Processo nº 84/2013
Data do Acórdão: 02MAIO2013
Assuntos:
Recurso extraordinário de revisão
Novo pedido de revisão
Legitimidade activa
SUMÁRIO
1. A mens legislatoris do artº 448º do CPP é bem clara no sentido de conferir não só àquele magistrado no topo daquela magistratura hierarquizada o poder-dever de decidir ou não a interposição do recurso extraordinário de revisão, mas também a ele o poder-dever de expor ao Tribunal as razões, no seu alto critério, susceptíveis de sustentar uma decisão favorável à concessão da revisão.
2. Sendo o poder previsto no artº 447º uma competência própria, exclusiva e indelegável do Procurador, não é de admitir o recurso extraordinário de revisão mediante o requerimento de interposição subscrito por um Procurador-Adjunto, mesmo com delegação expressa de poder para o efeito.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 84/2013
Acordam em conferência na Secção de processos em matéria criminal no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos do processo contravencional, registado sob o nº CR2-10-0746-PCT, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, na sequência do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida em 1ª instância e do trânsito em julgado da decisão que denegou a revisão por via do recurso extraordinário interposto pelo condenado A, foi ao abrigo do disposto no artº 447º do CPP interposto novo pedido de revisão, mediante o requerimento subscrito pelo Dignº Procurador-Adjunto, agindo na qualidade do delegado do Senhor Procurador da RAEM.
A revisão foi processada devidamente por apenso aos autos onde foi proferida a sentença revidenda.
Não havendo lugar às diligências a que se refere o artº 435º/1 do CPP por se tratar da prova meramente documental, o Exmº Juiz a quo remeteu o processo a este TSI, acompanhado da informação favorável à concessão da revisão.
Recebido neste TSI e foi em sede de vista emitido o douto parecer do M. P., o processo foi concluso ao juiz relator.
Em sede de exame preliminar, foi suscitada ex oficio a questão da ilegitimidade do Dignº Magistrado do Ministério Público subscritor do requerimento e portanto foi determinada a submissão dessa questão prévia à apreciação em Conferência.
II
Ora, trata-se in casu de um novo pedido de revisão.
O artº 447º do CPP, na redacção alterada pela Lei de Reunificação, reza que “tendo sido negada revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão se a não requerer o Procurador.”.
Como vimos supra no relatório do presente Acórdão, o requerimento da revisão foi subscrito por um Procurador-Adjunto do Ministério Público, e não pelo Senhor Procurador.
É verdade que consta das fls. 22 dos p. autos o seguinte despacho do Senhor Procurador, nos termos do qual concordou a interposição do recurso extraordinário de revisão e delegou no Senhor Procurador-Adjunto Dr. Paulo Martins Chan o poder para requerer a nova revisão e intervir nos termos posteriores na tramitação processual da revisão:
同意並授權陳達夫助理檢察長提請再審及處理後續事宜
O certo é que uma coisa é a prática de um acto pelo próprio Senhor Procurador, e outra coisa é a prática de um acto consentida/autorizada pelo Senhor Procurador.
O que sucedeu in casu é essa última hipótese.
Importa agora saber se tem legitimidade para novo pedido de revisão só o próprio Senhor Procurador, ou também outro Magistrado do Ministério Público, agindo na veste do delegado ou representante do Senhor Procurador.
Ora, confrontando a redacção do artº 448º com a do artº 432º, ambos do CPP, nota-se logo a intenção por parte do legislador na diferenciação da atribuição da legitimidade para requerer a primeira revisão e para o novo pedido de revisão.
Ora, à luz do artº 432º, tem legitimidade, inter alia, o Ministério Público.
Ao passo que o artº 448º preceitua que “não pode haver nova revisão se a não requerer o Procurador.”.
O que significa que só é possível o segundo pedido de revisão desde que subscrito pelo Procurador, enquanto órgão máximo do Ministério Público.
Ou seja, é um acto pessoalíssimo do órgão máximo daquela autoridade judiciária.
Compreende-se e justifica-se perfeitamente essa agravada exigência no que diz respeito à legitimidade para o novo pedido de revisão.
Pois o recurso extraordinário de revisão em si representa um atentado frontal aos valores da certeza e segurança jurídica, indo perturbar de novo tanto a paz jurídica do arguido como a da própria comunidade, já restabelecida com o trânsito em julgado de decisões judiciais.
E só poderá haver lugar à revisão se estivermos perante a injustiça consubstanciada numa decisão já transitada em julgado tão grave que a lei entenda intolerável a sua manutenção e necessária a sua revogação mesmo com a preterição do caso julgado.
Tal como indica a própria denominação do recurso, a revisão é um meio extraordinário de carácter excepcionalíssimo.
Portanto, a lei reguladora desse mecanismo extraordinário é extremamente exigente tanto nos seus pressupostos da efectivação, como na delimitação de quem tem legitimidade activa para o desencadear, tal como podemos verificar no preceituado nos artºs 390º e 391º do CPP.
E mais exigente ainda deverá ser quando se tratar de um acesso sucessivo a esse meio extraordinário de impugnação quando o tal meio de impugnação já foi anteriormente usado sem sucesso.
Ora, se não é aconselhável tornar mais exigente no que diz respeito aos pressupostos da sua efectivação, já o é restringir o universo de sujeitos com legitimidade activa.
Foi justamente na esteira desse raciocínio que o nosso legislador decidiu optar por admitir o atentado à estabilidade da decisão denegatória de uma revisão anteriormente requerida só no caso em que o Procurador da RAEM, na veste do órgão máximo do Ministério Público, entender que se verificam fundamentos sérios da nova revisão.
Ou seja, a mens legislatoris do artº 448º do CPP é bem clara no sentido de conferir não só àquele magistrado no topo daquela magistratura hierarquizada o poder-dever de decidir ou não a interposição do recurso extraordinário de revisão, mas também a ele o poder-dever de expor ao Tribunal as razões, no seu alto critério, susceptíveis de sustentar uma decisão favorável à concessão da revisão.
Assim, o poder previsto no artº 447º não é senão uma competência própria, exclusiva e indelegável do Senhor Procurador.
Pelo que, não tendo sido subscrito pelo próprio Senhor Procurador e dado o carácter insuprível da ilegitimidade activa face ao disposto no artº 397º/1 do CPC, ex vi do artº 1º do CPP, o presente requerimento da nova revisão, subscrito por quem não tem legitimidade, não pode deixar de ser não admitido.
Sem mais delongas, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em não admitir o presente recurso extraordinário de revisão.
Sem custas.
Registe e notifique o Magistrado subscritor do requerimento.
RAEM, 02MAIO2013