Processo nº 30/2013 Data: 21.03.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Erro notório.
Indemnização.
Danos patrimoniais.
Danos não patrimoniais.
SUMÁRIO
1. O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 30/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), requerente do pedido de indemnização civil enxertado nos presents autos, veio recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B..
Na sua motivação de recurso, e em síntese, assaca ao dito Acórdão o vício de “erro notório na apreciação da prova” e inadequação do montante arbitrado a título de danos não patrimoniais; (cfr., fls. 239 a 247 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, pugna a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS XX, LDA” no sentido da integral confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls 263 a 267-v).
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Adequadamente processados os autos, e realizada que foi a audiência de julgamento do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 223-v a 225-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. No seu pedido de indemnização civil pedia o ora recorrente a quantia de MOP$23.186,30 a título de “indemnização por danos patrimoniais”, e MOP$600.000,00 a título de “indemnização por danos não patrimoniais”.
Apreciando o assim pretendido, considerou o T.J.B. que em virtude do acidente de viação do qual foi vítima teve o demandante prejuízos materiais no valor de MOP$10.302,00, (despesas hospitalares), fixando a indemnização por danos não patrimoniais em MOP$100.000,00.
Inconformado, vem o ofendido (B) recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B., assacando ao mesmo o vício de “erro notório na apreciação da prova” afirmando também que inadequado é o montante arbitrado a título de danos não patrimoniais.
Vejamos então se lhe assiste razão.
–– Quanto ao assacado “erro notório”.
Na parte em questão, invocando o dito vício, reivindica o ora recorrente o quantum de MOP$6.576,30 que alega ter gasto em “medicamentos chineses”.
Pois bem, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que o dito vício apenas ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.12.2012, Proc. n.° 926/2012 do ora relator).
E, nesta conformidade, não se vislumbra nenhum “erro notório” cometido pelo T.J.B., pois que não violou o mesmo nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.
Aliás, o que decidiu o Tribunal foi que os alegados “medicamentos” não estavam em nada relacionados com as lesões sofridas com o acidente de viação dos autos, e nenhuma prova de valor vinculado existindo sobre tal “relação”, a vista está a solução.
–– Quanto à “indemnização por danos não patrimoniais”.
Sobre a matéria ora em apreciação tem este T.S.I. entendido que:
“A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.06.2012, Proc. n.°393/2012).
Dito isto, e atento o estatuído no art. 487° do C.C.M. – para onde remete o art. 489° quanto aos “danos não patrimoniais”, e onde se prescreve que “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem” – quid iuris?
Pois bem, ponderando na factualidade provada e relevante para a decisão desta questão, nomeadamente, nas lesões sofridas pelo ora recorrente e que lhe demandaram “98 dias” para recuperar, nos inconvenientes e sofrimentos que aquelas causaram, e no grau de culpa do arguido, (único responsável pelo acidente), afigura-se-nos razoável o quantum de MOP$200.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Dest’arte, e na parte em questão, procede parcialmente o recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.
Custas pelo recorrente e recorrida (Seguradora) na proporção dos seus decaimentos.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$500,00.
Macau, aos 21 de Março de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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