratado a questão nos dois sentidos (A favor: Acs. de 06/02/1986, 02/06/1987 e 10/02/1994, proferidos, respectivamente, nos Procs. nºs 022020, 022496 e 032047; Contra: Acs. de 13/11/1975, 21/01/1988 e 03/12/1997, Procs. nºs 009544, 022480 e 020156, respectivamente, todos in http://www.dgsi.pt).
No caso sub justice, cremos que há razões para não considerar o pagamento do Recorrente como aceitação tácita do acto recorrido.
Em primeiro lugar, entendemos que o pagamento feito resulta duma situação de necessidade, visto que se não pagar está sujeito a juros moratórios nos termos do artº 90º do RIS (Regulamento do Imposto do Selo).
Por outro lado, o Recorrente, no recurso hierárquico necessário, pediu também a restituição das quantias que, no seu entender, tinham sido pagas indevidamente.
Ora, o artº 100º do RIS prevê de forma expressa esta possibilidade, ou seja, o próprio RIS abriu um caminho para impugnação posterior ao pagamento voluntário, pois, a restituição do dinheiro implica sempre o precedente pagamento.
Isto é, se um cidadão entender ter pago indevidamente o imposto do selo, pode requerer à Administração Fiscal a restituição da parte indevidamente paga e caso for indeferida a sua pretensão, pode recorrer a todos os meios legais da impugnação para defender o seu interesse.
Nesta conformidade, se concluir que o pagamento do imposto feito pelo Recorrente não pode ser considerado como uma aceitação tácita do acto recorrido, sob pena de violar o disposto do citado artº 100º do RIS.
Face ao exposto, é de julgar improcedente a excepção da ilegitimidade suscitada pelo Mº Pº.
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Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Em 29 de Junho de 2011, o ora Recorrente solicitou junto da DSF a liquidação de Imposto do Selo por Transmissão de Bens (doravante "IS"), através da apresentação do competente impresso modelo M/1, ao qual foi atribuído o n.º 2011/08/018415/7.
2. No mesmo impresso ficou identificado como documento a selar um contratopromessa de compra e venda, datado de 17 de Dezembro de 2007, através do qual o ora Recorrente promete comprar, pelo preço de MOP 4.397.688,00 (quatro milhões, trezentas e noventa e sete mil, seiscentas e oitenta e oito Patacas), a fracção autónoma que constitui o XX.º andar, "X", do Edifício Buckingham, na Taipa.
3. Consequentemente, ocorreu o acto de liquidação tributária, corporizado no impresso modelo M/2 que constitui a Guia de Pagamento do IS, à qual foi atribuida pela DSF o n.º 2011-08-XXXXXX-7-0, dela constando como esforço fiscal global o montante de MOP185.154,00 Patacas (cento e oitenta e cinco mil, cento e cinquenta e quatro Patacas).
4. Pelo acto de liquidação de IS, também ele com data de 29 de Junho de 2011, determinou o Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, no âmbito das competências que lhe foram delegadas pelo Despacho n.º 2/DIR/2011, o cálculo do IS devido pelo valor de MOP131.931,00 (cento e trinta e uma mil, novecentas e trinta e uma Patacas), mas acrescido de MOP6.597,00 (seis mil, quinhentas e noventa e sete Patacas) relativas a selo de conhecimento e de MOP46.626,00 (quarenta e seis mil, seiscentas e vinte seis Patacas) a título de juros compensatórios.
5. Estas quantias foram integralmente pagas em 29 de Junho de 2011 por apresentação do documento de cobrança modelo M/2 com o n.º 2011-08-XXXXXX-7-0.
6. Mediante reclamação dirigida à Sra. Directora dos Serviços de Finanças, a 14 de Julho de 2011 deu entrada o pedido de reforma do acto de liquidação datado de 29 de Junho de 2011, do Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, i) com cálculo do imposto devido pela aplicação da taxa progressiva do artigo 42 da TGIS, ii) revogação desse mesmo acto na parte em que determina o lançamento de juros compensatórios e iii) consequente reembolso das quantias indevidamente pagas.
7. Foi o contribuinte notificado, mediante o Oficio n.º 2892/NIS/DOI/RFM/2011, de 18 de Agosto de 2011, do despacho da Sra. Directora da DSF, de 10 de Agosto, que indeferiu o pedido reforma do acto de liquidação.
8. Mais se informou de que daquele acto pode o contribuinte apresentar reclamação para a Directora dos Serviços de. Finanças ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003, de 11 de Agosto, no prazo de 15 dias nos termos do artigo 4.° da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
9. No dia 12 de Setembro de 2011, foi apresentado recurso hierárquico necessário o qual foi indeferido por despacho, de 23 de Dezembro de 2011, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
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III – Fundamentação
Na óptica do Recorrente, a aplicação de juros compensatórios viola o nº 1 do artº 15º da Lei nº 6/2011 e a não aplicação da taxa progressiva para o cálculo do montante do imposto do selo para transmissão de bens imóveis viola o artº 42º da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
Quid iuris?
O Imposto do Selo para transmissões de bens imóveis foi criado pela Lei nº 8/2001, de 02/07/2001, em substituição do Imposto de Sisa, sendo 3% a taxa aplicável para as transmissões definitivas onerosas (cfr. artº 2º da citada Lei, que alterou o artº 42º da TGIS) e 0,5% para as intercalares (cfr. nº 2 do artº 48º-G, introduzido pelo artº 1º da citada Lei).
Posteriormente, a Lei n.º 4/2009, de 27/04/2009, veio alterar o artº 42º da TGIS, criando a taxa progressiva para efeitos da tributação do imposto do selo para transmissões definitivas de bens imóveis (sem alterar a taxa do imposto do selo de 0,5% para as transmissões intercalares fixada pela lei anterior), em substituição da taxa fixa, a saber:
N.os dos artigos
Incidência do Imposto
Taxas
Forma de pagamento
42
Transmissões de bens imóveis a título oneroso até $ 2.000.000,00
1%
Selo de verba
No que exceder $2.000.000,00 e até $4.000.000,00
2%
Selo de verba
No que exceder $4.000.000,00
3%
Selo de verba
Acresce o selo do artigo 15.
Acresce o selo aplicável desta tabela segundo o tipo de documento, papel ou acto, com excepção dos contratos-promessa previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do Regulamento.
Esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2009.
Mais tarde, com a Lei n.º 4/2011, de 03/05/2011, as transmissões intercalares passam a estar sujeitas à mesma taxa aplicável às transmissões definitivas (v. as alterações introduzidas na al. b) do nº 3 do artº 51º, bem como a consequente revogação do artº 57º, todos do RIS).
À data da entrada em vigor da Lei nº 4/2011, a taxa do imposto do selo aplicável para as transmissões definitivas é a taxa progressiva introduzida pela Lei nº 4/2009.
No entanto, o legislador estabeleceu um período de regularização extraordinário, nos termos do qual as transmissões intercalares de pretérito, que não tenham sido objecto de liquidação e pagamento do imposto do selo pelos adquirentes, beneficiam de um período de regularização extraordinário dos documentos, papéis ou actos com aplicação da taxa de 0,5%, desde que seja requerida a regularização no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor da nova lei, findos os quais se aplicam as regras aprovadas pela nova lei (cfr. artº 7º da Lei nº 4/2011).
O Recorrente não regularizou a sua situação da falta de liquidação e pagamento do imposto do selo devido dentro do prazo legalmente fixado para o efeito.
Assim sendo, a consequência desta falta é de aplicar as regras aprovadas pela nova lei, ou seja, o contrato de promessa de compra e venda em causa passa a sujeitar à mesma taxa aplicável para as transmissões definitivas.
Qual será então esta taxa?
Para a Entidade Recorrida, esta taxa é de 3%, que era a taxa aplicável à data da celebração do contrato promessa de compra e venda para os casos de transmissões definitivas, por entender que a taxa progressiva introduzida pela Lei nº 4/2009 não é aplicável ao caso, uma vez que o referido diploma legal só produz efeitos a partir de 01/01/2009.
O Recorrente, que defendeu a aplicação da taxa progressiva introduzida pela Lei nº 4/2009 no recurso hierárquico, mudou de posição no presente recurso contencioso, acompanhando a tese da Entidade Recorrida na parte em que se defende a aplicação da lei vigente à data da celebração do contrato promessa de compra e venda em causa, mas, no entanto, entende que a taxa aplicável ao caso é de 0,5%, já que segundo a Lei nº 8/2001, o seu contrato promessa de compra e venda era considerado como uma transmissão intercalar.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que ambas as partes não tenham razão.
O artº 7º da Lei nº 4/2011 é claro no sentido de que findo o prazo da regularização extraordinária, aplicam-se as regras aprovadas pela nova lei às transmissões intercalares anteriores que não tenham sido objecto de regularização, daí que nunca se pode aplicar, tal como é pretendido pelo Recorrente, a taxa de 0,5% prevista no nº 2 do artº 57º do RIS (alteração introduzida pelo artº 1º da Lei nº 8/2001).
Repare-se, com a Lei n.º 4/2011, deixaram de existir o conceito de transmissões intercalares e a respectiva tributação do imposto do selo à taxa de 0,5% (o artº 57º do RIS foi expressamente revogado pelo artº 5º da Lei nº 4/2011); os contratos promessa de compra e venda de bens imóveis passaram a ser considerados como fonte de transmissão de bens entre vivos sujeitos à tributação do imposto do selo à mesma taxa das transmissões definitivas.
Também não é de acolher a posição da Entidade Recorrida, a qual se traduz numa mistura de aplicação de dois diplomas legais, a saber:
- a Lei nº 4/2011, na parte em que se consideram as transmissões intercalares como fonte de transmissão de bens entre vivos sujeitos à tributação do imposto do selo; e
- a Lei nº 8/2001, na parte que diz respeito à taxa aplicável (artº 42º da TGIS então vigente).
Não é normal nem habitual aplicar simultaneamente as normas de duas leis sucessivas no tempo ao mesmo caso concreto, a não ser que haja disposição transitória expressa para o efeito.
No caso em apreço, como já expomos anteriormente, o artº 7º da Lei nº 4/2011 é claro no sentido de que findo o prazo da regularização extraordinária, aplicam-se as regras aprovadas pela nova lei às transmissões intercalares anteriores que não tenham sido objecto de regularização.
Nesta conformidade e salvo melhor opinião contrária, entendemos que o legislador ao prever a aplicação das regras aprovadas pela nova lei (Lei nº 4/2011), isto é, as transmissões intercalares anteriores não regularizadas dentro do prazo legal passam a ser consideradas como fonte de transmissão de bens imóveis entre vivos sujeitas à tributação do imposto do selo, quis aplicar às mesmas a taxa progressiva introduzida pela Lei nº 9/2004, e não a taxa vigente à data da celebração do contrato, já que no momento da feitura da Lei nº 4/2011, a Lei nº 4/2009 já está em vigor. Daí que o legislador da Lei nº 4/2011 já tinha certamente em mente esta taxa progressiva e contou também com a sua aplicação.
Pois, não há razão plausível para o legislador da Lei nº 4/2011 mandar aplicar a essas transmissões intercalares anteriores não regularizadas a taxa fixa que já foi objecto de alteração pela Lei nº 4/2009 e às novas a taxa progressiva, sendo certo que ambas são consideradas, nos termos da Lei nº 4/2011, como fonte de transmissão de bens imóveis entre vivos sujeitos à tributação do imposto do selo.
Face ao expendido, se conclui que a taxa aplicável ao caso para efeitos da tributação do imposto do selo é a taxa progressiva introduzida pela Lei nº 4/2009.
Nesta conformidade, o acto recorrido não deixará de se revogar nesta parte, face ao princípio da legalidade tributária.
Passamos agora analisar a questão dos juros compensatórios.
Dispõe o artº 15º da Lei nº 6/2011 o seguinte:
Artigo 15.º
Disposições transitórias
1. A presente lei não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulem a aquisição de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação elaborados ou realizados antes da sua entrada em vigor, caso a liquidação do imposto do selo incidente sobre esses documentos, papéis ou actos venha a ter lugar no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei.
2. A presente lei não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulem a aquisição de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, relativamente aos quais tenha sido admitida, antes da entrada em vigor da presente lei e ao abrigo do disposto na Lei do Orçamento de 2011, a isenção do imposto do selo até ao valor de 3 000 000 patacas, caso venha a ser emitida pela DSF a certidão de isenção do imposto do selo, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei.
Como se deve notar que o que o citado nº 1 do artº 15º salvaguarda é a não aplicação do imposto do selo especial (criado pela Lei nº 6/2011) aos documentos, papéis ou actos que titulem a aquisição de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação elaborados ou realizados antes da sua entrada em vigor, desde que a liquidação do imposto do selo incidente sobre esses documentos, papéis ou actos venha a ter lugar no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
Não se trata duma regularização extraordinária para as situações da falta de liquidação e pagamento do imposto do selo, “no sentido de expurgar durante um determinado período a cobrança de juros ou penalidades gerais do RIS”, como é pretendida pelo Recorrente.
A lei é clara neste aspecto, sem qualquer margem de dúvida.
Nesta conformidade, a decisão da aplicação de juros compensatórios nos termos do nº 1 do artº 90º do RIS está correcta e o recurso é improcedente nesta parte.
No entanto, como o montante desses juros é calculado em função do valor do imposto do selo devido à taxa legal e já vimos que deveria utilizar-se a taxa progressiva introduzida pela Lei nº 4/2009 para a determinação do quantum do imposto do selo devido, a Adm. Fiscal, inevitavelmente, tem de proceder a novo cálculo desse montante em função da alteração do quantum do imposto do selo devido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos dos fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento parcial ao recurso contencioso interposto, revogando o acto recorrido nos termos acima consignados.
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Sem custas, por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 28 de Fevereiro de 2013.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Estive presente
Mai Man Ieng
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172/2012