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Processo nº 894/2012 Data: 31.01.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Pena acessória.
Inibição de condução.



SUMÁRIO

1. A pena acessória tem um sentido e um conteúdo que visa não só garantir a tutela do ordenamento jurídico e a confiança na validade da norma violada mas, também, prevenir “a perigosidade individual”, tendo uma função preventiva adjuvante da pena principal.

2. A pena acessória de inibição de condução deve ser aplicada a quem for condenado pela prática do crime de “condução em estado de embriaguez”, ainda que o arguido não se encontre habilitado a conduzir.

3. O legislador não pretendeu “beneficiar” aquele que não fosse titular de licença ou (outro título) de condução e que assim cometesse o crime em questão.

O relator,

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Processo nº 894/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em processo sumário respondeu A, arguido com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez” p. e p. pelo art. 90°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de MOP$70.00 por dia, perfazendo a multa global de MOP$6.300,00; (cfr., fls. 14 a 17 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido veio o Ministério Público recorrer, motivando para, a final, concluir nos termos seguintes:

“I. O tribunal a quo condenou o recorrido A na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de 70 patacas por dia, o que perfaz um montante de 6.300 patacas, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 90.°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007.
II. Nos termos do art. 90.°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não foi aplicável por força de outra disposição legal.
III. Face ao teor integral da decisão proferida, não encontramos nenhuma referência sobre a fixação de pena acessória da inibição de condução.
IV. Assim, a nosso ver, salvo melhor opinião, prefigura-se um erro de direito pela omissão de pronúncia sobre uma pena acessória, o que materializa uma questão típica de direito, invocável como fundamento do recurso (art. 400.°, n.° 1 do Código de Processo Penal)”; (cfr., fls. 21 a 24).

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Respondeu o arguido, afirmando o que segue:

“1.°
O arguido A foi condenado pelo Tribunal a quo, na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de setenta patacas (MOP$70,00) por dia, o que perfaz, um montante de seis mil e trezentas patacas (MOP$6.300,00), pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. no art.° 90.°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007.
2.°
Não lhe foi aplicada a pena acessória da inibição de condução.
3.°
Na motivação, a Digna Magistrada do M.P. entende que existe omissão por parte do Tribunal a quo, quanto à pronúncia sobre a pena acessória (da inibição de condução).
4.°
Para sustentar o seu recurso, a Digna Magistrada arguiu que prefigura-se um erro de direito pela omissão de pronúncia sobre uma pena acessória, o que materializa uma questão típica de direito, invocável como fundamento do recurso (art.° 400.°, n.° 1 do Código de Processo Penal).
5.°
Na sua motivação, a Digna Magistrada entende que a sentença ora recorrida deve ser revogada e condenar o recorrido nas penas de prisão e de inibição de condução que sejam consideradas devidas, à luz do art.° 90.°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
6.°
Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende o recorrido que in casu não existe lapso na decisão recorrida.
7.°
Por entender que não há lugar à aplicação da pena acessória de inibição de condução, uma vez que o próprio não ser habilitado a conduzir, i.e.,
8.°
O recorrido não é titular de qualquer licença de condução.
9.°
Da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo resulta, além do mais, que à data da prática desses factos, o recorrido não era titular de qualquer documento que o habilitasse à condução do referido veículo na via pública.
10.°
Pelo que, o recorrido entende que a decisão recorrida não padece “erro de direito”.
11.°
Porém, caso Vossas Excelências assim não entenderem, o Recorrido entende que a eventual condenação da pena acessória de inibição de condução deve atender ao seguinte:
12.°
O recorrido é primário
13.°
A taxa de alcoolemia resultante foi de 1.32g/L.
14.°
Além de não terem sido ponderados os factos relacionados com a eventual condenação da inibição de condução, tais como:
15.°
O recorrido irá ter prova de conclusão de automóveis ligeiros no dia 6 de Dezembro de 2012, pela 9 horas da manhã (Doc. 1).
16.°
O recorrido promessa de emprego para funções de condutor no “Mantion VIP”, a partir de 30 de Dezembro de 2012. (Doc. 2),
17.°
Caso Vossas Excelências decidirem em dar provimento ao presente recurso e aplicar a pena acessória em causa, o Recorrido perderá a oportunidade de emprego.
18.°
Pelo que, caso seja aplicado a pena acessória ao recorrido, requer-se seja ponderada as razões invocadas e que seja suspensa a sua execução da inibição de condução”; (cfr., fls. 29 a 32).

*

Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Na douta sentença posta em crise, o recorrido/arguido A foi condenado, como autor material dum crime p.p. pelo art.90° n.° l da Lei n.°3/2007, na pena de três (3) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de setenta patacas (MOP$70,00) por dia, o que perfaz, um montante de seis mil e trezentas patacas (MOP$6.300,00).
Com efeito, a própria sentença recorrida demonstra que o Memo. Juiz a quo não impôs, ao recorrido/arguido A, a pena acessória de inibição de condução consignada naquele segmento legal, sem explicação da não aplicação desta pena acessória.
Antes de mais, acompanhamos os argumentos da Exma. Colega na Motivação de fls.22 a 24 dos autos, no sentido de se surgir in casu erro de direito traduzido em indevida omissão da aplicação ao recorrido da mencionada pena acessória.
Pois bem, o n.°l do art.90° da Lei n.°3/2007 determina a inibição de condução, não a cassação ou cancelamento da carta de condução oo outros documentos previstos no art.80° da mesma Lei.
Daí flui que o facto de o recorrido/arguido não ser, na altura de decretar a sentença em questão, titular nenhum documento de habilitação da condução não obstava à aplicação ao recorrido/arguido da aludida pena acessória legalmente exigida.
Por todo o exposto, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 46 a 46-v).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“No dia 03 de Agosto de 2012, cerca das 06:40 horas, no entroncamento da Praça Ponte Horta e Rua do Tesouro, pela P.S.P., foi mandado parar um automóvel MN-76/41, conduzido sem estar habilitado e em sentido oposto ao legalmente estabelecido pelo arguido.
A guarda da P.S.P. verificou que o arguido se encontrava bebido com um cheiro de quem tinha bebido muito vinho, e em seguida fez o teste de taxa de alcoolemia, resultando 1.32g/L.
Agiu deliberado, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
Trabalha como croupier, auferindo mensalmente da 14,000 patacas.
Tem como habilitações académicas do 1° ano do ensino secundário.
Confessou os factos e mostrou-se arrependido.
Nada consta do seu C.R.C.”; (cfr., fls. 15-v).

Do direito

3. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que condenou o arguido dos autos como autor de 1 crime de “condução em estado de embriaguez” p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de MOP$70.00 por dia, perfazendo a multa de MOP$6.300,00.

Pede a revogação da sentença, pois que considera que com a mesma se incorreu em “erro de direito pela omissão de pronúncia sobre uma pena acessória”.

Pugna assim o ora Recorrente pela aplicação ao arguido da “pena acessória de inibição de condução”.

E tem razão.

De facto, prescreve o art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 que:

“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal”; (sub. nosso).

E, como sem esforço se alcança do assim estatuído, pretendeu o legislador que a pena de prisão e a (pena acessória) de inibição de condução fossem aplicadas cumulativamente.

Todavia, será adequada a aplicação de tal pena acessória a quem, (como provado está), não esteja sequer habilitado a conduzir?

Ainda que não pareça, (pois que pode parecer inútil), de sentido afirmativo é a resposta.

Basta atentar no preceituado no art. 81° da mesma Lei n.° 3/2007, onde se preceitua que:

“1. Para a obtenção de carta de condução de veículos a motor, é necessário o requerente, cumulativamente:
1) (…)
2) (…)
4) (…)
5) Não estar a cumprir sanção de inibição de conduzir”.

De facto, importa atentar que a pena acessória tem um sentido e um conteúdo que visa não só garantir a tutela do ordenamento jurídico e a confiança na validade da norma violada mas, também, prevenir “a perigosidade individual”, tendo uma função preventiva adjuvante da pena principal.

Por sua vez, há que ter em conta que o legislador não pretendeu (certamente) “beneficiar” aquele que não fosse titular de licença ou (outro título) de condução e que assim cometesse o crime em questão; (cfr., v.g., sobre a questão, e no mesmo sentido, os Ac. de R. Porto de 07.09.2008, Proc. n.° 0812897, de 10.17.2008, Proc. n.° 43/09.9, de 15.12.2010, Proc. n.° 239.10.0, e de 25.05.2011, Proc. n.° 1092/10.0 in www.dgsi.pt, aqui citados como mera referência).

Assim, sendo de se aplicar a pena acessória de inibição de condução, atenta a sua moldura estatuída no preceituado no art. 90°, n.° 1 da dita Lei n.° 3/2007, e ponderando na factualidade provada, considera-se adequado fixar o período de inibição em 1 ano e 6 meses, que não se suspende porque inexistem, (provados não estão), “motivos atendíveis” a que se refere o art. 109° da mesma Lei.

Com efeito, em tal matéria tem este T.S.I. entendido que “só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., o Ac. de 19.03.2009, Proc. n°. 717/2008, e, mais recentemente, Ac. de 19.01.2012, Proc. n° 795/2011).

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam julgar procedente o recurso, ficando o arguido dos autos igualmente condenado na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Honorários à Exma. Defensora no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 31 de Janeiro de 2013
José Maria Dais Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 894/2012 Pág. 16

Proc. 894/2012 Pág. 1