Processo nº 798/2012-I
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em 21.03.2013 proferiu-se nos presentes autos o seguinte acórdão:
“Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se absolver A e B, arguidos, com os sinais dos autos, da imputada prática como co-autores, de um crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a), do C.P.M., julgando-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil pelos demandantes (e assistentes) C e D enxertado nos autos; (cfr., fls. 903 a 903-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legai).
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Inconformados, vieram os ditos assistentes recorrer para este T.S.I..
Na sua motivação de recurso produziram as conclusões seguintes:
“1. A decisão recorrida enferma dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, bem como de erro nos pressupostos de facto e de direito que a fundamentam;
2. Atenta a matéria de facto provada, existe fundamento para a condenação dos arguidos pela prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado;
3. O Tribunal considerou que "Conforme os factos provados durante a audiência de julgamento, embora o ambiente local de investimento em Timor Leste não satisfizesse as exigências do primeiro assistente, tendo em consideração a situação de fraco desenvolvimento nas áreas políticas e económicas durante 2001, o Tribunal entende que não se prova que os dois arguidos tinham intenção de enganar os dois assistentes e ficar-lhes com o dinheiro";
4. Em local algum do probatório e dos demais elementos que fundamentam a douta decisão se encontram referências à considerada situação de fraco ambiente de negócios de Timor, às exigências do 1° Recorrente sobre o mesmo, bem como ao desenvolvimento político e económico do País em questão;
5. Assim, a consideração destes factos na fundamentação contraria frontalmente os factos dados como provados, existindo uma contradição evidente entre factos provados e fundamentação;
6. Existe contradição insanável da fundamentação quando os factos provados estão em oposição ou quando os fundamentos de facto justificam decisão contrária àquela a que chegou o julgador (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 26/10/1995, no Proc n.° 047232, e em 10/12/1996, no Proc. n.° 96P903);
7. Também ensina, a este Propósito, o Tribunal da Relação de Évora que "O vício da contradição insanável de fundamentação a que alude o art. 410.° n° 2, al. b) do CPP pode ocorrer quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova, fundamentos da convicção do tribunal" - Acórdão proferido, em 20 de Janeiro de 2004, no Proc. n.° 1880/03-1;
8. Ainda que assim não fosse, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, nunca de considerações abstractas - sobre o desenvolvimento político e económico de um País se podem retirar conclusões ou justificações sobre as reais intenções dos arguidos e sobre a licitude ou ilicitude da sua conduta;
9. Pelo contrário, resulta até do documento intitulado "Projectos-Timor" (v. folhas 40), referido no ponto 7 dos factos provados, que "o CNRN (Manuel Carrascalão-Presidente), via UNTAET, autoriza e providencia pelo licenciamento de qualquer actividade industrial, comercial ou turística que envolva o desenvolvimento do País; tudo quanto passe pela contratação de mão de obra local; investimento estrangeiro para desenvolvimento da economia local.";
10. Ou seja, a considerar-se o nível de desenvolvimento do País como factor de ponderação da licitude ou ilicitude da conduta dos arguidos, então a conclusão teria de ser diametralmente oposta àquela a que chegou o Tribunal, pois uma das justificações dadas aos Recorrentes para efectuarem negócios em Timor era a de aproveitarem a oportunidade da abertura do País ao investimento estrangeiro, como consta daquele documento;
11. Devem ser aditados como factos não provados que "durante a deslocação a Timor Leste para efeito de investigação do ambiente de investimento, o 1.° requerente cível e 2.a requerente cível tivessem requerido ao 1.° requerido cível a prestação de serviços de advogado, que o 1.° requerido cível tivesse contratado intérprete e pago as respectivas despesas", uma vez que tais factos são fundamentais para a descoberta da verdade material e foram considerados não provados pelo Tribunal a quo, na fundamentação da decisão, conforme consta da página 22 do douto acórdão proferido;
12. O artigo 211.° do Código Penal, ao tipificar o crime de burla indica como seus elementos típicos os seguintes: intenção de obter para si ou terceiro enriquecimento ilegítimo; por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou; determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial;
13. Os arguidos locupletaram-se com HKD$277.273,00, que sabiam não lhes serem devidos, enriquecendo assim ilicitamente naquele montante;
14. Para o conseguirem, de forma concertada, enganaram e induziram em erro os ora Recorrentes, em primeiro lugar afirmando conhecer ministros em Timor Leste, apresentando planos de negócios que sabiam não serem exequíveis e não tendo qualquer pretensão de realizar negócios em Timor e, posteriormente, com a afirmação do 1.° arguido ao dizer que agiu como advogado (mudando de qualidade conforme lhe convém) e que contratou os serviços de uma assistente intérprete;
15. Tal valor assomou à posse do 1.° arguido única e exclusivamente fruto do engodo que os arguidos ofereceram aos Recorrentes, causando-lhes, como não podia deixar de ser, graves prejuízos na sua esfera patrimonial;
16. O Tribunal considerou que "no presente caso não é possível provar que existem factos subjectivos e objectivos de que na actividade de investimento em Timor Leste em causa, os dois arguidos, A e B, procederam de modo enganoso para obter o dinheiro dos dois assistentes." ;
17. Contudo, foi o falso convencimento da realidade, provocado por ambos os arguidos, que levou os Recorrentes a entregarem o valor em causa ao 1.° arguido, nomeadamente em virtude da confiança que a 2.a Recorrente depositava na 2.a arguida, que era sua advogada, tendo esta garantido que conhecia muito bem Timor Leste e que sabia que havia muito boas oportunidades de investimento no País, pedindo segredo e dizendo-lhe que aguardasse pelo contacto do 1.° arguido, acrescentando que este tinha uma posição influente em Timor Leste e boas relações com um ministro desse País e conhecia bem o ambiente de negócios;
18. Depois do contacto feito pelo 1.° arguido, a 2.a Recorrente encontrou-se com ambos os arguidos, tendo o 1.° arguido confirmado o que a 2.a arguida dissera, acrescentando alguns detalhes sobre os possíveis negócios em Timor, bem como das vantagens a eles associadas: lucros anuais na ordem dos MOP5.000.000,00 e facilidade de licenciamentos;
19. Perante o cenário apresentado pelos arguidos e face à credibilidade que os mesmos lhes mereciam pelo facto de serem advogados, os Recorrentes ficaram convencidos da veracidade e fiabilidade do que lhes foi dito;
20. No encontro seguinte, foram apresentados pelo 1.° arguido os valores necessários para efectuar investimentos em Timor, tendo este sublinhado que os valores deveriam ser entregues antes de dia 8 de Maio sob pena de se perder o negócio porque havia muitas pessoas interessadas e o seu amigo ministro poderia vir a optar por qualquer uma delas;
21. Note-se aqui a clara intenção de obter a entrega do dinheiro em data anterior à da deslocação a Timor Leste, convencendo os Recorrentes da possibilidade de perda do negócio se assim não fosse;
22. É neste encadeamento de factos (artificiosamente afirmados e encenados por ambos os arguidos) que os Recorrentes entregam ao 1.° arguido um cheque no valor de HKD$750.000,00 e com este é celebrado um contrato, com vista à constituição de uma sociedade em Timor Leste para a exploração, recolha, transporte, tratamento e exportação de café, pelo 1.° Recorrente (cfr. folhas 44);
23. Nesta altura foi ainda acordada a realização da viagem a Timor Leste, tendo o 1.° arguido pedido aos Recorrentes que encomendassem 500 T-Shirts para oferecer ao seu amigo ministro, entregando-lhes o modelo das mesmas;
24. Antes da viagem, o 1.° arguido avisou os Recorrentes da necessidade de levarem consigo, na bagagem, um traje formal, porque tinham sido convidados para jantar com o seu amigo ministro;
25. Acontece que, como resulta dos factos provados, o ministro em causa estava no aeroporto aquando da chegada dos participantes na viagem à espera de familiares, recebeu as T-Shirts e não mais foi visto, não tendo existido qualquer jantar (nem alusão ao mesmo!) com o ministro;
26. O facto de os arguidos não terem conseguido alojamento para os participantes na viagem, nem veículos em condições para os transportarem aos possíveis locais para instalação do negócio acordado, nem terem efectuado qualquer diligência no sentido de constituir a sociedade dedicada à compra e venda de café, conforme consta do contrato assinado, é, à luz dos princípios da experiência comum, revelador de que os arguidos mentiram aos Recorrentes, levando-os a entregar-lhes um valor monetário na ilusão de ser verdade a história que lhes tinha sido contada;
27. Se houvesse alguma intenção por parte do 1.° arguido em levar avante o negócio acordado, teria, pelo menos, envidado esforços para a constituição da sociedade comercial e para que a viagem corresse o mais possível conforme o planeado, tentando, por todos os meios ao seu alcance concretizar o que ambos os arguidos haviam prometido aos Recorrentes;
28. Aliás, o facto de se ter provado que, após interpelação do 1.° Recorrente dizendo que pretendia resolver o contrato e reaver o dinheiro do suposto investimento, o 1.° arguido imediatamente assentiu a esse pedido é também indiciador de que não havia nenhum interesse comercial por parte dos arguidos naquela visita;
29. Tendo o interesse dos arguidos o único fito de levar os Recorrentes a entregar-lhes as quantias monetárias em causa e bem antes da realização da viagem, a fim de garantirem a sua posse, uma vez que sabiam antecipadamente que a viagem não ia corresponder ao que fora prometido;
30. A tese do Tribunal, à luz de critérios lógicos e objectivos, bem como da experiência comum, não se consegue adequar aos factos provados;
31. O estratagema fraudulento foi intencionalmente preparado pelos arguidos, para, induzindo os Recorrentes em erro, estes lhes entregarem a avultada quantia monetária solicitada (note-se que os factos decorreram há mais de 11 anos);
32. Após o regresso da viagem e ao contrário do que tinha sido dito pelo 1.° arguido (v. ponto 21 dos factos provados), tiveram de ser os Recorrentes a insistir, por escrito e por duas vezes, na devolução integral do montante pago - recorrendo até à intervenção de um Ilustre advogado;
33. Assim, vendo-se na impossibilidade de obter para si a totalidade do valor que lhes foi entregue, o 1.° arguido decidiu passar de parceiro de negócio a advogado, afirmando ter prestado serviços de advocacia e contratado uma intérprete, cobrando, através de uma abusiva e ilícita compensação, aos Recorrentes, os respectivos honorários e custos associados, o que, como refere o acórdão, não sucedeu;
34. Esta actuação por parte do 1.° arguido é, por si só, prova de que o seu interesse era fazer ilicitamente seu parte do valor que lhe tinha sido entregue (por meio de indução em erro) pelos Recorrentes, tendo clara consciência da ilegitimidade do enriquecimento e, como tal, continuando de forma voluntária e intencional a defraudar os Recorrentes;
35. In casu, como se demonstra, os arguidos, durante a visita a Timor, não fizeram qualquer diligência no sentido previamente acordado para a constituição de qualquer sociedade comercial, nem tão pouco deram sinais de conhecer o ambiente de negócios de Timor e de ter relações privilegiadas com um ministro desse País, antes pelo contrário;
36. Sendo ambos os arguidos advogados e, como tal, com um conhecimento das normas jurídicas acima de um bom pai de família, não se pode, de acordo com o prudente juízo de um homem médio entender, como fez o acórdão recorrido, que não houve dolo na sua actuação;
37. Face ao supra explanado e salvo melhor opinião, outra conclusão não se pode retirar que não a de que o acórdão sub judice também incorre no vício de erro notório na apreciação da prova produzida;
38. Como se refere no acórdão n.° 713/2011, do Tribunal de Segunda Instância, de 17 de Maio de 2012, "O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.";
39. Atendendo à factualidade dada como provada, estão verificados todos os elementos do tipo de ilícito em causa (intenção de obter para si ou terceiro enriquecimento ilegítimo; por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou; determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo -patrimonial), inexistindo razão para uma decisão absolutória, como a que foi proferida no acórdão recorrido;
40. Assim, estando verificados os requisitos objectivos e subjectivos do crime, outra decisão não é possível, que não uma que condene os arguidos pela prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado, conforme consta da douta acusação, independentemente do grau de verificação de culpa de cada um;
41. Tendo os arguidos praticado o crime por que foram acusados, devia o Tribunal, salvo melhor opinião, ter dado como provado os prejuízos provocados pela prática do ilícito penal, condenando, em consequência, os demandados no pedido cível, no que se refere ao valor de HKD277.237,00, correspondente a MOP286.145,00;
42. Mais, o Tribunal devia ter condenado os arguidos a pagar aos assistentes a totalidade do custo de fabrico das T-Shirts, pois este foi totalmente suportado pelos Recorrentes, conforme documento junto aos autos a folhas 49, em virtude de terem acreditado na "história" contada pelos arguidos;
43. Carece de fundamento a condenação do primeiro requerido em apenas metade do valor em causa "dada a causa de resolução do contrato." Na verdade, as T-Shirts nada têm a ver com a actividade da sociedade a que se refere o contrato celebrado, conforme documento de folhas 44 e 45, tendo sido pedidas pelo 1.° arguido para serem oferecidas ao seu amigo ministro a título de presente;
44. A estes valores acresce ainda o valor despendido pelos Recorrentes com a estadia em Timor, conforme peticionado no pedido de indemnização cível, que os arguidos deviam ter sido, igualmente, condenados a pagar;
45. Tudo acrescido dos respectivos juros até efectivo e integral pagamento, nos exactos termos que constam da decisão do tribunal a quo;
46. Assim, deverá a douta sentença, no que se refere ao pedido cível, ser alterada por outra que condene ambos os demandados no pagamento aos Recorrentes dos valores por eles peticionados relativos aos danos provocados pelo crime de que foram vítimas;
47. Ainda que assim não se entenda, nunca o Tribunal poderia ter fundamentado a decisão de procedência parcial do pedido cível relativamente ao 1.° Recorrente como o fez;
48. Mesmo considerando que não houve a prática de qualquer crime, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, perante a inviabilidade do negócio de constituição da sociedade (de acordo com o entendimento do Tribunal a quo), conforme acordado entre o 1.° Recorrente e o 1.° demandado, deveria este ter devolvido a totalidade do valor que lhe foi entregue pelos Recorrentes;
49. Ao não o ter feito, fazendo suas quantias que efectivamente sabia não lhe pertencer, estamos perante um enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 467.° do Código Civil, pois as quantias foram recebidas pelo 1.° demandado, tendo em vista um fim que não se verificou;
50. Nesta situação, estamos no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito e não de responsabilidade contratual, como refere o douto acórdão recorrido, pois estão provados todos os pressupostos desta responsabilidade, a saber: o facto, a ilicitude, a sua imputação ao demandado, o dano causado ao demandante e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;
51. Veja-se, a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2011, tirado no processo n.° 836/08.4TDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt onde se refere que: "IV - Perante a invalidade da efectivação do negócio de compra e venda, cabia ao demandado a obrigação de devolver as quantias recebidas do demandante. Ele só as recebera para aquele efeito. Na impossibilidade de realizar o negócio, cessava a causa justificativa desse recebimento. Impunha-se, pois, que restituísse o que recebeu do demandante. Contudo, não efectuou a restituição, fazendo daquelas quantias coisa sua. V - Tal conduta constitui um enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473. o, n. ° 2, do CC, pois as quantias foram por ele recebidas em vista de um efeito (celebração do contrato de compra e venda do imóvel) que não se verificou. VI - Estamos, portanto, no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, não da responsabilidade contratual. Provados que estão todos os pressupostos dessa responsabilidade, o demandado terá de ser condenado no pagamento das quantias recebidas do demandante.";
52. Sendo o mesmo entendimento acolhido no acórdão da Relação de Porto, de 14 de Abril de 2004, tirado no processo 0316953, onde se diz: "Embora o arguido pudesse, sem o recurso a qualquer artifício, movimentar o dinheiro existente na conta, não podia apropriar-se dele, integrando-o no seu património, porque o mesmo não lhe pertencia. Ao assim actuar, fez um ataque ilícito ao direito de propriedade da demandante - A ilicitude consiste na infracção de preceitos da ordem jurídica. Os factos ilícitos podem consistir no incumprimento de obrigações, ou na violação de certos deveres gerais impostos por lei e que não correspondam a uma relação jurídica anteriormente estabelecida entre o autor e a vítima. É o caso do respeito pelo direito de propriedade, que opera erga omnes, tendo o proprietário o direito a que todos os terceiros se abstenham de qualquer invasão nesse seu direito [Rodrigues bastos, vol. V, em anotação ao art. 1305 do Cod. Civil.] - art. 1305 do Cod. Civil. Ou seja, o comportamento do arguido, embora sem a relevância criminal que a acusação lhe pretendeu dar, foi ilícito, havendo, por isso, por força do citado art. 377 n° 1 do CPP, que fixar a respectiva indemnização.".
A final, pedem a procedência do recurso “revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por uma decisão que condene os arguidos como autores de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, bem como no pagamento aos Recorrentes dos valores supra referidos, acrescidos dos juros contabilizados nos termos do acórdão recorrido.
Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre a decisão no que se refere à procedência parcial do pedido de indemnização cível deve ser alterada para uma que a fundamente em responsabilidade por acto ilícito e não em responsabilidade contratual”; (cfr., fls. 910 a 942).
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Responderam o Exmo. Magistrado do Ministério Público e os arguidos, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 950 a 953 e 958 a 961).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“No que tange exclusivamente à vertente criminal, fundam os recorrentes a alegação respectiva em assacados vícios de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.
Mas, cremos, sem qualquer razão.
Por um lado, não se percebe como validamente atacar, sob o prisma da fundamentação, o facto de o tribunal "a quo" ter referenciado que o ambiente local de investimento em Timor Leste, tendo em consideração a situação de fraco desenvolvimento nas áreas política e económica, não satisfez as exigências do 1° recorrente, mas que, apesar disso, não se comprovou que os dois arguidos tivessem a intenção de enganar os dois assistentes e ficar-lhes com o dinheiro.
Onde a contradição ? Não é perfeitamente lógico e razoável que, porventura, os próprios arguidos pudessem pensar que aquela situação era melhor, ou que, conhecendo-a, supusessem que a mesma seria passível de satisfazer as pretensões dos clientes? Uma coisa anula a outra, ou existe qualquer incongruência na conclusão? Não sê percebe ...
Certo é que aquela asserção decorre, com normalidade, da matéria dada como provada, não se descortinando como não possam coexistir, com congruência, as conclusões alcançadas, pelo que se revela inócua a argumentação, no específico.
Por outra banda, procuram os recorrentes o preenchimento, no caso, de todos os elementos típicos do crime de burla, socorrendo-se, porém, de uma visão pessoalíssima sobre a ocorrência dos factos, quando a mesma não tem, manifestamente, qualquer correspondência com a matéria factual apurada, destacando-se, a este propósito, a conclusão de que " ... no presente caso não é possível provar que existem factos subjectivos e objectivos de que na actividade de investimento em Timor Leste em causa, os dois arguidos ... procederam de modo enganoso para obter o dinheiro dos dois assistentes ", matéria esta assente, com evidente clareza, nos factos dados como não provados, designadamente que os arguidos, aproveitando a qualidade de advogados e relação com ministro de Timor Leste, tivessem, a título do exercício de actividade comercial e mediante a promessa de abundantes lucros, enganado, voluntária e conscientemente, os assistentes, determinando-os à perda de património, já que os arguidos não teriam capacidade de concretizar os compromissos com aqueles assumidos.
Ora, não se vê que, da prova produzida, de todos os elementos relevantes a apreciar e do próprio texto da decisão, que esta, por si, ou conjugada com as regras da experiência comum, errou, de forma ostensiva ao apreciar como apreciou a matéria, não competindo a este tribunal, em abono do respeito pela livre apreciação da prova, censurar os julgadores por terem formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, antes as corrobora, não passando, pois, a invocação dos recorrentes de uma mera expressão da sua própria opinião àcerca da apreciação da prova, por forma a tentar responsabilizar criminalmente os arguidos, não passando a invocação dos recorrentes de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 1021 a 1023).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Deu o Colectivo do T.J.B. como provada a seguinte factualidade:
“1.
O 1° arguido A e a 2ª arguida B, ambos trabalhavam na RAEM como advogado.
2.
A 2ª ofendida conheceu a 2a arguida, no âmbito de um processo judicial em que esta foi sua mandatária judicial.
3.
Em Fevereiro de 2001, a 2ª arguida marcou um encontro com a 2ª ofendida no restaurante Solmar, com pretexto de discutir os pormenores relativos ao processo.
4.
Durante o encontro, a 2ª arguida apresentou à 2ª ofendida o negócio do seu marido (ora 1° arguido), alegando que o 1° arguido, para além de ser um advogado, é também um comerciante com ricas experiências, nomeadamente, tem um elevado estatuto em Timor-Leste por cooperação estreita com o Ministro deste país e aproveita esta relação para adquirir lucros de valor consideravelmente elevado. Mais, disse-lhe que há ainda mais boas oportunidades de investimento mediante esta boa relação com o Ministro de Timor-Leste.
5.
Por fim, a 2ª arguida exigiu à 2ª ofendida que mantenha em secreto o conteúdo deste diálogo e disse-lhe que o 1° arguido iria contactar com a 2ª ofendida após uns dias.
6.
Passada por cerca de uma semana, o 1° arguido telefonou à 2ª ofendida para fornecer-lhe os dados relativos ao exercício da actividade comercial em Timor-Leste. Então, a 2ª ofendida fez um encontro com os dois arguidos num hotel de Macau.
7.
Durante o encontro, o 1° arguido disse à 2ª ofendida que ele sabia bem que como é que se realiza as actividades comerciais em Timor-Leste e existe em Timor-Leste muitos sectores para investir, e mostrou-lhe um documento de projectos de investimento, com título de "Projectos-Timor" (vide fls. 40 a 41 dos autos).
8.
Indicou a seguir que é possível adquirir lucro de valor consideravelmente elevado através de negócio de café, madeira e de pesca, com crescimento rápido. Dá-lhe como exemplo o negócio de café, cujo rendimento anual será de cerca de MOP 5.000.000,00.
9.
Quanto ao licenciamento para realizar as actividades comerciais em Timor-Leste, o 1° arguido disse-lhe que como mantém boa relação com o Ministro de Timor-Leste, consegue adquirir licenças necessárias imediatamente.
10.
A seguir, as partes mantêm-se em contacto.
11.
Num encontro posterior, o 1° arguido sugeriu aos dois ofendidos que participem num projecto de investimento no valor de HKD 1.122.000,00, alegando que a quantia supracitada é despesa mínima para exercício da actividade comercial e fornecendo-lhes um projecto (vide fls. 43), no qual especifica-se as despesas necessárias.
12.
Na altura, a 2ª ofendida disse que o valor de investimento supracitado excede a capacidade económica dela, pelo que o 1° arguido manifestou imediatamente que pode diminuir o valor da respectiva despesa, mas cujo valor não pode ser inferior a HKD 1.000.000,00, se não, o amigo Ministro do 1° arguido vai sentir que carece de sinceridade .
13.
A seguir, o 1° arguido disse-lhes que a respectiva quantia de investimento deve ser entregue antes do dia 8 de Maio de 2001, caso de se atrasar seria perder a oportunidade de investimento, uma vez que ainda há muitos outros interessados à escolha do Ministro, e explicou-lhes as outras vantagens de investir em Timor-Leste, isto é, é mais fácil adquirir o direito à residência em Timor-Leste, e consequentemente obter o passaporte deste país. Mais, disse-lhes que tudo isso depende da boa relação do 1° arguido com o governo local.
14.
O 1° ofendido e a 2ª ofendida acreditaram no que disse o 1° arguido devido à qualidade do advogado do 1° arguido e da 2ª arguida, mas prestaram-lhes apenas uma quantia no valor de HKD 750.000,00. O 1° arguido disse-lhes que não há problema e que tem outros meios para compensar o saldo de HKD 250.000,00, fazendo com que a quantia de investimento fique no valor de HKD 1.000,000,00.
15.
Na altura, o 1° assistente, C, exigiu ao 1° arguido que iria a Timor-Leste para investigação primeiramente e alegou que há mais amigos investidores que têm interesses neste investimento em Timor- Leste. Contudo, o 1° arguido alegou que para mostrar a sinceridade para a parte de Timor-Leste, os dois ofendidos precisam de pagar primeiramente a quantia e foi então combinado que iriam a Timor-Leste os dois ofendidos e os seus amigos investidores para investigar o ambiente de investimento local.
16.
Para esse efeito, o 1° arguido sugeriu a celebração dum contrato com C, no qual promete a C que o mesmo possa anular este contrato e retirar o capital no caso de não satisfazer com a investigação.
17.
Em 5 de Maio de 2001, o 1° arguido e C celebraram um contrato (vide fls, 44 e 45), no qual se fixa a constituição de uma sociedade em Timor-Leste com negócio de café, e C entregou ao 1° arguido uma quantia no valor de HKD 750.000,00 no momento de celebração do contrato, e o 1° arguido prestou uma quantia no valor de HKD 250.000,00 para compensar o saldo, atingindo o valor total de HKD 1.000.000,00. No contrato se determina ainda que todas as despesas decorrentes deste projecto em Timor-Leste ficam a cargo do 1° arguido (vide fls, 44 e 45 dos autos).
18.
Em 8 de Maio de 2001, para cumprir o contrato supracitado, 2ª ofendida entregou ao 1° arguido um cheque de HSBC n.° 671542 assinado por C, no valor de HKD 750.000,00 e o 1° arguido assinou a recepção nesta cópia de cheque (vide fl. 46).
19.
Além disso, a pedido do 1° arguido, o 1° arguido e à 2ª arguida têm que preparar 500 T-shirts a título de prenda ao Ministro de Timor-Leste e o 1° arguido deu o modelo de T-shirt a C (vide fl. 47).
20.
Para isso, a 2ª ofendida entregou 500 T-shirts ao 1° arguido antes de partir para Timor-Leste e pagou a quantia destas. T-shirts no valor de MOP 10.300,00.
21.
Em 27 de Maio de 2001, os dois arguidos levaram treze potenciais investidores, incluindo os dois ofendidos, que têm interesses para desenvolver actividades comerciais em Timor-Leste. Durante a visita em Timor-Leste, C considerou que o 1° arguido e a 2ª arguida não tinham qualquer plano para realizar as finalidades desta delegação de investigação comercial, nem apresentou-lhes o respectivo Ministro, pelo que ficaram insatisfeitos com isso. Em 30 de Maio de 2001, C decidiu a terminar esta visita e expressou claramente ao 1° arguido que iria anular o respectivo contrato e exigiu ao 1° arguido a devolução da quantia no valor de HKD 750.000,00, o 1° arguido prometeu-lhe que vai resolver o respectivo problema depois de regressar a Macau.
22.
Em 4 de Junho de 2001, o 1° arguido manifestou, através do Advogado, Dr. Pedro Redinha, que quer apenas restituir aos dois ofendidos a quantia no valor de HKD 472.727,00, com a redução do valor de HKD 277.273,00. Os dois ofendidos escreveram e assinaram uma carta datada de 6 de Junho de 2001 e apresentou ao advogado, Dr. Pedro Redinha para que fosse disponibilizado a fazer chegar às mãos do 1° arguido, recusando a respectiva sugestão (vide fls. 50 a 51 dos autos).
23.
Em resposta, o 1° arguido enviou aos dois ofendidos, em 7 de Junho de 2001, uma carta, na qual é indicada como quantia em dívida, pelos ofendidos, a importância de HKD 277.273,00, juntando, àquela nota de honorários e despesas da visita da delegação de investigação em Timor-Leste e um recibo M/7 de imposto profissional e uma guia de cobrança (vide fls. 53 a 58 dos autos).
***
Além dos factos acusados correspondentes aos factos provados, na audiência de julgamento, foi ainda provado os seguintes factos apresentados pelos dois arguidos nas contestações criminais:
1. A arguida não conversou com o 1° assistente, marido da 2ª assistente por dificuldades linguísticas, uma vez que a assistente fala português e o marido 1° assistente não.
2. No ano de 2001, para além de alvo de queixa crime por parte dos assistentes, a ora arguida foi, também, alvo de queixa disciplinar com o mesmo conteúdo, tendo-lhe sido instaurado o competente Processo Disciplinar.
3. Foi concluído pelo Conselho Superior da Advocacia por unanimidade que a ora arguida não cometeu, ilícito disciplinar.
4. O Conselho Disciplinar da Advocacia não encontraram à ora arguida qualquer falta disciplinar.
*
De acordo com os CRCs, o 1° arguido A e a 2ª arguida B são delinquentes primários em Macau.
(Factos provados relativos ao processo civil)
1. A 2ª autora D, conheceu, a 2ª ré; que é advogada em Macau, no âmbito de um processo judicial em que esta foi sua mandatária judicial.
2. Durante o decurso desse processo, criou-se uma relação de confiança entre a cliente e a advogada.
3. Por sugestão do 1° réu, a 2ª autora contactou com amigos e comerciantes de Macau, Hong Kong e Xangai, sondando-os sobre se estariam interessados em investir em Timor-Leste, para esse efeito, a 2ª autora proporcionou encontros com o 1° réu, para este lhes explicar as vantagens de investir em Timor-Leste.
4. O contrato do dia 5 de Maio de 2001 entre o 1° réu e o 1° autor foi escrito em papel timbrado com a menção de "XX, Advogado" .
5. No referido contrato, ficou expresso que os outorgantes poderiam fazer-se representar em qualquer acto dentro do âmbito do exercício da actividade comercial pelos respectivos cônjuges, sendo a 2ª arguida e a 2ª autora, uma vez que eram todos interessados no negócio a realizar em Timor-Leste.
6. Foi então combinado que os réus e os autores iriam a Timor-Leste para procederam à constituição daquela sociedade, aproveitando a viagem para que os outros investidores interessados, amigos dos autores, tomassem conhecimento sobre as várias oportunidades de negócio que o 1° réu havia anteriormente sugerido, nomeadamente, a exportação de madeiras e de pescado.
7. Nesse sentido, o 1° réu tratou de todas as formalidades necessárias para aquela deslocação, marcada para 27 de Maio de 2001, obtendo vistos, bilhetes e marcando hotéis em Bali (escala na viagem) e em Timor-Leste, ficando definido que, para além dos dois autores, de um outro comerciante de Macau, iriam também na deslocação um grupo de sete investidores de Xangai e três de Hong Kong, num total de treze pessoas.
8. Para esse propósito, foi entregue ao 1° réu, a quantia de HKD 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares de Hong Kong), apenas relativos aos gastos dos autores, do comerciante de Macau e do grupo de Xangai, para cobrir todas as despesas com o alojamento, alimentação e deslocações em Bali e Timor-Leste.
9. Por seu turno, o grupo de Hong Kong entregou ao 1° réu, para o mesmo efeito, mais HKD 40.000,00 (quarenta mil dólares de Hong Kong).
10. O 1° réu avisou os treze investidores para levarem consigo, na bagagem, um traje formal, pois tinham sido convidados para jantar com o seu amigo ministro.
11. No dia 27 de Maio de 2001, partiram do aeroporto de Hong Kong para Bali (na Indonésia), onde pernoitaram, seguido no dia 28 para Timor-Leste.
12. Pessoas do referido ministro amigo dos réus estavam a aguardada a chegada do casal de amigo dos réus, por serem seus familiares, se importando em receber as quinhentas "T-Shirts", partindo de imeditado-acompanhado por aquele casal e levando as "T-Shirts" que os autores encomendarm e pagaram a pedido do 1° réu - para não mais ser visto .
13. Ainda no aeroporto, e não obstante ter-lhes sido assegurado que durante a sua estadia em Timor ficariam alojados no "Hotel do Barco", supostamente o melhor hotel da cidade, tomaram conhecimento, através dos réus, que aquele hotel se encontrava totalmente ocupado e que teriam de ficar alojados noutro hotel de qualidade.
14. Ao chegarem ao hotel alternativo, entendiam que o mesmo carecia das mais elementares condições de habitabilidade, não possuindo aparelhos de ar condicionado nem casas de banho privativas, pelo que a comitiva exigiu que ficassem alojados num terceiro hotel, de nome "Audian" .
15. Durante a permanência em Timor-Leste, o 1° autor considerou que os réus não tinham qualquer plano para a prometida constituição da sociedade e o respectivo licenciamento, referida no contrato assinado entre o 1° arguido e o 1° autor, ao contrário do que haviam repetidamente assegurado.
16. Face à insistência dos autores, o 1° réu disponibilizou-se para uma viagem, alugando viaturas com problemas mecânicos, a qual terminou ao fim de escassos minutos, por uma das viaturas se ter avariado, o que inviabilizou a possibilidade de os autores e restantes investidores conhecerem os locais que o 1° réu dizia serem os ideais para a instalação de empresas.
17. No dia 30 de Maio de 2001, e entendiam que por nada do previamente assegurado pelos réus se ter realizado, os autores e o grupo de potenciais investidores deram por terminada a visita, regressando sozinhos a Hong Kong, pois os réus permanecerem em Timor-Leste.
18. Antes da partida de Díli, os autores deixaram bem claro ao 1° réu que exigiam a imediata devolução do montante de HKD 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), o qual tinha sido entregue ao 1° réu em 8 de Maio de 2001.
19. Os autores escreveram e assinaram uma carta datada de 6 de Junho de 2001 e apresentou ao Dr. Pedro Redinha para que fosse disponibilizado a fazer chegar às mãos do 1° réu, exigindo de novo a devolução da totalidade do montante entregue ao 1° réu em 8 de Maio de 2001, sem qualquer redução (cfr. fls. 50 dos autos).
20. Em resposta, o 1° réu enviou aos autores, em 7 de Junho de 2001, uma carta com um cheque de HKD 427.727,00 (quatrocentos e setenta e dois mil setecentos e vinte e sete dólares de Hong Kong) e nota de honorários e despesas de "advogado" e de uma "assistente" que identificou como Maria Ermelinda Viegas Carrascalão, que foi uma das acompanhantes na viagem de avião e pessoa com quem nunca a comitiva manteve qualquer contacto, durante a estadia em Díli (cfr. Fls. 53 e 56 dos autos).
21. Nessa carta é indicada como quantia em dívida, pelos autores, a importância de HKD 277.237,00 (duzentos e setenta e sete mil duzentos e trinta e sete dólares de Hong Kong), que o 1° réu faz equivaler a MOP 286.145,00 (duzentos e oitenta e seis mil cento e quarenta e cinco patacas), juntando, àquela nota de honorários e despesas de 7 de Junho de 2001, um recibo M/7 com a mesma data (cfr. Fls. 56 e 58 dos autos).
22. Perante tal situação, os autores, mostrando a sua indignação, enviaram uma carta registada com aviso de recepção, datada de 24 de Junho de 2001, na qual repudiavam reementemente a redução efectuada pelo 1° réu, dizendo-lhe que nunca tinham sido solicitados os seus serviços de advogado, conforme resulta do contrato celebrado em 5 de Maio de 2001, nem sequer requereram ou usufruíram dos serviços de uma "assistente" (cfr. Fls. 59 e 60 dos autos).
23. Ao entrar no plano de negócios com a autora, o demandado civil procurou áreas de negócios que se apresentassem com maior interesse e viabilidade, recolhendo e transmitindo à autora informação sobre diversos negócios.
24. O 1° réu estava convencido que estava da seriedade da proposta da autora e dos interesses dos seus "amigos investidores".
Seguidamente, e em sede de “factos não provados”, consignou o Colectivo a quo o que segue:
“1. Através da audiência de julgamento, este Juízo entende que não dá por provados os seguintes factos constantes da acusação:
1.1. O 1° arguido e a 2ª arguida são cônjuges.
1.2. C e D são cônjuges.
1.3. Os dois arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, praticaram, em conluio e por acordo de vontades, os actos supracitados, com intenção de obter para si enquecimento ilegítimo. Aproveitando a qualidade de advogado e a relação com o Ministro de Timor-Leste, a título de exercício da actividade comercial em troca de lucros abundantes, os mesmos enganaram os dois ofendidos para instalação da sociedade. De facto, os arguidos não tinham capacidade de concretizar os seus compromissos dirigidos aos ofendidos e de organizar a visita para Timor-Leste para desenvolver actividade comercial, causando prejuízo patrimonial aos ofendidos.
1.4. Os dois arguidos sabiam bem que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
2. Os factos apresentados pelos dois arguidos, na contestação criminal, incorrespondentes aos provados, são considerados não provados.
3. Os factos apresentados pelos dois arguidos, na contestação criminal e na petição civil, incorrespondentes aos provados, são considerados não provados ou não têm nada a ver com objecto da acção.
E, em sede de fundamentação da sua convicção, fez constar a seguinte:
“Juízo de factos
O 1° arguido A alegou, na audiência de julgamento, que não tinha intenção de ter enganado os dois assistantes durante o período da ocorrência do caso, conheceu o 1° assistente, C, através da 2ª assistente D, a seguir, o mesmo ajudou, na qualidade dupla como mandatário judicial dos dois assistentes e comerciante, os dois assistentes e os seus amigos para ir para Timor-Leste para investigar o ambiente de investimento. Durante a visita, o 1° arguido considerou que a 2ª ofendida e outros amigos investidores não tinham verdadeiramente interesses de investimento, mas sim de aquisição de identidade de residência ou de documento de passaporte em Timor-Leste; perante tal situação, o mesmo envolveu-se em litígio com a 2ª assistente e terminou, consequentemente, esta visita de investigação; ao mesmo tempo, o 1° arguido alegou que toda a situação deste caso não tem nada a ver com a 2ª arguida,
A 2ª arguida B negou plenamente, na audiência de julgamento, a sua intervenção no litígio entre o 1° arguido e os dois assistentes e negou ainda que apresentou o 1° arguido à 2ª assistente para persuação de investimento em Timor-Leste.
Na audiência de julgamento, a testemunha, E, quem tinha participado no processo de negociação relativa ao investimento em Timor-Leste entre a 2ª assistente D e os dois arguidos, prestou o depoimento, alegando que a 2ª assistente consegue comunicar com os dois arguidos sem intérprete.
Na audiência de julgamento, a testemunha, F, quem tinha participado nas duas reuniões realizadas em Timor-Leste relativas ao plano de investigação e ao investimento do sector de pesca, prestou a declaração, alegando que o 1° arguido lhe disse que iria cobrar comissões de 1% a 3% das actividades de investimento, ao mesmo tempo, o 1° arguido também referiu que os investidores conseguiam obter as licenças da exploração mediante a relação com o Primeiro-Ministro e os funcionários de alto nível de Timor-Leste; além disso, o 1° arguido disse-lhe ainda que podia adquirir os documentos de passaporte de Timor-Leste através das actividades de investimento deste país.
As testemunhas G, H e I também prestaram os respectivos depoimentos na audiência de julgamento, a última fez as alegações sobre o assunto de queixa disciplinar dirigida pela 2 assistente à 2ª arguida.
C, na qualidade do assistente e 1° demandante civil deste caso, alegou na audiência de julgamento, que conforme a sugestão da sua esposa, ora assistente deste caso e demandante civil, D, celebrou o contrato relativo à exploração de negócio de café em Timor-Leste e investiu uma quantia no valor de HKD 750.000,00, no entanto, na visita da investigação em Timor-Leste, o mesmo considerou que a situação local não é correspondente a que o arguido lhe apresentou e não dispõe de condições básicas para investir, portanto, o mesmo e a sua esposa sentiram que foram enganados e deixaram bem claro ao 1° arguido que exigiam o imediato termo de investimento, a seguir, este assistente, a sua esposa e outros potenciais investidores deram por terminada a visita, regressando sozinhos a Hong Kong ou a Macau, mas os dois arguidos negaram posteriormente a devolver-lhes toda a quantia de investimento.
D, na qualidade de assistente e 2ª demandante civil deste caso, prestou a declaração em audiência de julgamento, alegando que a 2ª arguida apresentou-lhe o 1° arguido, na altura, a 2ª arguida alegou que o 1° arguido conheceu o funcionário de nível de Ministro em Timor-Leste e conseguia facilitar o investimento neste país mediante dessa relação; para esse efeito, a mesma aceitou a sugestão do 1° arguido, pelo que o seu marido, C, e o 1° arguido prepararam a constituição da sociedade de desenvolvimento de café em Timor-Leste. A mesma também participou, com outros potenciais investidores, na investigação de investimento em Timor-Leste organizada pelos dois arguidos, mas o resultado desta investigação não é bom e os dois arguidos não devolveram aos dois assistentes toda a quantia de investimento, para isso, esta assistente entende que os dois arguidos têm acto de burla.
*
Segundo a regra de experiência e a análise lógica das declarações prestadas pelos dois arguidos, dos depoimentos prestados pelas testemunhas, das declarações prestadas pelos dois assistentes, incluindo a declaração prestada pela parte civil, C, e dos documentos comprovativos, o Tribunal Colectivo dá por provados os factos por ser suficientes as provas”; (cfr., fls. 981 a 996).
Do direito
3. Vem os assistentes e requerentes do pedido de indemnização civil enxertado nos autos, recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. com o qual se absolveu os arguidos da imputada prática como co-autores de um crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M. e que julgou (apenas) parcialmente procedente o dito pedido civil.
E como resulta do que fizeram constar em sede de conclusões do seu recurso, são de opinião que “a decisão recorrida enferma dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, bem como de erro nos pressupostos de facto e de direito que a fundamentam”; (concl. 1).
Vejamos, começando pelos assacados vícios das alíneas b) e c) do n.° 2 do art. 400° do C.P.P.M., e que, como sabido é, correspondem aos de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.
Pois bem, tem este T.S.I. entendido que o vício de “contradição insanável” existe quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 13.12.2012, Proc. n° 840/2012)”.
Por sua vez, e quanto ao vício de “erro notório”, repetidamente, tem-se considerando que o mesmo “existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.12.2012, Proc. n.° 926/2012 do ora relator)”.
E, no que toca à sua decisão de absolvição do crime de “burla” imputado aos arguidos, assim a fundamentou o Colectivo a quo:
“In casu, segundo os factos conhecidos e apurados, este Juízo entende que através de contacto entre a 2ª assistente (2ª demandante civil deste caso), D, e a 2ª arguida, o 1º assistente C e o 1º arguido A celebraram o contrato relativo ao negócio de desenvolvimento de café em Timor-Leste; a seguir, quando foi pessoalmente para Timor-Leste para investigação do ambiente de investimento deste país, este ofendido entende que em Timor-Leste não existe condições de investimento básicas e o 1º arguido também não tinha qualquer plano para a prometida investigação, para isso, este ofendido deixou bem claro que exigia o imediato termo do plano de investimento logo no primeiro dia quando chegou a Timor-Leste e os ofendidos e o grupo de potenciais investidores deram por terminada a visita, regressando sozinhos a Macau; em seguir, o mesmo envolveu-se em litígio com os dois arguidos quanto ao assunto de devolução da quantia de investimento.
Segundo os factos provados na audiência de julgamento, mesmo que o ambiente de investimento em Timor-Leste, através de actividades de investimento, não satisfaça as exigências do 1º assistente, mas, tendo em conta a realidade social actual de Timor-Leste no ano de 2001 que se encontra na instabilidade política e económica, este Juízo entende que, in casu, não foram provados os factos objectivos e subjectivos de os dois arguidos, A e B, terem enganado os dois assistentes mediante as actividades de investimento em Timor-Leste neste caso. Salvo devido respeito ao entendimento jurídico do MP, este Juízo entende que não foi procedente a acusação deduzida pelo MP contra os dois arguidos, A e B, pela prática, em autoria material e em forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.º 211.º n.º 4.º al. a) do Código Penal, absolvendo, por consequência, os dois arguidos do crime”.
Inconformados com o assim decidido, dizem os ora recorrentes que:
“O Tribunal considerou que "Conforme os factos provados durante a audiência de julgamento, embora o ambiente local de investimento em Timor Leste não satisfizesse as exigências do primeiro assistente, tendo em consideração a situação de fraco desenvolvimento nas áreas políticas e económicas durante 2001, o Tribunal entende que não se prova que os dois arguidos tinham intenção de enganar os dois assistentes e ficar-lhes com o dinheiro”.
E, afirmando que “em local algum do probatório e dos demais elementos que fundamentam a douta decisão se encontram referências à considerada situação de fraco ambiente de negócios de Timor, às exigências do 1° Recorrente sobre o mesmo, bem como ao desenvolvimento político e económico do País em questão”, entendem que “a consideração destes factos na fundamentação contraria frontalmente os factos dados como provados, existindo uma contradição evidente entre factos provados e fundamentação”; (concl. 3ª a 5ª).
Que dizer?
Admitindo que sobre a questão outro entendimento possa haver, (e que se respeita), cremos que tem os recorrentes razão.
De facto, e antes de mais, cabe salientar que na matéria de facto pelo Tribunal a quo dada como “provada”, inexiste qualquer referência à “situação política e económica de Timor”, e muito menos que era a mesma “instável”.
Para além disto, afigura-se-nos, inadequado, relacionar, da maneira como se fez, (sem qualquer explicitação), tal alegada “situação” à “conduta dos arguidos”, de forma a daí se extrair uma convicção, nomeadamente, quanto à intenção dos mesmos.
Admitimos, (como hipótese a ponderar em abstracto), que uma “determinada situação”, (e seja ela qual for), possa inviabilizar (ou dificultar) a concretização de um investimento ou negócio.
Todavia, tal “afirmação” não constitui uma verdade apodíctica e inquestionável.
E, assim sendo, provada não estando (sequer) a alegada “situação” – dado que, assim não consta do elenco dos “factos provados” – e, desta forma, não se sabendo igualmente em que medida (ou termos) era a dita situação “instável”, não se afigurando também tratar-se de um “facto notório” – sobre o qual dispensada estava a sua prova em audiência de julgamento – e inexistindo qualquer outra explicitação por parte do Colectivo a quo, adequado não nos parece o decidido.
Na verdade, se a dita “situação” foi alegada/discutida em audiência de julgamento, (como tudo indica, foi o caso), teria o Colectivo que se pronunciar sobre a mesma em sede de “decisão da matéria de facto”, (dando-a como provada ou não provada), e, de qualquer forma, em termos mais “explícitos”, e não de maneira “conclusiva”, como nos parece ser o caso.
Afigura-se-nos assim que incorreu o Colectivo a quo, em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (podendo este T.S.I. declarar a sua existência dado que constitui vício de conhecimento oficioso, constituindo também vício que nos parece preceder a qualquer outro, nomeadamente, aos invocados pelos recorrentes).
–– Porém, outros motivos existem também para, em nossa opinião, não se poder confirmar a decisão recorrida.
Vejamos.
Os factos imputados aos arguidos ocorreram num espaço de tempo relativamente curto.
De Fevereiro de 2001, (cfr., facto provado n.° 3, embora não se saiba qual o dia do mês, impõe-se concluir que não terá sido nos seus primeiros dias dado que provado está também que só “passada uma semana” o 1° arguido telefonou à 2ª ofendida – cfr., facto n.° 6), a 30 de Maio do mesmo ano 2001, (cfr., facto n.° 21).
E, admitindo-se que as “situações” podem-se alterar a qualquer momento, não se pode olvidar que, no caso, o “pagamento” por parte do ofendidos à pessoa do 1° arguido – que tinha que ser “urgente”, “para mostrar sinceridade à parte de Timor Leste”, e uma vez que “havia outros interessados à escolha do Ministro”; (cfr., facto 13°) – ocorreu no dia 08.05.2001, após a celebração de um “contrato” para a constituição de uma sociedade em Timor, sugerida pelo mesmo 1° arguido, e com a promessa de se poder anular o contrato e retirar o capital no caso de as “coisas não correrem bem”; (cfr., factos 16° e 17°).
Para além disso, não se pode olvidar que deu também o Colectivo a quo como provado que:
- “a 2ª arguida apresentou à 2ª ofendida o negócio do seu marido (ora 1° arguido), alegando que o 1° arguido, para além de ser um advogado, é também um comerciante com ricas experiências, nomeadamente, tem um elevado estatuto em Timor-Leste por cooperação estreita com o Ministro deste país e aproveita esta relação para adquirir lucros de valor consideravelmente elevado. Mais, disse-lhe que há ainda mais boas oportunidades de investimento mediante esta boa relação com o Ministro de Timor-Leste”;
- “a 2ª arguida exigiu à 2ª ofendida que mantenha em secreto o conteúdo deste diálogo e disse-lhe que o 1° arguido iria contactar com a 2ª ofendida após uns dias”;
- “passada por cerca de uma semana, o 1° arguido telefonou à 2ª ofendida para fornecer-lhe os dados relativos ao exercício da actividade comercial em Timor-Leste. Então, a 2ª ofendida fez um encontro com os dois arguidos num hotel de Macau”;
- “durante o encontro, o 1° arguido disse à 2ª ofendida que ele sabia bem que como é que se realiza as actividades comerciais em Timor-Leste e existe em Timor-Leste muitos sectores para investir, e mostrou-lhe um documento de projectos de investimento, com título de "Projectos-Timor" (vide fls. 40 a 41 dos autos)”;
- “indicou a seguir que é possível adquirir lucro de valor consideravelmente elevado através de negócio de café, madeira e de pesca, com crescimento rápido. Dá-lhe como exemplo o negócio de café, cujo rendimento anual será de cerca de MOP 5.000.000,00”;
- “quanto ao licenciamento para realizar as actividades comerciais em Timor-Leste, o 1° arguido disse-lhe que como mantém boa relação com o Ministro de Timor-Leste, consegue adquirir licenças necessárias imediatamente”, (cfr., “factos provados” n.° 4° a 9°), sugerindo, depois, um “investimento mínimo” de H.K.D.$1.122.000,00, (“facto provado” n.° 11), que face às dificuldades pelos ofendidos alegadas, foi reduzido para H.K.D.$1.000.000,00, (n.° 12), e novamente alterado para H.K.D.$750.000,00; (n.° 14).
Porém, o referido Ministro, (com quem até estava agendada uma refeição para a qual foram os ofendidos recomendados a levar um fato formal), e sem nenhuma justificação (de quem quer que seja), não apareceu.
Quanto ao dinheiro, (cujo pagamento era “urgente” e que, recorde-se, era para a “parte de Timor”), nada se sabe, (nomeadamente, se chegou a ser feito, transferido, quando, como, para quem…).
O certo é que (nada se passou e) o “negócio” não se fez.
E, nesta conformidade, como já se deixou dito, adequada não nos parece a decisão recorrida que, dando como não provados os elementos típicos do crime de “burla” com base na alegada “situação económica e política instável” (em Timor), absolve os arguidos.
Como também já se deixou relatado, não nos parece adequado relacionar, da maneira como se fez, tal alegada “situação” à “conduta dos arguidos”, de forma a daí se extrair uma convicção quanto à intenção dos mesmos.
Como é que uma “oportunidade de negócios com rendimento fácil, assegurado e com concretização garantida” se transforma numa “ilusão”, num espaço de “poucos dias”, (tenha-se presente que o pagamento foi feito no dia 08.05.2001, e tudo ficou “resolvido” no dia 30.05.2001); será que a “situação” se alterou, entretanto, de forma tão gravosa, para que se possa considerar a mesma responsável pelo insucesso do negócio?
Dest’arte, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que, na parte em questão, incorreu também o Colectivo a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova”, pois que, decidiu dar como não verificados os elementos típicos do crime de “burla” aos arguidos imputado com base numa “situação” que, para além de não estar provada, não viabiliza, face à matéria de facto provada (e também dada a omissão de qualquer explicitação), aquela decisão.
Impõem-se, assim, o reenvio dos autos para novo julgamento no T.J.B. em conformidade com estatuído no art. 418° do C.P.P.M., prejudicadas ficando as restantes questões colocadas.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder provimento ao recurso, reenviando os autos para novo julgamento no T.J.B..
Pagarão os arguidos a taxa individual de justiça de 8 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso que assegurou a representação dos arguidos na audiência de julgamento do recurso no montante de MOP$500.00”; (cfr., fls.1035 a 1081, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Tempestivamente, (visto que em 09.04.2013, no último dia do prazo, enviaram telecópia), apresentaram os arguidos pedido de aclaração do dito acórdão com o teor seguinte:
“Como enfaticamente expressou o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto parecer, procuraram «os recorrentes o preenchimento, no caso, de todos os elementos típicos do crime de burla, socorrendo-se, porém, de uma visão pessoalíssima sobre a ocorrência dos factos, quando a mesma não tem, manifestamente, qualquer correspondência com a matéria factual apurada, destacando-se, a este propósito, a conclusão de que (“…no presente caso não é possível provar que existem factos subjectivos e objectivos de que na actividade de investimento em Timor Leste em causa, os dois arguidos ... procederam de modo enganoso para obter o dinheiro dos dois assistentes”, matéria esta assente, com evidente clareza, nos factos dados como não provados (. . .)»
Tal opinião judicativamente expressa pelo Ilustre Procurador Adjunto afigura-se incontornável.
E já em sede de contra-alegações de recurso os ora requerentes manifestaram que a prolixidade e o sincretismo do recurso interposto pelos assistentes em nada invalida o douto juízo da decisão recorrida, constatando-se tão só e apenas que os mesmos se limitam a pôr em causa a livre e prudente convicção do Tribunal a quo.
Nesta perspectiva, salvo o respeito devido, que é muito, entende-se que o douto Acórdão, esse sim, apresenta uma argumentação algo sincrética, que não é de molde a invalidar a douta sentença da primeira instância.
Por um lado, o facto de, no entendimento, do douto Acórdão, «inexistir qualquer referência à “situação política e económica de Timor”, e muito menos que era a mesma “instável”» julga-se ser irrelevante e, portanto, inoperante para o efeito de consubstanciar qualquer erro notório da apreciação da prova, ou insuficiência da matéria da facto provada para a decisão.
Senão vejamos,
Ao contrário do douto entendimento expresso no Acórdão, crê-se que tal facto era, como é, ainda, actualmente, público e notório, sendo do conhecimento de qualquer cidadão medianamente informado!
Contudo, ainda que assim não fosse, o que se concede por hipótese, tal asserção não detém, para a decisão recorrida, a importância crucial que o douto Acórdão lhe atribui.
Pois, independentemente da situação político-económica de Timor, certo é que o negócio não se realizou porque –– conforme a fundamentação, essa sim, relevante, do Colectivo a quo –– «(. . .) quando foi pessoalmente para Timor-Leste para investigação do ambiente de investimento deste país, este ofendido entende que em Timor-Leste não existe condições de investimento básicas (. . .)» e, portanto, «(. . .) este ofendido deixou bem claro que exigia o imediato termo do plano de investimento logo no primeiro dia quando chegou a Timor-Leste (. . .)»! (cfr. a citação constante do douto Acórdão, a pp. 43).
Donde,
Fica bem claro qual o facto, entre outros, que permitiu ao douto Colectivo a quo, por raciocínio lógico-dedutivo, concluir que, ao menos na perspectiva do próprio ofendido, a situação em Timor era política e economicamente instável para os desígnios deste!
E, como dito, nem seria necessária tal sustentação, uma vez que este último facto era e é, ainda, do conhecimento generalizado e, portanto, público e notório.
Mas, sublinhe-se, na verdade, a conclusão fáctica a respeito da instabilidade em Timor, é irrelevante para o sentido da decisão do Colectivo a quo!
Com efeito, quer existisse ou não tal instabilidade, - e não se perca de vista que a instabilidade tanto pode dificultar a concretização de negócios como pode configurar excepcionais situações de oportunidade, (pelo que, mais uma vez, se afigura inócua tal situação para um qualquer juízo) - quer fosse uma realidade objectivamente verificável ou mera projecção subjectiva does) ofendido(s), certo é que provado ficou que este é que entendeu que em Timor-Leste não existiam condições de investimento básicas e deixou bem claro que exigia o imediato termo do plano de investimento logo no primeiro dia!
Mas, por outro lado,
Efectivamente, a «instabilidade» em Timor-Leste não foi o fundamento ou a razão determinante da conclusão do Tribunal a quo, para o juízo de inverificação de intenção dolosa por parte dos arguidos.
Perante isto, afigura-se que o douto Acórdão se precipitou nas relativizações tecidas em sede de fundamentação da decisão que determinou o reenvio dos autos para novo julgamento em primeira instância.
Por outro lado, julga-se, com o devido respeito, ser o mesmo omisso no que tange à justificação da decisão de reenvio, sendo certo que estando documentada toda a produção de prova produzida em sede de julgamento no Tribunal a quo, podia e devia esse Douto Tribunal decidir da causa e, em face do que ficou dito e, no limite, por via do princípio in dubio pro reo, confirmar a decisão penal absolutória da primeira instância.
Impõe-se, portanto, e ora se requer, a aclaração do douto Acórdão, no sentido de (i) se clarificar qual a relevância da verificação ou inverificação do facto supra analisado da instabilidade em Timor e, bem assim, determinar em que medida tal facto pode sustentar a decisão de reenvio dos autos para novo julgamento, ou, então, (ii) se admitir dever o mesmo ser dado por provado e ou, ser o mesmo considerado irrelevante para os efeitos e em face da matéria dada por provada, e, consequentemente, reparar a decisão”; (cfr., fls. 1090 a 1094).
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Respondendo, consideram os assistentes que o pedido deve ser indeferido; (cfr., fls. 1097).
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Pronunciando-se também sobre a pretensão apresentada, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer, com o teor seguinte:
“Os arguidos A e B, vêm, tempestivamente, requerer a aclaração do douto acórdão proferido em 21 de Março de 2013 pelo Tribunal de Segunda Instância no sentido de:
1) se clarificar qual a relevância da verificação ou inverificação do facto da instabilidade em Timor inerente à “situação política e económica” e determinar em que medida tal facto pode sustentar a decisão de reenvio dos autos para novo julgamento, ou
2) se admitir dever o mesmo ser dado por provado, ou, ser o mesmo considerado irrelevante e, em consequentemente, reparar a decisão.
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Antes de mais, importa salientar que a jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que o pedido de correcção “destina-se a permitir que uma decisão pouco clara, de percepção difícil ou dicotómica, seja apreendida pelo destinatário, que não a questionar eventuais erros de julgamento ou pôr em causa a bondade do julgado” (cfr., Ac. do TSI, de 26-7-2011, proc. n° 80/2001 e de 13-9-2001, proc. n° 65/2001-A).
E “o pedido de aclaração do acórdão, até mesmo a arguição da nulidade é de rejeitar se, com o pedido, pretender apenas o requerente manifestar a sua mera discordância com o que se decidiu” (cfr. Ac. do TSI, de 13-4-2001, proc. n° 1103, de 29-6-2000, proc. n° 75/2000 e de 13-9-2001, proc. n° 65/2001-A).
No caso sub judice, é evidente que não se constata nenhuma obscuridade ou ambiguidade quanto ao fundamento que levou o Tribunal a tomar decisão ora em causa, pois o Tribunal de primeira instância decidiu pela absolvição dos arguidos, por não provados os elementos típicos do crime de “burla”, com base na “situação económica e política instável”.
De facto, inexistia a dita “situação política e económica do Timor” na matéria de facto dada pelo Tribunal de primeira instância como “provada”.
Aliás, do douto acórdão se retira que tal não é um facto notório que, a sê-lo, deveria ser alegado e discutido em audiência de julgamento.
Impõe-se concluir, em suma, que o douto acórdão não contém qualquer obscuridade o ambiguidade, sendo insusceptível, também, por isso, de quaisquer dúvidas.
Deve, consequentemente, ser indeferido o pedido de aclaração formulado”; (cfr., fls. 1098 a 1099).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Vem os arguidos/recorridos pedir a aclaração do acórdão por este T.S.I. prolatado e que atrás se deixou transcrito.
Tem sido entendimento deste T.S.I., (e motivos não temos para a alterar), que a “aclaração de uma de uma decisão apenas se justifica quando a mesma seja ininteligível – o que se verifica quando aquela apresente aspectos de significação inextrincável, em termos de não ser possível apurar o que se quis dizer – ou se mostra passível de se lhe atribuir dois (ou mais) sentidos.
O pedido de aclaração destina-se a permitir que uma decisão pouco clara, de percepção difícil ou dicotómica, seja apreendida pelo destinatário, que não a questionar eventuais erros de julgamento ou pôr em causa a bondade do julgado”; (cfr., v.g., o Ac. de 31.05.2012, Proc. n.° 856/2011-I).
No caso dos autos e como se pode ler no expediente ora em apreciação, a final do mesmo pedem os arguidos “a aclaração do douto Acórdão, no sentido de (i) se clarificar qual a relevância da verificação ou inverificação do facto supra analisado da instabilidade em Timor e, bem assim, determinar em que medida tal facto pode sustentar a decisão de reenvio dos autos para novo julgamento, ou, então, (ii) se admitir dever o mesmo ser dado por provado e ou, ser o mesmo considerado irrelevante para os efeitos e em face da matéria dada por provada, e, consequentemente, reparar a decisão”.
Face ao que até aqui se deixou exposto, e sem embargo do muito respeito por opinião em sentido diverso, afigura-se-nos evidente que não se pode acolher a pretensão apresentada.
Com efeito, (e como também o entendem os assistentes e Exmo. Magistrado do Ministério Público), o acórdão em questão apresenta-se lógico na sua fundamentação e claro no seu sentido, sem qualquer obscuridade ou ambiguidade.
Aliás, até pela leitura do expediente em questão se constata que os arguidos captaram, claramente, a decisão proferida, assim como as suas razões.
O que parece suceder, é não se conformarem com a mesma; (note-se que até pedem a sua “reparação”).
Ora, é, certamente, um direito que (plenamente) lhes assiste.
Todavia, independentemente do demais, (e embora se nos afigure de reconhecer que, como comuns mortais, também nos é possível incorrer em erro), não nos parece ser o caso.
Seja como for, há que ter presente que não sendo o “pedido de aclaração” o meio processual para se questionar eventuais erros de julgamento, e, como se disse, clara e lógica se nos apresentando a fundamentação e decisão objecto do presente pedido, à vista está a solução.
Decisão
3. Nos termos que se deixaram expostos, em conferência acordam indeferir o peticionado.
Custas pelos requerentes, com taxa individual de justiça de 5 UCs.
Macau, aos 25 de Abril de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng (mas sem prejuízo da declaração de voto então junta ao acórdão de cuja aclaração é indeferida agora).
Tam Hio Wa
Proc. 798/2012-I Pág. 38
Proc. 798/2012-I Pág. 1