Processo nº 213/2013 Data: 25.04.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
SUMÁRIO
A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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Processo nº 213/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 312 a 329 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 331 a 332).
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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:
“Entendemos que não deve ser reconhecida razão ao recorrente A, por não estarem preenchidos os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Por força do art.° 56 n.° 1 do Código Penal de Macau, a concessão da liberdade condicional depende da co-existência do pressuposto formal e do pressuposto material.
É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à vista da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídica e da paz social.
Neste sentido, a aplicação da liberdade condicional nunca é feita pela lei com o carácter automático, ou seja, não é obrigatório aplicá-la mesmo estando preenchido o pressuposto formal, tendo de mostrar-se satisfeito o pressuposto material.
Em relação à reintegração social do condenado, nunca podemos deixar de ponderar, mesmo que resulte um juízo de prognose favorável ao mesmo, em referência às circunstâncias da sua resocialização, que "... se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do condenado, estes conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável. Sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado." (Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, 2°. Reimpressão, §850).
Apesar do comportamento adequado durante o período do cumprimento da pena de prisão, ou seja, do "bom comportamento prisional", o recorrente não cumpriu na íntegra a decisão judicial que o condenou, nomeadamente na parte relativa ao pagamento de indemnização ao ofendido, mesmo que seja alegada pelo recorrente a rejeição do pedido do pagamento em prestação da tal indemnização. Sendo da preocupação nossa, à luz da experiência profissional, a fuga ao pagamento de indemnização caso seja concedida a liberdade antecipada.
Por outro lado, analisados os autos, o recorrente cometeu crime de elevada gravidade, perturbando seriamente a ordem jurídica e a paz social desta R.A.E.M. por ter ofendido bens jurídicos patrimoniais de valor consideravelmente elevado.
A natureza e gravidade dos actos criminais cometidos são sempre parte relevante dos elementos de consideração de que o Tribunal a quo tem de curar, quer na fase de julgamento, quer na decisão da aplicação da liberdade condicional.
Em referência à natureza e à consequência jurídica do crime de burla de valor consideravelmente elevado, são evidentes a gravidade do crime e a perturbação da tranquilidade social, tudo consequência do acto ilícito praticado pelo recorrente.
Sendo relevante a exigência de prevenção geral dessa criminalidade que se constitui como risco sério para a economia e a paz social.
In casu, tendo em consideração a realidade social de Macau e a rigorosa exigência da prevenção geral quanto ao tipo de crime praticado pelo recorrente, bem como a influência negativa que a liberdade antecipada do recorrente virá trazer para a comunidade, nomeadamente, o prejuízo da expectativa da eficiência das leis, temos de afirmar que a concessão da liberdade condicional seria, muito provavelmente, incompatível com a ordem jurídica e a paz social, nos termos do disposto n.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Pelo exposto, em sintonia com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, não conseguimos chegar a uma conclusão favorável ao recorrente para lhe conceder a liberdade condicional, por não vermos que as condições em que o recorrente se encontra encontrem eco no disposto n.° art.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Concluindo, entendemos que deve ser dada improcedência ao recurso interposto do A”; (cfr., fls. 340 a 341-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 28.07.2009, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 6 anos de prisão pela prática de 2 crimes de “burla” (de valor consideravelmente elevado), um dos quais, na forma tentada;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.M. em 15.03.2008, e em 13.03.2012, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 13.03.2014;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua companheira em SHENZEN, possuindo perspectivas de emprego numa empresa de comercialização de marisco.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 15.03.2008, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.07.2012, Proc. nº 629/2012, de 06.09.2012, Proc. nº 712/2012 e o de 11.10.2012, Proc. n.° 730/2011).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negative deve ser a resposta.
De facto, (e independentemente do demais), atento os tipos de crimes pelo ora recorrente cometido, o de “burla qualificada”, tendo causado um prejuízo que ascende a MOP$1.100,000,00, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$2.500,00.
Macau, aos 25 de Abril de 2013
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 213/2013 Pág. 12
Proc. 213/2013 Pág. 1