Processo nº 844/2011
Data do Acórdão: 07FEV2013
Assuntos:
Junção dos documentos
Concorrência desleal
Marca de prestígio
SUMÁRIO
1. As partes podem juntar documentos às alegações no caso de a junção que se torna necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância – artº 616º/1, in fine, do CPC. Tal sucederá quando por força do princípio inquisitório, consagrado no artº 3º/3 do CPC, o juiz fica habilitado, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, a realizar ou ordenar oficiosamente diligências probatórias com que as partes podiam, justificadamente, não contar, e a fundar a sua decisão nesses meios. É precisamente este o pressuposto da admissibilidade da junção de documentos a que se reporta a segunda parte do n.º 1 do art. 616º, ou seja, contraditar, mediante prova documental, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão.
2. A base da concorrência desleal que é a deslocação ou a possibilidade de deslocação da clientela.
3. Face ao artº 214º/1-c) do RJPI, a protecção da marca de prestígio é algo que vai além dos limites impostos pelos princípios da especialidade e da territorialidade. Assim, só merecem a tal excepcional protecção as marcas que devam satisfazer as extremas exigências, quais são: gozar de excepcional notoriedade e de excepcional atracção e-ou satisfação junto do consumidores.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 844/2011
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
No âmbito do processo de registo da marca requerido pela A. LTD, registado sob o N/47256 (classe 6ª), foi proferido o despacho pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, que concordou com a seguinte informação, indeferindo a reclamação oportunamente apresentada pela B LIMITED e concedendo o registo da marca requerido:
知識產權廳廳長閣下,
對第N/47256號商標註冊申請的審查和分析如下:
一. 2010年l月20日,“A有限公司“(外文名稱為“A, LTD.”以下簡稱“申請人”)委託律師C向本局遞交商標註冊申請,指定註冊第6類的金屬門;門刮板;金屬門裝置;窗用鐵製品;金屬固定百葉窗;金屬窗;金屬門框架;金屬門板;門用鐵製品;金屬預製件等產品。
二. 商標式樣為:
xx
三. 為確保消費者權益,以及保障商標的專屬使用權。經12月13日第97/99/M號法令核准的《工業產權法律制度》規定,商標註冊申請必須公佈於《澳門特別行政區公報》。任何人士可自有關申請在公布日起計兩個月內提出聲明異議。本申請已公佈於2010年3月17日第11期第二組《澳門特別行政區公報》第3308頁內。
四. 2010年5月17日,在法例規定的聲明異議期限內,“B Limited”(以下簡稱“異議人”)委託律師DL向本局遞交針對第N/47256號擬註冊商標的聲明異議(載於行政卷宗第12頁至49頁)。
五. D律師在聲明異議書中表示,議異人成立於1950年,為香港最大最多元化之優質餐飲集團,集團經營範疇廣泛,包括中菜、亞洲菜、西菜、快餐、西餅、咖啡店、迴轉壽司店及機構食堂等。其中中餐已包括14個不同名稱的餐廳如XX、XX、XX等。同時,集團亦取得一些特許品牌的經營權,如XX、XX等。異議人亦在全球多個國家及地區包括香港、中國內地、澳洲、加拿大等擁有約70個不同類別的已註冊商標。
六. 此外,擬註冊商標A與異議人在本地註冊的商標XXX、XXX、XXX中文字詞完全相同,外文字詞僅差“i”這一字母及一破折號;儘管異議人的商標沒有在本地區申請註冊第6類別,但基於異議人在本地區的知名度,認定申請人有不正當競爭的意圖,建議根據經12月13日第97/99/M號法令核准的《工業產權法律制度》第9條第1款c項的規定,拒絕擬註冊商標的註冊申請。
七. 2010年5月20日,本局透過第60687/DPI號公函將聲明異議書副本送交申請人,並通知其要在接獲有關公函之日起一個月內提交答辯書。
八. 上述聲明異議公告已刊登於2010年6月17日第24期第二組《澳門特別行政區公報》第6982頁內。
九. 申請人並未於法定期間對上述聲明異議作出答辯。
十. 現根據《工業產權法律制度》第212條第1款對本卷宗進行審查和分析。
十一. 僅依據名稱、圖形或讀音來判斷,擬注冊商標XXX 與已註冊的各商標式樣XXX、XXX、XXX,確實會令消費者產生誤解或混淆。
十二. 商標的主要作用是區分商品或服務來源, 即消費者是依靠商標來選擇商品或服務,然而,這一選擇行為仍同時建基於同類或近似商品或服務上。如果商標近似,且使用在相同或近似商品上,消費者確實無法正確作出選擇,在此情況下,商標就發揮不到應有的作用。由此可知,判斷商標是否近似,商品或服務亦起關鍵的作用。
十三. 經檢索資料顯示,申請人XX創建於1989年,現已成為以門業為主,投資涵蓋新型環保建材、房地產開發等多個產業領域的綜合性集團企業。
十四. 異議人的商標主要指定第16、29、30、35及43類的產品及服務註冊,後兩個類別為服務,前三個類別為產品,包括第16類的紙類及包裝物品;第29類的肉類、食用油脂;第30類的咖啡、茶等,無論在功能、用途、生產部門、銷售渠道、消費對象等方面,與擬註冊商標指定註冊的第6類產品的金屬門、門刮板、金屬門裝置、金屬預製件等完全不相同之外,各類產品之間亦不能產生任何替代作用,故不會引發消費者的聯想,更不會使消費者產生混淆。
十五. 根據《工業產權法律制度》第215條第1款的規定,判斷一個商標是否屬全部或部分複製或仿製另一商標,必須同時符合三個條件,其中一個條件是商標所標示產品及服務必須為相同或近似。因此,在擬註冊商標與已註冊商標的產品不構成相同或近似的情況下,即使商標的名稱、圖形或讀音相近,亦不能判斷前者為全部或部分複製或仿製後者的商標。
十六. 異議人為香港的知名餐飲連鎖集團,港澳消費者均對其經營的如XX、XX、XX、XX等食肆名稱絕不陌生。然而,消費者對其他並無相關的產品不會產生聯想。
十七. 基於異議人使用的商標及其在餐飲界的領先形象根深柢固,本地消費者對異議人這一優質餐飲集團的唯一聯想只是食品或食肆,故很難想象當本地消費者看到標示XX 商標的金屬門、門刮板、金屬門裝置、金屬預製件等產品會與異議人產生聯繫。
十八. 此外,因異議人的產品與申請人的產品不屬於有密切聯繫的相關產品,且消費對象完全不同,餐飲業消費者並不會與需要購買建材的消費者混合,故即使申請人使用的商標與異議人的近似,亦不會在市場上造成誤購。基於此,異議人提出之聲明異議並不成立。
十九. 鑑於擬註冊商標不存在拒絕註冊的理由。根據經12月13日第97/99/M號法令核准的《工業產權法律制度》第213條第1款的規定:“如未顯示出存在拒絕註冊的理由,又或在聲明異議提出之情況下其理由不成立,均須核准註冊”,為此,建議根據上述條文,核准第N/47256號商標的註冊申請。
謹呈上級批示。
知識產權廳,二零一零年十月八日。
Informação essa que foi traduzida pelo pessoal de tradução do TJB para a seguinte versão portuguesa:
Exmº Chefe de departamento do Departamento de Propriedade Intelectual,
Em relação ao pedido de registo de marca nºN/47256, procedi ao seguinte exame e estudo:
1. Em 20 de Janeiro de 2010, a empresa A, LTD. (‘A有限公司’, adiante designado por ‘a requerente') constituiu o advogado Dr. Luís Reigadas para entrar o pedido de registo de marca junto da nossa Direcção, cuja marca pertence à classe 6: portas metálicas; raspadores para portas; dispositivos para portas metálicas; trabalhos em ferro para janelas; persianas fixas metálicas; janelas metálicas; armações metálicas para portas; placas de portas metálicas; trabalhos em ferro para portas; peças metálicas pré-fabricadas, etc.
2. A marca consiste em:
XXX
3. Para salvaguardar os interesses dos consumidores, bem como garantir o direito de uso exclusivo da marca, conforme o estipulado no Regime Jurídico de Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-lei nº97/99/M de 13 de Dezembro, o pedido para registo da marca tem de ser publicada no Boletim Oficial da RAEM. Dentro de dois meses após a publicação do respectivo pedido no Boletim Oficial, qualquer pessoa pode apresentar reclamação. O presente pedido está publicado a fls.3308 do Boletim Oficial da RAEM nº 11, da série II, de 17 de Março de 2010.
4. Em 17 de Maio de 2010, dentro do prazo estipulado para apresentação de reclamação, B Limited' (adiante designado por 'a reclamante') através do seu advogado constituído, Dr. D, apresentou à nossa Direcção a reclamação contra o pedido de registo de marca nºN/47256 (constante a fls.12-49).
5. Na sua reclamação, o advogado D alegou que a reclamante constituiu-se em 1950 e trata-se duma empresa que detém maior cadeia de estabelecimentos de restauração de qualidade em Hong Kong, como comida chinesa, asiática, ocidental, comida rápida, pastelarias, cafés, sushi e cantinas de várias empresas. Só de cozinha chinesa, já conta com 14 restaurantes, como: 'XX', 'XX', ‘XX', etc. Ao mesmo tempo, a empresa detém marcas franquiadas, tal como XX', 'XX', etc. A reclamante ainda é titular de cerca de 70 marcas registadas de classes diferentes em todo mundo, países e regiões incluindo Hong Kong, China continental, Austrália, Canadá, etc.
6. Além disso, a marca XX que requereu o registo, os caracteres chineses são completamente idênticos ao da marca da reclamante XX, XX, XX. A diferença da romanização encontra-se somente no 'i' e no hífen. Apesar da marca da reclamante não ter requerido o registo para a classe 6, mas tendo em conta a reputação da reclamante nesta zona regional, entendeu-se que a requerente teve a intenção de fazer concorrência desleal, pelo que, ao abrigo da al.c) do nº.1 do art.º9º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-lei nº97/99/M de 13 de Dezembro, considera-se que se deve recusar o pedido de registo da marca.
7. Em 20 de Maio de 2010, por ofício nº60687/DPI, o nosso serviço enviou uma cópia da reclamação à requerente e foi-lhe notificada para apresentar contestação no prazo de um mês, contado após a recepção do ofício em causa.
8. A aludida reclamação encontra-se publicada a fls.6982 do Boletim Oficial da RAEM nº24, série II, de 17 de Junho de 2010.
9. A requerente não apresentou contestação contra a referida reclamação dentro do prazo legal.
10. Em conformidade com o no.1 do art.º212º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, ora procede-se ao exame e análise do presente processo.
11. Se somente considerar a designação, o desenho ou a pronúncia, a marca que requer o registo XX e as marcas já registadas XX, XX, XX de facto causa confusão ou mal entendimento ao consumidor.
12. A utilidade da marca consiste essencialmente em distinguir o produto ou a proveniência do serviço, ou seja, o consumidor depende da marca para escolher o produto ou o serviço. Todavia, a escolha tem como base os produtos ou os serviços semelhantes. Caso a marca é parecida e usada em produtos semelhantes, de facto o consumidor não consegue fazer a escolha mais correcta. Nestas circunstâncias, a marca não consegue produzir o seu devido efeito. Através desse modo, verifica-se que para determinar a semelhança das marcas, o produto ou o serviço desempenha um papel fundamental.
13. Analisadas as informações, a requerente A foi constituída em 1989 e dedica-se ao sector relacionado com portas, tem investimentos que abrange materiais de construção inovadores e ambientalistas, desenvolvimento imobiliário, etc. empreendimentos variáveis e integrados em vários âmbitos.
14. As marcas registadas da reclamante consistem essencialmente nos produtos e serviços cobertos pelas classes 16,29, 30, 35 e 43. Os últimos dois pertencem à classe de serviço e os primeiros três pertencem à classe de produto, incluindo papel e embalagem de produto da classe 16; carne e óleos e gorduras alimentares da classe 29; café, chá, etc. da classe 30. A sua função, utilização, sector de produção, canal de distribuição e venda, consumidores destinatários, etc. são completamente distintos da marca que se pretende registar, marca essa que pertence à classe 6 (portas metálicas, raspadores para portas, dispositivos para portas metálicas, peças metálicas pré-fabricadas, etc.). Demais, entre os variados produtos, não provoca o efeito de substituição, pelo que não faz o consumidor associar nem causa confusão ao consumidor.
15. Conforme o no.1 do art.º215º do Regime Jurídico da Propriedade Intelectual, para considerar que a marca é reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, deve cumulativamente reunir três condições, que entre as quais inclui a condição: a marca destina a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins. Por seguinte, uma vez que os produtos da marca que pediu o registo e os produtos das marcas
já registadas não são idênticos ou semelhantes, mesmo que a designação, desenho ou pronúncia das marcas sejam semelhantes, não se pode determinar que a requerente reproduziu ou imitou, no todo ou em parte, a marca da reclamante.
16. A reclamante tem uma cadeia de estabelecimentos de comida com reputação em Hong Kong. Os consumidores de Hong Kong e Macau conhecem bem os estabelecimentos explorados pela reclamante, tal como 'XX', 'XX', 'XX', 'XX', etc. E os consumidores não relacionam com outros produtos que não dizem respeito.
17. Dado que a marca utilizada pela reclamante e a sua imagem de liderança na restauração já estão enraizadas, a única relação que os consumidores locais fazem com esta empresa de restauração com qualidade é os produtos comestíveis ou estabelecimentos de comida. Pelo que, é difícil de imaginar que os consumidores ao verem a marca XX nas portas metálicas, nos raspadores para portas, nos dispositivos para portas metálicas, nas peças metálicas pré-fabricadas, etc. produtos associem à reclamante.
18. Além disso, como os produtos da reclamante e os produtos da requerente não se tratam de produtos estritamente inter-relacionados e os consumidores destinatários são completamente diferentes, um consumidor de restauração não se confunde com um consumidor de materiais de construção, pelo que, mesmo se a requerente utilizar uma marca semelhante ao da reclamante, não causará erro de aquisição no mercado. Com base ao exposto, deve-se improceder a reclamação apresentada pela reclamante.
19. Como não há motivo para recusa do registo da marca, ao abrigo do no.1 do art.º213º do Regime Jurídico da Propriedade Intelectual aprovado pelo Decreto-lei nº97/99/M de 13 de Dezembro: 'O registo é concedido se não tiver sido revelado fundamento de recusa e as reclamações, se as houver, forem consideradas improcedentes.' Pelo que, proponho segundo o referido artigo aprovar o pedido de registo de marca nºN/47256.
Para despacho superior.
DPI, 8 de Outubro de 2010.
Não se conformando com esse despacho que decidiu deferir o pedido de registo da marca N/47256 (classe 6ª) à A. LTD., veio a B LIMITED recorrer dele para o Tribunal Judicial de Base.
Recurso esse foi admitido e registado no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV2-10-0022-CRJ, onde foi proferida a seguinte sentença julgando-o improcedente:
B Limited, com sede em Hong Kong, veio interpor recurso judicial do despacho de concessão de registo da marca “XX” para a classe 6ª, proferido pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, publicado no Boletim Oficial de 17 de Março de 2010.
Alega a recorrente, em suma, que o registo concedido deveria ter sido recusado por dois motivos, a saber:
- a marca da recorrida imita marcas de prestígio da recorrente registadas em Macau1;
- a recorrida pretende fazer concorrência desleal através do uso da sua marca.
Como fundamentos de direito, invoca a recorrente o art. 214º, nº 1, al. c) e o art. 9º, nº 1, al. c) do RJPI.
O recurso foi recebido e tramitado segundo o formalismo legalmente estabelecido, tendo respondido a DSE, batendo-se pela improcedência, mas não tendo respondido a parte contrária.
*
Nada relativo ao Tribunal, ao processo e às partes, que tenha sido invocado ou seja de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito da causa.
*
Dispõem as als. a) e c) do nº 1 do art. 214º que o registo de marca é recusado quando (al. a)) se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º e (al. c)) quando a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
E dispõe o art. 9º, nº 1, al. c) que é fundamento de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Vejamos.
Quanto à concorrência desleal.
Para ser recusado o registo com este fundamento invocado pela recorrente é necessário que se reconheça que o requerente do registo pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Resultará dos autos verificada tal situação? Afigura-se que a resposta só pode ser negativa. Com efeito, o acto de concorrência desleal é o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem (cfr. Arts. 158º, 159º e 165º do Código Comercial). Ora, dada a grande diferença de natureza dos produtos e serviços a marcar com as marcas da recorrente (relacionados com alimentos, restauração, imprensa e publicidade) e da recorrida (relacionados com portas e janelas metálicas e afins), afigura-se que o uso da marca recorrida no exercício da concorrência não é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração da reputação alheia, pelo que a concorrência na disputa de clientela através do uso da marca recorrida não poderá ser considerada desleal por ser insusceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica, designadamente por actos de confusão ou parasitários. Na verdade, dada a distância merceológica entre os bens a distinguir com as marcas da recorrente e da recorrida, não se vê risco de, através do uso da marca impugnada, ser disputada clientela fazendo-a crer que está a relacionar-se economicamente com a recorrente ou aproveitando a reputação desta. Com efeito, a reputação de que uma marca goza no mercado tem de ser transferível para os produtos marcados com outra marca para que possa haver concorrência desleal através do uso da marca semelhante. Ora, no caso em apreço, não se afigura poder existir tal transferência.
O registo da marca não será concedido se esta puder ser um instrumento de disputa de clientela em violação da consciência ética de um empresário médio. Não se afigura que exista tal risco. Afigura-se que o uso da marca recorrida pelo seu titular não lhe trará mais clientes de portas e janelas metálicas e afins pelo facto de a referida marca ser semelhante às marcas que a recorrente utiliza para marcar papel, produtos de imprensa, produtos alimentares e serviços de publicidade e negócios, etc. Mesmo tendo em conta que para ser qualificada de desleal a concorrência não se exige que a disputa de clientela seja feita entre recorrente e recorrida, bastando que se faça entre quaisquer concorrentes desde que a atracção causada pela marca da recorrente se exerça a favor do titular da marca recorrida.
Conclui-se assim que não se verifica no caso em apreço o motivo de recusa em análise.
Quanto à imitação de marca que goze de prestígio em Macau.
Da análise dos elementos dos autos conclui-se que não procede este fundamento de recurso. Com efeito, nada nos autos permite concluir que as marcas da recorrente são marcas que gozam de prestígio em Macau, impendendo sobre a recorrente o respectivo ónus de prova (cfr. Américo da silva Carvalho, Marca Comunitária, Os Motivos Absolutos e Relativos de Recusa, p. 105). Marca de prestígio é aquela que se destina a assinalar produtos ou serviços de excepcional e muito elevado grau de qualidade e de excepcional reputação entre especialistas e que motiva uma muito grande atracção ou sugestão psicológicas sobre os consumidores para a aquisição dos bens que assinala (selling-power). É o prestígio dos bens a assinalar e a capacidade invulgar e excepcional de criar desejo de consumo (sugestão) e de o canalizar (atracção) que confere a qualificação de prestígio à marca. É comum referir-se doutrinariamente que a marca de prestígio goza também de um excepcional grau de conhecimento no mercado, junto do público interessado, mas não se afigura que tal dimensão quantitativa deva intervir na qualificação da marca como de prestígio. A marca de prestígio é um símbolo de excelência, o que remete para o campo qualitativo e não depende do quantitativo. Não se vê nos autos nada que demonstre tal qualidade das marcas da recorrente, no sentido de gozarem de excepcional qualidade, distinção e reputação os bens que se destina a marcar e no sentido de aquela marca ser dotada da referida capacidade invulgar. Não tendo a recorrente satisfeito o ónus de prova que sobre si impende, terá de ver sucumbir a sua pretensão.
*
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se as decisões recorridas.
Custas a cargo da recorrente.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.
Notificada e inconformada com essa sentença, vem a B LIMITED recorrer para esta segunda instância concluindo e pedindo que:
1. Uma empresa comercial pode actuar em concorrência desleal em relação a outra mesmo que estejam a actuar em ramos de actividade comercial diferente;
2. A Recorrida ao usar uma marca gráfica, nominativa, figurativa e foneticamente semelhante às marcas da Recorrente está a praticar actos de concorrência desleal objectiva;
3. A Recorrida está a aproveitar-se indevidamente em benefício próprio da reputação empresarial da Recorrente;
4. A Recorrida ao pretender registar a marca XX não podia ignorar que a Recorrente já se encontrava a usar no mercado as marcas XX, XX e XX;
5. Ao apresentar o pedido de registo da marca XX para assinalar produtos incluídos na classe 6, a Recorrida agiu de má fé;
6. O uso continuado das marcas, o número de estabelecimentos, o conhecimento por parte dos consumidores das marcas XX, XX e XX atribuíram-lhe o carácter de marcas de prestígio;
7. O estatuto de marcas de prestígio impede outros agentes económicos de registar marcas semelhantes às marcas de prestígio mesmo noutras classes.
8. O Tribunal a quo ao julgar improcedente o recurso violou o disposto nos artigos 214° nº.1 alínea c), artigo 215° nº.1 e artigo 9° nº1 alínea c) do Regime de Propriedade Industrial e artigos 156°, 157°, 158°, 159° e 165° do Código Comercial.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada e em consequência ser recusado o registo da marca número N/47256.
Notificadas da motivação do recurso as outras partes, veio apenas o Director dos Serviços de Economia responder pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 287 a 286 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, as questões levantadas pela Recorrente que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são as de concorrência desleal e de marca de prestígio.
Com as alegações do presente recurso, a recorrente juntou os documentos ora constantes das fls. 160 a 277 dos p. autos.
Assim, antes de nos debruçarmos sobre essas duas questões principais, há que resolver o incidente da junção tardia dos documentos pelo recorrente com a petição do recurso.
Para fundamentar a improcedência da tese da recorrente no sentido de que a marca de que ela é titular goza de prestígio em Macau, o Exmº Juiz a quo entende que “não se vê nos autos nada que demonstre tal qualidade das marcas da recorrente, no sentido de gozarem de excepcional qualidade, distinção e reputação os bens que se destina a marcar e no sentido de aquela marca ser dotada da referida capacidade invulgar. Não tendo a recorrente satisfeito o ónus de prova que sobre si impende, terá de ver sucumbir a sua pretensão.”.
Em face do assim decidido, a ora recorrente juntou com a petição do presente recurso, um grande maço de fotocópias, ora constantes das fls. 160 a 277 dos p. autos, tendo em vista “ultrapassar a falta de informações sobre o prestígio em Macau das marcas XX, XX e XX registadas em Macau”, tendo-se apoiado a pretendida junção no disposto no artº 616º/1 do CPC.
Reza o artº 616º/1 do CPC que “as partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
Todavia, com o assim alegado, nós ficamos sem saber foi se ao abrigo da primeira parte ou da segunda parte do citado artº 616º/1 que a recorrente juntou os documentos, isto é, se se trata da junção nos termos permitidos no artº 451º ou da junção que se torna necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
De qualquer maneira, é de indeferir a pretendida junção conforme iremos demonstrar infra.
Ora, a apresentação da prova por documentos rege-se pelas regras gerais consagradas no artº 450º do CPC, que reza:
(Momento da apresentação)
1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Em situações excepcionais, as partes são autorizadas a juntar documentos após os articulados ou mesmo após o encerramento da discussão em primeira instância.
São as situações previstas no artº 451º do CPC que preceitua:
(Apresentação em momento posterior)
1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Paralelamente às situações excepcionais previstas no artº 451º, a lei autoriza especificamente que se juntem às alegações de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou os documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância – artº 616º do CPC.
In casu, tendo em conta o alegado pela recorrente na minuta do recurso e o teor dos documentos que se juntaram com a mesma minuta, os documentos foram apresentados com o objectivo de provar os factos demonstrativos do alegado “prestígio das suas marcas”, isto é, factos já alegados no petitório de recurso que tem por objecto a decisão da Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE.
Tratam-se portanto de documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção e defesa.
Para que seja lícita a junção tardia deste tipo de documentos, quer na primeira instância quer no recurso, a parte tem de convencer o tribunal de superveniência do documento respectivo, ou porque o documento se formou depois do encerramento da discussão, ou porque só depois deste momento ela teve conhecimento da existência do documento, ou porque não pôde obtê-lo até àquela altura – cf. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, IV, pág. 15.
O que in casu obviamente não foi feito pois a recorrente se limitou a invocar como fundamento legal da junção tardia o artº 616º/1 do CPC.
Resta saber se se trata da junção que se torna necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância – artº 616º/1, in fine, do CPC.
Ao interpretar o artº 706º/1 do CPC Português, que corresponde o artº 616º/1 do nosso CPC, com vista a averiguar em que circunstância pode a sentença da primeira instância determinar a necessidade da junção de um documento ao processo, João Espírito Santo citou o Acórdão do STJ de 24ABR1936 defendendo que “tal, sucederá quando nela se rejeita o critério seguido pelas partes e se adoptam factos novos. A ideia da introdução pelo julgador, quando profere a decisão, de factos não alegados pelas partes é dificilmente conciliável com a trave-mestra do processo civil: o princípio dispositivo. Essa conciliação parece só poder fazer-se a partir do princípio inquisitório em matéria instrutória, que, apesar de ter perdido a formulação genérica antes contida no n.º 3 do art.º 264.º, continua a habilitar o juiz, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, a realizar ou ordenar oficiosamente diligências probatórias. Com efeito, esse poder de que goza o julgador, habilita-o a introduzir no processo meios probatórios com que as partes podiam, justificadamente, não contar, e a fundar a sua decisão nesses meios, sem que tal signifique o conhecimento de factos de que lhe não é lícito conhecer. É precisamente este o pressuposto da admissibilidade da junção de documentos a que se reporta a segunda parte do n.º 1 do art. 706.º, ou seja, contraditar, mediante prova documental, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão” – in O Documento Superveniente para Efeito de Recurso Ordinário e Extraordinário, Almedina.
Compulsados os autos, não verificamos, quer ao longo de toda a tramitação no TJB, quer na fundamentação da sentença recorrida, que o Exmº Juiz chegou a introduzir no processo meios probatórios com que a recorrente podia não contar e a fundar a sentença recorrida nesses meios.
O que o Exmº Juiz a quo invocou para fundamentar o não reconhecimento do alegado “prestígio” das marcas da recorrente foi a não demonstração pela recorrente da tal qualidade dessas marcas, no sentido de os bens que se destinam a marcar gozarem de excepcional qualidade, distinção e reputação e no sentido de aquelas marcas serem dotadas da referida capacidade invulgar.
Assim, não se verificando qualquer das situações previstas no artº 616º/1 do CPC que permitem excepcionalmente a junção dos documentos às alegações do recurso, é de indeferir a pretendida junção dos documentos, ora constantes das fls. 160 a 277 dos p. autos, e consequentemente ordenar o seu desentranhamento.
Decidido o incidente da junção dos documentos, passemos então à apreciação do objecto do recurso.
Quanto às questões de fundo, a nos cabe dizer que é de louvar a sentença recorrida.
Ora, no que diz respeito à invocada concorrência desleal, a douta sentença recorrida destacou sensatamente que “dada a grande diferença de natureza dos produtos e serviços a marcar com as marcas da recorrente (relacionados com alimentos, restauração, imprensa e publicidade) e da recorrida (relacionados com portas e janelas metálicas e afins), afigura-se que o uso da marca recorrida no exercício da concorrência não é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração da reputação alheia, pelo que a concorrência na disputa de clientela através do uso da marca recorrida não poderá ser considerada desleal por ser insusceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica, designadamente por actos de confusão ou parasitários. Na verdade, dada a distância merceológica entre os bens a distinguir com as marcas da recorrente e da recorrida, não se vê risco de, através do uso da marca impugnada, ser disputada clientela fazendo-a crer que está a relacionar-se economicamente com a recorrente ou aproveitando a reputação desta. ……. O registo da marca não será concedido se esta puder ser um instrumento de disputa de clientela em violação da consciência ética de um empresário médio. Não se afigura que exista tal risco. Afigura-se que o uso da marca recorrida pelo seu titular não lhe trará mais clientes de portas e janelas metálicas e afins pelo facto de a referida marca ser semelhante às marcas que a recorrente utiliza para marcar papel, produtos de imprensa, produtos alimentares e serviços de publicidade e negócios, etc.”.
Como se vê nas passagens transcritas da sentença recorrida, não se verifica in casu a base da concorrência desleal que é justamente a deslocação ou a possibilidade de deslocação da clientela, inexistindo assim o invocado fundamento previsto no artº 9º/1-c) do RJPI para a pretendida recusa do registo da marca da recorrida.
Em relação ao invocado prestígio da marca da ora recorrente, para julgar improcedente a pretendida recusa do registo da marca da recorrida, o Exmº Juiz diz “Com efeito, nada nos autos permite concluir que as marcas da recorrente são marcas que gozam de prestígio em Macau, impendendo sobre a recorrente o respectivo ónus de prova (cfr. Américo da silva Carvalho, Marca Comunitária, Os Motivos Absolutos e Relativos de Recusa, p. 105). Marca de prestígio é aquela que se destina a assinalar produtos ou serviços de excepcional e muito elevado grau de qualidade e de excepcional reputação entre especialistas e que motiva uma muito grande atracção ou sugestão psicológicas sobre os consumidores para a aquisição dos bens que assinala (selling-power). É o prestígio dos bens a assinalar e a capacidade invulgar e excepcional de criar desejo de consumo (sugestão) e de o canalizar (atracção) que confere a qualificação de prestígio à marca. É comum referir-se doutrinariamente que a marca de prestígio goza também de um excepcional grau de conhecimento no mercado, junto do público interessado, mas não se afigura que tal dimensão quantitativa deva intervir na qualificação da marca como de prestígio. A marca de prestígio é um símbolo de excelência, o que remete para o campo qualitativo e não depende do quantitativo. Não se vê nos autos nada que demonstre tal qualidade das marcas da recorrente, no sentido de gozarem de excepcional qualidade, distinção e reputação os bens que se destina a marcar e no sentido de aquela marca ser dotada da referida capacidade invulgar. Não tendo a recorrente satisfeito o ónus de prova que sobre si impende, terá de ver sucumbir a sua pretensão.”.
Ora, pelo que foi dito na decisão do incidente da junção dos documentos, não é de atender os documentos que a ora recorrente juntou com as alegações do presente recurso.
Assim, de acordo com o alegado e o demonstrado pela ora recorrente no petitório do recurso que tem por objecto o despacho da Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE, nada foi trazido aos autos para que pudéssemos concluir que estávamos perante uma marca de prestígio.
Como se sabe, face ao artº 214º/1-c) do RJPI, a protecção da marca de prestígio é algo que vai além dos limites impostos pelos princípios da especialidade e da territorialidade.
Só merecem a tal excepcional protecção as marcas que devam satisfazer as extremas exigências, quais são: gozar de excepcional notoriedade e de excepcional atracção e-ou satisfação junto do consumidores – Luís M. Couto Gonçalves, in Direito de Marcas, pág. 158, Almedina.
Assim, para reivindicar a tal excepcional protecção é preciso que seja demonstrada a satisfação dessas extremas exigências.
Tal como vimos nos elementos constantes dos autos e na sentença recorrida, a ora recorrente limitou-se a alegar factos demonstrativos da dimensão e da história das suas actividades empresariais e a enumerar os país e regiões onde tem actividades comerciais, não logrou no entanto demonstrar a excepcional notoriedade nem a excepcional atracção ou satisfação junto dos consumidores aqui na RAEM, nem essas circunstâncias podem ser consideradas demonstradas por se tratarem de factos que não carecem de alegação ou de prova, nos termos prescritos no artº 434º do CPC.
Pelo que fica dito supra e nos termos permitidos pelo disposto no artº 631º/5 do CPC, louvamos a sentença recorrida e devemos com os fundamentos nela expostos julgar improcedente o presente recurso.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
1. indeferir a requerida junção tardia dos documentos ora constantes das fls. 160 a 277 dos p. autos, ordenando o seu desentranhamento e a consequente devolução à recorrente; e
2. negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas do incidente e do recurso pela recorrente.
Notifique.
RAEM, 07FEV2013
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
1 Apesar de afirmar que é titular de outras marcas registadas noutras jurisdições, a recorrente não as invoca como fundamento do recurso na parte respeitante à imitação de marca de prestígio, pelo que, não se vendo razões oficiosas para tanto, não serão as mesmas ponderadas nesta questão, apesar de o motivo de recusa em causa não exigir que a marca de prestígio esteja registada em Macau (art. 214º, nº 1, al. c) do RJPI - Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 97/99/M, de 13 de Dezembro, a que pertencem todos os artigos seguidamente mencionados sem indicação de origem).
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Proc. 844/2011-1