打印全文
Processo n.º 808/2012
(Recurso Cível )

Relator: João Gil de Oliveira

Data : 7/Março/2013


ASSUNTOS:

    - Citação por via postal em Hong Kong
    - Levantamento da carta por terceiro
    - Fins e requisitos da citação

SUMÁRIO:
    1. É possível proceder a uma citação por via postal em Hong Kong, de pessoa residente no Exterior, aplicando-se ao caso a Convenção de Haia de 1965, relativa às citações e notificações no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria cível ou comercial, da qual faz parte a República Popular da China, sendo igualmente aplicável às Regiões Especiais de Macau e de Hong Kong da RPC, não se observando para Hong Kong, qualquer reserva aquando da adesão ou feita posteriormente pela China, como o fez para si, em relação à al. a) do artigo 10º da Convenção (já não assim em relação à al. b) e c)),1 onde se prevê a “faculdade de remeter directamente, por via postal, actos judiciais às pessoas que se encontrem no estrangeiro.”
    2. Pese embora tenha sido efectuada em pessoa diversa do citando, estando aquela encarregue de lhe transmitir o conteúdo do acto, terá de considerar-se regular tal citação e, presumir-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, nos termos das regras gerais dos artigos 180.°, n.º 4 e 184.° ambos do Código de Processo Civil.
    3. A presunção estabelecida pela lei de que a carta para citação entregue a um terceiro chegou, oportunamente, ao conhecimento do destinatário, é ilidível, isto é pode ser afastada por prova em contrário, incumbindo, no entanto, tal prova ao interessado, que para além de ter de demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto, deve comprovar igualmente que tal aconteceu por facto que não lhe seja imputável.
    4. O valor a preservar na citação do réu traduz-se no conhecimento da acção, da atitude a tomar em termos de defesa e inteiramento do prazo e demais condições em que o deve fazer. As formalidades da citação visam aquele conhecimento, mas a lei não diz, nem pode dizer com rigor que o réu só está citado quando tome conhecimento do objecto de tal acto. O conhecimento é um facto do foro íntimo, um facto do foro intelectual, da representação racional de um dado objecto.
    
    5. As regras da citação visam o cumprimento de diversas formalidades tendentes a propiciar um dado conhecimento. E este há-de retirar-se de um conjunto de regras da experiência comum, de presunções quase naturais, de uma prática procedimental que incumbe ao Tribunal exercer e comprovar. Mas, como se disse, isso não basta. O destinatário não está eximido de comprovar que algo de anormal contrariou aqueles procedimentos conducentes a um dado resultado: o conhecimento.
    Mal andariam as coisas se o citando se limitasse a invocar o mero desconhecimento.
    6. A identificação do terceiro que levanta a carta e a obrigação de o distribuidor do correio lhe dizer que a deve entregar prontamente só são formalidades essenciais quando se revele que o são em vista dos fins para que foram estabelecidas. De outro modo degradam-se em meras irregularidades anódinas, como é o caso, de a identificação do terceiro não se mostrar já essencial a partir do momento em que ele está identificado, como não se mostra já essencial a indicação da entrega pronta se o destinatário incumbe esse terceiro de levantar a carta e que lhe deve entregar a correspondência num dado local sob pena de esvaziar de sentido a razão de ser da própria norma.

O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 808/2012
(Recurso Cível)
Data: 7/Março/2013

Recorrente: A

Objecto do Recurso: Despacho que julgou válida a citação do réu A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A vem recorrer do despacho de fls. 376 dos autos que julgou válida a sua citação em acção interposta contra si e B pela Companhia de Macau First Universal Internacional Lda., efectuada a 05 de Dezembro de 2011.
Para tanto alega em síntese conclusiva:
1ª Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 376 dos autos que julgou válida a citação do Réu A, efectuada a 05 de Dezembro de 2011;
2ª A meritíssima juiz a quo incorre em manifesto erro de direito ao estabelecer a razão pela qual considerou dar como provado ou pelo menos como não ilidida a presunção de que o Réu teria sido, efectivamente citado em 05 de Dezembro de 2011 e não que o mesmo tenha tido conhecimento da existência de uma acção (sem que tenha sido citado) em 10 de Março de 2012 como pugna o Réu;
3ª Resulta do próprio teor da decisão que a juíza considerou pelo menos como provado que o tal C, que depôs perante a mesma, «estava ciente de que essa correspondência deveria ser depositada nas instalações de uma companhia comercial à qual os RR têm ligações (sem que tenha sido apurado de que título)»;
4ª Ao aceitar tal factualidade, a própria meritíssima juiz a quo reconheceu que a citação não foi efectivamente cumprida, nos termos legais, na data que a mesma fixou (05 de Dezembro de 2011);
5ª O facto de se tratar, em qualquer dos casos do primeiro momento em que se dá conhecimento a alguém da existência de um processo judicial impõe desde logo um critério de certeza quanto ao modo e ao momento em que esse destinatário (o ora Réu) tomou conhecimento de tal facto, critério de certeza esse que resulta da Lei;
6ª Nos termos do n.º 2 artigo 182º do Código de Processo Civil, « 2. No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.» e « 4, Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.»;
7ª Como resulta dos presentes autos: O distribuidor postal não advertiu expressamente o terceiro C do dever de pronta entrega ao citando; o terceiro C, como a meritíssima juiz bem aceitou, não entregou a carta ao citando; o terceiro C, entregou a carta numas instalações de uma sociedade (não identificada de acordo com o teor da decisão); e não entregou prontamente;
8ª O resultado da violação do dever do distribuidor postal foi determinante para as consequências listadas no parágrafo que antecede, e esta violação gravíssima das regras processuais implica tem como consequência a própria nulidade da citação que desde já se argui;
9ª Nem outra poderia ser a consequência que não a nulidade porquanto com a sua violação fica ferido de morte o princípio do contraditório, ou seja, o direito fundamental do Réu se defender na presente acção, por via da contestação;
10ª A não comunicação ao terceiro C do especial dever consagrado no artigo 182°, n.° 4 do Código de Processo Civil provocou que o mesmo tratasse da carta de citação como uma vulgar correspondência;
11ª A decisão em crise também trata da citação como se de uma vulgar correspondência se tratasse, cilindrando por completo os deveres impostos no artigo 182°, n.º 4 do Código de Processo Civil, porquanto a meritíssima juiz a quo aceitou como normal e razoável que o citando (ora Réu) se deveria ter sido dado como citado em 05 de Dezembro de 2012 quando expressamente aceita o facto (deveras contraditório) de que o mesmo entregou a carta, numas instalações que o Tribunal não cuidou de confirmar, não se sabendo (nos termos da factualidade provada) a quem;
12ª Dito de outro modo, a decisão em crise dá por provada que o terceiro (identificado como C) entregou a carta a terceiro não identificado;
13ª O Tribunal a quo não poderia pois, ao mesmo tempo aceitar que a carta de citação foi entregue a terceiro que não ficou identificado e, simultaneamente, não considerar ilidida a presunção a que alude o artigo 184°;
14ª Nos presentes autos o Réu não se apresentou como querendo furtar-se às suas obrigações processuais. Antes pelo contrário, o Réu pretende intervir e exercer os seus direitos fundamentais, designadamente o direito de se defender nestes autos;
15ª Ao aceitar que a citação tenha sido bem feita, em manifesta violação das regras impostas no artigo 182° do Código de Processo Civil, o Tribunal está, na prática a fragilizar a certeza jurídica em prejuízo dos direitos do cidadão, designadamente do direito do se defender em acções;
16ª É por essa razão que a citação não é uma notificação e está envolvida em formalismos especiais. No âmbito das notificações, o interveniente ou réu está ciente da existência de uma demanda judicial e tem um dever especial de cuidado em que a morada que indicou está acessível e a correspondência do Tribunal seja efectivamente acessível ao mesmo;
17ª Já no âmbito da citação, porque o réu ou interveniente não conhece da existência da acção, esse dever especial não existe, podendo o mesmo ter diferentes domicílios sem que dos mesmos tenha um dever especial de receber qualquer correspondência senão nos casos especialmente estabelecidos por lei ou contrato;
18ª Sabendo e reconhecendo como reconheceu o Tribunal a quo, que a carta não foi entregue ao citando, a citação é inexistente. Pelo que este fundamental acto processual tem de ser renovado;
19ª Ainda que assim não se entendesse, o Tribunal está impossibilitado de ficcionar uma data que é manifestamente incompatível com o facto que deu como provado (que a carta de citação não foi entregue efectivamente ao Réu), pelo que, no mínimo, o conhecimento da existência da acção só operou, pelo menos, em 10 de Março de 2012;
20ª Deverá ser revogado o despacho de fls. 500-503 dos autos, por ter o mesmo violado o disposto no artigo 341°, e ser substituído por douta decisão desse venerando Tribunal que determine a admissão liminar do procedimento cautelar instaurado pelas ora Recorrentes, seguindo-se os ulteriores trâmites legais.
    
    D, autora nos autos acima referidos, contra-alega, em síntese:
    O despacho proferido pela Mm.ª Juíza a quo indicou expressamente: “o R. A tem uma morada registada a seu favor, isto é, XXX Hong Kong (香港XXX) ” - vide o n.º 3 dos “Factos provados” da decisão em causa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
    Não obstante, a morada alegada pelo recorrente, ou seja, XXX, Hong Kong, não se encontra registada nos documentos nos autos do primeiro processo, nem nos documentos que a A. tinha.
    Ao invés, a morada declarada pelo recorrente em 1 de Fevereiro de 2011, quando o mesmo renovou o seu documento de identificação na Direcção dos Serviços de Identificação, foi XXX Hong Kong (香港XXX)- vide o n.º 2 dos “Factos provados” da decisão em causa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
    A propriedade da fracção autónoma identificada no número anterior - XXX, Hong Kong - pertence à outra R. B - vide o n.º 1 dos “Factos provados” da decisão em causa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
    Porque é que o recorrente A teve a sua morada declarada e escrita, junto da DSI, como XXX, Hong Kong, quando essa fracção autónoma não era sua residência?
    Será que o recorrente pretendia “enganar” o governo da RAEM? Ou será que o recorrente A e a outra R. no processo sub judice B utilizavam a mesma morada para que fosse mais conveniente a C enviar e levantar cartas por eles?
    O recorrente alegou no n.º 7 das conclusões das suas alegações de recurso “O distribuidor postal não advertiu expressamente o terceiro C do dever de pronta entrega ao citando; o terceiro C, como a meritíssima juiz bem aceitou, não entregou a carta numas instalações de uma sociedade (não identificada de acordo com o teor da decisão); e não entregou prontamente” - dando-se aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
    Entretanto, o recorrente ainda afirmou no n.º 19 das conclusões das suas alegações “Ainda que assim não se entendesse, o Tribunal está impossibilitado de ficcionar uma data que é manifestamente incompatível com o facto que deu como provado (que a carta de citação não foi entregue efectivamente ao Réu), pelo que, no mínimo, o conhecimento da existência da acção só operou, pelo menos, em 10 de Março de 2012.” - dando-se aqui por integramente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
    Salvo prova em contrário mais razoável, a Mm.ª Juíza já fez uma explicação expressa na sua decisão sobre os factos invocados pelo recorrente.
    Dedicando-se ao comércio, o recorrente liga muita importância a qualquer correspondência, até porque isto se traduz num hábito básico nas actividades comerciais.
    Assim, mesmo que não possa levantar pessoalmente correspondências, encarregará outrem de o fazer em seu nome.
    Na causa vertente, a testemunha C oferecida pelo recorrente é exactamente aquele por si encarregado de ir a Hong Kong levantar as cartas dele e da outra R. B, por esse motivo, o recorrente A e a outra R. B entregaram à testemunha C as chaves da caixa postal e as cópias dos seus bilhetes de identidade.
    Por outras palavras, a testemunha C já sabia da importância das cartas quando as levantou, pelo que iria avisar o recorrente.
    Para além das circunstâncias aludidas há pouco, a testemunha C ainda apontou na audiência de julgamento que, tendo levantado as cartas do recorrente e da outra R. B, ele depositou-as na localidade designada por XXX, Hong Kong.
    O recorrente invocou nas suas alegações o incumprimento pelos Correios de Hong Kong do dever previsto no artigo 182.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, daí que lhe caiba o ónus da prova da existência desse incumprimento.
    Contudo, nas suas alegações, o recorrente não expôs nenhum facto para o comprovar, nem teve qualquer prova testemunhal.
    A testemunha C assinou o aviso de recepção da respectiva carta registada de citação em 5 de Dezembro de 2011. Mas o recorrente alegou só ter tomado conhecimento da citação em 10 de Março de 2012, ou seja, três meses depois da referida data. Como seria isso crível?
    E muito menos, relativamente ao alegado facto de que só tomou conhecimento da citação em 10 de Março de 2012, o ónus da prova recai sobre o recorrente. Porém, o recorrente não o conseguiu demonstrar, nem na audiência, nem nos autos.
    
    É óbvio o recorrente, nas suas alegações de recurso, estar apenas a questionar a livre convicção do Mm.º Juiz a quo na apreciação da matéria de facto, sem, todavia, ter invocado nas alegações provas com valor para a contradizer.
    Portanto, é de julgar infundada tal afirmação feita pelo recorrente nas suas alegações.
    Ainda por cima, o recorrente sublinhou no segundo parágrafo de fls. 9 das suas alegações: “Esta matéria foi tratada, aliás na jurisprudência. Por todos, vide Acórdão unânime do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/29/2007 «[...]se houve conhecimento tardio do acto por demora do terceiro encarregado de entregar a carta, há nulidade da citação visto que não foi observada por esse terceiro a formalidade prescrita na lei de entrega oportuna da carta de citação»” - cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
    No entender da A., o respectivo acórdão do Tribunal da Relação português citado pelo recorrente é o seguinte:
    Acórdão n.º 2136/2007-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 29 de Março de 2007. (http://tribunal-relacao.vlex.pt/vid/-29237311)
    O recorrente manifestou no último parágrafo das alegações e no n.º 20 das conclusões: “Deverá ser revogado o despacho de fls. 500-503 dos autos, por ter o mesmo violado o disposto no artigo 341.º, e ser substituído por douta decisão desse venerando Tribunal que determine a admissão liminar do procedimento cautelar instaurado pelas ora Recorrentes, seguindo-se os ulteriores trâmites legais.” (para os devidos efeitos legais, o respectivo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
    Não obstante, a A. não sabe por que razão é que o recorrente acusou a decisão do Mm.º Juiz a quo de ter violado o disposto no artigo 341.º?
    Quais factos e disposições legais de que estava a falar?
    
    Com base nisto, solicita se negue provimento ao recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Sobre os factos pronunciou-se meticulosamente a Mma Juíza, fazendo exarar o seguinte:
     “1. A morada 香港XXX (XXX Hong Kong), corresponde a um apartamento inscrito em nome da co-Ré B;
    2. O Réu A tem o apartamento correspondente à morada XXX Hong Kong, inscrito em seu nome.
    3. O Réu A indicou como sua residência, junto da Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, em 01.02.2011, a seguinte morada: 香港XXX
    4. Nos presentes autos foi expedida carta registada com aviso de recepção para efectivação pessoal do Réu A para a morada indicada em 3.
    5. O respectivo aviso de recepção foi assinado por C, motorista da co-ré B.
    6. C é possuidor das chaves da caixa de correio correspondente à morada indicada em 3.
    7. C, munido de uma cópia do bilhete de identidade do Réu A, levantou a carta aludida em 4. no dia 05 de Dezembro de 2012, no Posto de Correios de Hong Kong, assinando o respectivo postal de aviso de recepção.
    8. Em seguida, C, de acordo com instruções que lhe foram dadas por B, e como sempre fez relativamente à correspondência que é dirigida aos RR, dirigiu-se às instalações da Companhia Comercial onde os RR se deslocam para receber as suas cartas, e aí a depositou.
    9. Os RR dirigiam-se frequentemente às instalações da dita companhia para receber as cartas que C levantava em seu nome.
*
    Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelo requerente, nomeadamente, que:
    1. O Réu A tenha tomado conhecimento da sua citação, em 10.03.2012, através da notificação à co-Ré da informação de fls.289.
    2. O Réu A não tem residência em Hong Kong e reside em Shangai e Macau.
    3. A morada香港XXXnão corresponde à residência ou ao local de trabalho de A.
    4. A carta para citação de A não tenha sido entregue ao destinatário.
    5. C não estivesse ciente da sua obrigação de entregar prontamente tal carta ao destinatário.
    6. B ficou retida em Macau em 17.09.2011 até Março de 2012.
*
    Relativamente aos factos dados como provados em 1., a 5 assentam no teor dos documentos de fls. 311 a 320, 279, 280 e 287 dos autos.
    A prova dos restantes factos - supra discriminados em 6 a 9 - assenta no testemunho de C, cujas declarações ficaram registadas, por súmula, na acta que antecede. Do seu depoimento resulta, inequivocamente, que era a pessoa que estava encarregada de receber toda a correspondência dirigida em nome dos ora RR, endereçada para a morada supra identificada em 1. e 3., de tal forma que lhe foi disponibilizada uma fotocópia dos respectivos documentos de identificação, a fim de que o correio registado em nome daqueles RR, pudesse ser, por si, levantado no posto de correios respectivo. Mais resulta, sem qualquer margem para dúvidas, de que estava ciente de que essa correspondência deveria ser depositada nas instalações de uma companhia comercial à qual os RR têm ligações (sem que tenha sido apurado de que título), local onde os mesmos se deslocavam frequentemente para receber a respectiva correspondência.
    Ora, em face deste relato, naturalmente que ficou por demostrar que o Réu A só tenha tomado conhecimento da sua citação, em 10.03.2012, através da notificação à co-Ré da informação de fls.289, tendo ficado, inclusive, a nosso ver, demostrada a realidade contrária, ou sej a, de que a carta em questão foi endereçada para uma morada que o mesmo forneceu aos serviços de identificação de Macau, em data recente, como sendo a da sua residência, foi recebida pela pessoa que o próprio citando incumbiu para o efeito, fornecendo-lhe, pessoalmente ou através da irmã, ora co-ré, cópia do seu documento de identificação, e foi lha feita chegar, através do seu depósito no local acordado.
    Com efeito, nenhuma prova foi produzida no sentido de que o Réu A não tenha residência em Hong Kong, que a morada香港XXX não corresponda à da sua residência - uma vez que o facto de se tratar de um imóvel registado em nome de outrem (a sua irmã), não significa que o Réu não faça desse local também o da sua residência, sendo certo que o escolheu como tal junto de entidades ou serviços de Macau.
    Por outro lado, pelas funções que C exercia e pelas instruções que disse possuir da parte dos RR, não restam dúvidas que estava ciente da sua obrigação de entregar prontamente tal carta ao destinatário, dado que essa obrigação decorria das suas próprias funções e das instruções que lhe foram dadas.
    Por fim, não resultou provado que B tenha ficado retida em Macau, de 17.09.2011 até Março de 2012, dado que os documentos de fls. 321 a 339 não o atestam e nenhuma outra prova suficiente foi produzida nesse sentido. “
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se estamos perante uma citação regular.
    2. O rigor patenteado no despacho e respectiva base instrutória leva-nos a aderir ao que foi doutamente decidido, decisão proferida após as pertinentes e judiciosas diligências tendentes ao apuramento e salvaguarda dos interesses acautelados com tal acto, razão por que somos a dar aqui por reproduzida a fundamentação que ali ficou expressa:
    “Estatui o artigo 141.°, e) do Código de Processo Civil que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
    Segundo resulta dos artigos 151.°, n.º 1 do Código de Processo Civil, o prazo para arguição de tal nulidade conta-se a partir do dia em que, depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
    Da importância do acto de citação dá-nos conta o artigo 175.°, n.º 1, a) do Código de Processo Civil explicando que uma das suas funções é dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.
    No caso dos autos, tendo em vista a citação do ora requerente, foi-lhe endereçada uma carta registada com aviso de recepção, para uma morada obtida na sequência das informações solicitadas ao abrigo do artigo 190.° do Código de Processo Civil.
    Essa carta, que respeitou as exigências de forma e conteúdo expressas nos artigos 181.°, 182.°, n.º 1 e 193.°, n.º 2 todos do Código de Processo Civil, veio a ser recebida por terceira pessoa encarregue pelo próprio citando de a receber, junto do respectivo serviço postal.
    Apesar de as citações por via postal efectuadas a Réu residente no exterior de Macau terem um regime específico no que concerne à assinatura do aviso de recepção (a lei diz que o aviso é assinado pelo citado ou pelo funcionário do correio, consoante as determinações do regulamento local dos serviços postais), no vertente caso os serviços postais de Hong Kong consideraram admissível a entrega da carta à pessoa que se encontrava munida de um documento de identificação do citando (tal como o próprio declarou).
    Ora, perante esta constatação, cremos que, pese embora tenha sido efectuada em pessoa diversa do citando, estando aquela encarregue de lhe transmitir o conteúdo do acto, terá de considerar-se regular tal citação e, presumir-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, nos termos das regras gerais dos artigos 180.°, n.º 4 e 184.° ambos do Código de Processo Civil.2
    Veio, no entanto, o Réu dizer que o conteúdo daquela carta nunca chegou ao seu conhecimento, e que só em Março de 2012 soube que tinha sido citado para os termos desta acção,
    É indiscutível que a presunção estabelecida pela lei de que a carta para citação entregue a um terceiro chegou, oportunamente, ao conhecimento do destinatário, é ilidível, isto é pode ser afastada por prova em contrário, incumbindo, no entanto, tal prova ao interessado, que para além de ter de demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto, deve comprovar igualmente que tal aconteceu por facto que não lhe seja imputável.
    Para tanto terá de convencer o juiz de que a carta não lhe foi entregue, ou então, dela não teve efectivo e oportuno conhecimento, em ambas as situações, por circunstâncias ficadas a dever a facto que lhe não é imputável.
    Sem esse convencimento consistente, na própria dúvida ou incerteza acerca do facto, a lei faz operar a presunção; e, por conseguinte, considera a citação postal, efectuada em pessoa diversa, equiparada à citação pessoal, como feita e efectuada na própria pessoa do citando.
    A factualidade apurada neste incidente permite-nos, salvo melhor juízo, afirmar que a carta em questão foi, efectivamente, entregue ao citando - dado que foi depositada no local que o próprio citando indicou e escolheu para a recolher posteriormente - e se dela não teve efectivo e oportuno conhecimento facto que não ficou demonstrado - ainda assim, teríamos de concluir que tal aconteceu por responsabilidade exclusiva do ora requerente, que não se preocupou em recolhe-la, como habitualmente fazia com toda a sua correspondência.”
3. Estamos perante uma citação realizada em Hong Kong, de pessoa residente no Exterior, aplicando-se ao caso a Convenção de Haia de 1965, relativa às citações e notificações no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria cível ou comercial, da qual faz parte a República Popular da China, sendo igualmente aplicável às Regiões Especiais de Macau e de Hong Kong da RPC, não se observando para Hong Kong, qualquer reserva aquando da adesão ou feita posteriormente pela China, como o fez para si, em relação à al. a) do artigo 10º da Convenção (já não assim em relação à al. b) e c)),3 onde se prevê a “faculdade de remeter directamente, por via postal, actos judiciais às pessoas que se encontrem no estrangeiro.”
Não há, pois, obstáculo a tal forma de citação.
    
    4. Começa o recorrente por dizer que a Mma Juíza errou, na medida em que sabia e reconheceu que a carta não foi entregue ao citando, pelo que a citação é inexistente.
    É verdade que, não se garantindo o direito fundamental do exercício do contraditório numa acção, por o contestante não ter conhecimento de que contra ele corre uma acção, não tendo possibilidade de se defender, esse vício fulmina de morte todo o processado subsequente, face à revelia indesejada da parte citanda.
    Nos termos do artigo 175° do Código do Processo Civil:
    “A citação é o acto pelo qual: a) Se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; ou b) Se chama, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.”
    A citação pessoal pode ser feita por via postal ou por funcionário de justiça. Ambas servem os fins acautelados com a citação, qual seja a de criar as condições de conhecimento e de defesa numa dada acção.
    Nos termos do n.º 2, 3 e 4 do artigo 182° do Código de Processo Civil, “2. No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. 3. Antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes de qualquer documento oficial que permita a identificação.4. Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.»
    
    5. O recorrente parte, ele sim, erradamente da comprovação de que:
    - O distribuidor postal não advertiu expressamente o terceiro C do dever de pronta entrega ao citando;
    - o terceiro C, como a Mma Juíza bem aceitou, não entregou a carta ao citando;
    - o terceiro C, entregou a carta numas instalações de uma sociedade (não identificada de acordo com o teor da decisão);
    - e não entregou prontamente.
    -A não comunicação ao terceiro C do especial dever consagrado no artigo 182°, n.º 4 do Código de Processo Civil provocou que o mesmo tratasse da carta de citação como uma vulgar correspondência.
    Com todo o respeito, mas esta factualidade não passa de afirmações não comprovadas.
    
    6. Estamos perante um quadro fáctico relevante, sendo de salientar:
    - A morada para onde foi enviada a carta foi a fornecida pelo citando nos Serviços de Identificação de Macau;
    - A carta foi levantada por uma pessoa que o citando encarregou para o efeito e munido do BI do citando; estava encarregado de levantar toda a correspondência e de a entregar naquela morada;
    - Morada essa, a indicada, a que o citando tinha ligação, pelo menos, profissional e onde este se deslocava com regularidade;
    - Os procedimentos adoptados respeitaram a vontade do citando.
    7. O valor a preservar na citação do réu traduz-se no conhecimento da acção, da atitude a tomar em termos de defesa e inteiramento do prazo e demais condições em que o deve fazer. Ora, este valor, qua tale, é inatingível. Expliquemo-nos. As formalidades da citação visam aquele conhecimento, mas a lei não diz, nem pode dizer com rigor que o réu só está citado quando tome conhecimento do objecto de tal acto. O conhecimento é um facto do foro íntimo, um facto do foro intelectual, da representação racional de um dado objecto. É assim que mesmo que alguém diga que viu que o citando recebeu uma carta, daí não se retira aquele conhecimento; bem pode acontecer que o citando tenha perdido a carta ou que lhe a tenham furtado e aí cabe-lhe a prova do desconhecimento ou que este não se fica a dever a culpa sua. Pode até acontecer que o citando leia a carta e, não obstante essa leitura, fique desconhecendo o seu conteúdo, seja porque vinha uma carta em branco, seja porque a não percebeu, seja porque estava distraído.
    Esta diatribe para explicar que as regras da citação visam o cumprimento de diversas formalidades tendentes a propiciar um dado conhecimento. E este há-de retirar-se de um conjunto de regras da experiência comum, de presunções quase naturais, de uma prática procedimental que incumbe ao Tribunal exercer e comprovar. Mas, como se disse, isso não basta. O destinatário não está eximido de comprovar que algo de anormal contrariou aqueles procedimentos conducentes a um dado resultado: o conhecimento.
     Posto isto, estamos em condições de julgar, tal como julgou a Mma Juíza que o Tribunal fez o que devia ter sido feito, respeitando-se a vontade do destinatário.
    Mas este também tem deveres, desde logo a ligação jurídica à morada por si indicada. Ora, se não teve conhecimento porque a carta se extraviou, porque alguém a subtraiu, porque algo de anormal aconteceu, a si cabia a prova dessa factualidade.
    Mal andariam as coisas se o citando se limitasse a invocar o mero desconhecimento.
    
    8. É certo que o recorrente fala ainda da omissão de formalidades que reputa de essenciais.
    Não estamos certos de que que a omissão de tais formalidades tenham a relevância que se pretende, se desmentidas pela factualidade comprovada. Referimo-nos à identificação do terceiro que levanta a carta e à obrigação de o distribuidor do correio lhe dizer que a deve entregar prontamente. Essas formalidades só são essenciais quando se revele que o são em vista dos fins para que foram estabelecidas. De outro modo degradam-se em meras irregularidades anódinas, como é o caso, não se mostrando já essencial a identificação do terceiro a partir do momento em que ele está identificado - então não é verdade que não há qualquer dúvida que foi o referido motorista que levantou a carta?-, não se mostrando já essencial a indicação da entrega pronta - então não é verdade que o citando disse àquela pessoa que devia levantar o seu correio e entregá-la na referida morada, de acordo, portanto, com as suas instruções?- sob pena de esvaziar de sentido a razão de ser da própria norma.
    9. Mas em bom rigor nem sequer se prova que tal não tenha acontecido. Sempre competiria ao recorrente comprovar que essas formalidades não se observaram ou que os fins para que foram estabelecidos não foram garantidos.
    Na linha do que se vem dizendo encontramos o mesmo entendimento acolhido na Jurisprudência Comparada:
    “I -Na citação por via postal, sendo a carta entregue a um terceiro, cabe ao distribuidor identificar esse terceiro e adverti-lo de que deve proceder à sua entrega pronta ao destinatário. II- A carta tem de se enviada para a residência do citando. III- O não cumprimento do disposto em I e II, pode implicar nulidade. IV- Cabe ao citando alegar e provar as irregularidades.” 4
    “O art. 238º do CPC consagra uma presunção tantum iuris - tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção seja assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário - no sentido de que a carta para notificação é entregue pelo receptor ao destinatário.
Não tendo a embargante-agravante ilidido tal presunção na base de que a carta de notificação não lhe ter sido entregue pelo receptor da mesma, a citação terá de se considerar como concretizada, de nada valendo a alegação de ter ela, entretanto, mudado de casa e se ter divorciado daquele que foi o receptor.”5
    
    10. Argumenta ainda o recorrente que, ainda que assim não se entendesse, o Tribunal está impossibilitado de ficcionar uma data que é manifestamente incompatível com o facto que deu como provado (que a carta de citação não foi entregue efectivamente ao Réu), pelo que, no mínimo, o conhecimento da existência da acção só operou, pelo menos, em 10 de Março de 2012.
    E cita Jurisprudência Comparada no sentido de que se houve conhecimento tardio do acto por demora do terceiro encarregado de entregar a carta, há nulidade da citação visto que não foi observada por esse terceiro a formalidade prescrita na lei de entrega oportuna da carta de citação ao destinatário (artigos 198.°/1, 236.°/2 e 4 e 238.°/1 do C.P.C).
    Ainda aqui falece razão ao recorrente, na medida em que parte de um pressuposto factual que não vem provado, ou seja, o pressuposto de que o terceiro demorou a entregar a carta.
    Trata-se de matéria que não vem comprovada, cabendo-lhe tal ónus. Não o comprovando não há mais do que aplicar o que dispõe o artigo 184º do CPC: “A citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção tenha sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo prova em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
    E perante tudo o que foi acima dito tal prova não deixará de incumbir ao destinatário interessado.
    
    11. Um último apontamento pedagógico.
    A alegação no último parágrafo do corpo das alegações e levado à conclusão 20ª aponta a violação do artigo 341º como verificada na prolação do despacho recorrido, o que leva a contraparte a interrogar-se - de que factos e disposições legais está a falar? - e é um bom exemplo de uma má alegação - infelizmente tão comum -, com todo o respeito pelo subscritor da peça a quem, pelo respeito que já granjeou entre nós, só por lapso, certamente se fica a dever.
    Invoca-se na alegação de recurso a violação de uma norma apenas para satisfazer o requisito que impõe essa indicação, mas completamente desfasada e não concretizada na forma e na substância.
    No caso somos também a perguntar: a que se refere o recorrente?
    Imaginando, contudo, que se está a referir ao art. 341º do Código Civil, imaginando que se está a referir que foi aplicado um regime de citação no Exterior sem se indagar da sua aplicabilidade, verificamos que esse pressuposto não deixou de estar subjacente no douto despacho recorrido e não deixámos de emitir pronúncia sobre a matéria, no início desta fundamentação, ao situar a possibilidade da citação por via postal em Hong Kong face ao direito convencional aplicável ao caso.
    Tudo visto e ponderado somos a julgar o recurso no sentido da sua improcedência.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
                Macau, 7 de Março de 2013,
                João A. G. Gil de Oliveira
                Ho Wai Neng
                José Cândido de Pinho
1 - Cfr. site da HccH – Conferência de Haia DIP – Convenção de 1965, países aderentes e reservas
2 Na jurisprudência portuguesa, entre outros acórdãos sobre a mesma questão, vide o Acórdão do TRP de 11.12.95, JTRP00016670, com o seguite sumário: - A citação do réu em país estrangeiro através do correio tem de fazer-se segundo o regulamento que aí disciplina a entrega ao destinatário. II- Alegando o réu que o aviso de recepção fosse assinado por outra pessoa, mas não demonstrando que os serviços postais desse país imponham, expressamente a sua entrega apenas ao destinatário, terá de considerar-se válida a citação.
3 - Cfr. site da HccH – Conferência de Haia DIP – Convenção de 1965, países aderentes e reservas
4 - Ac. do STJ, de 1/11/2000, Proc. n.º 99A1047
5 - Ac. do STJ, de 5/8/07, Proc. n.º 07A997
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

808/2012 1/27