打印全文
Processo n.º 863/2012 Data do acórdão: 2013-3-14
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – nova condenação pelo crime objecto de condenação anterior
– violação do princípio de ne bis in idem
– ofensa ao caso julgado
– art.o 580.o, n.o 1, do Código de Processo Civil

S U M Á R I O
Como a arguida recorrente, condenada num processo anterior, por decisão já transitada em julgado, por um dado crime, voltou a ser condenada na decisão ora recorrida pelo mesmo tipo legal de crime e pelos mesmos factos outrora julgados como provados naquele processo, há que aplicar, ainda que analogicamente, a regra processual do art.o 580.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, no sentido de dar cumprimento tão-só à anterior decisão condenatória, ficando, pois, invalidada a nova decisão condenatória, por ser violadora do princípio de ne bis in idem, e ofensiva ao caso julgado ali já formado.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 863/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente/arguida: Yang Xiaomei (楊小玫).




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 166 a 175v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-12-0070-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), a arguida Yang Xiaomei, aí já melhor identificada e julgada presencialmente, foi condenada como autora material de um crime consumado de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de sete meses de prisão efectiva.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir (na sua motivação apresentada a fls. 201 a 206 dos presentes autos correspondentes) que fosse absolvida do dito crime, para isso assacando à decisão recorrida a violação do princípio de ne bis in idem, porquanto os factos pelos quais ficou condenada nesta vez já foram julgados num processo penal anterior com o n.o CR3-09-0441-PCS, no seio do qual ela já tinha sido condenada pela autoria material de um mesmo crime consumado (concretamente pelos mesmos factos relativos ao seu acto de prestação, feita em 12 de Julho de 2007, na Polícia Judiciária de Macau, de falsas declarações quanto à sua identidade).
Ao recurso respondeu o Digno Representante do Ministério Público (a fls. 215 a 218), no sentido de procedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fl. 236 a 236v), pugnando também pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência feita nesta Segunda Instância, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1) Por acórdão proferido em 21 de Setembro de 2012 no Processo Comum Colectivo n.o CR2-12-0070-PCC do 2.o Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, a arguida ora recorrente ficou absolvida da acusada prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.os 198.o, n.o 2, alínea a), e 196.o, alínea b), do vigente Código Penal (CP), e condenada, pela autoria material, de um crime consumado de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de sete meses de prisão efectiva, por ter ela, comprovadamente, ter declarado, de modo livre, voluntário e conscientemente, quando estava investigada em 12 de Julho de 2007 pela Polícia Judiciária de Macau, dados falsos sobre a sua identidade;
2) Entrementes, por sentença proferida em 29 de Outubro de 2010, no seio do Processo Comum Singular n.o CR3-09-0441-PCS do 3.o Juízo Criminal do TJB (em que a ora recorrente foi julgada na sua ausência pela própria consentida), e já transitada em julgado em 8 de Novembro de 2010, foram já julgados aqueles mesmos factos atinentes ao acto de ela ter declarado, em 12 de Julho de 2007, à Polícia Judiciária, dados falsos sobre a sua identidade, o que fez com que ela tenha sido aí condenada pela autoria material de um crime consumado de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses (cfr. o teor da certidão da sentença a que aludem as fls. 219 a 223 dos presentes autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Está em causa um recurso cujo objecto é composto somente pela questão de alegada violação do princípio de ne bis in idem pela decisão condenatória penal do TJB proferida em 21 de Setembro de 2012.
Ante os elementos acima coligidos dos autos, procede indubitavelmente o recurso, por no acórdão ora recorrido, a arguida ter ficado efectivamente condenada, pela segunda vez, pelos mesmíssimos factos relativos à prestação de falsas declarações sobre a sua identidade, ocorridos no dia 12 de Julho de 2007 na Polícia Judiciária de Macau.
Desta feita, e aplicando, ainda que analogicamente, a regra processual do art.o 580.o, n.o 1, do vigente Código de Processo Civil (CPC), há que dar observância apenas à anterior decisão condenatória já transitada em julgado no âmbito do Processo Comum Singular n.o CR3-09-0441-PCS do 3.o Juízo Criminal do TJB, ficando, pois, invalidada a decisão condenatória ora recorrida, por ofensa ao caso julgado ali já formado (cfr. o conceito, os requisitos legais e o alcance da figura do caso julgado, materialmente plasmados nos art.os 416.o, n.os 1 e 2, 417.o, n.os 1, 2, 3 e 4 (parte inicial), 574.o, n.o 1, e 576.o, n.o 1, todos do CPC).
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso da arguida Yang Xiaomei, invalidando, por conseguinte, a decisão feita no recorrido acórdão de 21 de Setembro de 2012 que a condenou como autora material de um crime consumado de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de sete meses de prisão efectiva, por factos ocorridos no dia 12 de Julho de 2007 na Polícia Judiciária de Macau, mantendo, porém, a decisão absolutória constante do mesmo acórdão quanto ao crime de furto qualificado.
Sem custas no presente recurso.
Fixando em mil e trezentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso da arguida, a cargo do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao Processo Comum Singular n.o CR3-09-0441-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 14 de Março de 2013.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 863/2012 Pág. 1/6