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Processo n.º 595/2012 Data do acórdão: 2013-5-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 73.o do Código de Processo Penal
– art.o 74.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
– arbitramento oficioso de indemnização
– decisão civil
– sentença contravencional condenatória
– art.o 390.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– erro notório na apreciação da prova
– Lei das Relações de Trabalho
– Lei n.o 7/2008
– empresa
– conversão da multa contravencional em prisão
– art.o 85.o, n.o 1, alínea 6), da Lei n.o 7/2008
S U M Á R I O
1. Atento o disposto no art.o 73.o do Código de Processo Penal vigente (CPP), ex vi do art.o 74.o, n.o 3, do mesmo Código, a decisão de arbitramento oficioso de indemnização tomada na sentença contravencional condenatória não deixa de ser uma decisão autenticamente civil.
2. Como essa decisão cível, que condenou a empresa arguida ora recorrente no pagamento de uma indemnização pecuniária a favor da parte trabalhadora ofendida, não é desfavorável à própria arguida em valor pecuniário superior à metade da alçada do Tribunal Judicial de Base em matéria civil laboral, não é de conhecer do recurso na parte tangente à peticionada absolvição da indemnização (cfr. o art.o 390.o, n.o 2, do CPP).
3. Não ocorre o erro notório na apreciação da prova, quando vistos todos os elementos probatórios indicados pelo tribunal a quo no texto da sua sentença como sendo suporte à formação da sua livre convicção sobre a matéria de facto, não se vislumbra ao tribunal ad quem que esse tribunal tenha violado quaisquer regras da experiência da vida quotidiana humana em normalidade de situações, ou quaisquer normas jurídicas sobre a prova legal, ou ainda quaisquer leges artis no domínio de julgamento de factos, pelo que não pode vir a recorrente, com citação de algum conteúdo de depoimentos de testemunhas de defesa, e ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP, impugnar o resultado de julgamento de factos feito pelo tribunal a quo.
4. A multa cominada na alínea 6) do n.o 1 do art.o 86.o da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das Relações de Trabalho vigente), não é convertível em prisão, quando está em causa uma empresa arguida.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 595/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A, S.A. (A股份有限公司)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 169 a 175v dos autos de Processo de Contravenção Laboral n.° CR1-12-0002-LCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), a arguida A, S.A. (A有限公司), ficou condenada pela prática de uma contravenção p. e p. conjugadamente pelos art.os 59.º, n.o 1, alínea 2), 62.º, n.º 3, e 85.º, n.º 1, alínea 6), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (a vigente Lei das Relações de Trabalho, doravante abreviada como sendo LRT), em MOP24.000,00 (vinte e quatro mil patacas) de multa, e no pagamento de MOP23.126,80 (vinte e três mil, cento e vinte e seis patacas e oitenta avos) de indemnização pecuniária ao trabalhador ofendido C, com juros legais.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, na sua essência, o seguinte na sua motivação (apresentada a fls. 180 a 195 dos presentes autos correspondentes), a fim de rogar a sua absolvição da imputada contravenção e do pagamento da quantia indemnizatória arbitrada oficiosamente na sentença:
– 1) há falta de inquérito no caso dos autos, tal como referida no art.º 106.º, alínea d), do actual Código de Processo Penal (CPP), devido à omissão da descrição, na acusação, de todos os elementos susceptíveis de levar a que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) subsumisse a conduta da ora recorrente ao art.º 85.º, n.º 1, alínea 2), da LRT, omissão essa que, outrossim, em violação do direito de defesa consagrado no art.º 50.º, n.º 1, alínea b), do CPP e no art.º 29.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, impediu a pronúncia da recorrente sobre a globalidade da acusação, designadamente quanto aos elementos subjectivos do tipo contravencional, pelo que a acusação deve ser considerada nula;
– 2) tal como a acusação, também a sentença recorrida é parca sobretudo relativamaente aos elementos subjectivos do tipo contravencional em cuja prática foi condenada a recorrente, não se esclarecendo, pois, se a contravenção teria sido praticada a título doloso ou meramente negligente, nem sobre qual o grau de culpa da recorrente, o grau de responsabilidade ou a capacidade económica da recorrente, nem se indicando quais os elementos de prova que permitiriam ao Tribunal a quo concluir como concluiu aquando da decidida condenação e da medida da pena de multa, daí que há manifesta falta de fundamentação na sentença, que constitui nulidade insanável nos termos dos art.os 360.º, alínea a), e 355.º, n.º 2, do CPP;
– 3) não constava da acusação, ao contrário do referido na sentença, qualquer imputação de factos à recorrente que pudessem ser subsumidos à contravenção p. e p. pelo art.º 85.º, n.º 1, alínea 6), da LRT, cuja imputação só veio considerada como possível pelo Tribunal a quo posteriormente à produção da prova na audiência então realizada, tipo contravencional esse que é distinto do constante da acusação e cuja pena pode ser, à luz do art.º 87.º da LRT, convertível em pena de prisão, circunstância essa que já não se verifica em relação ao ilícito contravencional do art.º 85.º, n.º 1, alínea 2), da LRT por que vinha acusada, pelo que a sentença condenatória é nula nos termos do art.º 360.º, alínea b), do CPP, devido ao derespeito do art.º 340.º, n.º 1, do CPP;
– 4) como à recorrente não foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre os concretos factos ponderados pelo Tribunal a quo aquando da decisão de arbitramento oficioso de indemnização cível a favor do trabalhador dos autos, na medida em que apenas após a fase de produção de prova é que foi notificada da possibilidade de alteração da qualificação jurídica da sua conduta, a sentença deve ser anulada na parte referente à condenação cível, devido à violação do princípio do contraditório;
– 5) o termo “trabalho extraordinário” é um conceito jurídico e conclusivo, e não simples matéria de facto, razão pela qual nunca poderia constar do elenco de factos provados nos autos;
– 6) a prova efectivamente produzida em audiência e relatada na sentença não permitia ao Tribunal a quo concluir pela existência da prestação de qualquer trabalho extraordinário por parte do trabalhador reclamante, posto que, ao contrário do concluído por esse Tribunal, o intervalo, a partir de 11/3/2009, para descanso/refeição (que podia ser livremente gozado pelo trabalhador, o qual, se assim entendesse, poderia ausentar-se das instalações da recorrente) não pode ser contabilizado no período normal de trabalho de acordo com o disposto no art.º 33.º, n.º 4, a contrario sensu, da LRT, pelo que o período normal de trabalho não sofreu qualquer alteração desde o início da prestação da actividade pelo trabalhador até ao seu termo, não podendo, pois, ter havido qualquer redução da remuneração;
– 7) ao que acresce que o guia de benefícios (benefit guide), datado de 3/8/2007, em nada alterou a organização do período de trabalho do trabalhador;
– 8) face ao exposto, dos elementos juntos aos autos, apenas seria possível ao Tribunal a quo concluir, quanto à matéria de facto, que o trabalhador: (i) foi contratado para prestar 48 horas efectivas de trabalho semanal; (ii) sempre prestou 48 horas efectivas de trabalho semanal, divididas em 9 horas e 36 minutos diários de trabalho efectivo, interrompidas por um intervalo para descanso de meia hora; (iii) esse intervalo para descanso de meia hora estava incluído no período normal de trabalho até 10/3/2009; (iv) esse intervalo para descanso de meia hora estava excluído no período normal de trabalho a partir de 11/3/2009; e (v) o trabalhador sempre foi remunerado pela prestação de 48 horas de trabalho semanal efectivo;
– 9) deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se abstido de dar como provados os factos elencados nos 5.º a 9.º parágrafos de factos provados descritos na sentença, aresto esse, por falta de fundamentação, deve ser declarado nulo, à luz dos art.os 360.º, alínea a), e 355.º, n.º 2, do CPP;
– 10) deveria, ainda, o mesmo Tribunal ter-se abstido de referir que a recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente, uma vez que nenhum elemento probatório de ponderação foi indicado para sustentar essa conclusão, encontrando-se, pois, a sentença também ferida de falta de fundamentação na parte em questão, devendo ser declarada nula nessa parte, também nos termos dos art.os 360.º, alínea a), e 355.º, n.º 2, do CPP;
– 11) o Tribunal a quo parece basear todas as conclusões constantes da sentença num equívoco essencial: o de que teria de exitir um guia de benefícios em vigor à data da contratação do trabalhador. Contudo, dentro dos limites previstos por disposições imperativas da lei, empregador e trabalhador são livres de fixar o conteúdo do contrato de trabalho, que é auto-suficiente no que concerne à regulação da relação laboral, tendo sido isto que precisamente ocorreu com o trabalhador dos autos, sendo de notar que, na altura em que o B Resort Hotel abriu ao público em 28/8/2007, já estava em vigor o guia de benefícios de 3/8/2007.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 199 a 209) no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 222 a 225), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar (em sede do qual se ordenou a notificação da recorrente para se pronunciar sobre a eventualidade de, à luz do art.º 390.º, n.º 2, do CPP, o seu recurso na parte referente à indemnização pecuniária não ser conhecido por este TSI, por o montante em questão não ultrapassar a metade da alçada do TJB em matéria cível laboral, tendo a recorrente depois respondido, a fls. 231 a 232v, a essa questão no sentido de defender a admissão do recurso no seu todo), corridos os vistos, e com audiência feita nesta Segunda Instância, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à solução do recurso:
A) À arguida foi acusada inicialmente a prática de uma contravenção (por diminuição da remuneração de base da parte trabalhadora) p. e p. pelos art.os 10.o, alínea 5), 59.o, n.o 5, e 85.o, n.o 1, alínea 2), da LRT (cfr. o teor, ora a fls. 4 a 5v, do auto de notícia então levantado pela DSAL contra a arguida, e convertido pelo Ministério Público em acusação por despacho exarado a fl. 123v).
B) No auto de notícia levantado pela DSAL, foram imputados essencialmente os seguintes factos em desfavor da arguida:
– o trabalhador C foi contratado pela arguida A, S.A., para no período de 5/3/2007 a 20/2/2011, trabalhar como técnico;
– os salários mensais desse trabalhador foram de MOP12.000,00 no período de 5/3/2007 a 31/5/2007, de MOP12.600,00 no período de 1/6/2007 a 31/3/2008, de MOP14.000,00 no período de 1/4/2008 a 30/6/2008, de MOP14.840,00 no período de 1/7/2008 a 30/6/2010, e de MOP15.360,00 no período de 1/7/2010 a 20/2/2011;
– de acordo com o guia de benefícios de 26/12/2006 de trabalhador de categoria E, foi expressamente estipulado, como uma das condições de trabalho, o horário de 48 horas de trabalho semanal (incluindo o tempo para refeição), guia de benefícios esse que já era aplicável aquando do ingresso do referido trabalhador como pertencente ao pessoal de categoria E;
– posteriormente, a parte empregadora actualizou, em 3/8/2007, o guia de benefícios em causa, alterando o número de horas de trabalho como sendo de “48 horas por semana”, sem os dizeres referentes à inclusão do tempo para refeição;
– mais tarde, em 11/3/2009, a parte empregadora, de modo unilateral, e sem ter obtido o consentimento do trabalhador, alterou, conforme o guia de benefícios de trabalhador de 3/8/2007, o horário de trabalho do trabalhador, no sentido de que em vez de “48 horas por semana (incluindo o tempo para refeição)”, passou a ser de “48 horas por semana”, ou seja, o trabalhador jamais prestava 9,1 horas de trabalho por dia com 30 minutos para refeição, mas sim prestava 9,6 horas de trabalho por dia com 30 minutos para refeição. Em face dessa alteração, a parte empregadora continuava a pagar, na mesma, a remuneração de base inicialmente fixada, implicando a redução indirecta da remuneração da parte trabalhadora, sem acordo escrito de ambas as partes, nem comunicação à DSAL;
– segundo o mapa de apuramento em anexo, a parte empregadora não pagou ainda a quantia de MOP19.272,40 ao trabalhador, referente ao período de trabalho de 11/3/2009 a 20/2/2011.
C) Segundo o teor da acta de audiência de julgamento em primeira instância (lavrada a fls. 157 a 158v):
– nessa audiência, e após ouvidos o trabalhador ofendido e o Senhor Inspector autor do auto de notícia como testemunhas de acusação e outras três pessoas como testemunhas de defesa, e examinados os elementos documentais constantes dos autos, o Tribunal a quo afirmou poder verificar a seguinte matéria fáctica com relevo para a decisão da causa mas não descrita no libelo acusatório: conforme o conteúdo do contrato de trabalho assinado em 1/3/2007 entre a arguida e o referido trabalhador, o horário de trabalho desse trabalhador era de 48 horas por semana, as regalias do trabalhador eram definidas em função do guia do pessoal trabalhador de categoria profissional em causa e das informações conexas, e a remuneração de trabalho extraordinário era calculada ao factor de 1,1. Além disso, o mesmo Tribunal afirmou também que havia a possibilidade de alteração da qualificação jurídica da conduta contravencional então imputada à arguida, no sentido de passar a ser imputada à arguida a prática de uma contravenção p. e p. pelos art.os 59.o, n.o 1, alínea 2), 62.o, n.o 3, e 85.o, n.o 1, alínea 6), da LRT. E feita a comunicação de tudo isto às Partes Acusadora e de Defesa, a Digna Delegada do Procurador disse que não tinha nada a opor, enquanto o Ilustre Defensor da arguida declarou que precisava de cinco dias para preparar defesa sobre a supra referida alteração dos factos e da qualificação jurídica, em face do que foi concedido judicialmente o prazo de cinco dias para esse efeito.
D) Entretanto, nesse prazo de cinco dias, não foi apresentada nenhuma resposta por parte da Defesa quanto à referida alteração dos factos e da qualificação jurídica (cfr. o processado de fls. 159 a 166).
E) Afinal, o Tribunal a quo, no texto da sua sentença proferida (a fls. 169 a 175v), considerou provados os seguintes factos (originalmente descritos em chinês, e agora traduzidos para português pelo ora relator), na sua essência, e na parte que ora interessa à solução do recurso:
– o trabalhador C foi contratado pela arguida A, S.A., para no período de 5/3/2007 a 20/2/2011, trabalhar como técnico (cfr. o 1.o parágrafo de factos provados descritos na sentença);
– os salários mensais desse trabalhador foram de MOP12.000,00 no período de 5/3/2007 a 31/5/2007, de MOP12.600,00 no período de 1/6/2007 a 31/3/2008, de MOP14.000,00 no período de 1/4/2008 a 30/6/2008, de MOP14.840,00 no período de 1/7/2008 a 30/6/2010, e de MOP15.360,00 no período de 1/7/2010 a 20/2/2011 (cfr. o 2.o parágrafo de factos provados);
– o trabalhador referido pertencia ao grupo de pessoal operacional de categoria E, com 5 dias de trabalho de base por semana (cfr. o 3.º parágrafo de factos provados);
– o número de horas de trabalho por semana do trabalhador referido, no período de 5/3/2007 a 10/3/2009, era de 48 horas, e calculado em função de 5 dias de trabalho por semana, o número de horas de trabalho por dia era de 9,6 horas (ou seja, 9 horas e 36 minutos), nelas se incluindo 30 minutos como o tempo para refeição (cfr. o 4.o parágrafo de factos provados);
– a arguida, sem ter obtido o consentimento de trabalhadores em causa, actualizou unilateralmente, em 3/8/2007, o guia de benefícios de trabalhador do grupo de pessoal operacional de categoria E, tendo alterado o número de horas de trabalho de “48 horas por semana (incluindo o tempo para refeição)” para “48 horas por semana” (cfr. o 5.o parágrafo de factos provados);
– no período de 11/3/2009 a 20/2/2011 (último dia de trabalho), a arguida, sem ter obtido o consentimento do trabalhador referido, alterou unilateralmente o número de horas de trabalho diário desse trabalhador para 10,1 horas (ou seja, 10 horas e 6 minutos), nelas se incluindo 30 minutos como o tempo para refeição (cfr. o 6.o parágrafo de factos provados);
– durante esse período, esse trabalhador trabalhou 30 minutos a mais por cada dia, mas a arguida não lhe fez aumento salarial em função disso ou não lhe pagou compensação de trabalho extraordinário (cfr. o 7.º parágrafo de factos provados);
– a arguida, a propósito disso, não comunicou à DSAL (cfr. o 8.º parágrafo de factos provados);
– a arguida, até agora, ainda não pagou ao mencionado trabalhador a compensação pecuniária, na quantia de MOP23.126,80, do trabalho extraordinário do período de 11/3/2009 a 20/2/2011 (cfr. o 9.º parágrafo de factos provados);
– a arguida, ao praticar os actos acima referidos, agiu livre, voluntária e conscientemente (cfr. o 10.º parágrafo de factos provados);
– sabendo claramente que tais actos eram proibidos e puníveis por lei (cfr. o 11.º parágrafo de factos provados);
– conforme o conteúdo do contrato de trabalho assinado em 1/3/2007 entre a arguida e o referido trabalhador, o horário de trabalho desse trabalhador era de 48 horas por semana, as regalias do trabalhador eram definidas conforme o guia do pessoal trabalhador em função da categoria profissional e dos dados conexos, e a remuneração de trabalho extraordinário era calculada ao factor de 1,1;
– e o referido trabalhador prestou voluntariamente consentimento prévio no sentido de prestar trabalho extraordinário no período de 1/1/2009 a 20/2/2011 (cfr. fls. 25 a 34).
F) O Tribunal a quo, indicou, a partir da 19.ª linha da página 3 até à 4.a linha da página 6 do texto da sentença, diversos elementos probatórios de suporte à formação da sua convicção sobre a matéria de factos, e explicitou detalhadamente o seu raciocínio na formação dessa convicção.
G) O Tribunal a quo, com base na factualidade provada acima referida, acabou por condenar a arguida pela prática de uma contravenção (por negação do direito de trabalhador à remuneração do trabalho extraordinário), p. e p. conjugadamente pelos art.os 59.o, n.o 1, alínea 2), 62.o, n.o 3, e 85.o, n.o 1, alínea 6), da LRT, na pena de MOP24.000,00 de multa, inconvertível em prisão (por entender que estando em causa uma pessoa colectiva, não se podia converter a multa em prisão – cfr. concretamente a 6.a linha da página 10 da sentença), tendo escrito na sentença os fundamentos jurídicos para essa condenação e a aplicação da respectiva pena (cfr. os capítulos de “Aplicação do Direito” e de “Medida concreta” do texto da sentença), para além de condenar a arguida também no pagamento de MOP23.126,80 de indemnização pecuniária ao trabalhador ofendido, com juros legais.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7/12/2000 no Processo n.o 130/2000, de 3/5/2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17/5/2001 no Processo n.o 63/2001).
Cabe decidir, desde já, da questão de eventual não conhecimento do recurso na parte referente à pretendida absolvição da indemnização pecuniária arbitrada oficiosamente pelo Tribunal a quo.
Pois bem, atento o disposto no art.o 73.o do CPP, ex vi do art.o 74.o, n.o 3, do mesmo Código, é indubitável que a decisão de arbitramento oficioso de indemnização constante da sentença agora sob impugnação não deixa de ser uma decisão autenticamente civil.
E como essa decisão cível, que condenou a arguida no pagamento de MOP23.126,80 a favor do trabalhador ofendido, não é desfavorável à própria arguida em valor pecuniário superior à metade da alçada do TJB em matéria civil laboral (nota-se que o valor da alçada do TJB nessa matéria é de MOP50.000,00 – art.o 18.o, n.o 1, da vigente Lei de Bases da Organização Judiciária), não é de conhecer efectivamente, nos termos do art.o 390.o, n.o 2, do CPP, do recurso em causa na parte respeitante à decisão de arbitramento oficioso de indemnização (consubstanciada em questões colocadas pela recorrente a este respeito, e já referidas, em súmula, na alínea 4) da parte do relatório do presente acórdão de recurso).
Resta, pois, apreciar tão-só as questões postas no recurso atinentes à decisão condenatória contravencional.
Quanto à primeiramente levantada problemática de omissão da descrição de todos os elementos subsceptíveis de levar a que a DSAL subsumisse a conduta da recorrente ao art.º 85.º, n.º 1, alínea 2), da LRT, com alegada relevância para a figura de falta de inquérito, é desnecessário a este TSI investigar sobre isto, porquanto a recorrente acabou por não ser condenada à luz dessa norma jurídica da LRT.
E no concernente à questão de assacada falta de fundamentação da sentença, não deixa de naufragar o recurso nesta parte, posto que visto o teor dessa peça decisória condenatória, a mesma apresenta não só a exposição de motivos de facto e de direito sustentadores da decisão de condenação contravencional e da de medida concreta da pena, como também a indicação de meios de prova de suporte à formação da livre convicção sobre os factos, o que dá para satisfazer a exigência do n.o 2 do art.o 355.o do CPP, sendo de verificar que da matéria de facto nela descrita como provada, resulta que a recorrente praticou a contravenção por que vinha condenada a título de dolo directo (por ter agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei) e com elevado grau de culpa (atendendo à duração relativamente longa da sua conduta contravencional, e ao facto de ela ter procedido até à alteração unilateral, em 3/8/2007, sem acordo do pessoal trabalhador em causa nem comunicação à DSAL para efeitos de autorização, do teor do guia de benefícios de trabalhador, a fim de tentar camuflar previamente a sua vindoura actuação concreta de não compensar o trabalho extraordinário da parte trabalhadora), por um lado, e, que, por outro, é já facto notório ser uma empresa de grande dimensão em Macau, e com grande capacidade económica. E por aí se vê que a multa aplicada na sentença recorrida já é muito leve para a recorrente.
E ante a mesma factualidade provada, é juridicamente mais pertinente a qualificação jurídica dada pelo Tribunal a quo (em sentido convergente, cfr. a posição jurídica vertida no acórdão deste TSI, de 15/12/2011, no Processo n.º 228/2011, em face da factualidade provada congénere). Aliás, essa factualidade provada, nos seus termos essenciais, condiz com a matéria de facto então imputada à recorrente no auto de notícia levantado pela DSAL, ulteriormente convertido pelo Ministério Público em acusação, daí que não pode ocorrer a situação de que se fala na alínea b) do art.º 360.º do CPP. De facto, o que aconteceu foi apenas uma menos pertinente qualificação jurídica dada pelo Ente Autuante aos factos descritos no auto de notícia, ulteriormente convertido em acusação, a qual veio a ser alterada pelo Tribunal a quo com prévia advertência (ordenada materialmente nos termos analogicamente aplicáveis do art.o 339.o, n.o 1, do CPP) da recorrente da hipótese dessa alteração, sem nenhuma simultânea alteração substancial dos factos, sendo de notar, por outra banda, que o Tribunal a quo já explicou, e bem decidiu, pela impossibilidade legal da conversão em prisão, da multa cominada pelo art.º 85.º, n.º 1, alínea 6), da LRT, pelo que fica prejudicada também a tese da recorrente (segundo a qual a pena aí prevista acarretaria efeitos mais graves do que a multa cominada na alínea 2) do n.º 1 do art.º 85.º da LRT, e haveria que aplicar o art.o 340.o, n.o 1, do CPP).
No tocante ao termo “trabalho extraordinário”, estes dizeres já entraram há muito na linguagem comum e corrente das pessoas leigas desconhecedoras do Direito, e representam uma realidade perceptível total e facilmente pelas mesmas, daí que improcede também a tese da recorrente de que tal termo seria um conceito jurídico ou conclusivo.
E no respeitante ao demais alegado pela recorrente (e já acima sumariado nas alíneas 6) a 11) da parte do relatório do presente aresto), é de ver que toda essa argumentação se destina, ao fim e ao cabo, a sindicar sobretudo o resultado de julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal a quo.
Entretanto, vistos todos os elementos probatórios indicados por esse Ente Julgador no texto da sua sentença como sendo suporte à formação da sua livre convicção sobre a matéria de facto, não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem que esse Tribunal tenha violado quaisquer regras da experiência da vida quotidiana humana em normalidade de situações, ou quaisquer normas jurídicas sobre a prova legal, ou ainda quaisquer leges artis no domínio de julgamento de factos, pelo que não pode vir a recorrente, ao autêntico arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP, impugnar o resultado de julgamento de factos feito pelo Tribunal a quo, sendo de realçar, por outro lado, que toda a versão fáctico-jurídica sustentada pela recorrente nessa parte do recurso em questão contraria a matéria de facto já descrita como provada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em não conhecer do recurso da arguida A, S.A., na parte referente à pretendida absolvição da indemnização pecuniária por que vinha condenada na sentença recorrida, e negar provimento à restante parte do recurso.
Custas do recurso pela arguida, com vinte e oito UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão ao trabalhador ofendido e à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
Macau, 16 de Maio de 2013.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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