Recurso nº 174/2013 (Suspensão de eficácia)
Requerente: A
Entidade Requerida : Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
I – Relatório
A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 30 de Janeiro de 2013, do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva e a devolução das quantias indevidamente recebidas a título de compensação de trabalho extraordinário, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 17 dos presentes autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
Citada a entidade requerida, veio esta contestar alegando que:
I. A Requerente tenta carrear para os presentes autos matéria que apenas em sede de recurso contencioso se poderá, eventualmente, alegar e provar, pelo que o ora Recorrido, abrigando-se no princípio de presunção da legalidade do acto administrativo e da veracidade dos respectivos pressupostos, apenas se referiu aos requisitos necessários, positivos e negativos, para o pedido de suspensão de eficácia.
II. Ao acto administrativo de aplicação de uma pena disciplinar, não é exigível a verificação do requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CAPC, por força do disposto no nº 3 do artigo 121º do CPAC.
III. A suspensão de eficácia do acto administrativo atenta gravemente contra o interesse público, (alínea b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC), pelo que a mesma não deverá ser acolhida.
IV. O requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do CPAC não está preenchido.
V. Em sua defesa a Requerente alega que não concorda com os factos constantes do relatório final do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.
VI. Os requisitos contemplados no artigo 121º do CPAC são de verificação cumulativa, pelo que basta a inverificação de um deles, para que a providência tenha de ser denegada, sem necessidade do conhecimento dos restantes.
VII. E nos presentes autos, como ficou demonstrado e provado, constata-se a inverificação dos requisitos das alíneas b) e c) do artigo 121º do CPAC.
Nesta instância o Digno Magistrado do Ministério Público deu o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“No caso sub judice, o despacho suspendendo consiste em aplicar à Requerente a pena disciplinar de aposentação compulsiva e, ao mesmo tempo, ordenar-lhe repor as quantias indevidamente recebidas a título de compensação de trabalho extraordinário (doc. de fls. 13 a 14 dos autos).
Decida à natureza do acto administrativo em causa e por força do nº 3 do art. 121º do CAPC, não se exige o requisito previsto na alínea a) do nº 1 deste comando legal, bastando-nos apurar se se verificar in casu os restantes dois requisitos.
Em harmonia com a doutrina e jurisprudência administrativas, é pacífico que se configuram interesse público a segurança e tranquilidade públicas, a saúde pública bem como a boa imagem, o prestígio, a dignidade, a credibilidade e o regular funcionamento dos Serviços Públicos.
No actual ordenamento jurídico de Macau, consolida-se que na área disciplinar, existe grave lesão do interesse público se a suspensão de eficácia de acto administrativo ofende, de forma grave, os valores referidos supra ou a confiança do público em geral nas repartições públicas. (vide. Acórdãos do TUI no Processos nº 37/2009 e nº 4/2011, do TSI nos nº 219/2003/A, nº 139/2007/A e nº 273/2011)
No caso vertente, não se pode deixar de tomar em consideração a gravidade da infracção disciplinar imputada à Requerente, os factos dados como provados e as circunstâncias agravantes, designadamente a falta de arrependimento e a reincidência.
Nesta linha, e sem prejuízo do respeito pela melhor opinião em sentido contrário, afigura-se-nos que a suspensão de eficácia do acto em causa determina grave lesão do interesse público. O que implica que se preenche o requisito consarado na alí. b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
Por todo o exposto, entendemos que se deverá negar provimento ao presente pedido de suspensão de eficácia.”
Cumpre conhecer.
Sem vistos.
II – Fundamentação
De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia, constantes do acto suspendendo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.1
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo ponto, a proporcionalidade.2
Face aos princípios de presunção de legalidade da actuação do Administração e da veracidade dos respectivos pressupostos de facto, não pode, neste meio processual, ser apreciada a realidade, ou verdade, dos pressupostos do acto administrativo cuja suspensão de eficácia é pedida.3
Em caso geral, para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso. E em caso especial, como o do presente processo disciplinar, pode dispensar a verificação de um dos requisitos, aí previstos.
Dispõem os artigos 120º e 121º:
“Artigo 120º
(Suspensão de eficácia de actos administrativos)
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
Artigo 121º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessa-dos façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Antes de demais, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupões a existência do acto de conteúdo positivo.
Actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 4
Está obviamente verificado este pressuposto no presente caso, um vez que o acto administrativo recorrido é uma decisão de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva, que se afigura um acto de conteúdo positivo.
Vejamos se se satisfazem os requisitos para a concessão da pretendida suspensão.
Em conformidade com o artigo 121º ora citado, no caso especial de pena disciplinar, dispensando de verificar o requisito previsto na al. a) deste artigo, terá, em princípio, de verificar cumulativamente os restantes dois requisitos negativos das alíneas b) e c) do artigo 121º do C.P.A.C. (inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso) para que a medida interina possa ser decretada.
Quanto à lesão de interesse público, não é de presumir, devendo antes ser afirmada pelo autor do acto.
Um qualquer acto administrativo pressupõe que se prossegue o interesse público, face ao artigo 4º do Código de Procedimento Administrativo.
Como resultou da cópia do relatório dos autos instrutores, o próprio acto administrativo, ao punir disciplinarmente o recorrente, sendo uma enfermeira superior, procedeu a introdução, sem autorização, nos dados informáticos internos do Hospital de C. S. Januário, e a alteração dos registos dos horários dos trabalhos extraordinários, obtendo assim ilegalmente a compensação destes não prestados. Destes factos, pela sua natureza (até com contornos criminosos) e o grau de gravidade, afigura-se que se provocará aparentemente a repercussão pública, quer perante a população em geral (pelo acesso ilegal dos dados dos doentes), quer perante os funcionários (pelo recebimento indevidamente a compensação do trabalho extraordinário não prestado), não se pode deixar de considerar que a conduta pela qual foi punida pelo acto suspendendo contender com a dignidade ou com o prestígio dos serviços públicos concretamente em causa.
Daí pode-se concluir que a suspensão de eficácia do acto impugnado causará obviamente lesão ao interesse colectivo, por violar de forma grave a imagem e funcionamento dos serviços, por em causa a confiança dos utentes e de público em geral no serviço em causa, e ofender a boa imagem da Administração e a própria disciplina da função.
Não verificado, assim, o requisito da alínea b) do nº1 do artigo 121º do C.P.A.C..
Logo, sem necessidade da verificação do restante requisito, determina-se a improcedência do pedido de suspensão.
Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instância em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto.
Custas pela requerente.
RAEM, aos 18 de Abril de 2013
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Estive presente
Mai Man Ieng
1 Esta parte tinha a seguinte versão em chinês:
根據向衛生局確定委任第四職階高級護士A提起的本紀律程序卷宗(第PD-08/2012號),在案卷(第220至234頁)的最後報告中所述事實經已證實。
在上述報告中,對既證事實在法律上和紀律上作出配合,所得出的結論是,在二零一一年一月一百至二零一二年五月三十一日期間,被告A在醫生完成當天門診工作離開後,以盜取醫生的用戶密碼進入或激活『醫療資訊系統』,在未經許可情況下讀取病人病歷,以及更改了病歷儲存的時間。同時,也證實被告A以此偽造超時工作的時段,從而騙取超時工作的金錢補償,且有關的行為均是自願和自主的作出。為此,亦違反了公職人員一般義務,即違反《澳門公共行政工作人員通則》(以下簡稱ETAPM)所規範公職人員必須履行之熱心義務(第二百七十九條二款b項,以及同條第四款)和忠誠義務(第二百七十九條二款d項,以及同條第六款),故有關行為構成違紀行為。由於,上述違紀屬於引致不能維持職務上之法律狀況,故適用ETAPM第三百一十五條第二款b)項和第三款等規定,可科處強迫退休之處分。
已考慮到ETAPM第三百一十六條第一款之規定,處分係根據在案中存在之減輕和加重情節,尤其衡量違紀者之過錯程度及人格。在評估被告的違紀行為的過錯程度,違紀的事實嚴重性,曾否有違紀的事實,有否承認違紀事實,以及工作年資等等之特別價值,尤其是再犯和沒有悔意兩項要件。
本人根據《澳門公共行政工作人員通則》第三百二十二條之規定,行使刊登於二零零九年十二月二十日澳門特別行政區公報第一組第123/2009號行政命令第一條的轉授權限,對確定委任第四職階高級護士A科處強迫退休之處分。
根據ETAPM第三百三十七條第一款規定和第6/2006號行政法規(公共財政管理制度)第三百二十條至第四十條等規定,命令被告退回不應收取之超時工作報酬之金額(金額由衛生局根據卷宗I第149-153頁的文件進行結算)。
將本批示對嫌疑人作適當通知。
社會文化司司長 張裕
(2013年1月30日)
2Acórdão do TSI do processo 30/ 00/ A.
3Cfr. v.g., os Acórdãos do S.T.A. de Portugal de 11 de Novembro de 1992 – P.31265 – e de 12 de Janeiro de 1993 – P.31541 – Acórdãos Doutrinais 380 – 381 – P.850 – e do T.S.J. de 15 de Julho de 1999 – “Jurisprudência”, II, 24
4 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
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TSI-174/2013 Página 1