Processo nº 10/2013
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No passado dia 21.03.2013, procedeu-se ao depósito do acórdão por este T.S.I. proferido nos presentes autos, onde se decidiu negar provimento ao recurso do arguido B, alterando-se, oficiosamente, a qualificação jurídico-penal operada pelo T.J.B., e passando o mesmo arguido a ficar condenado como autor da prática não só de 1 crime de “passagem de moeda falsa”, mas de 1 outro de “burla informática”, em concurso real, mantendo-se a pena aplicada por respeito ao estatuído no art. 399° do C.P.P.M.; (cfr., fls. 842 a 866 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Com data de 02.04.2013, apresentou o arguido recorrente expediente arguindo a nulidade do dito acórdão.
No mesmo, alegou o que segue:
“B, arguido recorrente nos autos à margem referenciados, notificado do acórdão de 21 de Março de 2013, que lhe negou provimento ao recurso, alterando, "ex officio, a qualificação jurídica efectuada pelo T.J.B. e mantendo-se a pena aplicada aos arguidos", vem, nos termos do disposto no art.° 360° do C.P.P., arguir a nulidade do acórdão, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Vem-se fixando jurisprudência, nomeadamente nos Tribunais da República Portuguesa que, mediante a eventual alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, o Juiz deve proceder nos mesmos termos da alteração não substancial dos factos.
Isto é, tal como fez o M° Juiz - Relator dos presentes autos, foi o arguido recorrente, nos termos do despacho de fls. 822, notificado para se pronunciar sobre "a possibilidade de se qualificar a (sua) conduta como a prática de crime de burla, informática".
2. Tal notificação tem por base o princípio do contraditório, segundo o qual o arguido deve ser ouvido sobre todas as questões em que for interessado ou que o possam afectar.
3. Nos termos daquele despacho, pronunciou-se o arguido recorrente atempadamente sobre tal eventual alteração em requerimento dirigido aos autos, para o qual se remete.
4. A nulidade ora invocada baseia-se na violação do princípio do contraditório, uma vez que, como então se disse, o despacho do M° Juiz - Relator é meramente conclusivo.
Impossível se tomava, salvo o devido respeito, pronunciar-se o arguido recorrente sobre aquela eventualidade quando, como então questionou, não compreendeu qual(quais) o facto(s) assente(s) que subsume(m) o seu comportamento a uma das condutas tipo do crime de burla informática; e se o crime de burla informática seria, então, a nova qualificação jurídica dos factos assentes ou um acréscimo àquela que constava do acórdão recorrido.
Ora,
5. Se não compreendeu o alcance de tal despacho e se o M° Juiz - Relator entendeu não o clarificar, então, diremos nós, o contraditório ficou definitivamente prejudicado.
E não é pelo simples facto de a pena aplicada em 1 a Instância não ter sido alterada que se poderá dizer que o arguido recorrente não veio, a final, a ser severamente prejudicado.
A condenação por dois crimes - sobretudo quando a moldura penal do "acréscimo" é bem mais severa - afecta mais gravemente o arguido do que a condenação por um só crime ...
6. Agora, conhecida a alteração introduzida pelo acórdão em apreço, verifica o arguido recorrente que o Tribunal "ad quem" entendeu que o crime de burla informática se teria consumado quando ele, recorrente, "... introduziu e alterou dados informáticos, intervindo no sistema informático - dos cartões de crédito - e que, com tal conduta, obteve enriquecimento ilegítimo...", o que, sempre com o devido respeito, não é mais do que uma enunciação do que da lei consta.
Ora, o que arguido vinha acusado, e acabou condenado em 1ª Instância, foi de, tendo conhecimento que determinados cartões de crédito eram falsos, os ter passado como bons, para grangear um proveito.
Tudo se refere na acusação e naquele acórdão ao facto dos arguidos terem posto em circulação os cartões de crédito falsos que continham os dados de outrem.
Não, salvo o devido respeito, a uma interferência ilegítima No funcionamento do sistema informático (legítimo) dos cartões de crédito.
7. Trata-se de situações jurídicas totalmente distintas, a carecer de uma profunda análise para a qual, salvo o devido respeito, o citado despacho de fls. 822, não alertou convenientemente o arguido recorrente.
8. A condenação por um crime distinto e autónomo daquele que constava da acusação, sem que o arguido tivesse tido oportunidade de se defender convenientemente desta nova (e acrescida) condenação (bem mais grave) é, reiteramos, salvo o devido respeito, violação grave do princípio do contraditório.
Por isso,
Se argui a presente nulidade”; (cfr., fls. 869 a 871).
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Respondendo, diz a Ilustre Procuradora Adjunta:
“A Magistrada do Ministério Público da RAEM, tendo sido notificada do requerimento apresentado pelo recorrente B, vem dizer o seguinte:
O arguido veio invocar, nos termos do art.° 360 do C.P.P.M., a nulidade do Acórdão proferido em 21 de Março de 2013 pelo Tribunal de Segunda Instância que lhe negou provimento ao seu recurso e alterou "ex officio, a qualificação jurídica efectuada pelo T.J.B. e mantendo-se a pena aplicada aos arguidos", alegando a violação do princípio do contraditório por não ser alertado convenientemente o recorrente pelo despacho de fls. 822 que lhe notificou sobre "a possibilidade de se qualificar a (sua) conduta como a prática de crime de burla informática".
Entendemos que não merece nenhuma razão a arguição do recorrente B.
Ora, como o recorrente não indicou claramente qual preceito concreto, dentro do art.° 360 do C.P.P.M., que violou o douto acórdão, vejamos tudo o que aí vem estatuído:
"Artigo 360. °
(Nulidade da sentença)
É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidos no n. ° 2 e na alínea b) do n. ° 3 do artigo 355.°; ou
b) Que condenar por factos não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 339.° e 340.°"
Conforme a alínea a), os casos de nulidade da sentença podem derivar da omissão de enumeração de factos provados ou não provados, da exposição dos motivos de facto ou de direito que fundamentam a decisão, ou da indicação de provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A este respeito atentemos aos Drs. Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santo nas fls. 752 e 753 do anotado do C.P.P.M. que "A nulidade ocorre pela omissão daqueles elementos e já não pela sua insufiência ..... ''.
Nos termos da alínea b), a sentença é nula quando condenar por factos diferentes dos constantes da pronúncia ou da acusação sem respeito pelos normativos contidos nos art.°s 339 e 340 do C.P.P.M..
No caso sub judice, não se vislumbra nenhuma omissão na indicação dos requisitos mencionados na al. a) do art.° 360, tendo em conta todos os elementos fácticos e jurídicos consignados no douto acórdão, mostrando-se completamente preenchidos os requisitos referidos no art.° 355 n.s° 2 e 3 al. b) do C.P.P.M..
Não há situações, in casu, em que os factos tenham sido substancialmente alterados, após a audiência de julgamento.
Há, apenas, alteração da qualificação jurídico-penal, ou seja, da prática do crime de "passagem de moeda falsa" para a prática, em concurso real, dos crimes de "passagem de moeda falsa" e de "burla informática", cabendo assim o preceito do art.° 339 do C.P.P.M ..
É certo quando se afirma que, através das doutrinas jurídicas, o tribunal do julgamento pode livremente requalificar os factos constantes da pronúncia ou da acusação, e, é também apreciada a questão pararelamente se a modificação do seu tratamento jurídico ocorre no tribunal superior, sob condição de não agravar as sanções, por força do art.° 399 do C.P.P.M..
Salientando-se, ainda, que esta alteração da qualificação jurídica não toca o princípio do contraditório uma vez que ao arguido é conferido pela lei o seu direito de interposição de recurso, conforme as brilhante ideias dos Drs. Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santo nas fls. 711 a 712 do anotado do C.P.P.M.
Podemos concluir desde já que o douto acórdão não padece vício nenhum que o faça calhar na nulidade prevista no art.° 360 al. b) do C.P.P.M..
Aliás, da nossa opinião, no intuito de garantir o direito de defesa do arguido, o juíz que preside o julgamento deve comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação de defesa, nos termos do art.° 339 n.° 1 do C.P.P.M..
Vejamos o teor do douto despacho de fls. 822 que o recorrente citou para sustentar a invocada violação do princípio do contraditório ao douto acórdão:
"O recurso apresenta-se como o próprio, tempestativo e legitimamente interposto, nada paracendo obstar ao seu conhecimento.
Admitindo-se a possibilidade de ser qualificada a conduta do arguido recorrente como a prática de 1 crime de "burla informática" – cfr. art.° 11.°, da Lei n.° 11/2009 – e atento o princípio de contraditório, notifique-se desde já o recorrente para, querendo, dizer o que entender. (Sublinhado e destacado por nós)
Dê-se também conhecimento do consignado à I.P.A. e ao co-arguido não recorrente para, querendo, pronunciar-se nos termos que considerem convenientes.
Aos vistos.
Seguidamente, ao Exm.° Sr. Presidente, para designar a data para a audiência, sugerindo-se a convocação do E.M.M.P. e do Exm.° Defensor do arguido (recorrente e não recorrente)."
Na verdade, não falta ao recorrente oportunidade e tempo de mostrar sua posição, quer antes da audiência de julgamento, que durante a audiência de julgamento, quer após a audiência e durante o prazo legal para a interposição de recurso.
Não vemos sinceramente de que modo o recorrente foi prejudicado, em termos do seu direito de defesa, paracendo-nos, tão só, que o mesmo não concordou simplesmente com a tal decisão de requalificação jurídica do Ilustre T.S.I..
Pelo exposto, entendemos que não se verifica a nulidade invocada pelo recorrente B, termos em que se deve indeferir o pedido formulado por este”; (cfr., fls. 872 a 874).
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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.
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Fundamentação
2. Vem o arguido B, arguir a nulidade do acórdão por este T.S.I. prolatado em 21.03.2013, (onde se decidiu nos termos atrás já relatados).
Entende, em suma, que houve “violação grave do princípio do contraditório”, dado que procedeu este T.S.I. a uma alteração (ex-officio) da qualificação jurídico-penal da sua conduta tida como provada pelo T.J.B. sem que se lhe tivesse sido dado cabal oportunidade para sobre a mesma se pronunciar.
Da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, e admitindo-se que sobre a mesma outros entendimentos existam, não cremos que tenha o arguido razão.
E, em nossa opinião, simples é o motivo deste nosso ponto de vista.
É que para além do despacho pelo relator proferido em sede de exame preliminar, (e a que também faz referência o ora requerente), onde se suscitou a questão da possível “alteração da qualificação jurídico-penal”, do qual foi o arguido devidamente notificado, e sobre o qual se pronunciou nos termos de fls. 829 a 830, em sede de audiência de julgamento do recurso (do arguido), voltou-se a colocar a questão, certo sendo também que aí teve o mesmo arguido (nova) oportunidade para dizer o que entendesse conveniente.
Admite-se que o despacho pelo relator proferido em sede de exame preliminar é algo sintético, e que aí não se explicitou que a conduta do arguido, então qualificada como a prática de 1 crime de “passagem de moeda falsa” podia vir a ser entendida como a prática deste crime e de 1 outro de “burla informática”, em concurso real.
Porém, (independentemente do demais, e certo sendo que o ora requerente não pediu nenhum esclarecimento, tendo antes pugnado ela procedência do seu recurso), tal possibilidade não deixou de ser (novamente) colocada e debatida em sede de audiência de julgamento do recurso; (cfr., “acta de julgamento”, a fls. 840 a 841).
E, se nessa audiência exerceu o arguido o seu direito ao contraditório, alegando como por bem entendeu, não requerendo o que quer que fosse, nomeadamente, prazo adicional para a sua defesa, adequado (e razoável) não nos parece que, agora, após a prolação do acórdão, venha imputar a este T.S.I. o vício de “violação grave do princípio do contraditório”.
Com o que se deixou exposto, e não nos parecendo que a decisão proferida seja uma “decisão-surpresa”, impõe-se concluir que não incorreu este T.S.I. na maleita que pelo recorrente lhe é assacada, restando assim decidir.
Decisão
3. Em face do exposto, acordam julgar improcedente a arguição de nulidade.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Macau, aos 25 de Abril de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto) Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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