Proc. nº 842/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Abril de 2013
Descritores:
-Marcas
-Concorrência desleal
-Imitação do logótipo
SUMÁRIO:
I - Uma marca não precisa de estar registada para ser notória. O que confere notoriedade a uma marca é o seu vasto conhecimento geral no círculo de produtores, comerciantes, dos prestadores dos serviços ou a sua alargada penetração no meio dos consumidores ou utilizadores dos respectivos serviços ou bens. Isto significa que o eixo da marca notória é o seu conhecimento pelos destinatários, não o seu registo - que nem precisa de estar feito - num determinado universo mais ou menos alargado.
II - Para haver imitação, a marca deve ter semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra registada que induza em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame ou confronto. Isto é assim, face àquilo que a marca representa no mercado: a função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador de serviço e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ou seja, o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma vistos isoladamente ou em separado.
III - Entre as marcas registadas “REJOICE” e , nenhuma proximidade existe, nem gráfica, nem nominativa, nem de outra qualquer espécie, a não ser, nos produtos a que se referem, destinados que são aos cuidados dos cabelos.
IV - Sempre que uma marca (posterior) utilize elementos de fantasia que façam parte do «aspecto exterior do pacote ou invólucro de marca alheia» (anterior), «com as respectivas cores e disposição dos dizeres», considera-se que está a reproduzir ou imitar parcialmente aquela outra marca. E estando a reproduzi-la ou imitá-la parcialmente, há fundamento para a recusa do registo (cfr. art. 214º, nº1, al. b), do RJPI).
Proc. nº 842/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
“A”, com sede nos Estados Unidos da América, XXXXXX, recorreu para o Tribunal Judicial de Base do despacho de 19/09/2011, da autoria Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia (DSE) da RAEM que deferiu o pedido de registo da marca N/55267 requerida por B.
*
Oportunamente, foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
*
Dessa sentença recorre ““A” (doravante apenas “XXX”), em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Salvo o devido respeito, entende a recorrente que o Tribunal a quo violou a respectiva norma jurídica. Segundo as disposições da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, que vigora em Macau, a protecção da marca notória não pressupõe o registo prévio da marca, mas sim a existência de reprodução ou imitação da marca que pode gerar confusão.
2. A marca notória goza de protecção maior do que a marca normal, independentemente de ter registo. Adopta-se o princípio de prioridade quando uma marca seja classificada como notória.
3. Além disso, a recorrente já pediu, em 28 de Novembro de 2011, o registo do em Macau.
4. O art.º 214º, nº 1, al. b) e nº 4 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial dispõe: “1. O registo de marca é recusado quando: b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória; 4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.”
5. Quando os referidos foram provados, a marca do recorrido constitui reprodução e imitação da marca da recorrente .
6. A marca do requerente e a da recorrente são muito semelhantes ou até são iguais. As partes integrantes das duas são completamente idênticas, salvo a denominação usada pelo requerente que é “Rinpiao”, na qual as letras “R” e “p” são quase iguais às “R” e “j” de “Rejoice” da recorrente.
7. Os caracteres chineses na marca do requerente são “新飄”, enquanto os na marca da recorrente são “飄柔”. Para o consumidor médio, a marca do requerente pode ser entendida como nova geração da “飄柔” e os produtos representados podem ser entendidos como “os produtos actualizados” da marca da recorrente.
8. Ainda por cima, a cor dos caracteres chineses na marca do requerente é azul, o que é igual à marca da recorrente. E a figura-fundo das duas marcas é também um círculo. Numa palavra, o público ou os consumidores médios confundem facilmente as duas marcas e entendem que há uma conexão entre a recorrente e o requerente.
9. Pelo exposto, podemos concluir que a marca do recorrido é reprodução ou imitação da marca da recorrente .
10. Prevê o artigo 215º do mesmo Regime que: “1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.”
11. Último, as figuras das duas marcas são semelhantes ou quase iguais. A marca da recorrente é uma marca com longa história, a qual, através de grande volume de propaganda e de publicidade na televisão, é notoriamente conhecida. Os seus produtos são vendidos nos Itinp1ulI mercados e farmácias. Ao contrário, a marca do recorrido é uma marca de produtos para cuidado de cabelo completamente nova. O recorrido (requerente do pedido da marca) é pessoa singular, ele não fez propaganda e publicidade na televisão dos seus produtos, não sendo estes conhecidos pelos utentes. Por isso, o recorrido optou por uma foram rápida - aproveitar, inadequadamente, o facto de o consumidor médio ter capacidade de identificação relativamente mais baixa perante produtos de uso diário, para desenhar e registar uma figura semelhante com uma das marcas da recorrente , com a finalidade de induzir o consumidor em erro ou confusão ou a estabelecer uma ligação entre a marca e a .
12. A decisão recorrida violou o art.º 9º, nº 1, cl. c) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial - “São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial: ……c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
13. Pelos fundamentos factuais e jurídicos acima expostos, deve ser ftít1Piao indeferido o pedido de registo da marca N/55267 do recorrido.
Nos termos expostos, a recorrente requer a vªs Exªs que
1) Dêem provimento ao presente recurso e
2) Revoguem o despacho proferido, em 19 de Agosto de 2011, pelo Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia que deferiu o pedido de registo de marca nº N/55267.
*
Respondeu ao recurso o Ex.mo Director dos Serviços de Economia nos seguintes termos conclusivos:
“1. Mesmo a marca notória da recorrente não inclua a “figura parecida com um círculo”, é, em princípio, protegida pelo Regime Jurídico da Propriedade Industrial, independente de ser registada em Macau. Mas a protecção limita-se às palavras da marca “REJOICE” e “飄柔”, não cobrindo a figura na embalagem dos seus produtos que é parte do designo por isso, não se pode interpretar simplesmente o art.º 6º-bis da Convenção de Paris como a norma que estabelece que a figura que não foi registada mas faz parte do design da embalagem dos produtos goza também de protecção e a figura é considerada parte integrante da marca. A mesma norma não prevê a inclusão das partes não integrantes da marca no processo de apreciação do pedido de registo da marca, nem diz que a figura da marca, que não está registada, goza do direito de prioridade ao registo pela notoriedade da marca. Assim sendo, a recorrente interpretou ou aplicou erradamente o art.º 6º-bis da Convenção de Paris.
2. As duas marcas são diferentes, quer na denominação chinesa e inglesa, quer no significado, portanto, a marca do recorrido não constitui reprodução ou imitação da marca da recorrente, não preenchendo esta situação os requisitos para reprodução e imitação previstos no art.º 215º, nº 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, deste modo, não violando o art.º 214º, nº 2, al. b) do mesmo Regime, que prevê as exigências para a recusa de registo de marca.
3. U ma vez que a marca da recorrente não é igualou semelhante com a do recorrido, a co-existência das duas marcas no mercado não gera para o consumidor confusão ou erro, nem leva com que este estabeleça ligação entre as duas marcas, assim não existe a situação de o consumidor fazer decisão errada nas compras. Pelo exposto, não há acto que constitui concorrência desleal, por isso, não são preenchidos os pressupostos para a recusa do regista da marca, previstos no art.º 9º, nº 1, al. c) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Nos termos e fundamentos expostos, requer-se a V.Exªs que julguem improcedente o recurso interposto e mantenham a sentença a quo, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
*
Respondeu também ao recurso B, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Inconformada com a douta sentença que julgou improcedente o recurso anteriormente interposto, a Recorrente apresentou o recurso vertente, solicitando o cancelamento do registo da marca , com nº N/55267, alegando, basicamente, que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art. 6º-bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.
2. Salvo o devido respeito, o presente recurso terá de improceder e manter-se a decisão recorrida que concluiu que o registo da marca, efectivamente, não reproduz nem imita as marcas da Recorrente, REJOICE e “飄柔” (marcas registadas na DSE sob os nºs P/12796 e N/19479, respectivamente), por não se verificarem os fundamentos de recusa do registo, de acordo com o disposto no art. 214º n.º 1 alínea b) do RJPI. o que constituí aliás, o âmbito objectivo do presente recurso, nos termos do art. 589º do CPC.
3. Ou seja, a questão sub judice que delimita os poderes cognitivos do Tribunal ad quem, é a de saber se a marca registada na DSE sob o n.º N/55267, constitui ou não uma imitação ou reprodução da marca REJOICE e 飄柔 e , sendo usada para a mesma gama de produtos, poderá ser facilmente confundida com aquelas marcas, registadas sob o nº P/12796 e N/19479 na DSE.
4. O conceito de imitação/reprodução de marca está definido no art. 215º do RJPI através do preenchimento de 3 requisitos cumulativos:
a) Prioridade da marca registada;
b) Ambas as marcas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins e
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética que facilmente induzam o consumidor em erro ou confusão.
5. Sucede que, não obstante considerar que a marca REJOICE é uma marca conhecida do grande público, associada a produtos capilares e outros produtos de higiene, tal como a marca , o Tribunal a quo, não deixou de concluir que esta marca não imita nem reproduz as marcas registadas pela A. Veja-se porquê:
6. Para efeitos de apreciação judicial do pedido de recusa do registo da marca, nos termos do art. 214º do RJPI, com fundamento em reprodução ou imitação de marca registada (art. 215º do RJPI), as marcas em confronto são: REJOICE e 飄柔 e .
7. É que em Macau apenas se encontram registadas as marcas singelas, compostas pela palavra REJOICE e 飄柔, sem qualquer outro elemento gráfico ou cor associada. Enquanto a marca do Recorrido é uma marca mista, composta por um conjunto de sinais, incluindo uma palavra, um nome em chinês 新飄, um desenho com as cores verde e azul associadas ao mesmo: .
8. Ora, como se destacou na sentença recorrida, “devemos ter em conta o conteúdo da marca lá registada pela Recorrente que não pode abranger elementos gráficos ou outros que não foram previamente registados”.
9. Além disso, a própria Recorrente sempre se referiu à marca registada REJOICE e 飄柔 e não ao grafismo nem à cor ou design dos produtos associados àquela marca, elementos, aliás, que não se encontram registados, portanto não gozam do direito de prioridade estabelecido nos arts 15º e 16º do RJPI para efeitos da alínea a) do art. 214º do RJPI.
10. Para determinar se sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem são adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” (art. 197º do RJP), há que apreciar as marcas em confronto no seu conjunto, tendo em conta a aparência, o conceito e a pronúncia, por forma a distinguir esses produtos e serviços dos de outras empresas.
11. Com efeito, verifica-se que a marca REJOICE, constituída apenas por uma palavra em inglês, se pronuncia de modo totalmente diverso (RE-JOI-CE) da palavra que compõe a marca mista (RIN-PI-AO), escrita na horizontal, em fundo branco e com um círculo verde à volta. Já quanto à marca da Recorrente registada em chinês “飄柔”, também se apresenta de forma totalmente distinta dos caracteres “新飄” que compõem a marca , escritos na vertical, em baixo e à direita, além de se pronunciarem e terem significados diferentes.
12. Dito isto, não obstante exista prioridade das marcas anteriormente registadas pela Recorrente sob os nºs P/12796 e N/19479 e que ambas as marcas respeitem à mesma gama de produtos (3ª categoria de produtos), não se verifica in casu qualquer risco de confusão ou de associação entre a marca e as marcas anteriormente registadas pela Recorrente e, consequentemente, não há fundamento legal para recusar o registo da marca do Recorrido, os termos dos requisitos do art. 214º do RJPI.
13. Mas a Recorrente vai mais longe: sustenta que uma marca notoriamente conhecida goza de protecção, independentemente do registo, por força do princípio de protecção internacional de marca previsto no art. 6º- bis da Convenção de Paris.
14. No entanto, o estipulado nesse artigo em nada colide com o decidido na douta sentença posta em crise.
15. Efectivamente, no citado inciso da Convenção a questão da protecção da marca notórias e de prestígio é tratada determinando-se que os países signatários desenvolvam mecanismos para impedir que, marca posterior, idêntica ou semelhante, a marca notória anterior, seja registada para bens idênticos ou afins àqueles para que esta é aplicada, se de tal aplicação puder correr risco de confusão para o consumidor.
16. Em Portugal, nos termos dos arts 241º nº2, 266º nº 2 e 323º al d) do Código da Propriedade Industrial (“CPI”), a protecção da marca notoriamente conhecida está sujeita ao pedido de registo prévio em Portugal.
17. Quer dizer que, para gozar de protecção legal, o interessado deve requerer o registo, como marca, do sinal cuja utilização ou titularidade invoca. Assim, para obter a anulação do registo das marcas com fundamento nos artigos citados, deve também o interessado requerer o registo da marca que dá origem ao pedido de anulação para os produtos ou serviços que lhe deram notoriedade ou prestigio, em obediência ao nº 2 do art. 266º do CPI.
18. Macau acolheu igualmente a solução do CPI português, em que a protecção da marca notória está limitada também pelo princípio da especialidade, pelo que se a marca notoriamente conhecida pertencer a um titular nacional e não se encontrar registada, o registo dessa marca obedecerá a todos os requisitos de validade exigíveis para qualquer outra marca.
19. Com efeito, o art. 214º do RJPI, reflectindo o princípio consagrado naquele art. 6º bis da Convenção, protege igualmente as marcas notoriamente conhecidas, mas, de acordo com os nºs 4 e 5 do art. 214º do RJPI, sujeita essa protecção ao pedido de registo prévio em Macau.
20. Este pedido de registo prévio têm como finalidade conduzir o titular da marca notória a registar a sua marca, promovendo, com este ónus de intervenção procedimental e processual, a regularidade na ordem jurídica interna, conferindo harmonização e uniformização à protecção legal das marcas actuantes no território.
21. Tal como a maioria dos países signatários da Convenção, Macau consagra um sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade das marcas, segundo o qual, o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que se destina (art. 219º do RJPI).
22. E a tendência comum em todos os países é para o reforço do sistema de registo como modo de aquisição predominante do direito de marca e para o gradual apagamento do uso como fonte de direito, face à complexidade e grande desenvolvimento da vida económica e à salvaguarda dos interesses dos titulares das marcas que não se compadecem com sistemas de frágil segurança jurídica e de cada vez mais difícil prova como os sistemas de prioridade ou notoriedade do uso.
23. Além disso, é a própria Doutrina que enfatiza que o sistema do registo é também o que permite a melhor garantia da observância dos demais interesses envolvidos (interesse público, interesse dos consumidores e interesse dos concorrentes em geral), por lhe estar subjacente um aturado procedimento administrativo no qual autoridade pública e interessados, exercem uma fiscalização prévia e conformidade legal do pedido.
24. Caso contrário, o registo não teria qualquer utilidade, sempre que alguém pudesse invocar outros elementos que não foram registados.
25. Tal como acontece in casu, em que a Recorrente não tendo registado os elementos gráficos das marcas dos produtos cujas imagens invoca nas suas alegações, nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 214º do RJPI, não pode aspirar obter protecção especial enquanto marca notória, com se referiu supra.
26. Na verdade, se não foi requerido registo, para os produtos ou serviços que lhe deram prestígio, nomeadamente certos elementos gráficos, é porque o titular da marca se desinteressou da protecção, pelo que não há qualquer razão para que a lei a imponha contra terceiros.
27. Todavia, e sem conceder, deve salientar-se que a questão decidenda- o objecto do recurso- é se a marca constitui ou não imitação ou reprodução das marca(s) anteriormente registada(s) pela Recorrente- REJOICE e 飄柔- e não saber se os elementos gráficos que a interessada não levou a registo (porque não quis) gozam de protecção especial.
28. Por fim, uma vez que o Recorrido registou validamente e em total conformidade com os procedimentos legais, uma marca que não constitui, como vimos, qualquer imitação ou reprodução das marcas anteriormente registadas pela Recorrente, (o que afasta qualquer risco de confusão ou associação para o consumidor com produtos idênticos ou afins), rejeita-se veementemente qualquer situação de concorrência desleal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo V. Exas a decisão recorrida, assim fazendo a costumada Justiça!”.
*
Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade (que com iremos numerar para facilidade de citação:
1 - A recorrente é titular da marca REJOICE que está registada sob o nº P/12796 e da marca 飄柔, registada sob o nº N/19479, fornecendo produtos na classe 3a, concretamente, sabonetes, sabões e champôs.
2 - B (XXX) apresentou à DSE, em 21 de Março de 2011, o pedido de registo de marca nº N/55267 para produtos na classe 3a, em que se incluem loções para o banho e champôs.
3 - A marca recorrida tem a seguinte configuração:
4 - O referido pedido já foi publicado no Boletim Oficial da RAEM nº 16, II Série, de 20 de Abril de 2011.
5 - Não foi recebida nenhuma reclamação de qualquer indivíduo, empresa ou associação relacionada a esse pedido de registo de marca durante o prazo para a apresentação de reclamação.
6 - O Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual, Substituto, proferiu despacho em 19 de Agosto de 2011, deferindo o pedido de registo de marca nº N/55267.
7 - O despacho de deferimento do registo já foi publicado no Boletim Oficial da RAEM nº 38, II Série, de 21 de Setembro de 2011.
8 - A recorrente A, designada abreviadamente por XXX, foi fundada em 1837 nos Estados Unidos da América, dispõe de 127.000 empregados em mais de 80 países e regiões em todo o mundo. Os produtos da recorrente são assinalados por mais de 300 marcas e que são muito vendidos em mais de 160 países e regiões. Os seus produtos incluem os produtos para cuidados com o cabelo, para cuidados domésticos, para cuidados com a saúde familiar, para cuidados com a saúde, alimentações e bebidas.
9 - Verificam-se facilmente os produtos da recorrente em reclamos de televisão, revistas, mercados e farmácias em todos os lados do mundo.
10 - Uma das marcas da recorrente é “REJOICE”, que fornece constantemente produtos para cuidado de cabelo para todos os tipos de cabelo.
Acrescentaremos ainda os seguintes factos que resultam dos autos, tanto por confissão, como por documentos:
11- A marca Rejoice por vezes, mas não sempre, apresenta-se nos rótulos das suas embalagens dos produtos para o cabelo com os elementos nominativos e figurativos que consistem em (cfr. fls. 20-22) e 56, 58, 60).
12- A recorrente pediu o registo da marca mista em 28 de Novembro de 2011 (doc. fls. 105).
***
III - O Direito
1 – Recordemos o caso
A recorrente “A”, que, segundo afirma, faz girar produtos seus pelo mundo com a marca “REJOICE” para os cuidados do cabelo e corpo, também a tem registada em Macau com o número P/12796 na classe 3ª, para a produção, concretamente, de sabonetes, sabões e champôs. E diz, por outro lado, também ter registada em Macau uma outra marca 飄柔, sob o nº N/19479, igualmente na classe 3ª e para os mesmos produtos.
E para completar a base da sua fundamentação fáctica, a recorrente afirma acompanhar os seus produtos com o conjunto misto . E, por assim ser, considera que entre as suas duas marcas acima referidas e a marca do recorrido particular, representada pelo conjunto , há semelhanças capazes de estabelecer confusão nos consumidores, a ponto de serem levados a pensar, no momento da aquisição, estarem a comprar, como seus, bens produzidos pelo recorrido particular.
Finalmente, sustenta que é notória e de renome mundial a sua marca, circunstância que deveria ter levado a entidade recorrida a recusar o registo requerido pelo recorrido face ao disposto no art. 214º, nº1, al. b), do RSPI.
A sentença não acolheu este argumentário e julgou improcedente o recurso.
*
2 – Da marca notória
Inconformada com a sentença do TJB, “A” vem a este TSI insistir na defesa da sua tese inicial.
Sem perder mais tempo, entremos rapidamente na análise do recurso.
É preciso começar por dizer que o logo não faz parte das marcas que a recorrente tem registadas na RAEM. E isto significa que, à partida, a recorrente não terá nenhum escudo registral que a proteja de um uso feito por outrem de um logo com pontos de contacto ou semelhança com este. Dizemos “à partida”, porque nos queremos precaver contra uma situação em particular. Referimo-nos aos casos, logo veremos se é o dos autos, em que se esteja perante uma marca notória. Efectivamente, damos boa nota do texto transcrito nas alegações do recurso jurisdicional, da autoria de XXX, professor da Universidade de Macau, na sua obra “Do Regime Internacional sobre a Protecção de Marca Notória para a Protecção de Marca Notória em Macau”, quando refere que “Adapta-se o princípio de utilização prévia, i.e., quando se qualifica uma marca como notória ou não, deve ter-se como fundamento a utilização daquela marca e não o seu registo”1.
A questão obriga a ver o que dispõe o art. 214º, nº1, al. b), do RJPI. Eis o seu texto:
Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a)……………… …………………………………………………………………………
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória; (…).
Bem, notória é a marca “…que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor”2.
Notórias, afirma alguma jurisprudência local, são as marcas que “…muito conhecidas pelo público interessado, constituem assim excepções aos princípios do registo e da territorialidade. No entanto, por serem apenas muito conhecidas pelo público interessado, e não público em geral, ficam sempre sujeitas ao princípio da especialidade, ou seja, só beneficiam da protecção determinada em função do produto e serviço especificamente comercializado”3.
Estamos de acordo. Por conseguinte, o que confere notoriedade a uma marca é o seu vasto conhecimento geral no círculo de produtores, comerciantes, dos prestadores dos serviços ou a sua alargada penetração no meio dos consumidores ou utilizadores dos respectivos serviços ou bens. Isto significa que o eixo da marca notória é o seu conhecimento pelos destinatários, não o seu registo - que nem precisa de estar feito4- num determinado universo mais ou menos alargado. O universo pode ser maior ou menor consoante o público a que se destine o bem, produto ou serviço. Se o produto for destinado a consumo geral, a marca deve ser conhecida do público em geral, indistintamente; se ele, pela sua especificidade, se destinar a um determinado público alvo mais restrito, a marca deve ser conhecida por grande parte desse destinatário5. Assim, não é pelo facto de uma marca não estar registada em Macau que deixa de poder ser notória. Pensar o contrário é, esvaziar, precisamente, de conteúdo a noção de marca notória, é retirar-lhe a sua própria essência. Assim se compreende a disposição do RJPI acima transcrita e o mesmo se diz da protecção que emerge igualmente do artigo 6º, bis, 1), da Convenção de Paris, com a redacção que lhe foi dada em Estocolmo (Dec. nº 22/75, de 22/1), que assim estabelece: «Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utiliza para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta».
Assentemos, portanto, nisto: o facto de a recorrente não ter a marca registada com o referido logo, não constitui obstáculo algum a que ela (sem o logo) possa ser considerada notória e merecedora de protecção, ao contrário do que possa pensar e dizer a digna entidade recorrida.
Mas nem mesmo por assim concluirmos, daremos razão à recorrente quanto a este singular aspecto. Na verdade, a marca “REJOICE” será conhecida em vários quadrantes do planeta, não o sendo muito menos aquela que vem configurada com os caracteres 飄柔, tal como até a sentença sob escrutínio afirmou e até como a entidade recorrida o reconheceu. Mas, o problema não é esse. Se fosse, a questão passaria a ter solução mais consensual, uma vez que o trabalho do tribunal se limitaria a fazer o estudo comparativo das marcas em rota de colisão. Com efeito, aquelas duas marcas da recorrente já se encontram registadas em Macau e, por isso, o papel do tribunal seria averiguar se a registada em favor do recorrido particular as ofende nalguns elementos identificadores e distintivos. A dificuldade, por outro lado, nem sequer está em saber se elas são notórias e, por isso, capazes de marcar um universo de uso exclusivo. O problema é outro: é saber se aquelas marcas são notórias apenas com a adição do logo que a recorrente lhes vem introduzindo nos rótulos das respectivas embalagens.
No nosso entender, não. O que faz delas notórias, neste caso, não é necessariamente o grafismo que lhes anda associado no “design” da embalagem – que até pode ser variável de país para país ou de época para época, ao contrário da marca que é inalterável e estável, até como modo de se impor no mercado alvo – mas sim a sua própria designação com que se apresenta ao consumidor. Quer dizer, é notória porque os seus dizeres nominativos se interiorizaram na mente do público como anunciando um produto para os cuidados do cabelo nos vários quadrantes do mundo. Pensa-se primeiro em “REJOICE”; só depois se pensará em “REJOICE ”, se a marca se apresentar assim aos olhos dos consumidores. Evidentemente a rotulagem é importante: as cores, o grafismo, a colocação à esquerda ou direito de um símbolo ou sinal, etc. Sendo apelativa, pode induzir a uma dinâmica que vai desde a simples mirada de relance (mas que pode ficar gravada na memória), à curiosidade mais funda que conduz a uma análise que passa pelo tacto, até à aquisição experimental, primeiro, e à fidelização ao produto, depois. Mas, a forma como se anuncia não é sinónimo necessário da marca. Pode haver coincidência nisso, mas uma coisa não depende, obrigatoriamente, da outra. E nós não podemos concluir, pelo menos aqui, que a marca “REJOICE” só se internacionalizou com notoriedade por causa do logótipo em apreço. Não há dados nesse sentido, pelo menos nos presentes autos.
Assentemos, então, na 1ª conclusão: “REJOICE” é marca notória.
*
3 – Da imitação de marcas
Vejamos, agora, que conflitos se podem gerar entre a marca agora registada e as marcas também registadas “REJOICE” e “飄柔”.
Como se sabe, para haver imitação, a marca deve ter semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra registada que induza em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame ou confronto6. Isto é assim, face àquilo que a marca representa no mercado: a função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador de serviço e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ou seja, o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma vistos isoladamente ou em separado. O valor da marca deve ser analisado, em suma, no seu tudo holístico, na reunião das suas partes, e não isoladamente e dissecada elemento a elemento, até porque nesse grupo pode haver partes que necessariamente não são apropriáveis pela marca registada relativamente a um registo posterior7.
Ora, sob este ponto de vista, não parece verificar-se aqui esse potencial de perigo. Isto é, entre “REJOICE” e “飄柔” (marcas da recorrente) e (marca do recorrido) nenhuma semelhança se pode encontrar de vulto, salvo no que concerne à natureza dos produtos. Uma é composta apenas por um vocábulo, outra tem natureza mista, com palavras romanizadas e chinesas e símbolos gráficos em cor.
No que se refere ao juízo comparativo entre “REJOICE” e , concordarão connosco os mais desprendidos e isentos olhos que nenhuma proximidade existe, nem gráfica, nem nominativa, nem de outra qualquer espécie, a não ser, mais uma vez, nos produtos a que se referem. Portanto, neste plano estrito, não podia ser recusado o registo da segunda, porque esta nenhum lugar estava a ocupar que pertencesse à primeira.
Quanto à relação entre “飄柔” (marca da recorrente) e os únicos pontos de contacto são os caracteres utilizados em ambas. Na verdade, o segundo caractere integrado na marca do recorrido particular é igual ao primeiro caractere da marca da recorrente (referimo-nos a 飄). Mas, no que toca aos outros caracteres, a única parecença fica-se pela sua natureza de logograma (do grego λόγος - palavra + γράμμα - carácter, letra) ou sinogramas, isto é de símbolo (ou grafema) único que traduz um conceito concreto ou abstracto da realidade. E assim sendo, a confusão que pode representar no espírito do observador, quando muito, apenas dependerá da circunstância de ele não ser um falante da língua de Confúcio, ou melhor, não ser alguém que saiba ler a escrita chinesa. Porque se for, logo saberá ver e ler que os conjuntos de caracteres são diferentes e com significações igualmente distintas.
Em suma, e para concluir novamente, a segunda marca não pode ser cópia ou imitação da primeira no sentido estrito dos termos e, portanto, não pode estar na mira da previsão dos arts. 214º, nº1, al. b) e 215º, do RJPI.
*
3.1 – Pergunta-se, mesmo assim, o seguinte: a circunstância de a recorrente “A” ter utilizado aquele logótipo - assim a ele nos referimos por não constituir uma “marca” em Macau, como já vimos - impediria que outro interessado pudesse registar uma marca para representar idênticos produtos tendo uma apresentação com pontos de contacto ou similitude parcial com aquele? Esta é já uma questão diferente.
Vejamo-la. Isto, que à partida poderia parecer ser uma questão de menor importância, acaba por ser crucial ao desfecho da causa. Afinal de contas, não interessa que “REJOICE” seja marca notória ou que entre ela e a marca do aqui recorrido particular não haja pontos de contacto.
O que é necessário é olhar para o ponto exacto em que se instala o eventual conflito e averiguar se ele é detonado entre uma marca registada num dado momento e a execução de outra anterior. O que, portanto, agora urge comparar não é a forma como as marcas estão registadas, mas sim como uma delas (anterior) faz acompanhar o produto que se encontra no mercado, isto é, como a anterior se faz anunciar ao público consumidor alvo.
E assim sendo, para se apurar se a marca registada pelo recorrido particular reproduz ou imita a marca da recorrente, o esforço que é preciso fazer, ao contrário do que pareceria inicialmente lógico, já terá que passar pela consideração do logótipo que a recorrente possa estar a utilizar aqui em Macau.
Porque dizemos isto? Por causa de um preceito que está quase camuflado no RJPI8 mas que concede protecção a uma marca registada anteriormente contra outra posterior, desde que esta se sirva de elementos - cor, dizeres, medalhas e outros elementos – que possam ser confundidos com outros que a primeira esteja a utilizar nas embalagens, pacotes e invólucros, mesmo que estes elementos não estejam registados9.
Referimo-nos ao art. 215º, nº2, que dispõe da seguinte maneira:
Artigo 215.º
(Reprodução ou imitação de marca)
1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a)…..;
b)…..;
c)……
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas (itálico nosso).
Este artigo é imperativo e não dá lugar a dúvidas. Sempre que uma marca (posterior) utilize elementos de fantasia que façam parte do «aspecto exterior do pacote ou invólucro de marca alheia» (anterior), «com as respectivas cores e disposição dos dizeres», considera-se que está a reproduzir ou imitar parcialmente aquela outra marca. E estando a reproduzi-la ou imitá-la parcialmente, há fundamento para a recusa do registo (cfr. art. 214º, nº1, al. b), do RJPI).
Ora, ainda que a recorrente não tenha nenhuma marca registada com o logo (só recentemente pediu o seu registo), certo é que, como já vimos, o utiliza nas suas embalagens. Basta isso para que nos obriguemos a indagar se na marca há elementos de reprodução daquele logo.
E há, evidentemente, semelhanças entre os dois conjuntos . Uma análise comparativa expor-nos-á imediatamente perante pontos de contacto. Repare-se:
1 - A forma do quadrilátero é semelhante;
2 - As palavras Rejoice e Rinpiao estão inseridas no mesmo sítio do espaço interior (ao alto) e ambas dispostas horizontalmente;
3 - Tais vocábulos apresentam-se com a mesma cor azul;
4 - Em ambos os conjuntos existem um círculo e linhas que o intersectam no mesmo ponto, sugerindo talvez fios de cabelo;
5 - Em ambas as figuras, o círculo e linhas são da mesma cor;
6 - Entre as duas linhas da esquerda há uma mancha verde, exactamente com a mesma configuração;
7 - Os caracteres à direita das imagens apresentam-se em ambas as figuras em plano vertical;
8 - Esses caracteres têm em ambos os conjuntos a cor azul;
9 - Se é certo que os vocábulos “Rejoice” e “Rinpiao” não são iguais, o certo é que as duas palavras (Rin e Piao) surgem unidas na marca e com as iniciais (R e p) com a mesma inclinação com que se apresentam as letras R e J na marca “Rejoice”.
A maior diferença está na circunstância de o pano de fundo da “Rejoice” ser verde ao passo que o da “Rinpiao” é branco. A outra diferença consiste na inversão da ordem dos caracteres. Todavia, não são essas diferenças que relevam, se tudo o mais é composto com uma visível reprodução ou imitação do logo da “Rejoice”.
Tudo isso é sugestivo de uma aparente intenção de procurar obter o efeito de ilusão e de confusão no público, para ser levado a pensar que se trata de um produto novo, mas com origem no mesmo produtor. De qualquer maneira, o que basta ao legislador para a recusa, quando esta imitação acontece, é que aqueles elementos introduzidos na marca recente impeçam as «pessoas analfabetas de os distinguir de outros adoptados por possuidor de marcas legitimamente utilizadas».
Ora, qualquer pessoa que não saiba ler – e o público alvo destes produtos pode ser analfabeto – facilmente confundirá os produtos ou facilmente confundirá tais elementos com aqueles com que a “Rejoice” os apresenta nos rótulos das suas embalagens.
Deste modo, está materialmente densificada a previsão do normativo. Trata-se de um preceito que a recorrente não invocou expressamente, é certo, mas a qualificação do direito não obsta à caracterização do vício se a sua argumentação fáctica e o raciocínio que tiver desenvolvido se mostrarem adequados à sua densificação. Ora, onde mais a recorrente incidiu a sua atenção ao longo do seu articulado inicial do recurso, e já mesmo no recurso jurisdicional, foi precisamente na semelhança da marca do recorrido particular com os elementos do seu próprio conjunto.
*
4 – Da concorrência desleal
Entende a recorrente que as marcas em confronto assinalam produtos da classe 3ª, que são bens para uso diário. E porque custam não mais do que umas poucas dezenas de patacas, o consumidor médio não pensa muito antes de comprar, sem pensar se os bens adquiridos são da recorrente ou do recorrido. Daí que ele confunda facilmente a origem dos produtos e que só mais tarde, chegado a casa, se aperceberá que o produto comprado não é o da recorrente.
Com isto pretende dizer que o recorrido quer partilhar a quota de mercado dos produtos da “REJOICE” através de uma marca que é muito semelhante à da recorrente, minimizando os seus custos de publicidade e induzindo em erro o consumidor.
Pois bem. Esta questão entronca no art. 9º, nº1, al. c), do RJPI, invocado pela recorrente, e segundo o qual “1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial: a)…;b)…; c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
Ora, mesmo que a intenção não tivesse sido essa, parece não ser possível ignorar que aquela tão flagrante semelhança de elementos permite inferir uma situação objectiva de concorrência desleal, que o artigo 1º do TJPI não tolera e que o art. 9º, nº1, al. c) reprime. Se é certo que o direito industrial se move num quadro de concorrência, certo é também que determinadas práticas são reprimidas desde que os intervenientes, os agentes económicos, não estejam no mercado em plano de igualdade. Estamos pois de acordo que o aparecimento de uma marca nova com as características da do recorrido particular, com tantos pontos de semelhança com o logo da recorrente atenta, aparentemente, contra a lealdade da concorrência e, bastaria isso para a recusa.
Por tudo o que se disse acima, o recurso jurisdicional merece ser provido.
***
IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida, e em consequência revogando a decisão de 19/08/2011 do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE, recusando-se o registo da marca .
Custas pelo recorrido particular em ambas as instâncias.
TSI, 25 / 04 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (subscrevo o Acórdão à excepção da afirmação de que a Marca REJOICe é uma marca notória)
Choi Mou Pan
1 Transcrição feita a partir da tradução apresentada pela própria recorrente nas suas alegações a fls. 50-51.
2 Ac. TSI, de 8/03/2012, Proc. nº 98/2011; também Ac. TSI de 26/11/2009, Proc. nº 507/2008. Na doutrina, ver Carlos Olavo, Propriedade Industrial Almedina, 1997, pag. 55; José Mota Maia, Propriedade Industrial, II, Almedina, pag. 427.
3 Ac. TSI, de 15/07/2010, Proc. nº 873/2009
4 José Mota Maia, ob. cit., pag.429.
5 Neste sentido, Luis M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pag. 242. Também, Acs. do TSI, de 19/01/2012, Proc. nº 740/2010.
6 Ac. TSI, de 15/03/2012, Proc. nº 436/2011
7 Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/2009
8 Em Portugal ele está bem autonomizado e bem ostensivo na epígrafe expressa do art. 240º do Código de Propriedade Industrial aprovado pelo DL nº 36/2003, de 5 de Março.
9 Neste sentido, José Mota Maia, ob. cit., pag. 426.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------