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Processo nº 780/2011
Data do Acórdão: 25ABR2013

Assuntos:

Contrato a favor de terceiro
Princípio da verdade formal
Subsídio de alimentação


SUMÁRIO

1. Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).

2. Como se sabe, vigora o princípio da verdade formal no processo civil, nele está incluído naturalmente o presente processo que, sendo embora processo do trabalho, não deixa de ser um verdadeiro processo civil, regulado especialmente pelo CPT e subsidiariamente pelo CPC. O princípio da verdade formal anda sempre associado ao princípio dispositivo, fixando as regras do jogo para o apuramento da verdade processualmente válida no processo civil. Assim, no processo civil recai em regra sobre as partes todo o risco de condução do processo, através do ónus de alegar, contradizer e impugnar. Tratando-se de matéria disponível, o juiz terá de considerar não necessitados de prova todos os factos que tendo sido alegados por uma parte, não tenham sido impugnados por outra. Pode todavia acontecer que esses factos, na verdade não são verdadeiros, são tidos como tais intraprocessualmente.

3. Na falta da norma expressa na lei e da cláusula expressamente acordada entre a entidade patronal e o trabalhador, o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que efectivamente trabalhou.

O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 780/2011

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV2-09-0016-LAC, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por B, devidamente id. nos autos, contra a GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:

        A - Do incidente de intervenção de terceiros.
        A ré requereu a intervenção da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada dizendo que o autor fundamenta o seu pedido num contrato que a ré celebrou com a chamada interveniente e no qual o autor não é parte.
        O autor respondeu batendo-se pela improcedência do incidente dizendo, em máxima síntese, que do contrato em causa não resultam obrigações da chamada para com o autor.
        Vejamos.
        Diz o autor na petição inicial:
        Enquanto trabalhador não residente, celebrei um contrato de trabalho com a ré com determinadas cláusulas. Depois vim a saber que a ré, no processo para conseguir autorização do Governo para a minha contratação, tinha celebrado um contrato com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau onde se comprometia com esta a contratar-me com salário superior àquele com que me contratou e em condições que me são mais favoráveis. Por isso a ré deve ser condenada a pagar-me aquele salário superior e a compensar-me por aquelas condições que não me proporcionou.
        Dispõe o art. 267º do C.P.C.:
   “1 - Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
   2 - ... .
   3 - O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar”.
       
  A ré alega no art. 10º da sua contestação, como interesse a acautelar com o chamamento, “acautelar a legitimidade passiva e o interesse em contestar”. Embora refira também o art. 272º do Código de Processo Civil, conclui-se que pretende a intervenção da chamada como parte principal passiva, enquanto sua associada.
       
   Atentemos agora nos pressupostos de admissibilidade da intervenção principal provocada.
        Tais pressupostos são:
        1- ter o chamado direito a intervir na causa por sua iniciativa (art. 262º, als. a) e b), por remissão do art. 267º, nº 1 do Código de Processo Civil). E esse direito advêm-lhe de uma das seguintes circunstâncias:
                       - ter o interveniente, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu que possa conduzir ao litisconsórcio;
                        - poder o interveniente coligar-se com o autor.
        2- haver fundada dúvida sobre o sujeito da relação controvertida, podendo neste caso o autor fazer intervir o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido subsidiário (arts. 267º, nº 2 e 67º do Código de Processo Civil).

        Foi requerida pela ré a intervenção principal provocada passiva, pelo que os pressupostos desta se reconduzem a “ter o interveniente, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do réu que possa conduzir ao litisconsórcio” passivo, voluntário ou necessário.
       O interesse igual ao da ré que permite a intervenção provocada passiva como parte principal consiste, nada mais, nada menos, em ser sujeito passivo da relação material controvertida (arts. 60º e 61º, por remissão do art. 262º, nº 1 al. a) e este por remissão do art. 267º, nº 1, todos do C.P.C.).

        Ora, aqui, já se vê com facilidade que a chamada não é sujeito passivo da relação material controvertida, uma vez que ninguém lhe reclama nem nada lhe impõe qualquer obrigação para com o autor. Assim, não sendo sujeito passivo da relação material controvertida, não pode ser a interveniente demandada em litisconsórcio com a ré, não pode requerer a sua intervenção e não pode ser chamada pelas partes actuais a intervir como parte passiva principal. Já a sua intervenção principal activa se apresenta viável, mas, porque não requerida, não releva aqui o facto de poder ser sujeito activo da relação material controvertida.
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        Pelo exposto, não se admite a intervenção requerida pela ré.
        Custas do incidente pela ré.
        Notifique.
***
      B - Despacho saneador stricto sensu.
        A competência do tribunal foi já apreciada no sentido de que este tribunal é competente, de forma tabelar no que concerne à razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia e em forma de “res judicata” no que respeita à competência convencional.
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  O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade.
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  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade para a acção.
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        O autor requereu no art. 39º da sua petição inicial a extracção de certidões e a sua remessa ao Ministério Público. Quanto à remessa ao Ministério Público vai indeferida, porquanto o autor pode fazê-lo por si próprio e o tribunal não vê razões para o fazer oficiosamente. Quanto à passagem das requeridas certidões, vai a mesma deferida, devendo o autor dizer, em 10 dias, quais as folhas do processo que pretende certificadas, após o que será passada a certidão e entregue ao autor.
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  Inexistem nulidades parciais, outras excepções dilatórias ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra conhecer oficiosamente ou que tenham sido suscitadas.
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        É já possível conhecer já do mérito da causa porquanto a respectiva decisão não depende de matéria de facto ainda controvertida, permitindo o estado dos autos, sem necessidade de mais provas, a decisão do litígio. Com efeito, as partes, como mais à frente melhor se verá, não divergem quanto aos factos, apenas divergindo quanto ao direito aplicável aos mesmos.
        Vejamos.
***
C - Despacho “saneador-sentença”.
I - RELATÓRIO
        O autor pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de MOP.346,256,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde data que não refere até integral pagamento.
  Como fundamentos do seu pedido, em síntese, o autor alegou que:
        - É trabalhador não residente em Macau.
        - Desde 1993 que a ré tem sido sucessivamente autorizada pela autoridade competente da RAEM a contratar trabalhadores não residentes em Macau para aqui trabalharem.
        - Desde 1992 que a ré, no âmbito do processo conducente à autorização governamental para recrutamento no estrangeiro de trabalhadores para virem trabalhar em Macau, celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada vários contratos de teor idêntico.
        - A apresentação de tais contratos foi condição prévia para a ré ser autorizada pela autoridade competente a contratar trabalhadores não residentes e foi ao abrigo de um deles que o autor foi contratado pela ré.
        - Nos referidos contratos a ré acordou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, entre outras coisas, que os trabalhadores aufeririam salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $90,00 patacas diárias, acrescida de $15,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação; que o salário seria pago pela ré directamente a cada trabalhador; que cada trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço e que o horário de trabalho seria de 8 horas diárias, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerada de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
        - A ré celebrou um contrato de trabalho com o autor onde foi acordado salário inferior a 90,00 patacas diárias e onde não foi estipulado o subsídio de alimentação nem o de efectividade.
        - No âmbito de tal contrato, o autor esteve ao serviço da ré, como guarda de segurança, desde 18 de Março de 1994 até 31 de Maio de 2008 (art. 9º da p.i.).       
- E recebeu da ré nos meses de 18 de Março de 1994 a Setembro de 1995, inclusive, o salário mensal de MOP. 1 500,00 (art. 46º da p.i.).
- E nos meses de Outubro de 1995 a Junho de 1997 recebeu o salário mensal de MOP. 1 700,00 (art. 49º da p.i.).
        - E nos meses de Julho de 1997 a Março de 1998 recebeu o salário mensal de MOP. 1 800,00 (art. 52º da p.i.).
        - E nos meses de Abril de 1998 a Fevereiro de 2005 recebeu o salário mensal de MOP. 2 000,00 (art. 55º da p.i.).
        - E nos meses de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 recebeu o salário mensal de MOP. 2 100,00 (art. 58º da p.i.).
       - E nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006 recebeu o salário mensal de MOP. 2 288,00 (art. 61º da p.i.).
        - Entre 18 de Março de 1994 e Junho de 1997 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a MOP 8,00 por cada hora (arts. 65º e 66º da p.i.).
        - Entre Julho de 1997 e Junho de 1999 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a MOP 9,30 por cada hora (arts. 70º e 71º da p.i.).
        - Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 o autor prestou 5897 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 9,30 por cada hora (arts. 75º e 76º da p. i.).
        - Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o autor prestou 935 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 10,00 por cada hora (arts. 80º e 81º da p. i.).
        - Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o autor prestou 5844 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,00 por cada hora (arts. 85º e 86º da p. i.).
        - Durante os 5189 dias que trabalhou para a ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação (art. 93º da p.i.).
        - O autor nunca deu qualquer falta ao serviço sem conhecimento e autorização prévia da ré, durante a relação laboral, não lhe tendo a ré pago qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.
  - Na versão original do contrato celebrado entre autor e ré foi convencionado que pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal o autor seria remunerado pela ré nos termos fixados pela lei de trabalho de Macau e nas versões posteriores do mesmo contrato foi acordado que todas as condições seriam reguladas de acordo com a lei de trabalho de Macau.
        - Entre 07/01/2000 e 18/01/2002 o autor ou não gozou de qualquer dia de descanso semanal e, além do salário em singelo, não recebeu qualquer compensação por ter trabalhado nos referidos dias de descanso semanal nem lhe foi proporcionado qualquer dia de descanso compensatório.

        Em contestação, a ré, na parte que aqui releva, bateu-se pela improcedência da acção e, em suma:
        Reconheceu que o autor foi seu trabalhador no período que referiu na petição inicial e que como trabalhador não residente foi contratado nas condições que alegou;
        Reconheceu que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, o contrato que o autor alegou na petição inicial e reconheceu que apresentou tal contrato na Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego;
        Reconheceu que pagou os salários e os montantes a título de trabalho extraordinário que o autor alegou;
        Quanto ao número de horas de trabalho extraordinário que o autor diz ter prestado, a ré no art. 28º da sua contestação diz que, juntamente com outras partes da petição inicial, “constituem meras considerações pessoais, interpretações de factos ou de direito, ou conclusões manifestamente infundadas, que ... impugna para os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto no nº 3 do art. 410º do CPM ...”.
  Afirmou que o autor prestou trabalho nos dias de descanso semanal voluntariamente.
        Afirmou que o autor era remunerado em função das horas que trabalhava.

  O autor respondeu impugnando a relevância do facto de o trabalho extraordinário ter sido prestado voluntariamente e que era remunerado em função das horas que trabalhava. Relativamente à intervenção de terceiros e à preterição do tribunal arbitral, também o autor respondeu, mas tais questões já não relevam agora.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR
        Em face das posições das partes atrás relatadas são as seguintes as questões a decidir:
a) - Efeitos jurídicos do acordo celebrado entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada na relação jurídica existente entre o autor e a ré.

  a) 1. - Caso se conclua que o referido acordo tem efeitos na relação do autor com a ré, haverá que apurar qual a concreta eficácia ao nível do montante do salário, do montante do pagamento do trabalho extraordinário, do direito aos subsídios de alimentação e efectividade e ao nível da compensação do trabalho efectuado em dias de descanso semanal.
        a) 2. - Caso se conclua que o referido acordo não tem efeitos na relação autor/ré, ou não os tem relativamente a alguns dos aspectos que o autor pretende (salário, subsídios, trabalho extraordinário e trabalho em dia de descanso semanal), haverá que apurar se a lei, e já não o contrato, confere ao autor o que este peticiona, havendo, em caso afirmativo, que apurar as questões que a ré colocou em via de excepção:
  a) 2. 1. - a relevância do carácter voluntário do trabalho prestado em dias de descanso semanal e
        a) 2. 2. - a interferência do salário mensal e da remuneração em função do trabalho prestado no cálculo da compensação por trabalho prestado em dias de descanso semanal.
        b) -  Da indemnização moratória.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
i) – Motivação de facto
Por não terem sido impugnados pela parte contra quem foram alegados, estão assentes os factos com relevo para a decisão que a seguir se referem. Com efeito, nos termos do disposto nos arts. 410º e 424º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do art. 1º do Código de Processo do Trabalho, as partes têm de tomar posição definida sobre os factos articulados pela parte contrária. Posição definida é posição clara e firme. Além disso, se uma parte afirmar que desconhece se é verdadeiro ou falso um facto pessoal seu que outra parte alega, isso equivale a confissão do referido facto, o qual deve ser tomado como provado se for admissível a confissão. Assim, os factos em relação aos quais a parte contrária não tomou posição clara e firme ficam provados por não terem sido eficazmente impugnados, excepto se: 1- estiverem em oposição com a posição que, considerada em conjunto, a parte tomou; 2 – forem insusceptíveis de confissão; só puderem ser provados por documento. E os factos pessoais que a parte diz desconhecer ficam provados por confissão se em relação a eles for admissível tal meio de prova.
        Ora, a ré reconheceu que o autor foi seu trabalhador no período que referiu na petição inicial e que como trabalhador não residente foi contratado nas condições que alegou; que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, o contrato que o autor alegou na petição inicial; que apresentou tal contrato na Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego; que pagou os salários e os montantes a título de trabalho extraordinário que o autor alegou; que o autor não gozou dias de descanso semanal. Por outro lado, quanto ao número de horas de trabalho extraordinário que o autor diz ter prestado, a ré, no art. 28º da sua contestação diz que, juntamente com outras partes da petição inicial, “constituem meras considerações pessoais, interpretações de factos ou de direito, ou conclusões manifestamente infundadas, que ... impugna para os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto no nº 3 do art. 410º do CPM ...”, pelo que não poderão tomar-se por eficazmente impugnados os factos em causa, por falta de posição definida e por se tratar de facto pessoal da ré ou de que deva ter conhecimento (ter tido o autor ao seu serviço fora do horário normal de serviço). Por outro lado, ainda, a ré afirmou que o autor prestou trabalho nos dias de descanso semanal voluntariamente e o autor não impugnou. E afirmou que o autor era remunerado em função das horas que trabalhava, mas fê-lo conclusivamente sem alegação dos factos onde se pudesse acompanhar aquela conclusão, pelo que se trata de mera impugnação de direito e não dirigida aos factos alegados pelo autor, os quais, assim, ficam provados.
O autor respondeu impugnando, apenas de direito, a relevância do facto de o trabalho extraordinário ter sido prestado voluntariamente e que era remunerado em função das horas que trabalhava, pelo que o facto alegado pela ré (voluntariedade do trabalho prestado nos dias de descanso semanal) fica provado por não impugnado e a conclusão jurídica da ré fica para o seu lugar próprio - a discussão de direito.

São pois os seguintes os factos provados com relevo para a decisão:

a) O autor é trabalhador não residente.
b) A ré, com vista à contratação do autor como seu trabalhador, acordou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada o seguinte:
“Considerando que o Governo de Macau, por Despacho do SAEF. autorizou a Guardforce (Macau) Limitada (adiante designada por 1.ª outorgante) a admitir  novos trabalhadores vindos do exterior;
Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho no. 12/GM/88, a 1.ª outorgante e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Ltd. (adiante designada por 2.ª outorgante), celebram o presente contrato que integra as seguintes cláusulas e termos que ambas as partes se obrigam reciprocamente a cumprir pontual e integralmente:
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1.ª outorgante, a 2.ª contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da ... num total de ... trabalhadores, com idade compreendida entre os 18 e os 60 anos, boa saúde e bom comportamento, os quais são por este contrato cedidos à 1.ª outorgante, por um período de 1 ano ... .
2.  Despesas relativas à admissão.
        A 2.ª outorgante responsabiliza-se pelas despesas de selecção e inspecção médica dos trabalhadores a contratar, assim como pelas formalidades relativas à sua saída dos países acima referidos por seu turno a 1.ª outorgante fica responsável pelas despesas relativas á obtenção dos correspondentes títulos de identificação de trabalhadores não-residentes, bem como pelas despesas com a vinda daqueles para Macau.
3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1. Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $90,00 patacas diárias, acrescida de $15,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação.
3.2. O salário será pago pela 1.ª outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3. ... .
3.4. Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1. O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1.ª outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2. Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3. Se a 1.ª outorgante interromper a laboração por um período superior a 5 dias, por falta de encomendas ou de energia, será obrigada a pagar ao trabalhador a partir do 6º dia, a remuneração base diária de $90,00 pelo período que durar aquela interrupção.
4.4. ... .
4.5. ... .
5. Assistência.
5.1. ... .
5.2. ... .
5.3. ... .
6. Deveres dos trabalhadores.
Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) ... .
7. Serão causas de cessação do trabalho e imediato repatriamento:
a) ... .
8. Outras obrigações da 1.ª outorgante.
  ... .
9. Provisoriedade.
9.1. A 1.ª outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo de Macau, caso em que devolverá à 2.ª outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2. ... .
10. Repatriamento.
10.1. Verificando-se que, por qualquer motivo, alheio ao 1.ª outorgante, não é possível a continuação da prestação do serviço por parte dos trabalhadores, a 2.ª outorgante responsabiliza-se pelo repatriamento dos mesmos para os países acima referidos suportando a 1.ª outorgante as despesas relacionadas com a deslocação e, bem assim, o pagamento do subsídio de compensação cujo montante será reciprocamente acordado entre ambos os outorgantes.
10.2. O repatriamento a que se refere o presente contrato será da responsabilidade da 2.ª outorgante que se compromete a efectivá-lo imediatamente.
11. Prazo do Contrato
11.1. Sem prejuízo do disposto no precedente no n.º 9.1., o presente contrato terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2. Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2.ª outorgante responsável pelo repatriamento para os países acima referidos dos trabalhadores, e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1.ª outorgante.
11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não-residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições Finais.
12.1. Quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada um das partes e o 3.º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade.
12.2. ... .

c)  Por assim terem acordado, entre 18 de Março de 1994 e 31 de Maio de 2008, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo funções de guarda de segurança.
d) Trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização da ré.
e) Nos termos e condições entre ambas acordados e que constam dos documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 5 a 11, os quais se dão aqui por reproduzidos (facto provado por acordo e nos termos do disposto nos arts. 368º e 370º do Código Civil).
f) Entre 18 de Março de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de  MOP. 1 500,00.
g) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de  MOP. 1 700,00.
h) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao autor, a título de salário, a quantia mensal de    MOP.1 800,00.
i) E nos meses de Abril de 1998 a Fevereiro de 2005 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 000,00.
j) E nos meses de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 100,00.
k) E nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 288,00.

l) - Entre 18 de Março de 1995 e Junho de 1997 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a MOP 8,00 por cada hora.
m) - Entre Julho de 1997 e Junho de 1999 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a     MOP 9,30 por cada hora.
n) - Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 o autor prestou 5897 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 9,30 por cada hora
o)   - Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o autor prestou 935 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 10,00 por cada hora.
p) - Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o autor prestou 5844 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,00 por cada hora.
q) - Durante os 5189 dias que trabalhou para a ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.

r)  - O autor nunca deu qualquer falta ao serviço remunerado sem conhecimento e autorização prévia da ré, durante a relação laboral, não lhe tendo a ré pago qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.

s) - Na versão original do contrato celebrado entre autor e ré foi convencionado que pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal o autor seria remunerado pela ré nos termos fixados pela lei de trabalho de Macau e nas versões posteriores do mesmo contrato foi acordado que todas as condições seriam reguladas de acordo com a lei de trabalho de Macau.
t) - Entre 7 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002 o autor não gozou de qualquer dia de descanso semanal e, além do salário em singelo, não recebeu qualquer compensação por ter trabalhado nos referidos dias de descanso semanal nem lhe foi proporcionado qualquer dia de descanso compensatório.
u)   O autor prestou voluntariamente trabalho nos dias de descanso semanal.

ii) - Motivação de direito
  a) Dos efeitos jurídicos do acordo celebrado entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada na relação jurídica existente entre o autor e a ré.
  
  a) 1. – Efeitos quanto ao salário e aos subsídios de alimentação e efectividade.
  
        Para apurar tais efeitos é necessário encontrar o regime jurídico daquele acordo. Para encontrar tal regime jurídico é necessário qualificar o mencionado acordo de vontades celebrado entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada. Quanto a esta qualificação jurídica nada mais se adianta do que já se disse no despacho de fls. 150 a 155, concluindo-se, pois, que, na parte que respeita ao autor se trata de um contrato a favor de terceiro, na medida em que lhe garante um salário mínimo, um subsídio de alimentação, um subsídio de efectividade[1], ainda que se entenda que a promessa fica sujeita à condição tácita de ser contratado e trabalhar. Qualificado o contrato, encontramos no seu regime jurídico a respectiva eficácia jurídica que se repercute na relação jurídica laboral[2] existente entre autor e ré. Com efeito, como também já se disse no despacho de fls. 150 a 155, o art. 438º, nº 1 do Código Civil é claro no sentido de que o beneficiário da promessa adquire o direito a ela independentemente de aceitação. Assim, o autor tem direito ao salário igual ou superior a MOP90,00 por dia e aos subsídios de efectividade e alimentação que reclama.
        No que respeita ao subsídio de efectividade, o que acaba de se concluir é independente de se reconhecer que o autor não alegou com clareza que fez verificar a condição de que dependia a atribuição de tal subsídio, isto é que não deu qualquer falta ao serviço (cláusula 3.4 do contrato – al. b) dos factos provados). Com efeito, além de se poder considerar que a não verificação da condição seria matéria de excepção a alegar pela ré, não tendo sido alegada, sempre haverá que entender o modo como se alegou no art. 96º da petição inicial como afirmação que o autor nunca deu qualquer falta ao trabalho, o que é diferente de ter sido dispensado pela ré com perda de retribuição.
  No que diz respeito às diferenças salariais há que considerar os factos provados nas als. c), d) e e) antecedentes para concluir que no(s) contrato(s) individual(is) de trabalho (documentos nº 5 a 11 juntos com a petição inicial) foi acordado um salário mensal considerando períodos de 30 dias.
  
  Assim, o autor tem direito:
  - Ao subsídio de alimentação de MOP.15,00 por cada um dos 5189 dias que trabalhou para a ré (al. q dos factos provados), o que totaliza MOP.77 835,00:
  - Ao subsídio de efectividade de MOP.360,00 (90,00x4 – al. b), ponto 3.4 dos factos provados) por cada um dos 170 13/30 meses em que trabalhou para a ré (de 18 de Março de 1994 a 31 de Maio de 2008 – al. c) dos factos provados), o que totaliza MOP.61 356,00 (arredondado às décimas) .
  - Às diferenças salariais de MOP.40 por dia nos meses de 18 de Março de 1994 a Setembro de 1995; de MOP.33,3 (arredondado às décimas) por dia nos meses de Outubro de 1995 a Junho de 1997; de MOP.30,00 por dia nos meses de Julho de 1997 a Março de 1998; de MOP.23,3 (arredondado às décimas) por dia nos meses de Abril de 1998 a Fevereiro de 2005; de MOP.20,00 por dia nos meses de Março de 2005 a Fevereiro de 2006; de MOP.13,70 (arredondado às décimas) por dia nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, no total de MOP.120 726,00[3].
  
  a) 2. – Efeitos do contrato a favor de terceiro relativamente ao trabalho extraordinário.

        Quanto ao pagamento do trabalho extraordinário.
        O contrato a “favor de terceiro” diz que será remunerado de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes. E a referida lei dispõe que “nos casos de prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador”[4]. Ora, o autor não alegou que não tivesse sido pago de acordo com o acordado, nem que acordou com a sua vontade viciada por erro e que se não estivesse em erro seria outra a sua vontade negocial, pelo que há que concluir que não procede a sua pretensão quanto ao pagamento do trabalho extraordinário, por inexistir fonte geradora da obrigação que o autor atribui à ré.

  Relativamente ao descanso semanal, o contrato celebrado entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada nada refere. A eficácia jurídica é a alteração no mundo do direito causada por determinado facto jurídico. Um facto jurídico, entre os quais se encontram os contratos, só tem a eficácia jurídica que o direito lhe reconhece, de modo que só tem a virtualidade de alterar o mundo jurídico criando, modificando ou extinguindo direitos e obrigações se houver norma jurídica que lhe atribua tal eficácia. Ora, o art. 438º, nº 1 do CC só atribui ao terceiro o direito ao prometido e não a mais. Assim, não tendo sido prometido nada acerca do descanso semanal, nenhum direito adquiriu a ré naquele contrato[5], na sua qualidade de terceira beneficiária.
        Concluído que o contrato a favor de terceiro nenhum direito concede ao autor relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, há que ver se a lei lho atribui[6], como se disse quando se enunciaram as questões a decidir.
        Vejamos então.
        a) 2.1. - Primeiramente, haverá que ver se procede a excepção da ré, a qual diz que não deve ser pago com qualquer acréscimo salarial o trabalho voluntariamente prestado em dia de descanso semanal. Porém, o carácter voluntário ou forçado do trabalho prestado em dia de descanso semanal não tem qualquer interferência com o direito a ser pago com o acréscimo legal, uma vez que a norma inserta no nº 6 do art. 17º do D.L. nº 24/89/M de 3 de Abril[7] dispõe que o pagamento deve sempre ter lugar, independentemente do carácter voluntário ou forçado do trabalho. Improcede assim o facto invocado pela ré em via de excepção[8].
        Concluído que o facto de o trabalho em dia de descanso semanal ser prestado voluntariamente não altera as regras supletivas da sua retribuição e concluído que o acordado entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Ldª não interfere directamente nesta questão, vejamos agora como deve ser retribuído em face da lei.
        a) 2.2. - Já se viu que releva saber se o autor auferia salário mensal ou se o seu salário era determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
        A ré excepcionou conclusivamente, isto é, sem alegar os factos respectivos (art. 64º da contestação), que o autor era remunerado em função das horas que trabalhava e pela quantia acordada. Não se alegou o que autor e ré acordaram quanto ao salário, designadamente quanto à forma do seu cálculo nem quanto à forma do seu vencimento, sendo conclusivo falar de salário mensal sem indicação dos factos onde se baseia essa qualificação.
        Vejamos os factos.
        O período que releva é apenas o peticionado pelo autor (07/01/2000 a 18/01/2002). Quanto a este período vigoravam entre autor e ré os acordos constantes dos documentos nºs 6 e 7 juntos com a petição inicial. Por isso, será o acordado pelas partes para esse período que ditará a natureza mensal ou outra do salário.
        O que é o salário mensal para efeito de cálculo da remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal? Aquele que visa retribuir o trabalho de um mês ou aquele que se vence mensalmente? Analisando o disposto nos arts. 10º, 11º, 17º, 26º e 28º do D.L. nº 24º/89/M, de 3 de Abril conclui-se que o salário mensal é o que é estabelecido para retribuir o trabalho prestado durante o período de um mês.
        Vejamos então os factos provados por acordo e, embora não tenham sido alegados nos articulados, vejamos também os factos constantes nos “contratos individuais de trabalho” juntos pelo autor com a petição inicial como documentos 5 a 11, os quais, por não terem sido impugnados pela ré fazem prova plena quanto às declarações negociais da ré ali plasmadas, como se referiu.
        Como se disse, releva para o período peticionado o documento nº 6 junto com a petição inicial. Analisado em conjunto, aí se refere (cláusulas 2. e 4.) que o salário é baseado no número de horas de trabalho, garantindo-se o pagamento de 2000 patacas por mês, equivalente a 215 horas e 30 dias de trabalho por mês onde se incluem 4 dias de descanso semanal e sendo pagas como trabalho extraordinário as que excedessem por dia 8 horas e 15 minutos por turno. Desta forma, o acordado aponta no sentido de que se trata de salário mensal.
        E se assim foi acordado, o que foi praticado em execução do acordo aponta também para que se trate de salário mensal. Efectivamente, provou-se que nos meses de Abril de 1998 a Fevereiro de 2005 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 000,00.
        Conclui-se, pois, que dos factos provados sob as antecedentes alíneas c) a i) resulta que o salário do autor não era determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado, mas calculado ao mês, pressupondo um período normal de trabalho de 8 horas e 15 minutos diárias, 215 horas mensais, 30 dias de trabalho por mês, nos quais se incluem 4 dias de descanso semanal por mês.
        Assim, nos termos do disposto no já referidos art. 17º, nº 6, al. a), o autor tem direito a receber o dobro da retribuição diária normal por dada dia de descanso semanal que trabalhou. Como a sua retribuição mínima diária deveria ter sido MOP.90,00 nos termos do já referido contrato a favor de terceiro, teria direito a receber MOP.180,00 por cada dia de descanso semanal em que prestou trabalho. Como já recebeu MOP.66,66 (2000/30 dias), tem a receber MOP.113,34 por cada dia de descanso semanal que decorreram durante o período peticionado, no total de MOP. 11 900,70[9].
 
        Do descanso compensatório.
        Aqui falece razão ao autor. Com efeito não alegou, nem provou que tivesse sido a entidade patronal a determinar-lhe que prestasse trabalho nos dias de descanso semanal. Antes,  pelo contrário, provou-se que foi da iniciativa do autor aquela prestação, uma vez que a ré alegou por via de excepção a voluntariedade da prestação do trabalho em dia de descanso semanal e o autor não impugnou tal alegação, razão por que terá de se considerar provado o alegado carácter voluntário. Ora, como resulta do art. 17º, nº 3 referido, o autor só teria direito a descanso compensatório se a prestação de trabalho tivesse sido exigida pela ré[10].

        b) -  Da indemnização moratória.
        O autor pediu a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento. Porém não disse a partir de quando devem contar-se os referidos juros. A ré também nada disse sobre a questão.
        A mora no cumprimento das obrigações puras ocorre no momento da citação, salvo se o crédito já for líquido desde data anterior ou se a falta de liquidez se deve ao lesante (art. 794º, nº 4, do CC). A mora nas obrigações com prazo certo de vencimento ocorre no fim do prazo respectivo (art. 794º, nº 1, al. a) do Código Civil), salvo se o crédito for ilíquido, caso em que a mora ocorre com a liquidação, a não ser que a falta de liquidez seja imputável ao devedor, caso em que a mora ocorre com a interpelação nas obrigações puras e com a superveniência do prazo de vencimento nas demais.
        No caso presente a obrigação da ré é ilíquida, não sendo imputável à ré devedora a falta de liquidez. Assim, a mora da ré ocorre quando a sua obrigação se tornar líquida. E qual é esse momento?    A data da notificação da presente sentença à ré, caso da mesma não seja interposto recurso ou caso apenas pela ré seja interposto e venha a ser julgado improcedente ou não a venha a condenar a pagar quantia inferior. Com efeito, em todas as hipóteses referidas a dívida da ré que nesta sentença se fixa ou é líquida ou a sua iliquidez é da responsabilidade da ré, pelo que, nos termos do disposto no art. 794º, nº 4 do Código Civil ocorre mora da ré com a notificação referida. Nos demais casos, a mora ocorrerá quando a obrigação da ré se tornar líquida por decisão futura e nos termos em que esta venha a decidir.
        Terá pois a ré de ser condenada na indemnização moratória (art. 787º e 793º CC), que no caso das obrigações pecuniárias, como é a dos autos (art. 543º e segs. CC), corresponde aos juros legais, salvo se o lesado demonstrar que a mora lhe causou prejuízos superiores aos juros referidos (art. 795º CC). A taxa de juro aplicável à mora é aquela que vigorar como taxa de juros legais durante o período em que decorre a situação moratória. Assim, se houver alteração da taxa é a nova aplicável sucessivamente.
*
        Em resumo, o autor tem direito a:
- MOP.120 726,00 de diferenças salariais;
– MOP.77 835,00 de subsídio de alimentação;
– MOP.61 356,00 de subsídio de efectividade;
– MOP.11 900,70 de compensação de descanso semanal;
- Juros de mora à taxa legal.
*
        IV – DECISÃO
   Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar a ré a pagar ao autor a quantia de MOP.271 817,70 (duzentas e setenta e uma mil, oitocentas e dezassete Patacas e setenta avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, sobre aquela quantia, desde a data supra referida até integral pagamento.
   Custas por autor e ré na proporção do respectivo decaimento.
   Registe e notifique.


Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela concluindo e pedindo que:

I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador-sentença proferido pelo douto Tribunal a quo a fls. 245 e seg. dos presentes autos, que julgou parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$271,817.70, acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II. A ora Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância, estando em crer que a mesma padece de nulidade decorrente da oposição entres os fundamentos e a decisão, erro de julgamento da matéria de facto, e erro na aplicação do direito.
III. De acordo com o entendimento assumido na sentença recorrida, para a decisão do presente pleito tem que ter em conta o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, com vista à contratação de trabalhadores não residentes, tendo para o efeito reproduzido na alínea b) da especificação parte que entendeu como importante do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre Recorrente e a agência de emprego.
IV. Dessa reprodução consta que o contrato "terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo;" e «11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação até à data em que extinguir a primeira validade do título de identificação do trabalhador não residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo da Policia de Segurança Pública de Macau). ( ... )»
V. Nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços que o douto tribunal a quo reproduziu na referida alínea b) da especificação, decorrido o ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou e nem o título de identificação do Recorrido à data em que o acordo foi celebrado, e sem prova adicional de tais factos, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando e dando também como que foi ao abrigo do mesmo que o Autor permanceu ao serviço da Ré desde 1998 a 2008.
VI. Por outro lado, encontra-se nos autos referência feita pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais - documento n.º 2 junto pelo Recorrido com a petição inicial - a diversos contratos de prestação de serviços, ao abrigo dos quais foram sendo celebrados os diversos contratos de trabalho com o trabalhador.
VII. A decisão em recurso é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral.
VIII. Ou seja, no ponto b) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrisecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 nº 1 aI. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
IX. Para melhor demonstração da existência desta contradição insanável, e por referência à lista constante do referido documento n.º 2 junto com a petição inicial, juntam-se cópias dos contratos de prestação de serviços mencionados em tal lista - cfr. contratos cuja cópia ora se junta como documentos n.ºs ... , junção só se tornou necessária face à decisão assim proferida pelo douto Tribunal de primeira instância e que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º, n.º 1, parte final, deve ser por V. Exas. admitida.
X. Cada um desses contratos, à semelhança do contrato de prestação de serviços 06/93, têm datas ou períodos de validade que não podem ser ultrapassados, nem sequer por via judicial, nos termos do principio geral da liberdade contratual e da prova e desses contratos resultam diferentes obrigações e diferentes montantes, pelo que, as mesmas não poderão ser estendidas para outros períodos, ou seja, para outras relações de trabalho autónomas.
XI. A ora Recorrente, salvo devido respeito, considera incorrectamente julgados os factos constantes das alíneas b), c), i) a k) e q) dos factos assentes, e considera ainda que face aos elementos probatórios existentes nos autos se impunha acrescentar um novo facto provado à selecção da matéria de facto realizada pelo douto Tribunal a quo.
XII. Face aos factos alegados por ambas as partes e aos documentos juntos autos e não impugnados por quaisquer das partes, deveria o douto Tribunal a quo ter acrescentado na alínea b) dos factos provados a identificação exacta do contrato de prestação de serviços e do despacho de autorização ao abrigo dos quais o Autor, ora Recorrido, foi contratado pela Ré, ora Recorrente.
XIII. Quanto a esta matéria o Autor, remetendo para mapa que sob a designação de documento 2 junta, alega que a ora Recorrente celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada vários contratos de prestação de serviços, e que ao abrigo de um deles iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré, ora Recorrente, sem no entanto especificar qual dos contratos de prestação de serviços se reporta ao início da relação laboral que estabeleceu com a Recorrente.
XIV. Já a Ré, ora Recorrente, alegou no artigo 39º da sua contestação que, à data em que celebrou com o Autor o seu contrato de trabalho, o fez ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/94, e ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1993, de admissão de oitenta novos trabalhadores não-residentes, juntando para o efeito cópia do referido contrato de prestação de serviços sob a designação de documento n.º 2, sendo que, em sede de réplica, o Autor, ora Recorrido, aceita o facto alegado pela Ré no artigo 39.º da sua Contestação, tanto assim que, no artigo 36.º da Réplica o Autor parte do teor do contrato de prestação de serviços n.º 2/94 (junto pela Ré) para defender que o seu salário se tratava de um salário mensal.
XV. Face à posição assumida pelas partes no que respeita ao contrato de prestação de serviços que serviu de base à sua contratação, e no que respeita ao documento n.º 2 junto pela Ré na sua contestação, deveria o douto Tribunal a quo ter dado diferente redacção ao facto que deu como provado na alínea b) da matéria de facto provada, nos termos seguintes: "b) A ré contratou o autor como seu trabalhador ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1993, e do contrato de prestação de serviços n.º 02/94 que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, que dispõe: ( ... )”, mantendo-se tudo o resto.
XVI. Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea c) dos factos provados.
XVII. A expressão constante da alínea c) dos factos provados "Por assim terem acordado" reporta-se, no entender da Recorrente, ao facto que consta da alínea anterior e que diz respeito ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, ao abrigo do qual o Ré foi contratado como trabalhador do Autor.
XVIII. Não pode ser feita, nos termos em que o foi, a ligação entre os factos constantes das alíneas b) e c), porquanto a conclusão contida na alínea c) dos factos assentes apresenta uma manifesta contradição com o teor do documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
XIX. O documento n.º 2 junto com a petição inicial trata-se de uma análise comparativa das condições de remuneração estabelecidas nos vários contratos de prestação de serviços celebrados entre a Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada e das condições de remuneração estabelecidas nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os trabalhadores não residentes, dentre eles o Autor.
XX. Este documento, junto pelo Autor, não foi impugnado pela ora Recorrente, pelo que, face ao teor do mesmo e à sua importância para a descoberta da verdade material que subjaz ao presente pleito, deveria ter-lhe sido dada total relevância probatória.
XXI. Se o douto Tribunal a quo, dispensando produção adicional de prova, entendeu que o estado dos autos, sem necessidade de mais provas, era já suficiente para se conhecer do mérito da causa, cabia-lhe ter apreciado toda a prova produzida e constante do processo, prova essa que no caso dos presentes autos, e até à fase processual em questão, apenas se traduz em prova documental.
XXII. A fixação da matéria de facto dada como provada deve reflectir aquilo que efectivamente se apurou, após uma análise cuidada, objectiva, imparcial e desinteressada da prova produzida,
XXIII. De acordo com o teor de tal documento n.º 2 junto com a petição inicial não poderia ter sido entendido que o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente foi o mesmo que fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo.
XXIV. Ao entender dessa forma, o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento, o que comprometeu de uma forma gravosa a boa decisão do presente pleito, uma vez que tal facto não corresponde à verdade, conforme resulta com clareza do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
XXV. Na verdade, este documento expressamente refere que a ora Recorrente tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes, tendo celebrado para o efeito, desde 1992, diversos contratos de prestação de serviços com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., os quais vêm sendo aprovados pelo Governo da RAEM e que, em 15 de Janeiro de 2001, as vagas dos contratos n.os 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram-se nos contratos n.os 1/1 e 14/1, os quais vigoraram até 14 de Março de 2006, data a partir da qual, o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 foi sendo sucessivamente objecto de renovação e aprovação pela entidade administrativa, pelo menos, até 31 de Maio de 2008.
XXVI. Não foi sempre ao abrigo do mesmo contrato de prestação de serviços que, entre 18 de Março de 1994 a 31 de Maio de 2008, o Recorrido trabalhou para a Recorrente, pois que, se assim fosse, e uma vez que o Autor foi contratado em 1994 ao abrigo do contrato de prestação de serviços 2/94, o mesmo teria deixado de trabalhar para a Ré, ora Recorrente, quando o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado chegou, definitivamente, ao seu termo, ou seja, em 15 de Janeiro de 2001.
XXVII. Assim, a partir de 15 de Janeiro de 2001, o Autor continuou ao serviço da Ré, ora Recorrente, ao abrigo do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 e sucessivas renovações a que o mesmo foi objecto, conforme resulta alias do documento nº 2 junto aos autos pelo Autor.
XXVIII. Conforme também resulta deste documento n.º 2, os contratos de prestação de serviços n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, ou 45/94, que vigoraram até 15 de Janeiro de 2001 (com excepção dos contratos de prestação de serviços n.º 40/94 e 1/96, que se destinavam a engenheiros de sistemas), estabelecem todos eles condições iguais de remuneração para os trabalhadores não residentes ao abrigo dos mesmos contratados, e que os contratos prestação de serviços n.º 1/1, 14/1 que aglutinaram as vagas dos contratos n. ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94,45/94,40/94 e 1/96, os quais, alterando as condições estabelecidas nestes últimos, também estabelecem, entre eles, iguais condições.
XXIX. Tivesse o Douto Tribunal a quo apreciado com maior profundidade a matéria probatória constante dos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto pelo Autor com a petição inicial, forçoso seria que na alínea c) dos factos provados o douto Tribunal a quo tivesse feito constar que: "Por assim terem acordado, o autor permaneceu ao serviço da ré entre 18 de Março de 1994 e 15 de Janeiro de 2001, data a partir da qual e até 31 de Maio de 2008, o autor continuou a trabalhar para a ré, devido à celebração, aprovação e sucessivas renovações do contrato de prestação de serviços n.9 1/1."
XXX. A alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
XXXI. Face ao teor da impugnação do facto constante da alínea c) dos factos provados, e face à sua redacção que se reclama por via do presente recurso, impõe-se também que seja aditado um novo facto à lista dos factos dados como provados, já que resultando provado através do documento numero 2 junto com a petição inicial que" entre 15 de Janeiro de 2001 e 31 de Maio de 2008, o autor continuou ao serviço da ré por força da celebração e aprovação e renovação do contrato de prestação de serviços n}! 1/1"", deve-se apurar quais as condições remuneratórias estabelecidas nos demais contratos de prestação de serviços n.2 1/1, permitindo-se assim a justa composição do litigio e boa decisão da causa.
XXXII. Resulta do contrato de prestação de serviços n.º l/I, na versão que foi aprovada em 15/01/2001 e esteve em vigor até 15.01.2003, que os trabalhadores não residentes aufeririam um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efetividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (vide doc. 1 junto que se junta e documento n.2 2 junto com a p.i.)
XXXIII. A partir de 15.01.2003, a remuneração dos trabalhadores não residentes prevista no "contrato de prestação de serviços nº 1/1", devidamente aprovada pelo Governo, já não contemplava o subsídio de efectividade, mantendo-se as MOP$2,000.00 de salário mínimo para 8 horas de trabalho diárias. (vide doc. 2 que se junta e documento n.º 2 junto com a p.i.).
XXXIV. As condições de remuneração estabelecidas no contrato de prestação de serviços nº 1/1 foram novamente alteradas a partir de 15/03/2006 até 31/03/2007, passando a estar previsto um salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e sendo o trabalho extraordinário pago de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes. (vide doc. 4 que se junta e documento n.º 2 junto com a p.i.)
XXXV. O facto de tal matéria nunca ter sido alegada de forma suficientemente explanatória por nenhuma das partes em sede dos seus articulados, não deverá prejudicar a tarefa deste douto Tribunal em alterar a matéria de facto que se deve ter por provada e a ela aplicar o direito, só assim se alcançando a justiça em plena conformidade com a verdade material, atento nomeadamente o facto de em sede de processo laboral os poderes de investigação do Juiz serem mais amplos do que os estipulados em sede de processo civil (cfr. artigos 41.º, n.ºs 1 e 2 e 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
XXXVI. Assim, salvo devido respeito por opinião diversa, dispondo esse douto Tribunal de elementos necessários para o efeito, impõe-se dar por assente que: “c-1) O contrato de prestação de serviços n.!" 1/1 e sucessivas renovações, estabeleciam as seguintes condições de remuneração a ser atribuídas aos trabalhadores não residentes que ao abrigo dos mesmos trabalhavam para a ré, dentre eles o autor:
De 15.01.2001 a 15.01.2003, um salário idêntico ao nível médios dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacos mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço;
De 16.01.2003 a 15.03.2006, MDP$2,000.00 de salário mínimo para 8 horas de trabalho diárias;
De 16.03.2006 até 31.03.2007, salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e sendo o trabalho extraordinário pago de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes
De 12.06.2007 e até 31.05.2008, um salário mínimo de MOP$5,070.00, o qual incluiria horas extraordinárias e subsídios."
XXXVII. Na alínea e) dos factos provados, o douto Tribunal a quo deu por assente o teor dos contratos de trabalho assinados entre o autor e a ré e juntos como documentos 4 a 8 da petição inicial, contudo, o teor de tais documentos, no que respeita ao salário acordado entre as partes, está em contradição com os factos provado nas alíneas i) e j) dos factos assentes.
XXXVIII. Na alínea i) dos factos provados o douto tribunal a quo deveria ter dado como provado que "i) entre Abril de 1998 e Janeiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao autor, a título de salário, a quantia de MOP$2, 000.00, para o trabalho prestado em 215h mensais", fazendo assim corresponder o teor de tal alínea com os documentos 4 a 7 juntos com a petição inicial, e cujo teor deu por assente na alínea e).
XXXIX. Na alínea j) o douto tribunal a quo deveria ter dado como provado que: "Nos meses de Fevereiro de 2005 a 15 de Março de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 100,00, por 215horas de trabalho prestadas num período de 30 dias.", conforme resulta do documento número 8 que foi dado por reproduzido na alínea e) dos factos assentes.
XL. No que respeita ao período mencionado na alínea k) dos factos provados, o Autor ao alegar que auferia a título de salário MOP$2,288.00, remete para o documento número 10 junto com a p.i.- vide artigo 61 da p.i., sendo que, de acordo com o referido documento, nesse período o Autor recebia MOP$2 288/00 por 208horas de trabalho por mês, assim, deveria o douto tribunal a quo ter dado como provado o seguinte: "k) E nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a ré pagou ao autor o salário de MOP$2 288,00 pelo trabalho prestado em 208horas por mês".
XLI. Assim, ao ter dado como provado naqueles termos os factos constantes das alíneas i) a k) incorreu, uma vez mais, o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, erro esse que, ademais, gera contradição entre o facto dado como provado na alínea e) e os factos das alíneas i) e j), e também entre o facto da alínea k) e do documento n.2 10 junto com a petição inicial, com base no qual se sustentou o Autor para alegar e a Ré para aceitar, o valor do salário auferido pelo Autor no período entre Março e Dezembro de 2006.
XLII. Salvo devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo de forma nenhuma poderia ter dado como provado que o Autor, ora Recorrido, trabalhou todos os dias que durou a sua relação laboral com a ora Recorrente, nos termos em que o fez na alínea q) dos factos provados.
XLIII. Na verdade, não consta dos autos qualquer elemento probatório donde o douto Tribunal a quo possa retirar essa conclusão, sendo ademais certo que dos documentos que o Autor juntou como doc. 10 e 11 da p.i. resulta que o mesmo não trabalhou 220 dias, no período compreendido entre Dezembro de 1999 e Dezembro de 2006.
XLIV. O Autor não trabalhou todos os dias que durou a sua relação laboral com a Recorrente, pelo que o douto Tribunal a quo não dispunha de prova suficiente para dar como provado que o Autor trabalhou para a Ré todos os 5189 dias que durou a relação laboral, nem para, com base em tal facto incomprovado, ter condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido o valor de MOPS77,835.00 (MüP15,00 x 5189) referente ao subsídio de alimentação a que, alegadamente, o Autor teria direito.
XLV. Caso seja entendido que o Tribunal a quo estaria em condições de decidir esta questão sub judice, o que não se concede, a alínea q) dos factos provados deverá ter a seguinte redacção:
"Durante os 4969 dias em que o Autor prestou trabalho efectivo para a Ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.”
XLVI. No que respeita ao recurso da matéria de facto, resulta que ao dar como provados, nos termos em que o fez, os factos constantes das alienas b), c), i) a k) e q) e ao não incluir na matéria de facto o facto cujo aditamento se impõe sob a alínea c) 1, o julgamento da matéria de facto realizado pelo douto Tribunal a quo padece de contradições e deficiências que inquinam a decisão sob recurso do vício de erro de julgamento da matéria de facto, devendo, consequentemente a decisão sob recurso ser anulada.
XLVII. Quanto aos factos cujos elementos probatórios já existentes nos autos permitam a V. Exas. alterá-los, deve a decisão sob recurso ser substituída por outra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do C.P.C., e
XLVIII. Quanto à matéria de facto que carece de ser aditada (alínea c1)) e aquela que cujos elementos probatórios não permitem a sua reapreciação por este douto Tribunal, deverá a decisão em recurso ser anulada, e ser ordenada a remessa dos presentes autos para o Tribunal de primeira instância por forma a que este profira despacho saneador stricto sensu donde conste toda a matéria relevante para a boa decisão da causa, conforme disposto no n.º 4 do artigo 629.º do C.P.C.
Sem conceder,
XLIX. O douto Tribunal a quo, remetendo para a fundamentação constante do despacho proferido a fls. 150 a 155 dos autos, qualificou o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau como um contrato a favor de terceiros, e com base nesta qualificação, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor a quantia global de MOP$271 817.00.
L. No contrato a favor de terceiros o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não celebrar outro contrato.
LI. O que resulta do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau é que esta se comprometia a recrutar determinado número de pessoas para virem a ser contratadas pela Ré para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições.
LII. Para que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau pudesse ser qualificado como um verdadeiro contrato a favor de terceiro, sempre seria necessário que resultasse dos autos a intenção dos contratantes de atribuir directamente ao Autor (terceiro beneficiário) um crédito ou uma vantagem patrimonial, de tal modo que esta adquirisse o direito à prestação prometida de forma autónoma, por via directa e imediata do contrato, podendo, por isso, exigi-Ia do promitente.
LIII. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do mesmo não é parte, e por não o conhecer nunca lhe criou qualquer expectativa de vir a ser beneficiário do mesmo.
LIV. Não sendo o Autor parte do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, para que o mesmo pudesse produzir efeitos na sua esfera jurídica havia que afastar o princípio "res inter alios acta aliís neque nocet neque prodest", enquadrando-o num dos "casos especialmente previstos na lei" (artigo 400º, nº 2 do CC), como seja, o contrato a favor de terceiros, o que como se alegou não poderá proceder.
LV. Afastada que está a figura do contrato a favor de terceiro, a pretensão do Autor terá necessariamente que falecer, conforme argumentação expedida no despacho proferido a tis 150 a 155 dos autos, donde resulta claro que "[ ... ] Adianta-se, conclusivamente embora, que se entende que quer por eficácia ao despacho, quer por eficácia do contrato de trabalho a pretensão do autor não pode proceder [ ... ] E não se vê outra hipótese de procedência da pretensão do autor que não passe pela figura do contrato a favor de terceiros. Com efeito, o despacho enquanto acto administrativo, não obriga a ré nos termos que autor pretende; o contrato de trabalho muito menos ( ... ) Por outro lado, o ponto 9, alínea e) por referência à alínea d) d.2 do Despacho 12/GM/88 não configura a disposição legal de carácter imperativo que, nos termos do artigo 287.º fere de nulidade o contrato que a autora celebrou com a ré. ( ... ) "
LVI. O despacho nº 12/GM/88 não tem uma natureza normativa e de cariz imperativo e as suas disposições não afectam a relação laboral estabelecida entre Recorrente e Recorrido porquanto o mesmo cuida, tão somente, do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
LVII. Atenta a natureza jurídica do Despacho não poderá o mesmo coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
LVIII. Assim como, não o pode, pelas mesmas razões, o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças emitido ao abrigo e no seguimento das normas procedimentais estabelecidas no referido Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
LIX. Das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau, relativamente à contratação de mão-de-obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre o Autor e o Recorrente, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregador de contratar em determinados termos.
LX. Só com base no contrato de trabalho celebrado entre as partes é que o Autor poderia reclamar da Recorrente quaisquer eventuais direitos, mas esse contrato foi integralmente cumprido pela Recorrente.
LXI. Nestes termos, a sentença recorrida incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 4000 e 437º do Código Civil.
LXII. Caso se venha a entender, o que não se concebe, que efectivamente os contratos de prestação de serviços celebrados pela Recorrente e uma empresa de importação de mão-de-obra, e ao abrigo dos quais foi contratado e permaneceu o ora Recorrido ao serviço da Ré entre 18 de Março de 1994 e 31 de Maio de 2008, se tratam de contratos a favor de terceiro e, que consequentemente produzem efeitos e criam direitos na esfera jurídica do Recorrido,
LXIII. Atenta a alteração da matéria de facto nos termos já expostos no presente recurso, sempre se dirá que, o ora Recorrente terá direito a auferir a compensação de MOP$182,943.90 (cento e oitenta e duas mil, novecentas e quarenta e três patacas e noventa avos) e não de MOP$271,817.00 conforme decidido pelo douto Tribunal.
LXIV. Atentos os factos dados como provados nas alíneas b), c), c1) e e) a r), ter-se-á que concluir que no período que mediou entre 18 de Março de 1994 e Setembro de 1995, o Autor terá direito a receber, a título de subsidio de alimentação - MOP$15,00 x 561 (dias) = MOP$ 8,415.00, a título de subsidio de efectividade - MOP$360 x 18.6 (meses) = MOP$ 6,696.00 e de diferenças salariais - MOP$40 x 561 (dias) = MOP$ 22,440.00, num total de MOP$37,551.00 (trinta e sete mil, quinhentas e cinquenta e uma patacas).
LXV. No período que foi de Outubro de 1995 e Junho de 1997, o Autor terá direito a receber a título de subsídio de alimentação - MOP$15,00 x 608 (dias) = MOP$ 9,120.00, de subsidio de efectividade - MOP$360 x 20 (meses) = MOP$ 7,200.00 e diferenças salariais - MOP$33.3 x 608 (dias) = MOP$ 20,246.40, tudo no valor global de MOP$36,566.40 (trinta e seis mil, quinhentas e sessenta e seis patacas e quarenta avos).
LXVI. No período entre Julho de 1997 e Março de 1998, o Autor terá direito a receber, por conta de subsidio de alimentação - MOP$15,00 x 274 (dias) = MOP$ 4,110.00, de subsidio de efectividade - MOP$360 x 9 (meses) = MOP$ 3,240.00 e diferenças salariais - MOP$30 x 274 (dias) = MOP$ 8,220.00, tudo no montante global de MOP$15,570.00 (quinze mil, quinhentas e setenta patacas).
LXVII. No período que mediou entre Abril de 1998 e 14 de Janeiro de 2001, o Autor terá direito a receber, a título de subsidio de alimentação - MOP$15,00 x 1315 (dias) = MOP$ 19,725.00, subsidio de efectividade - MOP$360 x 45 (meses) = MOP$ 16,200.00, e diferenças salariais - MOP$23,3 x 1355 (dias) = MOP$ 31,571.50, no montante global de MOP$67,496.50 (sessenta e sete mil e quatrocentas e noventa e seis patacas e cinquenta avos).
LXVIII. No período que foi de 15 Janeiro 2001 a 15 Janeiro 2003, não existe diferença entre o estabelecido no contrato de trabalho celebrado entre Recorrido e Recorrente e o previsto no contrato de prestação de serviços nº 1/1 ao abrigo do qual o Autor permaneceu ao serviço da Recorrente - aprovado pelo Governo -, sendo que a única diferença existente se reporta ao não pagamento ao Autor do subsídio de efectividade e que, entre 15 Janeiro de 2001 a 15 de Janeiro de 2003, perfaz o valor de MOP$360.00 x 24 meses = MOP$8,640.00 (oito mil, seiscentas e quarenta patacas).
LXIX. No período entre 16 de Janeiro 2003 a 15 de Março de 2006, não há lugar ao pagamento de qualquer diferença salarial.
LXX. De 16 de Março de 2006 até Dezembro de 2006, existe uma diferença salarial de MOP$1,712.00, pelo que, neste período o crédito do Autor é de MOP$17,120.00 (dezassete mil, cento e vinte patacas).
LXXI. Assim, no período peticionado pelo Autor 18 de Março de 1998 e 31 de Março de 2006, no que respeita às diferenças salariais existentes entre os contrato de trabalho que celebrou com a Ré e os contratos de prestação de serviços n.ºs 2/94 e 1/1 que esta última celebrou com a empresa de importação de mão de obra não residente, e aprovados pelo Governo, o Autor terá direito apenas ao montante global de MOP$182.943.90,
LXXII. O salário do Autor era baseado no número de horas de trabalho efectivamente prestado, e não um salário mensal, conforme foi entendido pelo Tribunal a quo.
LXXIII. As cláusulas dos contratos de trabalho celebrados entre o Autor e a Ré para o período compreendido entre 07/01/2000 a 18/01/2002· são cláusulas típicas dos contratos cuja retribuição é fixada e calculada por hora.
LXXIV. Deste modo, face às cláusulas dos contratos, devidamente conjugadas com as regras da experiência comum, e no uso da legis artes, o douto Tribunal a quo teria necessariamente de considerar como provado que o salário do Autor era estabelecido por referência ao preço hora, ou seja, ao trabalho efectivamente prestado.
LXXV. É também prova de que, pelo menos a partir de 2000, o salário do Autor passou a ser um salário "à hora", o teor do documento n.º 2 junto pelo Autor na sua petição inicial, uma vez mais ignorado pelo douto Tribunal a quo, e donde resulta claramente que a partir do ano 2000, o salário dos trabalhadores não-residentes ao serviço da Ré, ora Recorrente, passaram a ser estabelecidos de acordo com o trabalho efectivamente prestado.
LXXVI. A decisão ora em recurso ao concluir que o salário auferido pelo Autor se tratava de um salário mensal constitui um erro notório na apreciação da prova, erro que teve como consequência em termos decisórios a condenação da Recorrente no pagamento de uma compensação equivalente ao dobro da retribuição normal pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, em clara violação da lei, nomeadamente do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto - Lei n.º 24/89, de 03 de Abril
LXXVII. Ora, julgando esse Venerando Tribunal de recurso que os contratos de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Autor se tratam de contratos com pagamento à hora, deverá igualmente o douto acórdão a proferir estabelecer que o montante da remuneração a pagar pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, resultou de um acordo celebrado entre o Autor e a respectiva entidade patronal, com observância dos limites que decorreram dos usos e costumes, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-lei n.º 24/89, de 03 de Abril, e, em consequência, ser a Recorrente absolvida do pagamento da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal porquanto o Autor já recebeu os montantes acordados com o empregador.
LXXVIII. Mas mesmo que assim não se entenda e que se considere que o salário auferido pelo Autor é um salário mensal, o que não se concede, e afastada que está a classificação do contrato de prestação de serviços como um contrato a favor de terceiro, e por isso insusceptível de criar direitos na esfera jurídica do Autor, nunca o cálculo da compensação poderia ter por base o salário estabelecido no contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, se manteve ao serviço da Ré, ora Recorrente, mas sim o estipulado nos contratos de trabalho supra mencionados, ou seja, MOP$ 66.66 por cada dia de trabalho.
LXXIX. Pelo que, atento o teor da conclusão anterior, o montante de tal compensação nunca poderá ultrapassar a quantia de MOP$6,999.30 (seis mil, novecentas e noventa e nove patacas e trinta avos), uma vez que a ora Recorrente já lhe pagou MOP$66,66 pelo trabalho prestado em cada um dos 105 dias de descanso semanal.
LXXX. Mas ainda que assim não se entenda, sempre se diga que tendo em conta que, a partir de 16 de Janeiro de 2001, o salário efectivamente percepcionado pelo Autor estava em plena consonância com o estabelecido no referido contrato de prestação de serviços 1/1, pelo que, relativamente às 53 semanas que medeiam entre 15/01/2001 e 18/01/2002, o Autor apenas tem direito a receber por conta do trabalho prestado em dia de descanso semanal MOP$ 66.66 x 53, ou seja, MOP$3,532.98,
LXXXI. Que a somar à remuneração em falta pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal nos 53 dias a que teria direito no período entre 07/01/2000 e 14/01/2002, no montante de MOP$6,007.02 ((90x2)-(2000:30)) x 53), perfaz a quantia global de MOP$9,540.00 e não MOP$l1,900.70, conforme decido no aresto ora em recurso.
LXXXII. Caso V. Exa. não julguem procedente a parte do recurso da ora Recorrente que incidiu sobre a matéria de facto constante das alíneas b), c) e c-1), e entendam que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e Sociedade de Apoios às Empresas de Macau, Lda. e ao abrigo do qual o ora Recorrido foi colocado ao serviço da Ré, regula toda a relação laboral entre as partes, o que só por mera hipótese se concede, haverá que ter em conta que,
LXXXIII. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
LXXXIV. Não existem elementos suficientes nos autos que permitam dar como provado que o Autor trabalhou durante todos os dias que durou a relação laboral com a Recorrente, antes pelo contrário, existem nos autos documentos que comprovam que o Autor não prestou trabalho efectivo em pelo menos 220 dos 5189 dias que durou a relação laboral em causa nos presentes autos.
LXXXV. Nunca poderia o douto tribunal a quo ter condenado a Recorrente a pagar ao Autor MOP$77,835.00 patacas a título de subsídio de alimentação pelo trabalho prestado em 5189 dias, mas tão só poderia, caso tivesse elementos probatórios bastantes, ter condenado a Recorrente a pagar ao Autor a título de subsidio de alimentação o montante correspondente ao número de dias de trabalho efectivamente por ele prestados.
LXXXVI. Mas mesmo que assim não se entenda e se conclua que o tribunal a quo podia já decidir sobre este pedido do Autor, não tendo, comprovadamente, o Autor trabalhado pelo menos 220 dias dos 4969 que durou a relação laboral em causa nos presentes autos, o limite da condenação no que a esta prestação respeita não poderia ter ido para além das MOP$74 535.00.
LXXXVII. A sentença ora em Recurso violou o disposto nos artigos 4000 e 43r do Código Civil e bem assim o disposto no artigo 17º do Decreto-lei 24/89/M de 3 de Abril.
 Nestes termos,
 E nos demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarada nula da decisão sob recurso, e quanto aos factos cujos elementos probatórios já existentes nos autos permitam a V. Exas. alterá-los, ser a mesma substituída por outra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do C.P.C., e quanto à matéria de facto que carece de ser aditada e aquela que cujos elementos probatórios não permitem a sua reapreciação por este douto Tribunal, deverá a decisão em recurso ser anulada, e ser ordenada a remessa dos presentes autos para o Tribunal de primeira instância por forma a que este profira despacho saneador stricto sensu donde conste toda a matéria relevante para a boa decisão da causa, conforme disposto no n.º 4 do artigo 629.º do C.P.C.
 Caso V. Exas. entendam que o processo contem já todos os elementos necessários que permitam conhecer de todas as questões suscitadas no presente Recurso, deve o mesmo ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por uma outra que absolva o Recorrente do pedido, ou,
 Caso V. Exa. assim não entendam, deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, e a decisão sob recurso ser revogada e substituída por uma outra que condene a ora Recorrente a pagar ao Autor o valor de MOP$182,943.90 (cento e oitenta e duas mil, novecentas e quarenta e três patacas e noventa avos)
 Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!


Notificado o Autor ora recorrido, contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso (vide as fls. 463 a 492 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica como contrato individual de trabalho do celebrado entre o Autor e a Ré.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Por razões que passaremos a expor infra, não se vê razão para não manter o já decidido acerca dessa mesma questão.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda..

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.

Então vejamos.

Reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.


De resto, de acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso que passamos a apreciar:

1. Da nulidade da sentença e da impugnação da matéria de facto;
2. Da consequência da pretendida alteração da matéria de facto quanto à compensação do salário, dos subsídios de alimentação e efectividade;
3. Da natureza mensal do salário; e
4. Do subsídio de alimentação.

Passemos então a apreciá-las.

1. Da nulidade da sentença e da impugnação da matéria de facto

A recorrente entende que a decisão recorrida em si mesma é contraditória, porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral.

Ora, a recorrente só teria razão se o contrato de prestação de serviço tivesse a duração absolutamente não prorrogável de 1 ano.

Só que de acordo com a matéria de facto provada, na parte que reproduziu a parte relevante à decisão da causa do clausulado no contrato, o tal contrato tem duração de 1 ano renovável por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território.

Além disso, ficou provado que “por assim terem acordado, entre 18 de Março de 1994 e 31 de Maio de 2008, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo funções de guarda de segurança.” – cf. c) da matéria de facto assente.

Ora, independentemente da questão do alegado erro do julgamento de facto levantado pela recorrente, que será objecto de apreciação logo a seguir, a decisão de direito mostra-se totalmente compatível com a matéria de facto assim comprovada.

Improcede assim a tese da alegada contradição.

Então passemos a apreciar as impugnações da matéria de facto.

Conforme se vê na saneador-sentença ora recorrida, o Exmº Juiz a quo deu por assente a matéria de facto por falta da impugnação e impugnação ineficaz por parte da Ré, ora recorrente.

Diz ai na sentença recorrida que:

Em contestação, a ré, na parte que aqui releva, bateu-se pela improcedência da acção e, em suma:

Reconheceu que o autor foi seu trabalhador no período que referiu na petição inicial e que como trabalhador não residente foi contratado nas condições que alegou;

Reconheceu que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, o contrato que o autor alegou na petição inicial e reconheceu que apresentou tal contrato na Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego;

Reconheceu que pagou os salários e os montantes a título de trabalho extraordinário que o autor alegou;

Quanto ao número de horas de trabalho extraordinário que o autor diz ter prestado, a ré no art. 28º da sua contestação diz que, juntamente com outras partes da petição inicial, “constituem meras considerações pessoais, interpretações de factos ou de direito, ou conclusões manifestamente infundadas, que ... impugna para os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto no nº 3 do art. 410º do CPM ...”.

Afirmou que o autor prestou trabalho nos dias de descanso semanal voluntariamente.

Afirmou que o autor era remunerado em função das horas que trabalhava.

O autor respondeu impugnando a relevância do facto de o trabalho extraordinário ter sido prestado voluntariamente e que era remunerado em função das horas que trabalhava.

……

Por não terem sido impugnados pela parte contra quem foram alegados, estão assentes os factos com relevo para a decisão que a seguir se referem. Com efeito, nos termos do disposto nos arts. 410º e 424º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do art. 1º do Código de Processo do Trabalho, as partes têm de tomar posição definida sobre os factos articulados pela parte contrária. Posição definida é posição clara e firme. Além disso, se uma parte afirmar que desconhece se é verdadeiro ou falso um facto pessoal seu que outra parte alega, isso equivale a confissão do referido facto, o qual deve ser tomado como provado se for admissível a confissão. Assim, os factos em relação aos quais a parte contrária não tomou posição clara e firme ficam provados por não terem sido eficazmente impugnados, excepto se: 1- estiverem em oposição com a posição que, considerada em conjunto, a parte tomou; 2 – forem insusceptíveis de confissão; só puderem ser provados por documento. E os factos pessoais que a parte diz desconhecer ficam provados por confissão se em relação a eles for admissível tal meio de prova.

Ora, a ré reconheceu que o autor foi seu trabalhador no período que referiu na petição inicial e que como trabalhador não residente foi contratado nas condições que alegou; que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, o contrato que o autor alegou na petição inicial; que apresentou tal contrato na Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego; que pagou os salários e os montantes a título de trabalho extraordinário que o autor alegou; que o autor não gozou dias de descanso semanal. Por outro lado, quanto ao número de horas de trabalho extraordinário que o autor diz ter prestado, a ré, no art. 28º da sua contestação diz que, juntamente com outras partes da petição inicial, “constituem meras considerações pessoais, interpretações de factos ou de direito, ou conclusões manifestamente infundadas, que ... impugna para os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto no nº 3 do art. 410º do CPM ...”, pelo que não poderão tomar-se por eficazmente impugnados os factos em causa, por falta de posição definida e por se tratar de facto pessoal da ré ou de que deva ter conhecimento (ter tido o autor ao seu serviço fora do horário normal de serviço). Por outro lado, ainda, a ré afirmou que o autor prestou trabalho nos dias de descanso semanal voluntariamente e o autor não impugnou. E afirmou que o autor era remunerado em função das horas que trabalhava, mas fê-lo conclusivamente sem alegação dos factos onde se pudesse acompanhar aquela conclusão, pelo que se trata de mera impugnação de direito e não dirigida aos factos alegados pelo autor, os quais, assim, ficam provados.

O autor respondeu impugnando, apenas de direito, a relevância do facto de o trabalho extraordinário ter sido prestado voluntariamente e que era remunerado em função das horas que trabalhava, pelo que o facto alegado pela ré (voluntariedade do trabalho prestado nos dias de descanso semanal) fica provado por não impugnado e a conclusão jurídica da ré fica para o seu lugar próprio - a discussão de direito.

Como se sabe, vigora o princípio da verdade formal no processo civil, nele está incluído naturalmente o presente processo que, sendo embora processo do trabalho, não deixa de ser um verdadeiro processo civil, regulado especialmente pelo CPT e subsidiariamente pelo CPC.

O princípio da verdade formal anda sempre associado ao princípio dispositivo, fixando as regras do jogo para o apuramento da verdade processualmente válida no processo civil.

Assim, no processo civil recai em regra sobre as partes todo o risco de condução do processo, através do ónus de alegar, contradizer e impugnar. Tratando-se de matéria disponível, o juiz terá de considerar não necessitados de prova todos os factos que tendo sido alegados por uma parte, não tenham sido impugnados por outra. Pode todavia acontecer que esses factos, na verdade não são verdadeiros, são tidos como tais intraprocessualmente.

In casu, em vez de contestar em sede própria, que é a fase de articulados, a Ré, ora recorrente, só veio a contradizer e impugnar a matéria afirmada pelo Autor na sua petição inicial em sede de recurso, imputando erro ao julgamento de matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, que como vimos supra, deu por assente a matéria de facto por confissão ficta por parte da Ré que se traduz na falta da impugnação e na ineficaz impugnação.

De facto, a recorrente em sede de contestação não chegou a contradizer o facto, alegado pelo Autor, de os sucessivos contratos individuais de trabalho celebrados com ele terem sido derivados do contrato de prestação de serviço nº 2/94.

Assim, entendemos que bem andou o Exmº Juiz ao fixar como fixou a matéria de facto, e remetemos para os fundamentos invocados na sentença recorrida e com os quais julgamos improcedente esta parte do recurso.

2. Da consequência da pretendida alteração da matéria de facto quanto à compensação do salário, dos subsídios de alimentação e efectividade

Pelo decidido no ponto 1. não haverá lugar à pretendida alteração da matéria de facto, cessa a necessidade de apreciação desta parte do recurso.

3. Da natureza mensal do salário

Para a recorrente, o salário do Autor era baseado no número de horas de trabalho efectivamente prestado, e não um salário mensal, conforme foi entendido pelo Tribunal a quo.

A propósito da idêntica questão levantada no recurso para este TSI sob o número 838/2010, interposto pela ora recorrente e de que o recorrido é um outro trabalhador em situação idêntica à do ora recorrido, este Tribunal já decidiu nos termos seguintes:

…… os valores de salário concretamente alegados pelo Autor, pelo contexto da petição inicial em que foram inseridos e pela lógica das coisas, não podem deixar de ser interpretados como referentes aos valores de um salário mensal.

Ora, in casu, os vários valores mensalmente pagos respeitam aos vários períodos de tempo sucessivos, quais são: de JUL1997 a MAR1998, de ABR1998 a FEV2005, de MAR2005 a FEV2006 e de MAR2006 a DEZ2006.

Isto é, aos vários espaços de tempo, uns mais longos outros mais curtos, todos temporalmente quantificados em mês no calendário dos correspondentes anos civis.

Nota-se que durante toda a extensão de cada um desses espaços de tempo, o autor auferia sempre um salário num constante valor de dinheiro (MOP$1.800,00, MOP$2.000,00, MOP$2.100,00 e MOP$2.288,00).

E entende-se por mês cada uma das 12 divisões do ano solar, sete com 31 dias, quatro com 30 dias e uma com 28 dias ou (nos anos bissextos) 29 dias.

Pergunta-se será possível que num espaço de tempo mais ou menos longo, por exemplo o compreendido entre ABR1998 e FEV2005, o Autor auferia, a título de salário, em todos os meses, sempre o mesmo constante valor de MOP$2.000,00, se este valor mensal fosse determinado de acordo com as horas de trabalho efectivamente prestadas pelo Autor?

Ou seja, será possível que, num período de 83 meses (de ABR1998 a FEV2005), o Autor e a Ré, conseguiram engendrar o número das horas de trabalho efectivamente prestadas, em cada um dos 83 meses de duração variada (uns com 31 dias, outros com 30, 28 ou 29 dias), por forma a corresponder exactamente a um salário no valor sempre igual de MOP$2.000,00, nem mais nem menos uma pataca?

Naturalmente as regras da experiência da vida levam-nos a responder negativamente a essa interrogação.

Uma vez que, não tendo todos estes meses o mesmo número de dias, uns com 31, outros com 30, 28 ou 29, só através de uma variação intencionalmente manipulada e bem calculada do número das horas de trabalho é que se torna possível manter sempre inalterado o quantum salarial (MOP$2.000,00) durante tantos meses.

Não cremos que foi o que aconteceu.

Antes pelo contrário, cremos que o facto de ter sido sempre no mesmo valor o salário mensalmente auferido pelo autor durante todo o período de tempo em causa deve-se à circunstância de o Autor ter auferido um salário mensal, independente do número dos dias em cada mês.

Assim, cai por terra toda a argumentação deduzida pela Ré, à luz da qual, não obstante a periodicidade do pagamento do salário ao Autor ser mensal, a verdade é que o seu quantum era determinado de acordo com as horas de trabalho efectivamente prestadas pelo Autor ….. .

Não vejamos razão para alterar essa posição nossa, e portanto improcede esta parte do recurso.

4. Do subsídio de alimentação

A propósito desta questão, a Sentença ora recorrida decidiu atribuir o subsídio de alimentação em todos os 5189 dias, durante os quais o Autor trabalhou para a Ré.

A recorrente entende que o assim decidido não é correcto, pois na sua óptica, não existem elementos suficientes nos autos que permitam dar como provado que o Autor trabalhou durante todos os dias que durou a relação laboral com a Recorrente, antes pelo contrário, existem nos autos documentos que comprovam que o Autor não prestou trabalho efectivo em pelo menos 220 dos 5189 dias que durou a relação laboral em causa nos presentes autos.

Para a recorrente, o Autor só tem direito a receber o tal subsídio nos dias que efectivamente trabalhou, pois só a prestação efectiva do trabalho justifica o direito ao subsídio de alimentação.

Então vejamos se o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que efectivamente trabalhou o Autor ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.

Nota-se que, in casu, o “quando” é pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.

Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.

In casu, foi apenas estipulada a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Desta maneira, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.

Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.

Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.

Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Mas ficamos sem saber se era devido enquanto relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.

Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 1º, por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, como foi dito supra, por remissão expressa no ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.

Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.

Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

É o que se estabelece nos artº 17º, 19º e 21º do decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.

Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.

E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.

Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque o legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.

Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.

Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de justificar o pagamento do subsídio de alimentação nos dias em que trabalha, muito menos nos dias em que não trabalha.

Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.

Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.

Além disso, ficou também provado que a Ré recorreu muito frequentemente ao serviço em horas extraordinárias prestado pelo Autor, quase sempre quatro horas por dia.

As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador assim como a grande frequência do recurso por parte da Ré ao serviço prestado em horas extraordinárias, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.

Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.

Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.

Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que efectivamente trabalhou.

Então temos de ver agora o que ficou provado e para depois aplicar essa conclusão ao caso em apreço.

Ora, o que alegou o Autor quanto ao invocado direito ao subsídio de alimentação foi o seguinte:

II- SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
91.º
Do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré - e, em concreto o Autor, - teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15.00 diárias, a título de subsídio de alimentação (cfr. 3.1. do Contrato de Prestação de Serviço n.º 02/94, junto anteriormente como doc. 2).
92.º
Acontece, porém, que ao longo de toda a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
93.º
Como anteriormente se disse, a relação de trabalho entre a Ré e o Autor durou 14 anos e 2 meses e 13 dias, o que perfaz 5189 dias de trabalho.
94.º
Assim, é o Autor credor da Ré na quantia de MOP$77,835.00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento, a título de subsídio de alimentação contratualmente devido e não pago.

Ao qual a Ré contestou nestes termos:

53.º
Acresce ainda, no que diz respeito ao subsídio de alimentação, apesar de constar do referido contrato de prestação de serviços, a verdade é que não foi acordado entre o Autor e a Ré, como decorre do contrato individual de trabalho (cfr. documentos n.ºs 5 a 9, juntos com a p.i.

Em face do alegado pelo Autor e a forma com reagiu a Ré na sua contestação, e tendo em conta o restante da matéria de facto provada, nomeadamente o comprovado elevadíssimo número das horas extraordinárias de trabalho prestado pelo Autor, o comprovado facto de não ter qualquer dia de descanso semanal nem descanso compensatório, a não demonstração nos autos de que o Autor tinha direito ao descanso anual ou descanso a qualquer título, cremos que não andou mal o Exmº Juiz ao considerar provado o facto “Durante os 5189 dias que trabalhou para a ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação”.

Tal como ficou dito no ponto 1. supra, o que ficou provado pode não ser verdadeiro, mas é tido como verdade intraprocessual pelo simples incumprimento do ónus de contradizer que recai sobre os ombros da ré.

Parece que foi o que sucedeu in casu.

Não merece portanto qualquer censura o decidido pelo Tribunal a quo que consiste na atribuição ao Autor o valor resultante desta fórmula: 5189 dias X MOP$15,00.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interposto pela Ré, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 25ABR2013


Relator
Lai Kin Hong

Primeiro Juiz-Adjunto Choi Mou Pan

Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira



[1] À qualificação como contrato a favor de terceiro não se opõe a existência de cláusulas sobre condição e termo nem a existência de cláusulas modais, assim como não se opõe a inserção da promessa a favor de terceiro num qualquer contrato típico ou atípico ou em contratos mistos ou uniões de contratos. Sobre a diversidade dos contratos a favor de terceiro, Diogo Leite de Campos, Contrato a Favor de Terceiro, vg. pgs. 10 e 46.
[2] Não é discutido que se trata de um contrato de trabalho o celebrado entre autor e ré. E não tem qualquer relevância, para a solução desta particular questão da eficácia jurídica, qualificar a relação contratual entre autor e ré, pois que, seja ela qual for, os efeitos do contrato a favor de terceiro seriam exactamente os mesmos.
[3] =[90-(1500:30)]x30x(18.6)+[90-(1700:30)]x30x21+[90-(1800:30)]x30x9+[90-(2000:30)]x30x83
+[90-(2100:30)]x30x12+[90-(2288:30)]x30x10
[4] Art. 11º, nº 2 do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril. Não é aplicável ao presente caso e ao trabalho prestado até 31 de Dezembro de 2008 a Lei nº 7/2008 de 12 de Agosto, nos termos do art. 93º, nº 1 desta Lei.
[5] Apenas se conclui que o contrato a favor de terceiros, directamente, não tem efeitos sobre o trabalho prestado em dias de descanso semanal. Não é permitido concluir que se afirmou que não pode ter efeitos indirectos ou mediatizados pela lei ou pelo contrato individual de trabalho. Só que neste caso a fonte dos efeitos é a lei e não o contrato a favor de terceiro. Assim, se se concluir que o cálculo da retribuição do trabalho deve ser o dobro da retribuição normal e esta for definida pelo contrato a favor de terceiro, afigura-se-nos evidente que é esta retribuição que deve servir de base ao cálculo e não qualquer outro valor. No entanto, a fonte da obrigação é a lei e não o contrato.
[6] Por razões que não se repetem aqui e que já constam do despacho de fls. 170 e seguintes, rejeitamos a ideia de que, sem ser invocado o erro ou outra causa, o contrato a favor de terceiro celebrado entre a autor e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, interfira no contrato individual de trabalho celebrado entre autor e ré ou no seu regime jurídico.
[7] “O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.”.
[8] No mesmo sentido, José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental, Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, pg. 96.
[9] Consigna-se que se procedeu a arredondamento às centésimas e que se aplicou a seguinte fórmula [(90x2)-(2000:30)]x105.
[10] No mesmo sentido, José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental, op. cit., loc. Cit.
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