Proc. nº 185/2012
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Fevereiro de 2013
Descritores:
-Facto Jurídico
-Inspecção anual de veículos
SUMÁRIO:
I- Nenhuma hipótese típica legitimadora de uma intervenção administrativa ablativa, agressiva e sancionatória se pode apartar da convergência dos elementos objectivos e subjectivos que envolvem a prática do facto.
II- O facto jurídico é o facto humano, com origem na vontade do homem, de que a norma faz depender a produção de efeitos de direito. Para isso, é necessário um acto humano volitivo, a consciencialização da exteriorização e a adequação do acto à obtenção do resultado.
III- Se o proprietário não pode impedir a ocorrência de uma avaria que impeça o seu veículo de ser levado à inspecção periódica de veículos, já sobre si recai o ónus de, ou tratar de o reparar antes da inspecção, ou rebocá-lo avariado à inspecção, mesmo correndo o risco de ser reprovado, ou apresentar justificação para a não comparência.
IV- Nenhuma dessas coisas fazendo, o facto jurídico subsume-se à previsão dos arts. 11º, nº4, 12º, al. 3), 18º, nº1 e 20º, nº1, do Regulamento do Imposto dos Veículos Motorizados, podendo a Administração proceder à declaração de caducidade da isenção do imposto concedida anteriormente e à liquidação adicional do imposto devido.
Proc. Nº 185/2012
(Recurso Contencioso)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
“A, Limitada”, com sede em Macau, na XXX, inscrita na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 1246 (SO) recorre contenciosamente da decisão do Ex.mo Secretário da Economia e Finanças, de 1/02/2012.
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Na petição inicial, apresentou as seguintes conclusões:
«A. O Ex.mo Senhor Secretário da Economia e Finanças decidiu-se pela caducidade do acto de reconhecimento da isenção ao abrigo da alínea 3) do Art. 12.º do RIVM, em virtude de não ter comparecido à inspecção anual, de acordo com o n.º 4 do Art. 11.º do mesmo RIVM;
B. Esta caducidade implica para a Recorrente, segundo a liquidação oficiosa da DSF, o pagamento de imposto sobre veículos motorizados de MOP$149.000,00, para cada um dos cinco veículos referidos;
C. A este imposto acresce, ainda, juros compensatórios de MOP$1.871,00, para cada um dos veículos;
D. A inspecção que não foi realizada pela Recorrente, tempestivamente em Setembro de 2011, já foi, entretanto, realizada;
E. Só o não tendo sido antes porque os supra mencionados veículos, se encontravam avariados, não estavam em condições de se deslocar ao centro de inspecção do IACM;
F. Em Setembro de 2011, por que sabia da obrigatoriedade das inspecções, a Recorrente realizou todos os esforços, junto da oficina de reparação, para a importação das peças necessárias e a consequente reparação dos veículos;
G. Assim, logo que a reparação dos veículos ficou concluída, foram, os mesmos, levados à inspecção no início de Janeiro de 2012, obtendo a aprovação do centro de inspecções;
H. Havendo, apenas um atraso, involuntário, na realização da inspecção, não pode, por isso, haver caducidade do acto de reconhecimento da isenção do imposto;
I. Muito menos, haver lugar, a qualquer pagamento de juros compensatórios;
J. O despacho recorrido violou os Art. 11.º n.º 4, 12.º alínea 3), 18.º n.º 1 e 20.º n.º 1, todos do Regulamento do Imposto de Veículos Motorizados.
TERMOS EM QUE e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprireis, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a decisão proferida, alterando-a por forma a acolher as conclusões e argumentos acima expostas».
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Contestou a entidade recorrida, pugnando pela inexistência dos vícios imputados pelo recorrente ao acto sindicado, nos seguintes termos conclusivos:
«I. Como se demonstrou ao longo da peça, a Administração fiscal agiu com respeito aos princípios norteadores da sua actividade tributária, os princípios da legalidade, igualdade e justiça.
II. Com efeito, o acto administrativo não padece de vício de violação de lei, o incumprimento do dever de comparência dos veículos às duas datas previstas para efectuar a inspecção anual, sem a sociedade proceder a qualquer comunicação à DSAT ou justificar a falta de comparência dos veículos à inspecção anual, reuniram os factos que constituem o pressuposto para a caducidade do acto de reconhecimento da isenção aos veículos em apreço, por determinação legal dos artigos 11º n.º 4 e artigo 12º alíneas 3) e 4) do RIVM.
III. Os factos ocorridos subsumiram-se aos pressupostos de facto e de direito que permitem a caducidade do acto de reconhecimento da isenção para cada um deste cinco veículos, e nesse seguimento gerou a liquidação oficiosa do, imposto sobre os veículos motorizados no total de MOP$ 754,355.00 - setecentas e cinquenta e quatro mil trezentas e cinquenta e cinco patacas - autorizada por despacho da Exma. Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 25/11/2011.
IV. Importâncias que se reportam à data da transmissão dos veículos motorizados novos ao consumidor, data em que o imposto é exigível. Na situação em apreço a 20 de Junho de 2007.
V. Perante a objectividade dos fundamentos de facto e de direito reunidos para efectuar a liquidação oficiosa, nos termos aplicáveis dos artigos 11º n.º 4 e artigo 12º alíneas 3) e 4) ex vi artigo 18º, n.º 1 e n.º 2 do RIVM, a Administração fiscal mais não fez que cumprir o que está determinado legalmente no RIVM.
VI. A lei não deixou espaço livre para escolher como fundamentos da falta: à inspecção, os pressupostos que na perspectiva da recorrente se mostram justificativos para o incumprimento do dever de sujeição dos veículos à inspecção anual, e comunicados intempestivamente à Administração fiscal 3 meses depois do Incumprimento da: obrigação.
VII. Impõe-se à Administração fiscal actuar pautada pela juridicidade e obrigatoriedade em aplicar a lei, nesta exacta medida, a falta à inspecção anual constitui o pressuposto de facto subjacente à caducidade do acto de reconhecimento da decisão, em respeito pelo princípio da legalidade.
VIII. Logo, não podia ser outro entendimento do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que concordar com a caducidade do acto de reconhecimento da isenção e a liquidação oficiosa do IVM dos veículos, termos em que, considerou improcedentes os fundamentos da recorrente.
IX. Os documentos apresentados pela recorrente - referentes aos encargos do conserto dos veículos, reportam-se a 13 de Janeiro de 2012, para além de intempestivos e dilatórios, não produzem força probatória que nos termos da lei, permita à Administração fiscal chegar a outra solução e conclusão para esta situação concreta.
X. Por tudo o exposto, dos factos provados e as normas aplicáveis - cfr. artigos 11 º n.º 4 e artigo 12º alíneas 3) e 4) ex vi artigo 18º, n.º 1 e n.º 2 do RIVM - o acto ora sub judice não enferma erro de direito sobre os pressupostos, uma vez que, o incumprimento da obrigação de realizar a inspecção anual pelos veículos - beneficiários da isenção, é subsumível no pressuposto legalmente previsto na lei para a caducidade do acto de reconhecimento da isenção.
XI. Daí, não se aceita que tenha havido a preterição de qualquer pressuposto legal nem vício de violação de lei susceptível de ferir de nulidade o acto administrativo que decidiu a caducidade do acto de reconhecimento da isenção e gerou a liquidação oficiosa do IVM aos veículos.
XII. Em conclusão, é de improceder a alegada violação de lei em sede de RIVM - cfr. art. 11º n.º 4, art.12º alínea 3), art. 18º n.º 1 e 20º, n.º 1.
Nestes termos e nos demais de direito, pelos fundamentos expostos e com o sempre mui douto suprimento de Vas Exas, requer-se respeitosamente que o presente recurso seja julgado improcedente, por o acto administrativo posto em crise não padecer do alegado vício de violação de lei, sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 01 de Fevereiro 2012, com todas as demais consequências legais, só assim se fazendo Justiça».
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Produziu-se oportunamente prova testemunhal e, na sequência disso, a recorrente apresentou alegações facultativas, cujas conclusões são a reprodução das já formuladas na petição inicial e acima transcritas.
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A entidade recorrida não alegou.
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O digno Magistrado emitiu o seguinte parecer:
«Vem a “A, Lda” impugnar o despacho do secretário para a Economia e Finanças de 1/2/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão de caducidade do acto de reconhecimento de isenção e a liquidação oficiosa de IVM de que aquela empresa é sujeito passivo, porque proprietária dos 5 veículos identificados, assacando-lhe vício de violação de lei, mais concretamente de atropelo dos artºs 11º, nº 4, 12º, al. 3), 18º, nº 1 e 20º, nº 1, todos do RIVM, argumentando, em síntese, que a falta à inspecção anual dos veículos em questão se ficou a dever ao facto de os mesmos se encontrarem, há muito, parados, resultando do seu não uso danos em várias peças, com consequentes avarias que os impossibilitaram de deslocação às inspecções, sendo que, tendo envidado todos os esforços junto da oficina de reparações para a importação das peças necessárias e consequente reparação das avarias, apresentou, logo que completada esta, os veículos à inspecção em Janeiro de 2012, obtendo a aprovação do centro de inspecções, razão por que, em seu critério, não alcança justificação o decidido, que vê com afronta dos dispositivos já mencionados.
Não vemos, porém, como assistir-lhe qualquer razão.
É que, desde logo, mesmo dando de barato a veracidade da totalidade da versão por si apresentada, não se descortina que a lei deixe, como bem acentua a recorrida “espaço livre para escolher como fundamentos do incumprimento do dever de sujeição dos veículos à inspecção anual, os pressupostos que, na perspectiva da recorrente, se mostram justificativos para impedir o deslocamento dos seus veículos ao centro de inspecções...”.
Mas, mesmo que em sentido diverso se pudesse entender, não explica a visada das razões por que, após ter faltado à inspecção na data designada e tendo-lhe sido concedido prazo acrescido de 15 dias para o efeito (que também não cumpriu), não forneceu, atempadamente, qualquer tipo de explicação, de justificação para o efeito junto dos serviços competentes, a não ser já decorridos cerca de 3 meses após o incumprimento da obrigação, quando já “acossada” pela produção do acto primário, sendo certo que se as pretensas avarias dos veículos a poderiam impedir da comparência à exigível inspecção, o mesmo não se passaria, com certeza, relativamente à justificação da omissão...
Donde, não se descortinar, quer no plano objectivo, relativo aos fundamentos de facto e de direito conducentes à caducidade do acto de reconhecimento de isenção e consequente efectivação da liquidação oficiosa, quer no plano subjectivo, atinente à postura efectiva da visada, sujeita passiva do imposto, o atropelo de qualquer das normas pela mesma invocadas, razão por que somos a pugnar pela improcedência do presente recurso».
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
1 – A recorrente “A, Limitada” é proprietário dos veículos de marca Dong Feng com as matrículas MM-XX-XX, MM-XX-XX, MM-XX-XX, MM-XX-XX, MM-XX-XX.
2 – Não compareceu à inspecção anual efectuada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSET) a 2/09/2011, sendo por isso marcada uma segunda inspecção a realizar até 1/11/2011.
3 – A recorrente também não compareceu a esta segunda inspecção, nem justificou o motivo da não comparência.
4 – A Ex.ma Directora dos Serviços de Finanças em 25/11/2011, por esse motivo, determinou a liquidação oficiosa do imposto sobre veículos motorizados, no montante individual de Mop$ 149.000,00, com o acréscimo de juros compensatórios no valor de Mop$ 1.871,00 relativamente a cada um, com reporte à data de aquisição, ou seja, a 20/06/2007.
5 – A recorrente recorreu hierarquicamente para o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, que em 1/02/2012 o julgou improcedente.
6 – A recorrente foi notificada da decisão através do ofício nº 0438/NVT/DOI/RFM/2012.
Da prova testemunhal obtida:
- Os veículos estavam estacionados num parque descoberto junto do aeroporto desde há vários anos;
- Foram objecto de inspecção, com aprovação, no início de Janeiro de 2012, após intervenção mecânica.
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IV- O Direito
Estando os veículos em apreço isentos da incidência de imposto sobre veículos motorizados (cfr. arts 5º e 6º da Lei nº 5/2002, in BO de 17/06/2002, doravante apenas RIVM), a manutenção da isenção está dependente de certos comportamentos do beneficiário.
Não tendo a recorrente levado os veículos à inspecção periódica (anual), foi decidido declarar a caducidade do acto de reconhecimento da isenção e determinar a liquidação oficiosa do imposto, ao abrigo dos arts. 11º, nº4 e 12º, alíneas 3) e 4), do RIVM.
Vejamos, então, o que dispõem os arts. 11º e 12º do citado diploma:
Artigo 11.º
Inspecções
1. O beneficiário da isenção dependente do cumprimento da obrigação prevista nos nºs 2 e 3 do artigo 7.º deve requerer à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego*, no prazo de 30 dias a contar da notificação do deferimento do pedido de isenção, a realização de uma inspecção destinada a verificar o seu cumprimento.
2. O requerimento deve ser acompanhado de um esboço detalhado das inscrições previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 7.º, com indicação das dimensões dos dizeres e das respectivas cores.
3. Verificando-se incumprimento, é o veículo sujeito a nova inspecção, de natureza extraordinária, no prazo de 15 dias, a qual é logo marcada.
4. Os veículos motorizados abrangidos pela obrigação prevista nos nºs 2 e 3 do artigo 7.º são sujeitos a uma inspecção anual pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, para os efeitos previstos no n.º 1.
5. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego comunica à Direcção dos Serviços de Finanças, no prazo de cinco dias a contar da data em que a inspecção teve, ou devia ter tido lugar, todas as situações de incumprimento e falta de comparência.
Artigo 12.º
Caducidade
O acto de reconhecimento da isenção caduca quando se verifique:
1) Incumprimento da obrigação prevista no n.º 1 do artigo 11.º;
2) Incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 7.º até à segunda inspecção prevista no n.º 3 do artigo 11.º;
3) Não comparência a qualquer das inspecções previstas no artigo 11.º;
4) Incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 7.º na data da inspecção anual prevista no n.º 4 do artigo 11.º
Parece não oferecer dúvidas de monta a obrigação a que estão sujeitos os beneficiários da isenção do referido imposto no que se refere à necessidade de levar os veículos em causa à inspecção anual, sob pena de caducidade da isenção e consequente liquidação oficiosa do imposto.
A própria recorrente não se mostra avessa a este entendimento. Simplesmente, pretendeu trazer aos autos a revelação daquilo que para si constitui uma causa de justificação para a omissão verificada, isto é, para o não cumprimento da sua obrigação inspectiva. Os veículos estariam avariados e, por isso, não os podia retirar do parque onde eles estavam estacionados para os conduzir à inspecção.
É um facto que a Administração tributária somente atendeu à situação objectiva, à realidade concernente à não inspecção das viaturas. E também certo é que o diploma legal mencionado não apresenta nenhuma norma capaz de ilustrar causas de justificação de comportamentos omissivos por parte dos sujeitos passivos.
Quer dizer, se atendêssemos simplesmente ao pressuposto normativo, à hipótese tipificada objectivamente na norma, teríamos que dar imediatamente razão à entidade recorrida. Não teria incorrido em qualquer erro na formação da vontade, porque a decisão se ajustava à fattispecie. E tão-pouco nesse caso se poderia falar em violação da lei.
Não se pode subestimar, porém, a causa do facto. É aqui que entra a justificação para a omissão, para a revelação da ocorrência de algum evento obstaculizante da prática atempada do facto. Precisa é, pois, para além da realidade do facto, também a realidade externa ao facto ao qual a objectividade deste também se refere. “Quem não entender os factos do caso, nada entenderá do direito no caso”1. Noutra perspectiva, tudo se resume a uma questão da culpa no não cumprimento da obrigação que sobre a recorrente recaía sem justificação da falta (que no caso se traduz na ausência à inspecção dentro do prazo)2 .
Na verdade, nunca nenhuma hipótese típica legitimadora de uma intervenção administrativa agressiva, ablativa e sancionatória se pode apartar, da convergência dos elementos objectivos e subjectivos que envolvem a prática do facto e, por isso mesmo, também não pode a Administração, no momento de decidir, deixar de os ter em consideração. É que se apenas se olhar para a realidade objectiva, pode ter que se chegar à perniciosa conclusão de se estar perante um acto sem causa. Ora, o facto jurídico é o evento a que o Direito reconhece relevância como fonte de eficácia jurídica. A criação de efeitos jurídicos cabe à norma jurídica. Daí que, os factos jurídicos constituam a caracterização das situações de que, sob forma hipotética, a norma faz depender a produção de efeitos de Direito. E se estamos a falar de factos humanos (desconsideremos os naturais), falamos ainda necessariamente de factos com origem na vontade humana. E assim é que os factos humanos voluntários, ou actos jurídicos, devem distinguir-se dos factos humanos involuntários, consoante a vontade tem um papel juridicamente relevante, isto é, conforme a vontade é determinante na produção dos efeitos jurídicos, independentemente de se tratar de um facere (acção) ou de um non facere (omissão). A norma jurídica pressupõe o acto humano voluntário e não incide somente sobre a consequência de tal acto. O acto jurídico é o fato jurídico cujo suporte fáctico tenha no seu cerne uma exteriorização consciente da vontade, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível. Por conseguinte, é necessário que co-existam os seguintes elementos: a) o acto humano volitivo, correspondendo a uma conduta que representa uma exteriorização da vontade, mediante declaração ou manifestação, conforme a espécie, que constitua uma conduta juridicamente relevante e, por isso, prevista como suporte fáctico da norma jurídica; b) a consciencialização da exteriorização, ou seja, é necessário que o sujeito manifeste ou declare a vontade com o intuito de realizar aquela conduta juridicamente relevante; c) que esse acto tenha por finalidade a obtenção de um resultado possível e protegido, ou pelo menos não proibido (permitido) pelo Direito.
Assim se compreende, agora, que a recorrente tenha procurado apresentar como causa do facto algo que escapou à sua vontade, um evento natural ou extraordinário estranho ao elemento volitivo ínsito no facto juridicamente relevante previsto na norma: a avaria dos veículos. Não teria apresentado as viaturas à inspecção na data aprazada por estarem avariadas. Pois bem, a avaria podia efectivamente impedi-la de os fazer comparecer à inspecção se ela fosse de tal ordem grave que, em virtude dela, as viaturas não pudessem circular de maneira nenhuma! Embora pudéssemos formular aqui juízos de estranheza, se considerássemos pouco plausível que todos os veículos sofressem do mesmo mal e ao mesmo tempo (embora duas testemunhas tivessem confirmado que eles estavam no parque de estacionamento há vários anos), o certo é que, mesmo nessa hipótese deveria a recorrente ter feito uma de duas coisas: ou demonstrar perante a entidade competente a impossibilidade de movimentação das viaturas pelos seus próprios meios, ou transportá-los, um a um, em reboque até ao local da inspecção. Tivesse ela feito uma destas coisas, então, por certo, nada semelhante ao que agora impugna teria acontecido: na primeira hipótese, estaria justificada a omissão com a ausência de culpa, quer dizer, sem intervenção da sua vontade determinada; na segunda hipótese, estaria mesmo cumprida a sua obrigação, mesmo que fosse mais do que certa a reprovação dos veículos na inspecção.
Nada disso fez a recorrente. E, por outro lado, se o não fez num primeiro momento, igual relapsia mostrou num segundo momento, pois na data designada para a segunda inspecção a recorrente continuou sem comparecer com os veículos e sem dar para a ausência qualquer justificação. Se os veículos estavam desde há vários anos sem circular na via pública, a recorrente deveria ter sido diligente e proceder como qualquer cauteloso proprietário cônscio e inteirado do ónus que sobre si carrega nesta matéria: antes de cumprir a obrigação, certificar-se-ia do estado das viaturas e trataria de as colocar em estado de boa circulação dentro dos parâmetros que se sabe serem equacionados em cada acto inspectivo. Não o fez ao longo dos anos e, em vez disso, a recorrente só se preocupou em proceder à reparação após a data em que deveria comparecer à diligência (2/09/2011). Além disso, tendo sido marcada uma nova data para o efeito (até 1/11/2011), a recorrente nem assim apresentou as viaturas à inspecção dentro do prazo, pois esta apenas se viria a realizar em Janeiro de 2012.
Isto significa que se, para a avaria pode não ter contribuído a vontade humana da recorrente, já para a ausência à inspecção, por duas vezes, a recorrente acabou por ser determinante. Podia, assim a Administração proceder à caducidade da isenção (arts. 11º, n 4 e 12º, nº3, do RIVM), assim como determinar a liquidação oficiosa do imposto devido com acréscimo de juros compensatórios em caso de pagamento tardio do imposto (arts. 18º, nº1 e 20º, nº2, do citado diploma).
Neste sentido, porque aqueles preceitos não se têm por violados pela entidade recorrida, nada há a censurar no acto sindicado.
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V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 28 / 02 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
Estive presente
Mai Man Ieng
1 Agustin Gordillo, in Tratado de Derecho Administrativo, I, parte general, pag. I-43.
2 De justificação como acontece como art. 95º, nº3 do CPA, por exemplo.
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