Processo n.º 775/2012
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 18/Abril/2013
ASSUNTOS:
- Negócio simulado
SUMÁRIO :
Há factos que não deixam de o ser por não serem directamente apreensíveis, por pertencerem ao foro íntimo, por se situarem no domínio do volitivo e do intelecto. Não se pode abrir a cabeça dos declarantes e observar o que quiseram quando proferiram uma determinada declaração, mesmo que formalmente com aparência negocial. Se o declarante A diz vender e o B diz comprar mas não é isso que eles pretendem, antes dizem celebrar um negócio para enganar e prejudicar terceira pessoa, o que se colhe indirectamente de uma factualidade adjuvante - seja a divergência entre o preço de mercado e a negociada, seja a ausência de uma justificação para esse negócio, seja um mau relacionamento entre o casal, seja a falsa declaração quanto ao regime de bens, seja o facto de esse imóvel ter sido adquirido pelo cônjuge alienante em solteiro, seja o facto de ter sobrevindo uma estipulação de comunhão geral de bens, seja a verificação de uma alienação não consentida por ambos os cônjuges, seja o facto de não se comprovarem actos de posse do novo pretenso proprietário, seja o facto de se ter escondido tal alienação - é que tudo aponta para existência de um negócio simulado. Esta prova, por vezes, traduz-se numa prova verdadeiramente diabólica e só muito dificilmente se consegue atingir a verdade dos factos. Há então que sair das formas e das formalidades, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 775/2012
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 18/Abril/2013
Recorrente: A
Recorridos: B
C
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, do sexo feminino, residente de Macau, com os melhores sinais da petição, intentou no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base uma acção com processo ordinário contra B, do sexo masculino, residente de Macau e C, do sexo feminino, residente de Macau, com os melhores sinais dos autos,1.º R. e 2.ª R., respectivamente, com os fundamentos de facto e de direito constantes da petição inicial a fls. 2 a 6 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A A. pediu que fosse julgada procedente a acção, fosse anulado o negócio de compra e venda da fracção autónoma 19.º andar H em causa praticado pelo 1.º R. e pela 2.ª R., em 3 de Março de 2009, por venda não autorizada de bem comum do casal, que fosse autorizado o cancelamento de todos os registos do referido negócio jurídico e fossem condenados os RR. a pagar as custas processuais e as despesas com honorários do mandatário judicial.
Citados, os RR. contestaram tempestivamente, invocando a excepção da caducidade do direito de acção e impugnando os factos articulados pela A. (vide as contestações a fls. 52 a 57 e 59 a 63 dos autos).
Na réplica, a A. ampliou a causa de pedir e pedido, referindo subsidariamente que o negócio praticado pelo 1.º R. e pela 2.ª R. em 3 de Março de 2009 foi um negócio jurídico simulado, por isso, requereu que fosse declarada nula a referida compra e venda, fosse ordenado o cancelamento do registo relacionado com tal negócio jurídico ou fossem condenados o 1.º R. e a 2.ª R. a pagar-lhe um montante de MOP$700.000,00 a título de indemnização pelo dano por si sofrido (vide a réplica a fls. 71 a 75 dos autos).
Veio a ser proferida douta sentença, nos termos da qual se julgou parcialmente procedente a acção intentada pela A., A, contra o 1.º R., B, e se condenou o 1.º R. a pagar à A. um montante de MOP$175.000,00 (cento e setenta e cinco mil patacas), sendo ainda negado provimento aos restantes pedidos formulados pela A. contra o 1.º R. B e a 2.ª R. C.
2. Inconformado com esta sentença, dela vem recorrer A, alegando em síntese conclusiva:
1. Conforme o relatório de avaliação do imóvel que se anexa ao requerimento da medida de provas apresentado pela recorrente em 15 de Setembro de 2011, ora constante dos autos, o valor avaliado é de HKD1.500.000,00.
2. O referido relatório de avaliação de imóvel foi elaborado em 8 de Julho de 2011, porém, conforme o registo, entre o dia em que a referida fracção foi alienada (em 3 de Março de 2009) e 8 de Julho de 2011, o valor de imóvel não representou um aumento de mais de 50%, e só, quando muito, existiu um aumento de 10% a 15%.
3. Efectuando um ajustamento depois de ter em conta o factor acima referido, a resposta dada ao facto do artigo 26.º da base instrutória deve ser: “na altura, a referida fracção deve ter, pelo menos, um valor de MOP$1.400.000,00”, e não de MOP$1.000.000,00 como referido pelo tribunal a quo.
4. A recorrente entende que o tribunal a quo deve apenas provar a matéria de facto e não deve avaliar o valor do objecto da matéria de facto, uma vez que a avaliação do valor de tal objecto é do âmbito de perícia profissional.
5. A recorrente pede que os MM.ºs Juízes alterem a resposta dada ao facto do artigo 26.º da base instrutória do acórdão do tribunal a quo para “na altura, a referida fracção deve ter, pelo menos, um valor de MOP$1.400.000,00”.
6. Quanto ao negócio jurídico simulado, in casu, sintetizando os aludidos factos provados, na escritura pública da compra e venda, o 1.º arguido prestou dolosamente declaração falsa sobre o seu regime de matrimonial de bens.
7. Apesar de não se conseguir provar a relação de parentesco entre o 1.º R. e a 2.ª R., pode-se, pelo menos, provar que a 2.ª R. conhece o 1.º R, sabendo a deterioração da relação conjugal entre a recorrente e o 1.º R. e a condição familiar destes. Na realidade, dos factos dados como provados resulta que a deterioração da relação conjugal entre a recorrente e a 2.ª R. (sic.) já há vários anos, nomeadamente antes da alienação da referida fracção, tal situação já existia e continuou a piorar e, a referida fracção tem sido a única casa de morada da recorrente, do 1.º R. e das filhas. Perante tal situação, a 2.ª R. ainda praticou o negócio jurídico ora impugnado em conjunto com o 1.º R..
8. Daí, pode-se ver que, o 1.º R. e a 2.ª R., agindo em conluio e na forma dolosa, declararam falsamente o regime matrimonial de bens do 1.º R. e a recorrente, a fim de enganar o notário que lavrou a referida escritura pública da compra e venda e a Conservatória de Registo Predial, de forma a concretizar a referida transferência, o seu objectivo final é escapar da oposição da recorrente quando esta tomar conhecimento de tal facto, no intuito de enganar a recorrente e causar-lhe prejuízos dos benefícios resultantes dos bens comuns do casal e dos seus direitos e interesses de gozo sobre a casa de morada de família.
9. Concretamente, a recorrente pretende divorciar-se dele. Embora o divórcio seja exactamente a vontade do 1.º R., o 1.º R. não quis que a recorrente obtém quaisquer benefícios resultantes dos bens comuns do casal após o divórcio.
10. Desde o momento em que ambas as partes prepararam-se para divorciar-se, o 1.º R. começou a arrepender-se da convenção antenupcial celebrada antes do casamento onde ambas as partes convencionaram que o regime de matrimonial de bens é o da comunhão geral de bens como, razão pela qual arranjou maneira para impedir a A. de exercer o direito de partilhar legalmente através do regime da comunhão geral de bens os patrimónios adquiridos pelo 1.º R. antes do casamento.
11. Assim, o 1.º R. e a 2.ª R. combinaram fazer uma transacção de compra e venda falsa, isto é, transmitiu formalmente à 2.ª R. a propriedade da fracção em causa através da escritura de compra e venda e procedeu ao respectivo registo.
12. Mais ainda no dia seguinte da transacção de compra e venda, o 1.º R. e a 2.ª R. praticaram, sem o conhecimento da recorrente, o falso acto de arrendamento, de modo que a recorrente, o 1.º R. e as suas filhas não necessitassem de despejar da referida fracção, criando um fenómeno falso de que a referida fracção não foi vendida, o que levou a que a recorrente e as suas filhas nunca soubessem o facto.
13. Quer os factos dados como provados, quer os elementos constantes dos autos, não podem provar que existe qualquer entrega de rendas no referido acto de arrendamento.
14. Efectivamente, até agora, o 1.º R. ainda possui o direito de propriedade da referida fracção e exerce a sua posse.
15. Apesar de o 1.º R. e a 2.ª R. alegarem que o contrato de arrendamento estipula que o valor da renda incluía as despesas de condomínio, na verdade, até agora, as despesas mensais de condomínio referentes a tal fracção têm sido suportadas pelo 1.º R. (vide os Anexos 3 a 6 da contestação da Autora). Quanto a tal facto, ou seja, o valor da renda incluía as despesas de condomínio, isto implica que o 1.º R, como o arrendatário, não necessita de pagar as despesas de condomínio referente a tal fracção, e quem paga tais despesas deve ser a 2.ª R. como a locadora, porém, os factos dados como provados revelam que até agora, as despesas mensais do condomínio da referida fracção ainda têm sido suportadas pelo 1.º R., facto esse é muito anormal. Sem outros factos provados que podem comprovar que existe facto justificativo, daí pode-se revelar que existe acordo ou conluio entre o 1.º R. e a 2.ª R., no intuito de enganar terceiro.
16. As despesas de conservação das antenas comuns e dos intercomunicadores de segurança de tal fracção também têm sido suportadas até agora pelo 1.º R., e após a transferência da propriedade de tal fracção, as respectivas contas de água e de electricidade abertas em nome do 1.º R. mantêm-se registadas em seu nome e têm sido pagas pelo 1.º R., a 2.ª R. nunca requereu junto das entidades de abastecimento da água e de electricidade a alteração do nome do utente destes serviços. Tais factos provados, a certo nível, podem revelar quem é o verdadeiro proprietário da referida fracção e se a alienação é verdadeira.
17. Os RR. alegaram respectivamente que o valor da referida fracção é apenas de MOP$350.000,00, valor esse manifestamente não corresponde ao valor de mercado.
18. Mesmo que o tribunal a quo provasse que a aludida fracção tinha um valor de mercado de MOP$1.000.000,00, conforme as regras de experiência comum e o senso comum, cabe perguntar: se há proprietário que está disposto a vender sua propriedade a um terceiro desconhecido ou terceiro com quem não tem nenhuma relação de parentesco por um preço inferior a 65% do valor de mercado?! Mais ainda, o 1.º R. nunca referiu qualquer motivo ou explicação justificativa para provar a razão pela qual ele vendeu tal fracção com um preço muito mais baixo do que o de mercado e, os factos provados também não comprovam tais motivos ou factos justificativos.
19. Os elementos constantes dos autos revelam que o 1.º R. é croupier do casino, tendo um rendimento alto e estável, não tem vício nos jogos de fortuna e azar nem dívidas ou necessidade urgente de dinheiro e, desde o início do ano de 2009 até agora, o valor de imóvel não representa qualquer queda mas sim um aumento contínuo.
20. Conforme as situações naquela altura, o 1.º R. não tinha qualquer motivo, razão ou necessidade para vender a fracção que tem sido a casa de morada da família por um preço de MOP$350.000,00 a um terceiro alegadamente desconhecido, ora a 2.ª R.. Isto é manifestamente anormal, mesmo é impossível explicar!
21. Não houve qualquer entrega da fracção objecto da referida compra e venda e, de facto, quer antes, quer depois do acto de compra e venda falso, o 1.º R., a recorrente e as suas filhas têm vivido na referida fracção como a sua casa de morada de família, nunca a 2.ª R. recebendo, de forma formal ou material, a entrega da referida fracção feita pelo 1.º R..
22. Pelo que, o negócio jurídico da compra e venda da referida fracção não é a vontade real do 1.º R. e a 2.ª R., sendo apenas a declaração de vontade falsa mediante acordo entre eles, com a intenção de enganar, através de tal acordo, a recorrente e causar-lhe prejuízos dos direitos e interesses.
23. O presente processo já reúne os três requisitos acima referidos.
24. O acórdão do tribunal a quo violou o artigo 232.º n.º 1 do Código Civil e as doutrinas portuguesas acima citadas.
25. A recorrente pediu que o tribunal a quo proferisse uma decisão condenatória a título de indemnização pelo dano por si sofrido, porém, o tribunal a quo chegou a julgar que a recorrente tem direito a receber do 1.º R. a metade do valor resultante da venda do património comum. No referido acórdão, o tribunal a quo limitou-se a indicar o motivo de tal decisão, não especificando detalhadamente os fundamentos de facto e de direito que justificam tal decisão, nomeadamente ao proferir a decisão diferente ao pedido ampliado pela recorrente (a natureza, o título e o valor), o tribunal a quo não especificou nem explicou ou forneceu os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
26. A recorrente entende que o acórdão do tribunal a quo enferma do vício de nulidade uma vez que nos termos do artigo 571.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
27. Após uma leitura minuciosa do teor do acórdão ora impugnado, a recorrente não verificou que o tribunal a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão referente ao pedido ampliado pela recorrente.
28. Caso assim os MM.ºs Juízes não entendam, por mera cautela de patrocínio, a recorrente entende ser incorrecto o acórdão do tribunal a quo.
29. Sintetizando todos os factos provados, o decurso e as circunstâncias, pode-se definitivamente provar que o acto de venda praticado pelo 1.º R. prejudicou dolosamente os devidos direitos e interesses da recorrente, ou pelo menos, violou as disposições legais destinadas a proteger interesses da recorrente (nomeadamente o artigo 1609.º e ss., os artigos 1548.º e 1554.º do Código Civil).
30. Pelo que, a recorrente entende que o tribunal a quo deve proferir a sua decisão a título de indemnização pelo dano sofrido, e não a título de metade do valor resultante da venda do património comum que a recorrente tem direito a receber, senão, conforme os factos provados concretos do presente processo, o valor arbitrado pelo acórdão do tribunal a quo é, para a recorrente, muito injusto, uma vez que a recorrente sofreu dano por não ter tomado nenhum conhecimento da referida compra e venda.
31. O artigo 477.º n.º 1 do Código Civil prevê que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
32. Nos termos das disposições legais acima referidas, pode-se afirmar que caso o 1.º R. não ocultasse a recorrente nem prestasse falsa declaração sobre o regime matrimonial de bens nem praticasse o facto de venda em causa com um preço inferior ao de mercado, nunca a recorrente sofreu o dano resultante da diferença entre o valor de mercado e o valor inferior ao de mercado, causando directamente à recorrente dano resultante da partilha de bens do casal. Os actos do 1.º R. constituem factos lesivos, existindo nexo de causalidade entre tais factos e o aludido dano patrimonial da recorrente.
33. Sendo o lesante, o 1.º R. deve reconstituir a situação natural da recorrente, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
34. O 1.º R. deve reconstituir a situação natural da recorrente se não ocorresse o acto de venda em causa, isto é, a situação de que a recorrente não sofreu o dano patrimonial resultante do referido acto de venda.
35. O artigo 560.º n.º 1 do Código Civil consagra que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
36. Caso seja impossível reconstituir a situação natural anterior à lesão da recorrente, deve apenas ser fixada a indemnização em dinheiro, por isso, é necessário determinar ou provar o valor concreto do dano de natureza patrimonial.
37. Nos termos do artigo 560.º n.ºs 1 e 6 do Código Civil, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível; e se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
38. No caso sub judice, caso seja impossível a reconstituição, deve-se fixar a indemnização em dinheiro.
39. O tribunal a quo já provou o valor exacto do dano, isto é, a dita fracção tinha, pelo menos, um valor de mercado de MOP$1.000.000,00.
40. Ao conhecer do pedido ampliado pela recorrente, o tribunal a quo aplicou erradamente a lei, mesmo não indicou expressamente quais são as disposições legais aplicadas, a recorrente entende que quanto aos factos do dano de natureza patrimonial, o tribunal a quo só se faria justiça caso aplicasse os artigos 477.º n.º 1, 556.º, 557.º, 558.º n.º 1 e 560.º do Código Civil, pelo que, o acórdão do tribunal a quo violou as disposições legais acima citadas.
Nestes termos pede se julgue no sentido da procedência de todos os pedidos invocados nos pontos A) e B) da motivação acima referida, e, em consequência, se altere o conteúdo da resposta dada ao artigo 26.º da base instrutória do acórdão do tribunal a quo e se declare nulo o negócio praticado pelos RR. por se tratar de negócio simulado.
Caso assim se não entenda, se autorizem todos os pedidos invocados no ponto C) da motivação acima referida, e em consequência, se declare nulo o acórdão do tribunal a quo ora impugnado por enfermar do vício previsto no artigo 571.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, condenando-se o 1.º R. a pagar à recorrente um montante de MOP$500.000,00, a título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido na venda da referida fracção; caso seja procedente a impugnação da matéria de facto mencionada no ponto A), a recorrente pede se condene o 1.º R. a pagar à recorrente um montante de MOP$700.000,00, a título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido na venda da referida fracção.
3. B e C, RR. nos autos acima e à margem cotados, contra-alegam, em síntese:
1- A sentença recorrida não padece de qualquer vício, não existindo, assim, qualquer motivo para que a mesma seja total ou parcialmente revogada.
2- A recorrente ao insurgir-se quanto à resposta dada ao quesito 26º da Base Instrutória está apenas a pôr em causa o principio da livre apreciação das provas pelo tribunal, a que alude o art. 5580º do C.P.C.;
3- O douto colectivo deu a resposta que considerou mais correcta ao referido quesito 26º e justificou clara, concreta e expressamente o motivo pelo qual formou a sua convicção naquele sentido;
4- A recorrente pode não concordar com a resposta dada a esse quesito mas o que não pode é exigir que o Tribunal tenha o mesmo entendimento que a recorrente pois o tribunal é livre de apreciar as provas que lhe foram apresentadas e concluir da forma como entender mais correcta.
5- Para além disso, e no que diz respeito à simulação do negócio alegada pela recorrente, sempre se dirá que não ficou provado o acordo entre o 1° e a 2a RR., não ficou provado que entre eles existisse qualquer relação de parentesco, nem ficou igualmente provado que através da celebração da escritura pública os RR. tivessem tido intenção de transferir o direi to de propriedade da fracção autónoma em causa para a 2ª R. a título gratuito com o intuito de prejudicar a recorrente.
6- Assim sendo, bem andou o Meritissimo Juiz a quo ao decidir que não tinham sido dados como provados quaisquer factos que levassem a concluir ter existido simulação da venda realizada entre os RR.
7- Por último, também foi correcto o entendimento plasmado na sentença recorrida na parte em que considera que , atento já não ser possível à recorrente pedir a anulação da venda celebrada entre os RR., dado ter já expirado o prazo legalmente concedido para obter tal desiderato, na data em que a presente acção deu entrada em tribunal, apenas restaria à recorrente obter do seu marido o pagamento de metade do valor pelo qual este imóvel foi transaccionado.
Nestes termos, entendem, deve ser mantida, na íntegra, a sentença recorrida.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
A A. e o 1.º R. procederam ao registo de casamento na Conservatória de Registo Civil da RAEM em 10 de Setembro de 2007. (A)
Em 30 de Agosto de 2007, a A. e o 1.º R. celebraram uma convenção antenupcial, sendo o regime de bens de casamento o da comunhão geral de bens. (B)
Antes do casamento, o 1.º R. adquiriu, em 5 de Agosto de 1998, através da escritura pública, uma fracção autónoma denominada “H19” do 19.º andar H, para habitação, do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Macau, com os números 68 a 78 da Rua da XXX, números 1 a 3 da Rua do XXX e números 79 a 87 da Avenida do XXX, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21831-II (a fls. 159 v do Livro B99), inscrita na matriz predial sob o n.º 70653, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o n.º 27558 (a fls. 34 do Livro F37) (C).
O 1.º R. procedeu ao registo de aquisição da referida fracção autónoma em 14 de Agosto de 1998, inscrita a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 8347F (D).
Em 3 de Março de 2009, por escritura de compra e venda lavrada a fls. 140 do Livro 89 do Cartório de Notário Privado XXX, o 1.º R. vendeu a aludida fracção autónoma à 2.ª R., C, pelo preço de MOP$350.000,00. (E)
Em 5 de Março de 2009, a 2.ª R. procedeu ao registo de aquisição da aludida fracção, com a inscrição sob o n.º 179938G. (F)
Desde o casamento a A. e o 1.º R. passaram a residir na fracção autónoma referida em C) até ao nascimento das suas filhas, altura em que todos os quatro membros da família optaram por continuar a viver ali, fixando a casa de morada de família na mesma fracção. (1.º)
Nos últimos anos, a relação conjugal entre a A. e o 1.º R. começou a deteriorar-se. (2.º)
Na altura da celebração da escritura pública referida em E) pelo 1.º R., a A. não sabia sobre tal assunto. (3.º)
Enquanto o 1.º R. posteriormente também não deu a conhecer tal facto à A.. (4.º)
A A. soube que o 1.º R. tinha vendido tal fracção à 2.ª R. em Maio de 2009. (5.º e 6.º)
Por tal motivo, a A. entrou em negociação com o 1.º R., mas este não lhe deu importância. (7.º)
O relacionamento afectivo do casal foi cada vez pior. (8.º)
A relação da A. com o 1.º R. deixou de ser boa logo na altura em que nasceu a primeira filha do casal, em Janeiro de 2008. (9.º)
A partir dessa data a relação conjugal foi piorando. (10.º)
Em Agosto de 2009 nasceu a segunda filha do casal, mas a relação entre a A. e o seu marido, ora o 1.º R. não melhorou e, pelo contrário, continuou a piorar. (16.º)
No registo existente na Conservatória do Registo Predial o que constava era que o 1.º R. era “solteiro”. (18.º)
Na altura em que foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, o 1.º R. declarou que era “casado sob o regime da comunhão de adquiridos”. (19.º)
Os 1.º e 2.ª RR. celebraram um contrato de arrendamento no dia seguinte ao da transacção (ou seja, 4 de Março de 2009). (24.º)
A alegada transacção da dita fracção entre os RR. foi realizada em 3 de Março de 2009 pelo preço de MOP$350.000,00. (25.º)
A dita fracção tinha, pelo menos, um valor de mercado de MOP$1.000.000,00 (um milhão). (26.º)
A dita fracção, quer antes quer depois da transferência da sua propriedade a terceiros, não deixou de ser a casa de morada de família da A. e do 1.º R., onde estes tinham residido com suas filhas (27.º e 28.º)
Não obstante os 1.º e 2.ª RR. terem estipulado no contrato de arrendamento que o valor da renda incluía as despesas de condomínio, na verdade, até agora as despesas mensais do condomínio referente a tal fracção têm sido suportadas pelo 1.º R. (30.º)
As despesas de conservação das antenas comuns e dos intercomunicadores de segurança de tal fracção também têm sido suportadas até agora pelo 1.º R. (31.º)
Após a transferência da propriedade de tal fracção, as respectivas contas de água e de electricidade abertas em nome do 1.º R. mantêm-se registadas em seu nome e têm sido pagas pelo 1.º R. (32.º)
A 2.ª R. nunca requereu junto das entidades de abastecimento da água e de electricidade a alteração do nome do utente destes serviços. (33.º)
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto
- Da simulação do negócio
2. Impugnação da matéria de facto
Pretende a recorrente impugnar o valor encontrado para o imóvel em causa, entendendo que o Tribunal devia ter considerado um valor de MOP 1.400.000,00 e não o valor de MOP1.000.000,00 na resposta ao quesito 26.º da base instrutória
Invoca para tanto o relatório de avaliação do imóvel que anexou ao requerimento de15 de Setembro de 2011, relatório esse que terá sido elaborado por um terceiro independente e mesmo tendo em conta a data da alienação e a data da avaliação, só terá existido um aumento de 10% a 15%.
Não tem razão a recorrente.
Em primeiro lugar a avaliação particular não é vinculativa como não seria sequer a prova pericial se ela tivesse sido requerida nos autos.
Aliás, não se compreende que venha agora a recorrente pedir uma avaliação quando o não fez no momento processual adequado, sendo que o relatório apresentado tem o valor que tem e não deixa de esbarrar com os outros elementos probatórios a partir dos quais o Tribunal firmou a sua convicção.
Actualizamos aqui a justificação mui pertinente apresentada pelo Tribunal quanto a esta particular questão:
“Quanto à matéria relacionada com o valor da fracção na altura da celebração da escritura pública, recorrendo às regras de experiência comum, atendendo, em especial, à zona onde fica o prédio, à sua área e aos preços praticados no mercado imobiliário nos últimos anos em Macau, o Colectivo entende atribuir um valor não inferior a um milhão, e não o valor estimado no documento junto aos autos pela A., uma vez que o mesmo reporta-se ao ano 2011, sendo o preço imobiliário praticado nessa altura ainda mais elevado.”
Acresce que a valorização de 10 ou 15% não passa de uma alegação da parte, não havendo razões para contrariar o valor encontrado pelo Tribunal, tanto mais que houve algumas testemunhas, três, que foram oferecidas a tal matéria. E nada se alega quanto à desconsideração do que eventualmente tenha sido dito por elas.
Soçobra, pois, a pretensão da recorrente ao pretender alterado o referido valor.
3. Quanto ao negócio simulado do 1.º R. e da 2.ª R.
3.1. Afastou-se na sentença recorrida a tese da simulação com base no seguinte raciocínio:
“A A. também entendeu que o negócio de compra e venda entre o 1.º R. e a 2.ª R. é um negócio jurídico simulado, por isso, deve o mesmo ser declarado nulo.
Vamos agora fazer a seguinte análise.
O artigo 232.º do Código Civil de Macau prevê:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
1. O negócio simulado é nulo.”
Daí, pode-se ver que, constitui negócio simulado caso a vontade declarada seja diferente da vontade real quando o declarante e o declaratário praticam o negócio jurídico e a intenção do agente é para enganar o terceiro.
Os requisitos do negócio simulado são os seguintes:
1. Divergência entre a vontade declarada e a vontade real.
2. Existência do acordo ou conluio entre declarante e declaratório; e
3. Intuito de enganar o terceiro.
Ressalvo o meu respeito ao eventual diferente entendimento da A., porém, depois de sintetizar as situações do presente processo, entendo que os requisitos do negócio simulado não são suficientemente provados.
De facto, não se conseguiu provar a relação de parentesco entre o 1.º R. e a 2.ª R., nem se conseguiu provar que não houve entrega pecuniária entre o 1.º R. e a 2.ª R no referido negócio de compra e venda; a A. só pode provar que ao celebrar a escritura de compra e venda, o 1.º R. e a 2.ª R. declararam que o valor da fracção em causa era de MOP$350.000,00, contudo, conforme o valor de mercado, o referido imóvel tinha, pelo menos, o valor de MOP$1.000.000,00.
Porém, no meu entender, só com base em que o valor do imóvel não corresponde ao de mercado não é suficiente provar que existe negócio simulado de compra e venda entre os RR. e, os factos provados também não conseguem revelar divergência entre a declaração de vontade e a vontade real quando os RR. celebraram a escritura de compra e venda; mais ainda, também não se conseguiu provar que há conluio entre os RR. na celebração do contrato de compra e venda nem se conseguiu provar que o acto praticado pelos RR. visa enganar o terceiro.
Nestes termos, são manifestamente improcedentes os pedidos da A.. “
3.2. A recorrente entende que os factos acima considerados provados se mostram globalmente relevantes para se considerar que houve simulação do negócio.
3.3. Importa atentar que se alguns dos requisitos da simulação negocial estavam condensados no quesito 34º - os 1º e 3º RR (sic.) realizaram o negócio referido no artigo 23º, com o intuito de enganar a A. prejudicando-lhe os seus direitos e interesses? - e sobre essa matéria pronunciou-se o Tribunal Colectivo, dizendo: “Por ser facto conclusivo, não se aprecia nesta sede.”
3.4. Se se concorda com o enquadramento abstracto feito pelo Mmo Juiz no que concerne à simulação do negócio e seus requisitos, já não se acompanha o julgamento de facto por si elaborado quanto à inverificação dos requisitos do negócio simulado.
Não é a apenas a divergência entre o preço real e o preço declarado o único elemento a ponderar. Antes deve relevar toda a factualidade numa visão global e integrada.
3.5. É assim que não nos podemos alhear de que o R. e sua mulher estavam casados no regime da comunhão geral de bens, regime este que foi omitido aquando da celebração de escritura do imóvel que fora comprado pelo marido enquanto solteiro.
As relações do casal começaram-se a deteriorar-se logo que nasceu a 1ª filha.
O relacionamento entre o casal foi sendo cada vez pior.
Era ali que a família residia, sendo aquela a morada de casa de família e a dita venda foi feita pelo marido sem conhecimento do seu cônjuge.
Na escritura declara-se um preço de MOP$350.000,00, manifesta e inexplicavelmente muito abaixo do preço do valor do mercado que era, pelo menos, de MOP$1.000.000,00.
Os RR. logo celebraram um contrato de arrendamento de forma a permitir que a situação de facto não se alterasse a aquela família ali permanecesse, mas sem que a A. tivesse conhecimento de tal facto.
Não obstante aquela venda é o 1º R. que satisfaz as despesas do condomínio, não obstante se tivesse estipulado que o valor das rendas já incluía aquele valor.
Após celebrado negócio é o R. que suporta as despesas das antenas comuns e dos intercomunicadores de segurança, bem como continuam em nome dele as contas da água e electricidade, sendo tais despesas por ele suportadas, sendo que a 2ª Ré nunca requereu junto das entidades de abastecimento de água e electricidade a alteração do nome do utente de tais serviços.
3.6. É, pois, dentro deste quadro que a matéria de facto deve ser analisada e integrada.
Há factos que não deixam de o ser por não serem directamente apreensíveis, por pertencerem ao foro íntimo, por se situarem no domínio do volitivo e do intelecto. Não se pode abrir a cabeça dos declarantes e observar o que quiseram quando proferiram uma determinada declaração, mesmo que formalmente com aparência negocial. Se o declarante A diz vender e o B diz comprar mas não é isso que eles pretendem, antes dizem celebrar um negócio para enganar e prejudicar terceira pessoa, o que se colhe indirectamente de uma factualidade adjuvante - seja a divergência entre o preço de mercado e a negociada, seja a ausência de uma justificação para esse negócio, seja um mau relacionamento entre o casal, seja a falsa declaração quanto ao regime de bens, seja o facto de esse imóvel ter sido adquirido pelo cônjuge alienante em solteiro, seja o facto de ter sobrevindo uma estipulação de comunhão geral de bens, seja a verificação de uma alienação não consentida por ambos os cônjuges, seja o facto de não se comprovarem actos de posse do novo pretenso proprietário, seja o facto de se ter escondido tal alienação -, tudo aponta para existência de um negócio simulado. Esta prova, por vezes, traduz-se numa prova verdadeiramente diabólica e só muito dificilmente se consegue atingir a verdade dos factos. Há então que sair das formas e das formalidades, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas.
Nesta linha vai Manuel de Andrade, ao dizer:
“Pode acontecer que haja prova directa da simulação. Concebe-se, na verdade, que o acordo simulatório tenha sido feito (ou revelado) na presença de outras pessoas, naturalmente muito chegados aos simuladores. Neste caso será possível a prova testemunhal directa. Também se concebe que, para prevenir complicações futuras (dificuldades de prova ou até a deslealdade do simulado adquirente), os simuladores tenham feito um documento donde conste a simulação. Os documentos deste género têm o nome de contradeclarações.
(…)
Mas estes casos são raros. Os simuladores, em geral, procuram as trevas, fogem de testemunhas. Por outro lado está pouco divulgada entre nós a prática das contradeclarações. Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções, mais ou menos frisantes, de onde transpareça e se deixe inferir a existência da simulação. Assim, por ex., tratando-se de uma venda: a insolvência do vendedor ou a iminência de procedimento executivo contra ele; o parentesco ou amizade dos outorgantes; não ter o vendedor necessidade ou não ter o hábito de vender; não ter o comprador posses nem condições de vida que pudessem justificar ou explicar a compra; ter o vendedor continuado na posse dos bens vendidos (seja embora a título de arrendatário) ou a pagar os respectivos impostos; a reserva do usufruto para o vendedor; o modo precipitado ou clandestino da celebração do contrato; referir-se a venda a todos ou quase todos os bens do vendedor (1).
Esses indícios ou presunções, claro está, hão-de provar-se por testemunhas, por documentos, etc. Há que salientar, porém, a decisiva importância que reveste, quanto à prova indiciária ou conjectural da simulação, o demonstrar-se uma causa simulandi apropriada, ou seja, o motivo ou interesse que determinou a simulação. Doutra forma as presunções não serão convincentes, ou só muito dificilmente, porque ninguém simula por simular (2).”
É assim que no caso vertente há todo um circunstancialismo que não se articula entre si, que não joga com a celebração do dito negócio, desde logo a partir de uma injustificada discrepância entre o valor real da coisa e o valor negociado.
Ora sobre essa divergência nem uma palavra justificativa, parecendo que se impunha que o 1º R. viesse justificar a razão dessa perda de 65% do valor do imóvel, fosse pela premência da necessidade de dinheiro, fosse por um especial relacionamento com a 2º Ré - que nem se sabe quem é -, fosse por uma qualquer contrapartida ou obrigação material ou moral que tivesse sido assumida. Nada que explique o negócio aparentemente ruinoso.
Depois, há toda uma factualidade que faz desconfiar de uma intencionalidade em esconder, tendo em vista o prejuízo da A., esposa do 1º R. Esconde-se o negócio, mente-se quanto ao regime de bens. Não nos esqueçamos que se tratava de um imóvel, bem próprio do marido e que por via da convenção antenupcial passou a ser bem comum, prédio onde se situava a casa de morada de família.
Só que a harmonia e o bom relacionamento do casal desagregam-se e o interesse na recolocação da situação patrimonial primitiva por banda da 1º R. é uma hipótese que não deve ser enjeitada.
E para dar uma aparência de normalidade e de não alteração da situação patrimonial e jurídica, celebra-se, se não, disfarça-se um arrendamento, com a dita nova proprietária, pretensamente adquirente.
3.7. Transmitida a propriedade, transmite-se a posse, traditio manu ou com entrega das chaves, mas ainda aqui, aquilo que se podia traduzir numa situação de constituto possessório - acordo pelo qual o possuidor, alienada a posse, reserva por qualquer título a detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor3 - não deixa de evidenciar rabos de palha. Nada se revela em termos demonstrativos de actos praticados pela nova proprietária como senhora da coisa, antes pelo contrário, é o 1º Réu que continua a assumir todos os pagamentos inerentes à coisa, mesmo aqueles que menos duvidosamente não lhe caberiam, como sejam as despesas do condomínio e das antenas.
3.8. Somos, pois, a concluir, ao arrepio do entendimento vertido na douta sentença, por um quadro fáctico integrante de uma divergência entre a vontade declarada na escritura que foi celebrada, enquanto se descortina uma vontade de não transmissão da propriedade, mediante acordo entre o declarante e a declaratária, com o intuito de enganar a autora e até de a prejudicar (se bem que este requisito se torne necessário), haja em vista a factualidade que vem comprovada e a recusa do 1º R. em compensar a autora pela alienação daquele imóvel.
Nesta conformidade, a nulidade do negócio simulado decorre do artigo 232º do CC, nulidade que se declara em relação ao negócio jurídico simulado de compra e venda feito pelo 1.º R. e pela 2.ª R. em 3 de Março de 2009 (negócio jurídico lavrado a fls. 140 do Livro 89 do Cartório de Notário Privado Philip Xavier), e, em consequência, ordenem o cancelamento do registo relacionado com o referido negócio jurídico (inscrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 179938G) nos termos do artigo 8.º n.º 1 em conjugação com o artigo 3.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Registo Predial.
3.9. Prejudicada fica a questão relativa ao pedido de indemnização formulado subsidiariamente pela A., inconformada com o enquadramento que foi feito na douta sentença em que se condenou apenas o 1º R. no pagamento da parte da meação do bem comum indevidamente vendido em função do valor da alegada transacção e não já do valor real do dito imóvel.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso na parte em que se pedia a alteração da matéria de facto relativa ao valor do prédio, mas já o julgam procedente na parte relativa ao julgamento de facto e de direito respeitante aos requisitos da simulação do negócio, e, revogando o decidido, reconhece-se a nulidade por simulação do negócio de compra e venda feito pelo 1.º R. e pela 2.ª R. em 3 de Março de 2009 (negócio jurídico lavrado a fls. 140 do Livro 89 do Cartório de Notário Privado XXX), e, em consequência, ordena-se o cancelamento do registo relacionado com o referido negócio jurídico (inscrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 179938G) nos termos do artigo 8.º n.º 1 em conjugação com o artigo 3.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Registo Predial.
Custas pelos recorridos, na totalidade na 1ª instância e na proporção de 4/5 nesta Instância de recurso.
Macau, 18 de Abril de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 FERRARA, n.º 11; Acs. do S.T.J., de 4-v-1940 (Col. Of., n.º 39, pág. 162) e 11-III-1949 (Bol., n.º 12, pág. 307); Ac. da Rel. de Lx., de 3-III-1943 (O Direito, 75.°, pág. 106).
2 Todavia, como podem ser dificilmente despistáveis os motivos da simulação, deve admitir-se a possibilidade de o tribunal se convencer da simulação, embora sem conseguir identificá-los: FERRARA, ibid.
3 - P. Lima e A. Varela, CCA, 1ª ed., 2º, 25
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775/2012 1/26