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Processo nº 132/2013 Data: 21.03.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Pena.
Suspensão.



SUMÁRIO

1. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

2. Demonstrando os autos que o arguido já foi por diversas vezes condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, e verificando-se através da sua conduta e antecedentes criminais que possui uma personalidade com tendência para a delinquência, mostrando-se totalmente alheio aos “avisos” que lhe foram feitos assim como às oportunidades que lhe foram concedidas, insistindo em levar uma vida “a sua maneira”, inviável é uma outra suspensão da pena.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 132/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida nos Autos de Processo Sumário n.° CR1-13-0008 do T.J.B. decidiu-se condenar A (…), arguido com os sinais dos autos, como autor material e em concurso real da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007, na pena de 6 meses de prisão, e de 1 outro crime de “condução durante o período de inibição de condução”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da mesma Lei e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 8 meses de prisão, fixando-se-lhe em sede de cúmulo jurídico a pena única de 1 ano de prisão; (cfr., fls. 30 a 34-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, produzir as seguintes conclusões:

“1ª A foi sentenciado com base em pequenos crimes, embora não seja a primeira vez em que é condenado, e tinha pena suspensa por também pequeno crime, como consta no respectivo processo.
2ª Quer o crime que deu origem à punição cuja pena estava suspensa, quer o crime de que é agora acusado, são crimes relacionados com a condução de motociclos que, nomeadamente no próprio processo, são considerados crimes pequenos.
3ª Embora não seja a primeira vez que é condenado, o aqui recorrente tem atenuantes que, com o devido respeito, pensa que não foram devidamente considerados.
4ª Como consta do processo, tem a seu cargo a mão e um filho de apenas um ano de idade.
5ª A sua eventual prisão efetiva põe em risco a sustentabilidade da sua mãe e em especial do seu filho de um ano de idade.
6ª O ora recorrente considera-se profundamente empenhado em se afastar do álcool que sabe ser a origem de todos os maus atos que tem praticado na sua vida social.
7ª Assim, considera manifesto o excesso que se observa na pena de prisão que, a ser aplicada, violaria, na sua modesta opinião e com o devido respeito, o princípio da legalidade processual que deriva dos princípios enformadores do Código Penal de Macau, o princípio da proporcionalidade, o princípio da adequação e da subsidariedade.
8ª Como refere o Parecer n°. 12/92, de 30 de Março, da Procuradoria-Geral da República de Portugal citado na página 441 do Código do Processo Penal de Macau anotado por Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas-Santos, " a liberdade individual é, a seguir à vida, um dos mais relevantes bens do Homem ( ... )", sendo a pena de prisão efetiva o último recurso. .
9ª Considera também que estão longe de estarem esgotados todos os outros meios punitivos previstos na lei de Macau que obstam a aplicação do último recurso previsto na lei penal de Macau, o critério da ultima ratio, como exige o princípio da subsidariedade.
10ª Considera ainda, que de acordo com o princípio fundamental da adequação, a pena a aplicar tem de ter em consideração que se trata da vida de um jovem com apenas 21 anos de idade e que suporta os encargos relativos à sua mãe e seu filho”; (cfr., fls. 45 a 51).

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Respondendo é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que o recurso é manifestamente improcedente, devendo ser rejeitado; (cfr., fls. 53 a 56-v).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida, adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“A, ora arguido dos presentes autos, foi condenado pela prática do crime de condução em estado de embriaguez p.p. pelo art.° 90 n.° 1, da Lei n.° 3/2007, e um crime de condução durante o período de inibição de condução p.p. pelo art.° 92 n.° 1 da mesma Lei com conjugação de um crime de desobediência qualificada p°. p°. pelo art.° 312 n.° 2, do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão efectiva e com as penas acessórias de inibição de condução e com cassação da carta de condução pelo período de 2 anos.
Inconformado com a decisão, invocando a insuficiência da matéria de facto para a decisão de condenação em pena de prisão efectiva e violação dos princípios da legalidade processual da proporcionalidade, da adequação e da subsidiariedade.
Na sua resposta à motivação do recurso, a Digna Procuradora-Adjunta evidencia já a sem razão do recorrente. A questão colocada no presente recurso prende-se com a medida da pena concretamente aplicada e a não suspensão da execução desta pena efectiva, violando o disposto nos art.°s 40, 48, 64 e 65 do C.P.M., embora o recorrente não tendo indicado as referidas normas na sua motivação do recurso.
Na verdade, tomando em consideração as disposições contidas nos art.°s 40.° e 48.° do CPM e os elementos fácticos apurados nos presentes autos, cremos que a pena de prisão efectiva foi correctamente aplicada.
Como se sabe, a suspensão da execução da pena só é decretada quando se verificarem, em caso concreto, todos os pressupostos, tanto formais como materiais, de que a lei faz depender a aplicação do instituto.
O funcionamento do instituto depende do seu pressuposto material exigido no n.° 1 do art.° 48 do C.P.M. : que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E é sabido que a aplicação de penas e medidas de segurança "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (n.° 1 do art.° 40.° do CPM).
Daí que na suspensão da execução da pena estão subjacentes as exigências de prevenção criminal.
No caso vertente, cremos que, face à factualidade apurada nos autos, atendendo à personalidade do recorrente, à sua não confissão, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão servem ainda para prevenir o cometimento de futuros crimes ou realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição.
Não pode deixar de ser relevante a sua condenação anterior.
Resulta dos autos que o recorrente não é primário, tendo sido condenado por várias contravenções previstas na Lei do Trânsito Rodoviária desde o ano de 2009, algumas por virtude de embriaguez.
Ainda, em 28 de Março de 2012 e no processo n° CR3-12-0058-PSM, pela prática do crime de condução em estado de embriaguez (1.25g/l) p.° p.° pelo art.° 90 n.° 1, da Lei n.° 3/2007, foi condenado na pena de 5 meses de prisão, com execução suspensa por 2 anos e com a pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano.
No período da suspensão da pena referida e da inibição de condução, em 14 de Janeiro de 2013, veio o recorrente a praticar o crime de condução em estado de embriaguez (1 .93g/l) pelo qual foi condenado nos presentes autos.
De relevar será ainda, a atitude de não confissão do recorrente no julgamento em 1ª instância .
Estamos pois perante uma personalidade muito pouco prudente e que demonstra falta de arrependimento.
Dos factos de, ter 21 anos de idade, ter profissão, ser o sustento da mãe e do filho de um ano, e a prisão efectiva pôr em risco a sustentabilidade da sua família, não resulta nenhuma condição atenuante ou favorável ao recorrente.
E cremos que, com a condenação anterior e o cumprimento da pena de prisão, impunha-se ao recorrente um especial cuidado de não voltar a conduzir em estado de embriaguez.
O facto de voltar a conduzir nessas condições revela que o recorrente não aprendeu com a punição anterior, tal como muito bem afirma o Tribunal a quo.
E a prática de novo crime, mesmo fora do período de suspensão da pena, faz falhar a esperança que o tribunal depositou no recorrente aquando da sua concessão, no sentido de que o recorrente levaria a sua vida futura de modo honesto, sem cometer mais crimes.
Ora, afigura-se-nos fortes as exigências de prevenção especial, que não se podem satisfazer, no caso concreto, com a simples censura do facto e a mera ameaça da prisão.
Se mesmo depois do cumprimento da pena anterior, o recorrente voltou a praticar novo crime, como é que se pode esperar que o Tribunal conclua que, com a suspensão da execução da pena de prisão, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sabendo que uma das faladas finalidades é, precisamente, a reintegração do agente na sociedade?
Por outro lado, há que ter em conta ainda as exigências de prevenção geral, nomeadamente quando consideramos a natureza do crime praticado pelo recorrente a realidade social de Macau e as eventuais consequências que poderão advir de causadas pela condução em estado de embriaguez.
Neste aspecto, são de igual modo fortes as exigências de prevenção geral.
Não se deve olvidar que hoje em dia a condução sob influência de álcool provoca um grande número de acidentes de viação, que estão a assumir uma dramática dimensão pelas suas consequências em termos de perda de vidas humanas e graves incapacidades físicas permanentes, para além das consequências económicas, consideração esta que até justifica a qualificação como crime de condução com a taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 gramas por litro, nos termos do art.° 90.° n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
Tudo ponderado, dúvidas não restam que é de afastar a suspensão da execução da pena.
Nota-se que, tal como resulta da douta sentença ora recorrida, o Tribunal a quo teve cuidado em analisar e ponderar criteriosamente a situação em apreço, tendo tomado decisão, muito correcta no nosso entender, de não suspensão da execução da pena”; (cfr., fls. 65 a 67).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 31-v a 32, (que não vem postos em causa nem se mostram de alterar), e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor material e em concurso real da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007, na pena de 6 meses de prisão, e de 1 outro crime de “condução durante o período de inibição de condução”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da mesma Lei e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 8 meses de prisão, fixando-se-lhe, em sede de cúmulo jurídico, a pena única de 1 ano de prisão.

Todavia, e como se deixou consignado em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 68), cremos que o recurso deve ser rejeitado.

Passa-se a expor este nosso ponto de vista, (ainda que de forma sucinta).

Vejamos.

Com o presente recurso, e em boa verdade, bate-se (apenas) o arguido por uma “pena não privativa da liberdade”.

Face ao teor da motivação e conclusões do recurso, resulta claro que imputa à decisão recorrida um “erro de direito”.

Porém, para além de em parte alguma do seu recurso especificar qual das penas parcelares considera excessiva, justificando tal entendimento, limita-se a fazer referência à “pena de 1 ano de prisão”, (resultante do cúmulo jurídico), nada adiantando também quanto à “norma jurídica violada”, o “sentido pelo Tribunal a quo dado” assim como ao “sentido que deveria ser dado”, tal como expressamente preceitua o art. 402°, n.° 2 do C.P.P.M., (para o caso de o recurso versar “matéria de direito”).

Dest’arte, e em conformidade com o preceituado no dito art. 402°, n.° 2, defensável seria a rejeição liminar do presente recurso.

Todavia, devendo-se privilegiar a “justiça material” à mera “justiça processual”, considerando que em sede de conclusões se refere o recorrente ao “princípio da legalidade processual, da proporcionalidade, de adequação e de subsidiariedade”, e certo sendo que tem este T.S.I. entendido que em tal matéria não se deve adoptar um “critério fundamentalista”, devendo-se conhecer do recurso desde que das conclusões resulte, de forma clara, qual a norma pelo recorrente considerada violada, o sentido adoptado e o que entende ser de adoptar; (cfr., v.g., Ac. de 25.10.2012, Proc. n.° 653/2011) passa-se a consignar o que segue.

Pois bem, como se deixou escrito na sentença recorrida e bem salienta a Ilustre Procuradora Adjunta, o arguido não é primário, tendo já sido condenado em 01.07.2011 como autor de 1 crime de “tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e, em 28.03.2012, por (idêntico) crime de “condução em estado de embriaguez”, pelo qual foi punido com a pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e inibição de condução por 1 ano.

E, não obstante tal, em pleno período de suspensão da execução de ambas as penas supra referidas, estando igualmente inibido de conduzir, em 14.01.2013, volta a delinquir, cometendo os crimes pelos quais foi condenado nos presentes autos.

Diz, agora, que tem atenuantes que não foram devidamente considerados, invocando o sustento da mãe e do seu filho.

Outra é porém a nossa opinião.

De facto, o arguido, (nascido em 1991), demonstra, através da sua conduta e antecedentes criminais que possui uma personalidade com tendência para a delinquência, mostrando-se totalmente alheio aos “avisos” que lhe foram feitos assim como às oportunidades que lhe foram concedidas, insistindo em levar uma vida “a sua maneira”; (cfr., também a “listagem das transgressões” do Departamento de Trânsito, onde consta, nomeadamente, conduções com “excesso de velocidade” a 100Km/h e a 114Km/h; cfr., fls. 20 e 21).

Face a isto, outra solução não se vislumbra que não seja a integral confirmação da sentença recorrida.

Vejamos.

Nos termos do art. 40° do C.P.M., (quanto aos fins das penas):

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, constitui entendimento firme deste T.S.I. que: “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Atento o atrás consignado, e face às suas respectivas molduras – até 1 ano e até 2 anos, (cfr., art. 90° da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M.) – não podem ser consideradas excessivas as penas parcelares fixadas.

Por sua vez, e como sabido é, em sede de cúmulo jurídico, em causa estando uma moldura de 8 a 14 meses de prisão, (cfr., art. 71°, n.° 2 do C.P.M.), também inflaccionada não se mostra de considerar a pena única de 1 ano fixada.

Com efeito, tal pena única deve ser fixada considerando-se, “em conjunto os factos e a personalidade do agente”; (cfr., n.° 1 do art. 71° do C.P.M.).

E, como se disse, estes elementos apontam para uma “personalidade com tendência para a prática do crime”, fortes sendo as necessidades de prevenção especial.

No que toca à suspensão da execução desta pena, também não se apresenta possível.

De facto, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 04.10.2012, Proc. n° 435/2012).

No caso, fortes sendo as necessidades de prevenção especial, e também geral, já que se tem registado um aumento de sinistralidade rodoviária causada por abusos na ingestão de bebidas alcoólicas, viável não se mostra a suspensão de execução da pena de 1 ano em questão.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 21 de Março de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 132/2013 Pág. 20

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