Processo nº 113/2013 Data: 21.03.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de detenção de “arma proibida”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo”.
2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
O relator,
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Processo nº 113/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar os (1°, 2° e 3°) arguidos A, B e C, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de “detenção de armas proibidas”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do Código Penal (com remissão para o art. 1°, n.° 1, al. d) e art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M), na pena individual de 2 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 478 a 483 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, veio o (3°) arguido C recorrer, para, em sede de conclusões, e, em síntese, imputar à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 575 a 578).
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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 580 a 583-v).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer considerando que a decisão recorrida devia ser integralmente confirmada; (cfr., fls. 596 a 597-v).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. O T.J.B. deu como provada a seguinte matéria de facto:
“No dia 27 de Setembro de 2008, o arguido A tomou de arrendamento o Apartamento XX do XX° andar do Edifício XX, sito na Rua XX, composto por dois quartos e uma sala de estar.
Depois, o arguido A dividiu um dos quartos em dois compartimentos, com tábuas de madeira, deixando ficar um acesso entre os dois compartimentos. O arguido A montou duas portas ocultas neste acesso, através das quais podia-se entrar nos dois compartimentos, e que só podiam ser abertas dentro do acesso.
O arguido A instalou a divisória com o objectivo de, em associação com os conterrâneos B, C e D (arquivado), cabendo a esta última procurar clientes nas ruas de Macau e depois levá-los ao compartimento de madeira acima referido para praticar acto sexual remunerado, e, seguidamente, os arguidos A, B e C aproveitariam da ocasião para subtrair os bens dos clientes dentro daquele acesso entre os dois compartimentos.
No dia 11 de Outubro de 2008, o arguido C veio a Macau e instalou-se no Apartamento XX do XX° andar do Edifício XX, sito na Rua XX, casa arrendada pelo arguido A.
No dia 16 de Outubro de 2008, o arguido B e D vieram a Macau e instalaram-se no Apartamento XX do XX° andar do Edifício XX, sito na Rua XX, casa arrendada pelo arguido A, Pelas 18HOS da mesma data, guardas da PSP deslocaram-se ao Apartamento XX para investigação, tendo interceptado o arguido A, que pretendia resubtrair- se do local.
De seguida, os guardas encontraram D e E num compartimento de madeira do Apartamento XX, que estavam prestes a manter relação sexual.
Ao mesmo tempo, os guardas encontraram os arguidos B e C que se esconderam dentro do acesso entre os dois compartimentos.
Dentro do acesso onde estavam os arguidos B e C , os guardas encontraram uma pistola eléctrica, dez notas e cem renminbis (todas de n.° HD90269882) e três paus de madeira.
Após exame laboratorial e inspecção, apurou-se que a pistola eléctrica encontrava-se em bom estado de funcionamento, capaz de transmitir electricidade, podendo esta arma causar ferimentos e morte de terceiros; as dez notas de cem renminbis tratavam-se de notas falsas; os três paus de madeira mediam 85,7 cm de comprimento, 4,2 cm de largura e 2,3 cm de altura.
A pistola eléctrica e as falsas notas de renminbis pertenciam aos arguidos A, B e C, cujo objectivo era utilizá-los para agredir, ameaçar ou enganar os clientes aquando ocorressem conflitos com os mesmos.
Os arguidos A, B e C bem sabiam que as notas de renminbis eram falsas.
Os arguidos A, B e C bem sabiam que a detenção da pistola eléctrica, das falsas notas de renminbis não era permitida por qualquer lei.
Os arguidos A, B e C agiram livre, voluntária, consciente e dolosamente quando tiveram as referidas condutas.
Os arguidos A, B e C bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido C encontrava-se em situação clandestina em Macau, aquando da prática das condutas acima mencionadas)”; (cfr., fls. 480 a 481).
Do direito
3. Vem o (3°) arguido C recorrer da decisão que o condenou como co-autor de 1 crime de “detenção de arma proibida” p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Assaca à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “erro notório na apreciação da prova”.
Todavia, nenhuma razão lhe assiste, sendo o recurso de rejeitar dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Vejamos.
–– Quanto à “insuficiência”.
Pois bem, sobre o sentido e alcance deste vício tem este T.S.I. afirmado que o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 25.09.2012, Proc. 706/2012).
No caso, de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre “toda a matéria objecto do processo” – onde não havia contestação – patente sendo que nenhuma “insuficiência” existe.
–– Quanto ao “erro notório”.
Ora, em relação a este vício da decisão da matéria de facto, repetidamente, tem este T.S.I. afirmado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.12.2012, Proc. n.° 926/2012 do ora relator).
E, também aqui não se vislumbra onde, como ou em que termos, tenha o Tribunal a quo desrespeitado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.
É verdade que, em audiência, o 1° arguido negou os factos, e que os 2° e 3° arguidos, responderam à revelia.
Porém, daqui não resulta nenhum “erro”, muito menos, “notório”.
É que, como bem se assinala na decisão recorrida, a convicção do Tribunal a quo foi (também) formada com base no depoimento de testemunhas e documentos juntos aos autos; (cfr., fls. 481-v).
Assim, e constatando-se que o que pretende o recorrente é (apenas) sindicar a livre apreciação de prova pelo Colectivo do T.J.B. efectuada, mais não é preciso dizer.
Outra questão não havendo a apreciar, e constatando-se que é o recurso manifestamente improcedente, impõe-se a sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900.00.
Macau, aos 21 de Março de 2013
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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