打印全文
Processo nº 823/2012
Data do Acórdão: 14MAR2013


Assuntos:

contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 823/2012


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição e pugnando pela improcedência da acção.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição, declarando prescrito o direito invocado pela Autora relativamente à compensação por trabalho prestado em data anterior a 06OUT1992 e absolvendo a Ré de tal parte do pedido.

Continuando a marcha processual na sua tramitação normal, veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$720,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar nos termos consignados na página 14 da sentença (fls. 151 dos autos).

Inconformada com a decisão final, recorreu a Autora alegando em síntese que:

A - Ao abrigo do disposto no art. 25° do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário da recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias da recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário da recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25° do RJRT, o art. 23°, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível" escravatura moderna".
D - Tendo considerado provado que a R., recorrida, pagava à recorrente quantias nas quais se incluíam as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela própria, não pode vir o MMo Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - A Lei nº 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra a recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
H - De acordo com o disposto no art. 17°, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
I - De acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 19°, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
J - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571°, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
L - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja à ora recorrente.
Termos em que, nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exªs, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida quanto à não integração das gorjetas no salário da recorrente, devendo ainda computar-se correctamente as indemnizações devidas pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, assim se fazendo a esperada e mais sã
JUSTIÇA!


Ao que não respondeu a Ré.

Por sua vez, a Ré, não se conformando com o decidido em relação aos multiplicadores adoptados para o efeito de cálculo das compensações e aos juros moratórios, veio interpor recurso subordinado dessa parte, alegando e concluindo que:

1. Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo que entendeu que as gorjetas oferecidas pelos clientes de casino da Recorrida não constituem remuneração ou salário da Recorrente.
2. Resulta provado nos presentes autos que o rendimento global auferido pela Recorrente durante a vigência do seu contrato de trabalho era composto por duas partes - uma fixa diária e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R..
3. Não se verifica na legislação de Macau qualquer especificidade que possa levar o julgador a um entendimento diverso do conceito de salário daquele que é seguido pela doutrina e jurisprudência em geral, nomeadamente a portuguesa.
4. A retribuição caracteriza-se por quatro elementos essenciais e cumulativos, a saber:
(i) é uma prestação regular e periódica;
(ii) realizada em dinheiro ou em espécie;
(iii) a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
(iv) como contrapartida do seu trabalho.
5. As gratificações suportadas por terceiros (e não pela entidade empregadora) não constituem o salário ou a retribuição de um trabalhador porquanto não correspondem a um dever jurídico da entidade patronal perante o trabalhador, mas sim a uma liberalidade efectuada por um terceiro.
6. Um trabalhador não pode exigir judicialmente à sua entidade empregadora o pagamento de gorjetas quando não o mesmo não ocorra voluntariamente.
7. "Dar gorjetas" não cabe (nem pode caber) à Recorrida, não se enquadrando tal prestação na relação sinalagmática típica de um contrato de trabalho e não sendo a Recorrida obrigada a substituir-se ao Cliente que não deu uma gorjeta ou deu uma gorjeta de menor valor.
8. O pagamento de gorjetas não tem carácter de obrigatoriedade.
9. Afirmar o contrário poderá levar ao extremo de, deixando os Clientes de casinos da Recorrida de "dar gorjetas", os trabalhadores virem exigir desta o pagamento de uma quantia que não existe, que não tinha carácter de obrigatoriedade, que a Recorrida não tinha recebido por qualquer forma ou meio e da qual não podia, mesmo querendo, dispor.
10. É pacífico o entendimento de que as gorjetas dadas por terceiros aos empregados de casino não constituem retribuição ou salário porquanto não correspondem a uma prestação do empregador, mas sim de um terceiro, e não são juridicamente obrigatórias, tendo uma natureza eventual.
11. Estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por terceiros, estas dependem do seu recebimento do animus donandi desses terceiros, aos quais a Recorrida é alheia e que são estranhos à relação jurídico-laboral estabelecida entre A. e R., só se pode entender que tais quantias não constituem salário.
12. Atenta a factualidade provada nos autos, o contexto normativo e a doutrina existente, a verdade é que a Recorrida nada mais era do que uma intermediária, que apenas geria o dinheiro das gorjetas e, na ausência de regulamentação legislativa, criou as linhas orientadoras para a sua distribuição por todos os seus trabalhadores.
13. O mero facto de haver um processo de distribuição das gorjetas definido pela Recorrida - quando não existe um procedimento definido por lei - não pode implicar a descaracterização das mesmas enquanto gorjetas.
14. Dispõe o n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT que os trabalhadores têm direito a um salário justo pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, conceito que se encontra plasmado em outros normativos legais, nomeadamente na al. b) do n.º 1 do art. 7.º e no n.º 2 do art. 27.º do RJRTCT, no art. 23.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art. 7.º do Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, tendo como base a dignidade da pessoa humana.
15. Se em países como Portugal - e mais recentemente na RAEHK - existe um quantitativo imposto por lei como retribuição mínima garantida, em Macau o salário é fixado sempre por acordo entre empregador e trabalhador.
16. Há que olhar para cada relação laboral individualmente e, in casu, analisar em concreto a situação do Recorrente.
17. A Recorrente acedia a uma atribuição patrimonial muito elevada em virtude de trabalhar para a Recorrida, sendo-lhe .garantida uma simbólica retribuição fixa, mas uma importante oportunidade de ganho, que efectivamente se concretizava.
18. O rendimento total da Recorrente decorrente da execução do seu contrato de trabalho com a Recorrida é um salário justo para efeitos do n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT.
19. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar, tal como o Tribunal de Última Instância da RAEM o tem vindo a fazer, que as gorjetas recebidas pelos empregados de casino, em Macau, não fazem parte do salário.
20. Não merece qualquer censura a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apurar os montantes eventualmente devidos à Recorrente.
Por outro lado, conclui-se também, em relação ao Recurso Subordinado ora apresentado do seguinte modo:
21. Assim, na eventualidade de vir a ser confirmada a obrigação de indemnizar o Recorrente, devem ser aplicadas as seguintes as fórmulas para o cálculo do quantum indemnizatório a título de trabalho em dias de descanso anual:
i. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x 0 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso).
22. Caso assim não se entenda, devem ser aplicadas as fórmulas adoptadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente;
23. Conforme resulta da posição defendida e mantida pela ora Recorrente Subordinada nestes autos, não merece qualquer censura a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apurar os montantes putativamente devidos à ora Recorrida Subordinada, na parte em que a mesma faz relevar para efeito do cálculo apenas a remuneração fixa ( ou base) deste.
24. No entanto, atenta a factualidade assente nos autos e o Direito ao qual é subsumível tal factualidade, andou mal o Tribunal a quo quando determinou os multiplicadores aplicáveis ao cálculo do quantum indernnizatório a título de descansos anuais.
25. Assim, na eventualidade de vir a ser confirmada a obrigação de indemnizar a ora Recorrida Subordinada, devem ser os seguintes os multiplicadores aplicáveis na fórmula destinada ao cálculo do quantum indemnizatório:
26. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x 0 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu a A. de gozar quaisquer dias de descanso).
27. Caso assim não se entenda, devem ser aplicadas ao referido cálculo as fórmulas adoptadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
28. Salvo melhor entendimento e posições doutrinais e jurisprudenciais em contrário, a ora Recorrente subordinada entende que não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tornar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória,
29. É que, como se sabe, nos termos do disposto no número 4 do artigo 794º do CC, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido e, no entendimento da ora Recorrente subordinada, tal iliquidez não lhe é imputável.
30. Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na P. I. e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido.
31. Na esteira do Acórdão do TUI proferido no âmbito do Processo n.º 69/2010, em 02/03/2011 "(...) em caso de litígio judicial quanto ao valor dos danos, o crédito só se torna líquido quando o juiz o fixa, seja na sentença em 1.ª Instância, seja na decisão em recurso, quando o valor fixado anteriormente é alterado ou quando em 1.ª Instância, por uma razão ou por outra, nenhum valor é fixado. Podendo mesmo acontecer que o devedor só entre em mora na execução, se o montante dos danos só nesta fase for liquidado (art. 564.°, n.º 2 do Código de Processo Civil) "
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado improcedente por não provado, procedendo o Recurso Subordinado, deste modo fazendo Vossas Excelências a habitual e costumada Justiça.


Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

1. A autora começou a trabalhar para a Ré STDM, em data anterior a 02/07/1987 e cessou a sua relação laboral em 18 de Setembro de 1992.
2. Foi admitida como empregada de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$10,00 por dia, desde o início do trabalho até à data da cessação da relação laboral, e outra variável, esta em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designada por gorjetas.
3. As "gorjetas" eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. A autora, entre os anos de 1987 a 1992, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1987 - MOP. 20.344,00;
b) 1988 - MOP. 45.779,00;
c) 1989 - MOP. 55.191,00;
d) 1990 - MOP. 56.803,00;
e) 1991 - MOP. 76.049,00;
f) 1992 - MOP. 51.221,00.
5. Foi acordado entre a autora e a ré que a autora tinha direito a receber as "gorjetas" conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente à autora a sua parte nas “gorjetas”.
7. A autora, como empregada de casino, era expressamente proibida pela ré de guardar para si quaisquer "gorjetas" que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As "gorjetas" sempre integraram o orçamento normal da autora, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. A autora prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1° e 6° turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3° e 5° turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2° e 4° turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00
11. A autora podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
12. A autora nunca gozou dias de descanso remunerados.
13. Durante o tempo em que trabalhou para a ré, a autora nunca gozou qualquer dia descanso em cada período de sete dias.
14. A autora nunca gozou dias de descanso por cada período de um ano civil.
15. Autora e ré acordaram que a autora poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
16. Autora e ré acordaram que aquela só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse.


II
Recurso principal da Autora e recurso subordinado da Ré (na parte que diz respeito aos multiplicadores)

De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são a de saber se as chamadas gorjetas são ou não parte integrante do salário para efeitos de compensações ora reclamadas pela Autora e os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios remunerados.

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$10,00), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM; e

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários.

1. Natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (no valor de MOP$10,00) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhador auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

2. Os factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Foram fixados na sentença recorrida os multiplicadores X 1, X 3 e X 2 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M.

Tendo sido objecto de impugnação os tais multiplicadores, é de adoptar infra os multiplicadores X 2, X 2 e X 3 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M.
.

E em face do acima concluído, há que revogar a sentença recorrida na parte que diz respeito aos quantitativos do salário diário médio para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório remunerado, assim como os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório, e passar a condenar a Ré no pagamento da compensação ao Autor conforme os mapas infra:

Trabalho em descanso semanal


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
06/10/1991 - 31/12/1991
MOP211,25
12
211,25 x 12 x 2
MOP5.070,00
01/01/1992 - 18/09/1992
MOP195,50
37
195,50 x 37 x 2
MOP14.467,00



TOTAL:
MOP19.537,00





Trabalho em descanso anual


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
06/10/1991 - 31/12/1991
MOP211,25
1.5
211,25 x 1,5 x 2
MOP633,75
01/01/1992 - 18/09/1992
MOP195,50
4.5
195,50 x 4,5 x 2
MOP1.759,50



TOTAL:
MOP2.393,25











Trabalho em feriado obrigatório


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
06/10/1991 - 31/12/1991
MOP211,25
0
211,25 x 0 x 3
MOP0,00
01/01/1992 - 18/09/1992
MOP195,50
5
195,50 x 5 x 3
MOP2.932,50



TOTAL:
MOP2.932,50


III

Recurso subordinado da Ré (na parte que diz respeito ao juros)

Pelo que ficou decidido, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado (na parte que diz respeito ao juros), pois sendo o valor dos créditos reclamados pela Autora agora alterado e liquidado por este Acórdão, os juros moratórios só se contam a partir do trânsito em julgado do presente Acórdão, de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010.


IV

Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso principal da Autora e parcialmente procedente o recurso subordinado da Ré na parte que diz respeito aos multiplicadores, passando a condenar a Ré no pagamento à Autora do somatório das quantias apuradas nos mapas supra, com juros moratórios a calcular de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010, e não conhecer da parte restante do recurso subordinado da Ré.

Custas pelas partes na proporção de decaimento em ambas as instâncias.

RAEM, 14MAR2013


_________________________
Lai Kin Hong
(Relator)

_________________________
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em desconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)